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RESUMO Rastreamento e diagnóstico de Screening and diagnosis of prostate cancer Não existem até o momento provas contundentes que a população coberta pelo plano de saúde UNIMED-POA deva ser submetida ao rastreamento sistemático do câncer de próstata com o intuito de reduzir a mortalidade decorrente deste tipo de câncer, uma vez que não existem estudos desenhados no Estado do Rio Grande do Sul que contemplem este aspecto. Recentemente, dois grandes estudos randomizados que visavam a esclarecer se o rastreamento populacional poderia reduzir a mortalidade por concluíram: em estudo realizado nos Estados Unidos (prostate, lung, colorectal and ovary trial), não houve diferença na mortalidade da população rastreada ou não; no estudo europeu (European randomized of screening for prostate cancer), houve uma redução de 20% da mortalidade da população rastreada em relação à não rastreada. Cabe ressaltar que ambos os estudos apresentaram, entre outros problemas, viés de seleção dos pacientes, onde mais de 50% do grupo teoricamente não rastreado efetivamente realizou exames antes ou durante o estudo. Sendo assim, permanece recomendada realização de rastreamento nas diretrizes da Associação Americana de Urologia, Associação Europeia de Urologia e Sociedade Brasileira de Urologia. UNITERMOS: Câncer de Próstata, Triagem de Massa. ABSTRACT So far, there is no compelling evidence that the local population covered by the health plan UNIMED-POA should be submitted to systematic screening for prostate cancer in order to reduce mortality resulting from this type of cancer, as no studies in Rio Grande do Sul have been performed to address this particular issue. In other countries, two large randomized studies aimed at clarifying whether such screening could reduce mortality from prostate cancer were conducted recently: the prostate, lung, colorectal and ovary trial in the United States, and the European randomized screening for prostate cancer. In the former, there was no difference in mortality between screened and non-screened groups; in the latter there was a 20% reduction in mortality in the screened as compared to the non-screened group. It should be highlighted that both studies had many design problems including biased selection of patients, as more than 50% of the supposedly non-screened group was in fact submitted to medical tests either before or during the trial. Therefore, screening still should be performed according to the guidelines of the American Association of Urology, European Association of Urology and the Brazilian Society of Urology. KEYWORDS: Prostate Cancer, Mass Screening. I NTRODUÇÃO Câncer de próstata é o câncer mais prevalente no homem em todo o mundo e a causa principal de morte por câncer (1 C). É a segunda causa mais importante de morte por câncer em homens no mundo ocidental, responsável por 15,3% de cânceres em homens em países desenvolvidos e 4,3% em países em desenvolvimento (1 C, 2 A). Até o final da década de 80, a incidência de era estável, no entanto no início da década de TÚLIO GRAZIOTTIN Urologista. Presidente da Sociedade de Urologia do Rio Grande do Sul (2007). JOSÉ ALFREDO MARQUES Urologista. Vice-Presidente da Sociedade de Urologia do Rio Grande do Sul (2007). CARLOS T. DA ROS Doutor em Clínica Cirúrgica. Ex-Presidente da SBURS, biênio 2004-2005. BERNARDO DA SILVA MOREIRA Uro-Oncologista. Preceptor da Residência Médica do HCPA. ALICE DE MEDEIROS ZELMANO- WICZ Doutora em Epidemiologia. Oncologista do Hospital Santa Rita, da ISCMPA. GIOVANI T. PIONER Mestre em Clínica Cirúrgica. Preceptor da Urologia da Santa Casa de Porto Alegre. EDUARDO CARVALHAL Urologista. Urologista do Hospital Moinhos de Vento e do Hospital São Lucas da PUC-RS. BRASIL NETO Doutor em Medicina. Comitê de Urologia da Unimed Porto Alegre. Iniciativa e coordenação do Projeto Compromisso Unimed Porto Alegre. Dra. Jussara Munareto, Dr. Fernando Bernd, Dr. Paulo Bersch, Dr. Airton Stein. Endereço para correspondência: Bráulio Tercius Escobar Venâncio Aires, 1040 90040-192 Porto Alegre, RS Brasil (51) 3316-4858 projeto.compromisso@unimedpoa.com.br 90 houve um aumento na incidência dessa neoplasia. A elevação tem sido atribuída ao aumento e envelhecimento da população e ao aumento do uso de técnicas de rastreamento, como o PSA, o qual foi introduzido no início da década de 90 (3 B, 4 B). No Brasil, o ocupa o primeiro lugar em incidência de neoplasias malignas (excetuando-se as neoplasias malignas cutâneas não melanoma) e é a segunda causa de morte por câncer (5 C). No período de 1996 a 2000, a taxa bruta de em Porto Alegre foi de 83,80 casos por 100.000 habitantes, o que coloca a cidade acima da incidência da média nacional, que é de 62,74 casos Recebido: 7/6/2009 Aprovado: 8/6/2009 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 53 (2): 179-183, abr.-jun. 2009 179 21-416_rastreamento_e_diagnóstico.pmd 179

