A MASSA DO MÓDULO LUNAR



Documentos relacionados
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO DIRETORIA DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PORTAL DIA A DIA EDUCAÇÃO Natel Marcos Ferreira

NOME: Nº. ASSUNTO: Recuperação Final - 1a.lista de exercícios VALOR: 13,0 NOTA:

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

Lista de exercícios nº 2

a) O movimento do ciclista é um movimento uniforme, acelerado ou retardado? Justifique.

Capítulo 16. Gravitação. Página 231

Capítulo 4 Trabalho e Energia

A equação da posição em função do tempo t do MRUV - movimento retilíneo uniformemente variado é:

Física Unidade IV Balística Série 1 - Queda livre e lançamento vertical

Tópico 8. Aula Prática: Movimento retilíneo uniforme e uniformemente variado (Trilho de ar)

III MOVIMENTO DE QUEDA LIVRE (M.Q.L.)

Vestibular1 A melhor ajuda ao vestibulando na Internet Acesse Agora! Cinemática escalar

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA PIBID RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO ALUNO BOLSISTA SUBPROJETO DE Semestre de 2011

Provas Comentadas OBF/2011

5 Equacionando os problemas

PLANO DE AULA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul Campus Bento Gonçalves

Lista de Exercícios - Movimento em uma dimensão

Cinemática sem fórmulas?

AS LEIS DE NEWTON PROFESSOR ANDERSON VIEIRA

Curso de Engenharia Civil. Física Geral e Experimental I Movimento Prof.a: Msd. Érica Muniz 1 Período

Medir a aceleração da gravidade... com um telemóvel! Fisiquipédia 9

MINHA HISTÓRIA NO NOVOTEL

PRATICA EXPERIMENTAL. Introdução:

AULA COM O SOFTWARE GRAPHMATICA PARA AUXILIAR NO ENSINO E APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

VOCÊ QUER LER EM INGLÊS EM APENAS 7 DIAS?

P R O V A DE FÍSICA II

Lista de Exercícios - Unidade 6 Aprendendo sobre energia

(Desconsidere a massa do fio). SISTEMAS DE BLOCOS E FIOS PROF. BIGA. a) 275. b) 285. c) 295. d) 305. e) 315.

FÍSICA - 1 o ANO MÓDULO 17 LANÇAMENTO VERTICAL E QUEDA LIVRE

PROJETO O AR EXISTE? PICININ, Maria Érica ericapicinin@ig.com.br. Resumo. Introdução. Objetivos

A IMPORTÂNCIA DAS DISCIPLINAS DE MATEMÁTICA E FÍSICA NO ENEM: PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO CURSO PRÉ- UNIVERSITÁRIO DA UFPB LITORAL NORTE

A METODOLOGIA DE.ENSINO-APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA ATRAVÉS DA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: INTERDISCIPLINARIDADE E O USO DA MATEMÁTICA FUNCIONAL.

Leitura e interpretação de gráficos: Cada vez mais os vestibulares exigem essa competência

4UNIVERSIDADE DO CORRETOR

a) O tempo total que o paraquedista permaneceu no ar, desde o salto até atingir o solo.

Exemplos de aplicação das leis de Newton e Conservação do Momento Linear

CURSO INTRODUTÓRIO DE MATEMÁTICA PARA ENGENHARIA Cinemática. Isabelle Araújo Engenharia de Produção Myllena Barros Engenharia de Produção

A interpretação gráfica e o ensino de funções

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL COMISSÃO PERMANENTE DO PROCESSO SELETIVO DÚVIDAS FREQUENTES

Programa de Retomada de Conteúdo - 3º Bimestre

EXERCÍCIOS 2ª SÉRIE - LANÇAMENTOS

Modelando o controle do crescimento humano

Larissa Vilela de Rezende Lucas Fré Campos

Dadas a base e a altura de um triangulo, determinar sua área.

Métodos Matemáticos para Gestão da Informação

Física Simples e Objetiva Mecânica Cinemática e Dinâmica Professor Paulo Byron. Apresentação

INVESTIGANDO REGULARIDADES DA MULTIPLICAÇÃO POR 99 A PARTIR DE UM PROBLEMA Ana Regina Zubiolo Rede Pública Estadual Paranaense zubieng@hotmail.

