Aplicação dos princípios jurídicos no Direito do Trabalho

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Transcrição:

1 Aplicação dos princípios jurídicos no Direito do Trabalho Renato Rua de Almeida, advogado trabalhista em São Paulo, ex-advogado dos Sindicatos dos Metalúrgicos, do Bancários e dos Comerciários, todos de São Paulo, professor de direito do trabalho da Faculdade de Direito da PUC-SP, doutor em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), membro da ANDT e do IBDSCJ. Quando a desembargadora Teresa Asta, minha confreira na Academia Nacional de Direito do Trabalho, representando a direção da Escola Judicial do TRT da 15ª Região, com sede em Campinas, convidou-me para proferir uma palestra no XXII Curso de Formação Inicial Básica para Juízes do Trabalho Substitutos, sugerindo-me como tema a aplicação de princípios jurídicos no Direito do Trabalho, lembrei-me do saudoso professor Octávio Bueno Magano, da Faculdade de Direito da USP, que, na Parte Geral do seu Manual de Direito do Trabalho, editado pela LTr. Editora Ltda., ao tratar da autonomia do Direito do Trabalho, invocava as lições do jurista italiano Alfredo Rocco.

2 Alfredo Rocco considerava fundamental para a afirmação da autonomia do Direito do Trabalho a existência de princípios comuns e a observância de métodos próprios. Nesse sentido, é clássica a obra do jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez denominada Princípios de Direito do Trabalho, editada no Brasil pela LTr. Editora Ltda., pois ela trata justamente dos princípios jurídicos aplicados ao Direito do Trabalho. A LTr. Editora Ltda. também editou outras com essa mesma temática, como Os princípios do Direito do Trabalho do jurista argentino Alfredo J. Ruprecht, e Principiologia do Direito do Trabalho, do jurista brasileiro Luiz de Pinho Pedreira da Silva. Américo Plá Rodrigues, antes do exame dos princípios próprios do Direito do Trabalho, trata dos princípios gerais de direito aplicáveis subsidiariamente ao Direito do Trabalho, tais como a boa-fé, o pacta sunt servanda. Essa técnica é adotada pela dicção positivista do parágrafo único do artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. Quanto aos princípios próprios do Direito do Trabalho, Américo Plá Rodrigues enumera o princípio de proteção, certamente o mais importante e que compreende as regras do in dubio pro operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica, além dos

3 princípios da irrenunciabilidade, da continuidade, da primazia da realidade, da razoabilidade e da boa-fé. Esses princípios próprios do Direito do Trabalho, segundo Américo Plá Rodrigues, foram fundamentais para a interpretação e aplicação das normas trabalhistas nas relações de trabalho, na fase da formação e afirmação histórica do Direito do Trabalho no Brasil. Sem dúvida que, nos dias de hoje, esses princípios têm sua importância no Direito do Trabalho, sobretudo quando ainda se faz uma leitura positivista da intepretação e aplicação das normas trabalhistas nas relações de trabalho. No entanto, mesmo entre aqueles que ainda fazem uma leitura positivista da interpretação e aplicação das normas trabalhistas nas relações de trabalho, os princípios próprios do Direito do Trabalho elencados por Américo Plá Rodrigues, sobretudo o princípio de proteção, têm sido criticados por alguns juristas de nomeada, como, por exemplo, Arion Sayão Romita, em sua obra O princípio da Proteção em Xeque, editada pela LTr. Editora Ltda., e Maria do Rosário Palma Ramalho, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em sua obra Direito do Trabalho Parte I-Dogmática Geral, editada pela Almedina.

4 Para a jurista portuguesa, a construção protecionista do Direito do Trabalho tinha por objetivo o trabalhador hipossuficiente e o modelo empresarial da grande empresa, que garantia a aplicação da legislação trabalhista imperativa e de ordem pública na linha do progresso social em favor dos trabalhadores. Além do mais, lembrando as lições de Miguel Reale, em sua obra Nova Fase do Direito Moderno, editada pela Editora Saraiva, a construção protecionista do Direito do Trabalho desenvolveu-se na segunda fase do direito moderno, isto é, do Estado Nação ou do Bem Estar Social, a partir do final do século XIX e primeira década do século XX, quando o direito tinha forte conteúdo social. Miguel Reale lembra que nessa época ocorreu a descoberta da eletricidade e, consequentemente, surgiu a empresa de grande porte, além do forte incremento da macroeconomia, tudo favorecendo, pois, o desenvolvimento da legislação de cunho social. No entanto, a jurista portuguesa afirma a seguir que esses pressupostos não subsistem mais na sua integralidade nos dias de hoje, pois temos também, ao lado do trabalhador hipossuficiente, as figuras do alto empregado e do diretor empregado, bem como, sobretudo após a crise do petróleo em 1974, com o