por 100.000 habitantes. Já a mortalidade por no Estado do RS em 1999 aproximou-se de 18 casos por 100.000 habitantes, colocando-a na segunda posição das neoplasias mais letais, após somente as neoplasias do pulmão, traqueia e brônquios. Estima-se para 2006 as incidências de 81,92 e 108,22 casos novos de por 100.000 habitantes no RS e Porto Alegre, respectivamente (5 C). Não existem até o momento provas contundentes de que a população coberta pelo plano de saúde UNIMED- POA deva ser submetida ao rastreamento sistemático do, com o intuito de reduzir a mortalidade decorrente desse tipo de câncer, uma vez que não existem estudos desenhados no Estado do Rio Grande do Sul que contemplem esse aspecto. Não obstante, baseando-se em estudos de outras populações, poder-se-iam inferir políticas para a questão proposta. Nos Estados Unidos e Canadá, órgãos governamentais que emitem políticas públicas para a prevenção e diagnóstico precoce, como a U.S.Preventive Services Task Force (6 C), o National Cancer Institute (7 C) e a Canadian Task Force on Preventive Health Care (8 C) reforçam que não há evidências até o momento para recomendar o rastreamento populacional em massa, com o objetivo de reduzir a mortalidade por (5 C). Por outro lado, a American Cancer Society (9 C), a American Urological Association (10 C) e a Sociedade Brasileira de Urologia (11 C) recomendam o rastreamento em pacientes que desejam essa abordagem (vide as indicações na população-alvo). Recentemente foram concluídos dois grandes estudos randomizados que visavam a esclarecer se o rastreamento populacional poderia reduzir a mortalidade por. O estudo realizado nos Estados Unidos (prostate, lung, colorectal and ovary trial) (12 A) concluiu que não houve diferença na mortalidade da população rastreada ou não. Por outro lado, o estudo europeu (European randomized of screening for prostate cancer) (13 A) concluiu que houve uma redução de 20 % da mortalidade da população rastreada em relação à não rastreada. Cabe ressaltar que ambos os estudos não são definitivos, pois apresentaram, entre outros problemas, viés de seleção dos pacientes, onde mais de 50% do grupo teoricamente não rastreado efetivamente realizou exames antes ou durante o estudo. Sendo assim, permanece recomendada realização de rastreamento nas diretrizes da Associação Americana de Urologia, Associação Europeia de Urologia (14 C) e Sociedade Brasileira de Urologia. R ASTREAMENTO DO CÂNCER DE PRÓSTATA Definição de rastreamento no É a avaliação periódica e sistemática de uma população de sexo masculino pertencente a uma determinada faixa etária, com o objetivo de detectar doença curável em homens com boa expectativa de vida saudável (15B, 16 B). Características de um rastreamento adequado (17 B): 1. Deve haver alto nível de evidências indicando redução de mortalidade e morbidade obtidas com o rastreamento. 2. Deve ser clínica, social e eticamente aceitável pelos profissionais de saúde e pelo público. 3. Os benefícios obtidos devem superar os danos físicos e psicológicos causados pelos testes, pelos procedimentos diagnósticos e pelo tratamento. 4. Os custos devem ser compatíveis com os benefícios obtidos. 5. O tratamento para a doença rastreada deve ser eficaz. O uso racional do rastreamento deve preencher, também, alguns critérios, como (18 B): 1. A doença deve ser altamente prevalente. 2. O teste deve apresentar sensibilidade razoável para detectar a doença e trazer pouca morbidade. Objetivos do rastreamento do A intenção do rastreamento é diminuir a mortalidade e aumentar a qualidade de vida do paciente, mas o real benefício do rastreamento do câncer de próstata permanece incerto. No rastreamento do pode ocorrer um tipo de viés que é chamado de viés de tempo de duração onde o desfecho parece ser melhor no grupo rastreado, uma vez que mais cânceres com bom prognóstico, ou seja, de crescimento lento ou não progressivo, são detectados. Nesses casos as lesões encontradas apresentam prognóstico tão bom que nunca se tornariam evidentes sem o uso da tecnologia de rastreamento, e a sua descoberta causa aumento aparente de incidência da doença. Essa