PIBID: DESCOBRINDO METODOLOGIAS DE ENSINO E RECURSOS DIDÁTICOS QUE PODEM FACILITAR O ENSINO DA MATEMÁTICA

FÍSICA, 1º Ano do Ensino Médio Potência Mecânica. A máquina a vapor

FÓRMULAS DO MICROSOFT EXCEL

Apresentação. Olá! O meu nome é Paulo Rebelo e sou apostador profissional.

Sumário. Prefácio... xi. Prólogo A Física tira você do sério? Lei da Ação e Reação... 13

PROJETO PIBID JOGO DO LUDO. Palavras chave: Jogo do Ludo. Educação Infantil. Matemática na Educação Infantil.

A EXPLORAÇÃO DE SITUAÇÕES -PROBLEMA NA INTRODUÇÃO DO ESTUDO DE FRAÇÕES. GT 01 - Educação Matemática nos Anos Iniciais e Ensino Fundamental

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

Exercícios: Lançamento Vertical e Queda Livre

Resoluções das Atividades

Prof. Rogério Porto. Assunto: Cinemática em uma Dimensão III

Sistema de Controle de Solicitação de Desenvolvimento

Bacharelado em Ciência e Tecnologia Bacharelado em Ciências e Humanidades. Representação Gráfica de Funções

UNIDADE III Energia: Conservação e transformação. Aula 10.2 Conteúdo:

A função do primeiro grau

Bacharelado Engenharia Civil

PLANTIO DE FLORES Profas Joilza Batista Souza, Isilda Sancho da Costa Ladeira e Andréia Blotta Pejon Sanches

Lógicas de Supervisão Pedagógica em Contexto de Avaliação de Desempenho Docente. ENTREVISTA - Professor Avaliado - E 5

2aula TEORIA DE ERROS I: ALGARISMOS SIGNIFICATIVOS, ARREDONDAMENTOS E INCERTEZAS. 2.1 Algarismos Corretos e Avaliados

Sumário. Volta às aulas. Vamos recordar? Grandezas e medidas: tempo e dinheiro Números Regiões planas e seus contornos...

A DIVERSIDADE NA ESCOLA

COLÉGIO JOÃO PAULO I UNIDADE SUL

Operador de Computador. Informática Básica

CURSO ON-LINE PROFESSOR GUILHERME NEVES

Como fazer contato com pessoas importantes para sua carreira?

RELATÓRIO FINAL SOBRE AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NA ESCOLA ESTADUAL CÔNEGO OSVALDO LUSTOSA

Hoje estou elétrico!

1. Quem somos nós? A AGI Soluções nasceu em Belo Horizonte (BH), com a simples missão de entregar serviços de TI de forma rápida e com alta qualidade.

POR QUE FAZER ENGENHARIA FÍSICA NO BRASIL? QUEM ESTÁ CURSANDO ENGENHARIA FÍSICA NA UFSCAR?

Introdução ao Aplicativo de Programação LEGO MINDSTORMS Education EV3

ATIVIDADES DE RECUPERAÇÃO PARALELA 3º TRIMESTRE 8º ANO DISCIPLINA: FÍSICA

USANDO A REDE SOCIAL (FACEBOOK) COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM

Educação especial: um novo olhar para a pessoa com deficiência

Fundamentos da Matemática

2 A Derivada. 2.1 Velocidade Média e Velocidade Instantânea

MOVIMENTOS VERTICAIS NO VÁCUO

Objetivos: Construção de tabelas e gráficos, escalas especiais para construção de gráficos e ajuste de curvas à dados experimentais.

Física. Pré Vestibular / / Aluno: Nº: Turma: ENSINO MÉDIO

Método dos mínimos quadrados - ajuste linear

INTRODUÇÃO. Fui o organizador desse livro, que contém 9 capítulos além de uma introdução que foi escrita por mim.