5 desenvolvimento da energia atômica e da eletrônica, ti vemos a globalização e a reestruturação produtiva das empresas, com o surgimento das micro e pequenas empresas, que são as que mais empregam e, ao mesmo tempo, são as que mais têm dificuldades de suportar um custo social elevado. Em conclusão, a jurista portuguesa afirma não se justificar mais uma interpretação sistemática e protecionista do Direito do Trabalho, e, por essa razão, preconiza uma legislação trabalhista diferenciada. Além do mais, segundo ainda Miguel Reale, em sua obra acima citada, vivemos hoje uma nova fase do direito moderno, o Estado Democrático do Direito, que, na conformidade do artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, tem como fundamento não só os valores sociais do trabalho, mas também os valores da livre iniciativa. Ademais o mesmo texto constitucional, ao disciplinar a ordem econômica, em seu artigo 170, inciso VIII, fundamenta-a não só com a busca do pleno emprego, mas também, no inciso IV, com a livre concorrência, e, ainda, no artigo 179 dispensa às microempresas e empresas de pequeno porte um tratamento jurídico diferenciado. Ademais, segundo ainda Miguel Reale na obra acima citada e em outra obra paradigmática denominada Teoria Tridimensional do Direito, editada

6 também pela Editora Saraiva, o direito atual busca mais na sua aplicação às realidades sociais a concreção jurídica, isto é, a decidibilidade, que constitui o problema central da ciência da dogmática jurídica, no dizer de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, em sua obra Introdução ao Estudo do Direito, editada pela Editora Atlas. A propósito, escrevi dois artigos sobre esses temas, sendo o primeiro intitulado A pequena empresa e os novos paradigmas do direito do trabalho, publicado pela Revista LTr Legislação do Trabalho, ano 64, outubro de 2000, págs.1249-1254, e o segundo intitulado A teoria da empresa e a regulação da relação de emprego no contexto da empresa, também publicado pela Revista LTr. Legislação do Trabalho, ano 69, maio de 2005, págs. 573-580. Trata-se da figura da flexibilização de adaptação, utilizada e desenvolvida por Jean-Claude Javillier, em sua obra Manual de Direito do Trabalho, editada no Brasil pela LTr. Editora Ltda. A figura jurídica da flexibilização de adaptação significa adaptar a legislação trabalhista protecionista às novas condições sociais e de trabalho. Para tanto, segundo a lição de José Augusto Rodrigues Pinto, em seu artigo intitulado O fator tecnológico na reforma trabalhista brasileira, publicado pela Revista LTr. Vol. 66, n. 12, dezembro de 2004, págs. 1.417-1.428, três

7 são as formas possíveis de flexibilizar o Direito do Trabalho, sendo a primeira pela criação de normas de proteção menos rígida, a segunda pela interpretação menos rígida das normas existentes e a terceira pela negociação da rigidez dessas normas. Como exemplos para as três formas possíveis de flexibilizar o Direito do Trabalho, teríamos para as normas menos rígidas a suspensão do contrato de trabalho na conformidade do artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho, para a interpretação menos rígida das normas existentes, teríamos a Súmula 85 do TST, quando admite a compensação de jornada por meio de acordo individual, ao interpretar o disposto no artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, e, finalmente, para a negociação da rigidez dessas normas teríamos a regra constitucional do artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, que admite a quebra do princípio da irredutibilidade do salário previsto pelo artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho por meio da negociação coletiva. Essa questão da flexibilização de adaptação envolve substancialmente o direito individual do trabalho, já que a autonomia da vontade do empregado na relação de emprego é protegida fortemente pela legislação trabalhista imperativa e de ordem pública, ao passo que, no direito coletivo do trabalho, ela é protegida pela autonomia privada coletiva dos órgãos sindicais.