situação constitui-se no que se pode chamar de sobrediagnóstico, onde se evidencia uma pseudodoença e encontrá-la pode não ajudar o paciente (19 C). Há evidências de que ao menos algum grau de sobrediagnóstico ocorre no rastreamento do. Ainda que o risco de aumente com a idade, muitos homens irão viver com o e morrerão por outro problema de saúde (20 B, 21 B). A incidência de detectado por rastreamento ao longo da vida excede em muito a probabilidade de morte por, o que pode sugerir um excesso de tumores clinicamente não importantes. O desafio é, portanto, diferenciar as lesões iniciais que irão se transformar em câncer invasivo, causando maior morbimortalidade, daquelas que permanecerão dormentes ao longo do tempo. Até o momento, a tecnologia disponível para o rastreamento não é capaz disso. A decisão do paciente em ser submetido a rastreamento de câncer de próstata é balizada pelas seguintes evidências e deve considerar que: 1. A incidência de no Rio Grande do Sul é alta em relação às demais áreas do Brasil. 2. O é a segunda causa de morte por neoplasia maligna, em homens, no Rio Grande do Sul. 180 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 53 (2): 179-183, abr.-jun. 2009 21-416_rastreamento_e_diagnóstico.pmd 180

3. Há chance de ser diagnosticado um tumor clinicamente insignificante (14 C). 4. Quanto mais precocemente for diagnosticada a doença melhor é o resultado do tratamento em termos de sobrevida. No entanto, não há conclusões definitivas de que a detecção precoce possa ter impacto na mortalidade específica (6 C). 5. Há risco de o paciente ser submetido a procedimentos diagnósticos invasivos desnecessários, como ultrassonografia transretal com biópsia de próstata, devido ao baixo valor preditivo positivo do antígeno prostático específico (PSA) (14 C). 6. O tratamento para câncer localizado na próstata pode causar problemas como disfunção erétil e incontinência urinária, o que pode afetar a qualidade de vida (15 C). População-alvo para rastreamento do câncer de próstata No processo de rastreamento de patologias é muito importante definir a população-alvo. O rastreamento do consiste na realização do toque retal e na dosagem do PSA total anualmente em pacientes nas seguintes faixas etárias (7 C): a) Maior ou igual a 50 anos, se a expectativa de vida é maior que 10 anos. b) Maior que 45 anos, se raça negra (resultados obtidos pelo estudo da raça negra americana) ou parentes de primeiro grau com doença diagnosticada antes dos 65 anos (pai, irmão ou filho). c) Maior que 40 anos, em pacientes com vários familiares com câncer de próstata. As diretrizes da Associação Americana de Urologia de 2009 (10 C) recomendam a realização de toque retal e dosagem de PSA a partir dos 40 anos para todos os homens. Toque retal O exame digital de próstata é necessário em rastreamento para câncer de próstata, uma vez que há tumores indiferenciados que produzem pouco PSA (23 A). O uso do toque retal como um instrumento de rastreamento é, entretanto, limitado devido à inabilidade para palpar toda a glândula prostática. O urologista possui maior habilidade para realizar o toque retal e apresenta uma coincidência de indicação ou não de biópsia de 84% entre examinadores diferentes (23 B). Tem valor preditivo positivo de 17% a 38%, aumentando com a idade (24 A, 25 B). Teste de PSA O PSA é uma proteína produzida pelo epitélio dos ácinos prostáticos e pode estar aumentado nas neoplasias da próstata, na hiperplasia benigna da próstata e outras doenças inflamatórias da glândula. Assim, a dosagem do PSA pode ser necessária em outras situações que não rastreamento das neoplasias prostáticas. Os métodos quantitativos quimioluminescentes e eletroquimioluminescentes para dosar o PSA são considerados hoje, pelo custo-benefício, os de melhor aplicação no laboratório clínico. Aliam rapidez de reação, sensibilidade, especificidade e alto grau de reprodutibilidade, sendo importantíssimos para triagem de qualidade e acompanhamento. Os principais métodos utilizados nas rotinas laboratoriais para o PSA são: B). O ponto de corte ideal para o PSA ainda é motivo de discussão (14 C). Atualmente, depois de vários estudos clínicos, concluiu-se que não existe um valor de PSA que exclua a possibilidade de diagnóstico de tumor na próstata, uma vez que mesmo em níveis tão baixos como 1,0 ng/ml pode estar presente clinicamente significativo (26 B). O emprego isolado do PSA tem sensibilidade maior do que o toque retal e ultrassonografia transretal, também isolados (27 A). O toque retal e o PSA são considerados métodos complementares entre si, permitindo a detecção adequada do (28 B, 29 B). No rastreamento do, o teste do PSA pode estar comprometido devido a uma alta taxa de falso negativo e positivo (30 B). A biópsia deve ser realizada para confirmar o diagnóstico. Baseando-se no fato de que a análise dos níveis de PSA sérico é utilizada no rastreamento do e, também, para diagnóstico de outras doenças da próstata, recomendamos: 1. O PSA total deve ser utilizado no rastreamento do em indivíduos orientados para o diagnóstico precoce. 