Respostas dos alunos para perguntas do Ciclo de Debates

Matéria: Matemática Assunto: Regra de Três simples Prof. Dudan

Leis de Newton. Dinâmica das partículas Física Aplicada

2. METODOLOGIA DO TRABALHO DESENVOLVIDO NA PASTORAL DO MENOR E DO ADOLESCENTE

Movimento da Lua. Atividade de Aprendizagem 22. Eixo(s) temático(s) Terra e Universo. Tema. Sistema Solar

Prova da segunda fase - Nível 1

Movimento Retilíneo Uniforme (MRU) Equação Horária do MRU

Ouvindo a Queda Livre

Ivan Guilhon Mitoso Rocha. As grandezas fundamentais que serão adotadas por nós daqui em frente:

PERGUNTAS MAIS FREQÜENTES FEITAS PELO ALUNO. 1. O que são as Atividades Complementares de Ensino do NED-ED?

Manual Arkos Administrador

Soluções das Questões de Física do Processo Seletivo de Admissão à Escola Preparatória de Cadetes do Exército EsPCEx

Transcrição:

A MASSA DO MÓDULO LUNAR Resumo Sérgio Noriaki Sato snsato@uol.com.br Muitas vezes os colegas professores, até por saberem que trabalho com Modelagem Matemática, perguntam-me o que a Modelagem é e como podem implementála em seus trabalhos. Minha concepção de Modelagem Matemática é a mesma de BARBOSA, 2001, ou seja, a de um ambiente de aprendizagem. Este relato de experiência apresenta um acompanhamento de investigação matemática que realizei junto a um grupo de alunos que trabalhavam com o software Lunar Lander 1. Desta forma, iniciou-se um trabalho de modelagem e investigação matemática, nos moldes de PONTE, 2003, sobre um módulo espacial em pouso na Lua. Meu objetivo era que eles realizassem uma investigação matemática e extraíssem informações sobre o tema escolhido; e, desta forma, pudessem praticar a Modelagem Matemática. O grupo atuou comigo de forma satisfatória e conseguimos determinar a massa do módulo lunar do software 2 em 7670 kg. Palavras-chave: Investigação Matemática; Projeto Interdisciplinar; Modelagem Matemática Relato Sou professor de Matemática 3 do Ensino Médio de uma escola particular na cidade de São Paulo, de grande tradição, até mesmo por completar, em 2010, 50 anos de fundação. A disciplina de Matemática que desenvolvo ocorre apenas para os alunos do terceiro ano do Ensino Médio. A minha disciplina é oferecida como uma frente (ou 1 O Lunar Lander é um software free desenvolvido pela equipe do PhET da Universidade do Colorado, em Bolder, EUA, e que pode ser conseguido no endereço http://phet.colorado.edu/simulations/sims.php?sim=lunar_lander 2 Apenas como comentário, o site Wikipédia informa, em sua versão em inglês, que o módulo lunar, chamado de Eagle (águia) tinha massa de 16.448kg. 3 Além de professor universitário. 741

divisão) da disciplina principal e minha função é trabalhar com os conteúdos já vistos nos anos anteriores (revisão) e realizar uma preparação especial para os processos seletivos do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e do IME (Instituto Militar de Engenharia). Sempre que posso (e não posso tanto quanto gostaria, pois o colégio é muito tradicional) desenvolvo projetos de convite à modelagem matemática e isto passou a ser um modo interessante de envolver os alunos numa perspectiva de formação científica, conforme ZEICHNER, 1993. De forma geral os alunos têm os pré-requisitos matemáticos e particularmente o grupo que atendi está acima da média. O professor de Física estava usando um software denominado Lunar Lander que essencialmente é um jogo. Neste jogo o participante controla um módulo lunar, uma pequena nave que desce na Lua. De fato, visualmente, é muito parecido com os módulos lunares que pousaram na Lua no final dos anos sessenta e início dos anos 70 do século XX. Um dos motivos da atividade é que, este ano, em 20 de julho, comemoram-se os 40 anos da chegada dos astronautas ao nosso satélite natural. No jogo o módulo é controlado pelas setas direcionais do teclado, pela barra de espaço e temos, ainda, vários indicadores, que formam o painel de controle, como pode ser visto na figura a seguir. O módulo inicialmente está em repouso a 50m acima da superfície da Lua. O painel de controle de fundo amarelo, no alto à direita, contém: uma seta azul que indica a inclinação do eixo vertical do módulo; um altímetro (na figura indicando 37m), um medidor denominado range, que indica a que distância se está do alvo principal da missão (na figura indicando 45m); um medidor de velocidade vertical, v_y, em metros por segundo (na figura, -6,5); um medidor de velocidade horizontal, v_x, também em metros por segundo (na figura 0,0); um indicador do empuxo recebido do motor principal, denominado thrust, em newtons; e a indicação de quanto combustível resta a disposição do 742

módulo, tanto na barra vertical verde, quanto no indicador digital, logo abaixo, que na figura mostra 817kg de combustível. Pode-se, ainda, habilitar ou não o som e a visualização dos vetores de velocidade e aceleração que atuam sobre o módulo. O objetivo do jogo é pousar o maior número de vezes no solo lunar, o mais suavemente possível (protegendo assim a nave e a tripulação), com o combustível disponível, inicialmente em 817kg. Vence a competição o participante que marcar mais pontos. Os pousos devem ocorrer nas regiões planas, pois as rochas e penhascos destroem a nave e a missão se encerra. Pousar mais de uma vez na mesma região plana não concede novos pontos. A pontuação é maior se o pouso é realizado em locais estreitos, entre rochas, e menor se nas grandes áreas planas. De fato, são 5 pontos nas grandes áreas planas e 50 pontos nas regiões estreitas. Dez pontos extras são concedidos se o pouso ocorre com velocidade inferior a 2,0m/s, velocidade total do módulo, como a resultante dos efeitos vertical e horizontal. A nave também é destruída, mesmo que seja uma zona plana, se a velocidade do módulo superar 12m/s. Como controles adicionais existem os botões do teclado R e P que, respectivamente, são usados para reiniciar (reset) e para pausa (pause). A barra de espaço desliga o motor principal, se ele estiver ligado, e liga o motor principal, em máximo empuxo, de 45.000N, se ele estiver originalmente desligado. A intenção do professor de Física, neste jogo, exceto as comemorações do pouso na Lua, era estudar os efeitos da gravidade na queda livre, no lançamento vertical, a dinâmica dos vetores, velocidade e aceleração, na movimentação do módulo. Para os alunos, obviamente, trata-se de um jogo, e, portanto, de um ambiente no qual podem brincar, ainda que também possam discutir conceitos de Física. O jogo permite que se possa determinar a altura máxima que o módulo atinge, ou mesmo com que velocidade ele pousa na Lua. Uma das primeiras perguntas que os alunos fizeram ao professor de Física foi Qual a aceleração da gravidade na superfície da Lua?. O professor respondeu de memória que seria algo próximo de um sexto da gravidade terrestre. De fato é o valor que costumeiramente é usado! Como na superfície da Terra a aceleração é próxima de 9,8m/s 2, a aceleração na superfície lunar é de 9,8/6 = 1,63m/s 2. Parte das atividades que fizeram com o jogo Lunar Lander foi exatamente determinar a aceleração gravitacional lunar. Com os dados disponíveis, quais sejam: a 743

altura em que o módulo é inicialmente abandonado e a velocidade de impacto do modulo na Lua, um dos alunos, com um sorriso malicioso, me disse que tiveram que matar a tripulação do módulo, mas eles conseguiram esta informação. Tudo pela Ciência!. De fato, como se pode ver na figura a seguir, a tripulação virtual não sobreviveu ao desastrado pouso, se é que podemos dizer assim. O módulo foi abandonado da altura de 50m e atingiu o solo com velocidade final de 12,6m/s. Como os próprios alunos me disseram, a equação de Torricelli 4 resolve este problema. A equação de Torricelli é v 2 = v 2 0 + 2.a.Δy, onde v e v 0 representam, respectivamente, a velocidade final e a velocidade inicial do módulo; a aceleração a que o módulo está sujeito e Δy é a distância percorrida entre as posições inicial e final. Para o problema em questão, v = 12,6m/s; v 0 = 0 (o módulo é abandonado no início da simulação para tanto basta não acionar o motor principal do módulo) e Δy = 50m. Assim posto, v 2 = v 2 0 + 2.a.Δy 12,6 2 = 2.a.50 158,76 = 100.a a = 158,76/100 = 1,59m/s 2, o que está bem razoável, dadas as imprecisões que desconhecemos dos cálculos do próprio software 5. Para efeito deste trabalho, adotar-se-á o valor de 1,6m/s 2 para a aceleração da superfície lunar. Aproveitei a oportunidade para lembrar aos alunos que a equação de Torricelli é ela mesma um modelo. E como modelo permite interpretar um fenômeno a partir dos parâmetros deste fenômeno, nos levando a conclusões. 4 5 Torricelli foi um físico e matemático italiano, aluno de Galileu Galilei, que viveu entre 1608 e 1647. De acordo com o site Wikipédia, a aceleração equatorial na superfície lunar é de 0,1654g, onde g = 9,80m/s 2, o que produz a aceleração da superfície da Lua, 1,62m/s 2. 744