2. A utilização do PSA total por outras especialidades médicas deve ser restrito ao rastreamento do câncer de próstata, sendo que o paciente deve ser encaminhado ao urologista para exame digital da próstata. Método para PSA Sensibilidade Especificidade Enzimaimunoensaio 95% 99% Quimioluminescência 99,8% 99,8% Imunofluorimetria 99,5% 99,8% Imunofluorimetria em tempo resolvido 99,5% 99,8% Eletroquimioluminescência 99,8% 99,9% O PSA teve seu uso clínico introduzido em 1989 e o limite usado inicialmente foi de 4 ng/ml, que é a recomendação do fabricante. O PSA isoladamente tem sensibilidade de 70 a 80% (corte 4 ng/ml) e valor preditivo positivo de 30 a 42% (corte 4,1 ng/ml) (18 3. A utilização do PSA livre em conjunto ou não com o PSA total em programas de rastreamento, ao menos como exame inicial, deve ser desencorajada. 4. Não se recomenda a utilização de testes qualitativos para a detecção Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 53 (2): 179-183, abr.-jun. 2009 181 21-416_rastreamento_e_diagnóstico.pmd 181

do PSA como métodos de imunocromatografia. Estes são testes de triagem, de rápida resolução, que apresentam, para o PSA, uma linha de corte por volta de 4 mg/ml, como valor de referência médio. Utilizam o soro como material de trabalho, apresentam boa especificidade, porém não permitem, pelo seu resultado qualitativo, oferecer um resultado definitivo para o clínico. 5. Promover campanhas de esclarecimentos junto aos médicos e pacientes sobre benefícios e riscos do rastreamento do Considerações Há, hoje, incerteza sobre o valor do rastreamento do, enfatizada por recomendações conflituosas, feitas por várias entidades médicas e pelo reflexo da falta de evidências de alta qualidade na literatura (31 A, 32 A). Conclui-se, pois, que existe evidência insuficiente para identificar se a detecção precoce e o tratamento do podem auxiliar a diminuir a mortalidade por esse câncer e/ou aumentar a qualidade de vida desses pacientes (33 C). D IAGNÓSTICO DO CÂNCER DE PRÓSTATA O diagnóstico é confirmado através da biópsia prostática e pelo exame anatomopatológico do material. No que tange ao diagnóstico precoce do câncer de próstata, a variação temporal do PSA (velocidade do PSA) tem sido preconizado como uma arma importante para a indicação de biópsias da próstata, e neste cenário, outras dosagens do PSA poderiam ser necessárias em período inferior a um ano (14 C), quando solicitadas pelo urologista, oncologista ou radioterapeuta. Para o cálculo da acurácia de um teste diagnóstico é necessário que seja utilizado um padrão ouro aceitável para calcular a sensibilidade e o valor preditivo positivo, os quais não estão disponíveis para. Numa revisão sistemática foram analisados 87 estudos primários, com um total de 20.698 pacientes, nos quais se avaliou um procedimento de biópsia prostática com um teste de referência. Na maioria dos estudos, o esquema padrão de biópsia foi o sextante (34 A). Oitenta estudos (n=19.307) utilizaram um delineamento amostral sequencial. O protocolo de biópsia mais extensivo foi aplicado depois do teste de referência e cada paciente foi seu próprio controle (estudo de concordância). Somente sete estudos (n=1.391) utilizaram o delineamento paralelo randomizado. A interpretação clínica desses estudos prospectivos que compararam diferentes métodos de biópsia prostática mostrou que o esquema padrão, em sextante, apresentava menos identificação de câncer do que a maioria dos esquemas com maior número de amostras. Também a chance de detecção de câncer varia de acordo com o grau de risco do paciente. Quando existe um risco baixo de câncer, há necessidade de realizar a biópsia em 15 pacientes para diagnosticar um paciente com câncer. Ao ter um risco médio, há necessidade de realizar a biópsia em 10 pacientes para ter um diagnóstico de neoplasia e, quando o risco é elevado, há necessidade de biopsiar apenas 4 pacientes para identificar um câncer (35 A). 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