Na verdade o próprio jogo Lunar Lander utilizava equações como esta para simular (e mesmo modelar) a situação de um pouso na Lua. Mas o que eles, os alunos, propuseram ao professor de Física? Depois de terem brincado com o jogo e respondido as várias questões que o professor de Física formulou, eles perguntaram ao professor qual é a massa do módulo. O professor disse-lhes que esta informação não estava disponível e que, mesmo tendo consultado o site que originou o jogo, ele não sabia a resposta. E ficou nisto! Os alunos perguntaram se não havia uma forma de se determinar isto e o professor disse-lhes apenas que a massa não tinha relação com a queda livre, pois corpos com massas diferentes caem com a mesma aceleração (o que está corretíssimo!) e encerrou a questão e aula. Um dos alunos perguntou se não seria possível determinar esta massa, pois o professor de Matemática de revisão sempre insistia que se pode explorar um fenômeno matematicamente. O professor disse que mesmo que isto seja possível o problema envolvia uma massa variável e isto implicaria em Matemática Superior, o que estava além do conhecimento deles! Questão encerrada. Até pelo menos eles me procurarem. De fato, sempre os estimulo a questionar a realidade e sempre reafirmo que a matemática pode ser o instrumento para discutí-la, conforme BASSANEZI, 2002. O fato é que eles me trouxeram o problema. Qual é a massa do módulo espacial usada no jogo de simulação Lunar Lander? De fato a postura do colega de Física não me é nova! 6. Por isso, preferi omitir os nomes dos envolvidos e da instituição. Formulação do problema Após uma reunião com o grupo, fora do horário de aula 7, estabelecemos que precisávamos determinar como a massa da nave varia e se de fato o software se utilizava deste conceito de massa variável. 6 Há ainda alguma relutância de colegas professores em ver o ambiente de Modelagem Matemática como facilitador na negociação de significados, mas como prática profissional insisto, conforme afirmou D AMBRÓSIO, na oportunidade da palestra de abertura do IV CNMEM, em Piracicaba, SP, em 2003, que (...) o professor deve subverter o status quo (...). 7 Fizemos a reunião no período da tarde, depois da aula regular da manhã e antes das atividades de revisão. 745

Era evidente, pelo painel de controle, que a massa de combustível variava, mas talvez esta variação fosse desprezada pelo software. O que sugeri e o grupo acatou, após rápida discussão, era que usássemos os modelos de Galileu e Torricelli para o chamado MUV Movimento Uniformemente Variado. Se a aceleração do módulo lunar se mostrasse constante nas equações, isto significaria que a massa total do módulo era constante. Caso encontrássemos variações significativas nesta aceleração, isto significaria que a massa do módulo lunar variava e esta variação seria a do combustível. Como o painel de controle do Lunar Lander nos informa altura e velocidades, mas não tempo, a equação de Torricelli novamente nos seria útil. A ideia era tabular as alturas e velocidades e determinar a aceleração total sobre o módulo. Pedi que os alunos fizessem a coleta de dados e me trouxessem no próximo encontro. De fato não tive que esperar muito. Por e-mail recebi os dados, que me permitiram organizar na tabela a seguir. y(m) v_y(m/s) 50 0,0 115 23,8 202 36,4 320 48,5 622 71,0 1009 92,3 1540 115,6 3054 165,8 4038 192,0 Os que eles me relataram é que com o jogo em pausa o motor principal foi acionado (eles haviam descoberto durante as muitas partidas que disputaram que poderiam fazer isto sem consumir combustível) e com a pausa liberada a nave subia verticalmente e cada vez mais rápido, dado que o empuxo do motor, era de 45.000N. Importante destacar que um dos alunos do grupo já havia mencionado que se este empuxo é capaz de fazer com que o módulo suba verticalmente então é porque este empuxo é superior ao peso do módulo na Lua. E assim ele já havia me trazido alguns rascunhos de onde se pode escrever: 45000 > Peso 45000 > m.g 45000 > m.1,6 m < 45000/1,6 = 28125 kg. Assim, já sabíamos que o módulo não poderia ter massa superior a 28125kg, pois, não fosse isto, o empuxo não seria capaz de erguer a nave. Retomando os dados da última tabela e adaptando a equação de Torricelli para as condições que os alunos haviam colocado no jog,o temos: v 2 = v 2 0 + 2.a.Δy v 2 = 2.a.(y 746

50) a = v 2 /(2y 100). Se a massa do módulo é constante, então a aceleração advinda das forças constantes que atuam sobre o módulo (empuxo e peso) deveriam produzir uma aceleração constante. O grupo de alunos já havia concluído que se a massa do módulo se reduz, em função da queima de combustível, a aceleração ascendente deveria crescer. Mostrei a eles os valores encontrados 8 e que podem ser vistos abaixo. y(m) v_y(m/s) a (m/s 2 ) 50 0,0 115 23,8 4,36 202 36,4 4,36 320 48,5 4,36 622 71,0 4,41 1009 92,3 4,44 1540 115,6 4,48 3054 165,8 4,58 4038 192,0 4,62 Ao observar os resultados o grupo foi unânime quanto à variação da aceleração, até porque já havíamos estabelecido a precisão máxima de três algarismos significativos 9. Pensei até em discutir um pouco de análise de variância, para aproveitar o momento para discutir estatística, mas o grupo considerou tão evidente a variação da aceleração que isto ficou só na minha vontade. Eles me perguntaram qual seria o próximo passo? E eu devolvi a pergunta a eles. Pedi que se reunissem e pensassem no que fazer agora. Alguns dias depois, pessoalmente e na escola, eles me contaram que conversaram com o professor de Física que a aceleração do módulo era variável e mostraram como sabiam disto. Neste momento, o professor de Física teve a certeza de que eu estava ajudando. Na verdade, se ele se importou, não me disse! Ao contrário, pediu-me que continuasse ajudando os alunos, pois ele estava sem tempo. Disse-me, ainda, que já havia adiantado a eles que a massa do módulo seria variável e que apenas com Matemática Superior o problema poderia ser abordado. Pessoalmente, me senti como adepto da Modelagem Matemática, desafiado a ajudar os alunos na análise do problema da massa do módulo, ou usando os recursos que eles já tinham, ou, então, aprendendo junto com eles um novo caminho. 8 9 Respondi a eles por e-mail. O conceito de algarismo significativo é mais robusto estatisticamente do que o popular quantidade de casas decimais e coerente com um experimento. 747

Assim, pedi aos alunos que tabulassem a variação de massa do combustível do módulo para que pudéssemos analisar como era esta variação. E neste caso a informação de tempo era importante. O que eles me relataram é que cronometraram o consumo de combustível a máximo empuxo de 45.000N e os resultados estão na tabela a seguir. t(s) m(kg) 0 817 10 667 20 521 30 380 40 223 50 84 Os alunos perceberam que a variação de combustível tinha algo de linear, pela proporcionalidade na variação da massa. Contudo, alguns deles já me adiantavam que não existia uma reta que passasse por todos os pontos. O que eles na verdade me diziam é que a reta que passava por dois pontos escolhidos aleatoriamente não se ajustava aos demais pontos. Disse a eles, então, que precisávamos encontrar uma reta que, mesmo que não passasse perfeitamente por todos os pontos, passasse entre eles, com o menor erro possível. Pedi que pesquisassem sobre Mínimos Quadrados e Ajustes de funções. Na verdade estava escondendo o jogo, como diz o dito popular. Pensava em usar o recurso de ajuste de funções (linha de tendência) que o Excel possui. Fiquei surpreso quando o próprio grupo me informou que este recurso estava lá no Excel, mas que eles não tinham entendido em que base isto funcionava. Discutimos por uma hora todas as bases nas quais se apoia o recurso de linha de tendência do Excel, e só isto já fazia valer a pena a discussão do jogo Lunar Lander. Aplicada a linha de tendência linear aos valores dados, o R de Pearson encontrado foi de -0,99991, o que indicava fortíssima tendência linear e que ela era decrescente, pois R < 0, o que tinha todo o significado para o grupo, pois o combustível sofria redução com o tempo. A função ajustada pelo Excel foi m = 816 14,68.t, onde m é a massa residual de combustível, em kg, e t é o tempo de consumo contínuo deste combustível, em segundos. A função encontrada permitiu prever o tempo máximo de uso do empuxo de 45000 N, pois m = 0 816 14,68.t = 0 t = 816/14,68 = 55,6 s. Este resultado foi 748

validado pelo próprio software. Na verdade os alunos já sabiam deste tempo devido a sua experiência em usá-lo como jogo. Neste momento tínhamos a certeza da variação da massa do módulo e acreditávamos que esta variação se dá em função da massa de combustível. Mas como ter certeza disto? Não havia razão, pelo menos assim pensava o grupo inicialmente, de que a massa variasse em função de outra coisa, que não a massa consumida de combustível. Mas disse a eles que o rigor científico nos exigia esta certeza. Um deles sugeriu então que acompanhássemos a velocidade do módulo, após o término do combustível e tabelássemos a posição do módulo e sua velocidade. Deveríamos então obter uma aceleração constante. A tabela a seguir retira qualquer dúvida e novamente a ajuda vem da equação de Torricelli. y(m) v_y(m/s) a (m/s 2 ) 7144 254,2 8534 245,3-1,60 10021 235,4-1,60 11992 221,6-1,60 13105 213,4-1,60 E para aqueles que ficaram com vontade de saber a altura máxima atingida pelo módulo, isto também pode ser determinado pela equação de Torricelli e também foi validado pelo software, onde se registrou o valor máximo da altura em 27.334m, como atesta a figura a seguir do painel de controle. Ainda que seja bem difícil se conseguir v_y exatamente igual a zero. O grupo já estava seguro de que a massa do módulo variava em função da queima de combustível e apenas isto. 749

Mas a questão ainda permanecia: Qual é a massa do módulo lunar? Precisamos de alguma expressão matemática em que pudéssemos ter a massa do módulo. Disse aos alunos, que estão fazendo várias revisões para os vestibulares, que era missão deles encontrar algo. E eles encontraram! O teorema do impulso afirma que o produto entre a força resultante e o tempo de aplicação da força é igual ao produto entre a massa e a variação de velocidade. Em termos matemáticos 10 F.Δt = m.δv. Mas há um problema! Isto só é verdadeiro se a massa for constante. Sabemos que a massa varia linearmente com o tempo. Fiz a sugestão de levar em conta esta variação e considerar uma massa média. Na verdade, a ideia foi usar como massa constante a massa média do intervalo Δt considerado. Assim, o teorema do impulso fica: F.Δt = m.δv. Onde F é a força resultante, ou seja, a diferença entre o empuxo e o peso do módulo, F = E P. Ocorre que o peso do módulo também depende da massa do módulo, pois P = m.g, então F = E m.g. A massa do módulo deveria ser uma massa M fixa, menos aquela perda média de massa, no intervalo considerado. Isto posto ficamos com F = 45000 (M - Δm/2).g. Então, o teorema do impulso torna-se finalmente: [45000 (M - Δm/2).g].Δt = (M - Δm/2).Δv Pedi a eles, então, que a partir da massa residual no tanque do módulo e da velocidade vertical, ambas dadas pelo painel de controle, e também das medidas de tempo cronometradas, calculássemos o valor de M. Δm Δm 45000. t +. gt +. v Da última equação, tem-se que M = 2 2 v + gt A tabela a seguir mostra os dados obtidos e a massa estimada para o módulo. Combustível residual (kg) Velocidade vertical na pausa (m/s) Tempo de impulso estimado 11 (s) Perda de massa (kg) Semiperda (kg) Massa estimada (kg) 768 14,1 3,27 48 24,0 7635,32 747 20,2 4,70 69 34,5 7664,69 10 11 Na verdade uma variação da segunda lei de Newton, F = m.a. O tempo de impulso foi estimado pela equação ajustada entre a massa residual e o tempo. 750

722 27,7 6,40 94 47,0 7640,76 701 33,8 7,83 115 57,5 7665,74 684 38,8 8,99 132 66,0 7673,74 640 51,9 11,99 176 88,0 7677,90 609 61,3 14,10 207 103,5 7670,00 572 72,4 16,62 244 122,0 7677,57 505 93,0 21,19 311 155,5 7668,22 412 121,7 27,52 404 202,0 7674,39 329 147,9 33,17 487 243,5 7671,38 265 168,1 37,53 551 275,5 7678,52 201 188,8 41,89 615 307,5 7676,53 153 204,6 45,16 663 331,5 7672,20 103 220,9 48,57 713 356,5 7675,81 85 226,9 49,80 731 365,5 7674,70 72 231,4 50,68 744 372,0 7670,33 50 238,5 52,18 766 383,0 7675,49 33 244,3 53,34 783 391,5 7672,78 17 248,8 54,43 799 399,5 7691,44 5 253,8 55,25 811 405,5 7670,52 Os alunos ficaram um pouco preocupados ao ver os resultados para a massa do módulo, pois esperavam uma massa fixa na última coluna. Os tranquilizei de que estamos estimando a massa do módulo a partir de dados que variam. Como eles já haviam estudado um pouco de estatística, pedi que calculassem o coeficiente de variação para a massa do módulo. Eles não se lembravam o que era inicialmente. Lembrei-os que era a razão entre o desvio padrão e a média dos dados, e que eles poderiam facilitar as operações com o uso do Excel novamente. Por e-mail eles me retornaram o valor de 0,158%, que é baixíssimo! Por fim, adotamos a média das massas encontradas, 7.670kg, como sendo a massa do módulo. Considerações finais Levamos nossos resultados para a classe e o grupo foi aplaudido pelos colegas. O professor de Física ficou impressionadíssimo, mas não tem puxado muita conversa comigo. Pedi que o grupo apontasse o que chamou mais a atenção a eles neste evento: 1. A aquisição de conhecimentos relativos à Estatística, na prática. 2. Aplicação dos conceitos de Física na prática, ainda que simulada. 3. Consideraram o Lunar Lander um jogo pedagógico muito bem feito e parabenizam à equipe do PhET da Universidade do Colorado. 751

4. A aquisição de habilidades quanto ao emprego da planilha de cálculo Excel para a determinação de tendências no comportamento de uma variável. 5. Que a Matemática é um instrumento interessante para mediar nossa comunicação com a realidade o que validou a fala popular Gente... A Matemática serve para alguma coisa!. 6. Que mesmo um simples jogo de computador, ainda que tenha pretensões pedagógicas, pode proporcionar um cenário para mais aprendizagem. Assim, isto ratifica minha posição quanto à Modelagem Matemática como um ambiente de aprendizagem onde o aluno também fala além de ouvir; onde o professor coordena e não apenas transmite conteúdo; conteúdo este que é aberto e não fechado e no qual a visão de mundo possa ser mais relacional a partir de uma perspectiva que não é apenas cognitiva, mas cognitiva-emocional. A partilha de valores, como a tenacidade, medida através da vontade em resolver o problema, foi para mim um troféu. Referências BARBOSA, Jonei Cerqueira. Modelagem Matemática: concepções e experiências de futuros professores. Tese de doutorado. Rio Claro: Unesp, 2001. BASSANEZI, Rodney Carlos. Ensino-aprendizagem com Modelagem Matemática. São Paulo: Contexto, 2002. PONTE, João Pedro da et al. Investigações Matemáticas na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. ZEICHNER, Keneth. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa, Portugal: Educa, 1993. 752