8 Por essa razão, o jurista e ministro do TST Maurício Godinho Delgado, em sua obra Curso de Direito do Trabalho, editada pela LTr. Editora Ltda., examina a questão sob a ótica da indisponibilidade dos direitos trabalhistas por parte do empregado, subdividindo-a em direitos de indisponibilidade relativa e direitos de indisponibilidade absoluta. Seriam de indisponibilidade absoluta os direitos trabalhistas que merecem uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico, elencando-se o direito à assinatura da CTPS, ao salário mínimo, à incidência das normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador. Enfim, para Maurício Godinho Delgado, seriam de indisponibilidade apenas relativa aqueles direitos cujos interesses seriam meramente individuais, sem repercussões de interesse público, e, portanto, suas alterações e vicissitudes não afetassem o patamar mínimo civilizatório, como ocorreria com a modalidade de pagamento do salário de fixo para variável. Mas é possível e mesmo urgente fazer uma outra leitura dos princípios jurídicos aplicados ao Direito do Trabalho. Trata-se da aplicação dos princípios normativos constitucionais sobre direitos fundamentais

9 às relações de trabalho. Numa linguagem mais técnica, trata-se da eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. A partir da metade do século XIX, surgiu o fenômeno do constitucionalismo social, em que as constituições contemplaram capítulo específico sobre os direitos trabalhistas, iniciando-se com a Constituição francesa de 1848, sendo que no Brasil um pouco mais tarde, com a Constituição de 1934. Vivia-se o contexto do positivismo jurídico, razão pela qual esses princípios constitucionais eram apenas programáticos servindo como ideias fundantes na hermenêutica do sistema jurídico. Com o advento do fenômeno da universalização dos direitos humanos em tratados internacionais, tendo como ápice a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, ocorreu a seguir outro fenômeno jurídico conhecido como o da internalização desses direitos humanos nos textos constitucionais como direitos fundamentais. As constituições alemã de 1949, a portuguesa de 1976, a espanhola de 1978 e a brasileira de 1998, são exemplos de consagração dos direitos humanos como direitos fundamentais.

10 Esses direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão (direitos da cidadania), de segunda geração (direitos econômicos, sociais, trabalhistas), de terceira geração (direitos da solidariedade e da fraternidade) são formulados constitucionalmente como princípios normativos, na visão pós-positivista de Alexy (cf. Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, Malheiros Editores) e Dworkin (cf. Ronald Dworkin, Levando o direito a sério, Martins Fontes), com força normativa (cf. Konrad Hesse, A força normativa da constituição, Sérgio Antonio Fabris Editor), a serem aplicados diretamente vinculando as entidades públicas e privadas, conforme previsto pelos arts. 18, 1, da Constituição da República Portuguesa, e 5º, 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil. Esses direitos fundamentais, portanto, têm eficácia vertical em relação ao Estado e eficácia horizontal em relação às entidades privadas. A eficácia horizontal em relação às entidades privadas dá-se de forma imediata e direta ou mediata e indireta. A aplicação imediata e direta dos direitos fundamentais expressados em princípios constitucionais normativos tem sua justificativa na proteção da dignidade da pessoa humana prevista pelo artigo 1º, inciso III, do

11 texto constitucional brasileiro, tida como princípio fundamental da República Federativa do Brasil. Já a aplicação mediata e indireta dos direitos fundamentais é justificada pelo fato de que deve ser preservada a liberdade nas relações privadas, além de que deve ser garantida a intermediação do poder legislativo na regulamentação dos direitos constitucionais, evitando-se o risco de uma exacerbação de poderes do judiciário na aplicação imediata e direta dos direitos fundamentais. Se a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas deva ser imediata e direta ou mediata e indireta, ela depende de uma análise tópico-sistemática, com soluções diferenciadas, segundo a lição de Ingo Wolfgang Sarlet (cf. A eficácia dos direitos fundamentais, Livraria do Advogado Editora). Mas, mesmo que a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas seja mediata e indireta, deve-se buscar a sua máxima efetividade, em razão da dimensão objetiva dos direitos fundamentais que se irradia por todo o ordenamento jurídico. Assim, com o fenômeno da constitucionalização do direito privado, como ocorreu no Brasil com o Código Civil de 2002, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas deve ser alcançada com as cláusulas gerais da boa-fé objetiva (artigos 187 e

12 422 do Código Civil), e seus deveres anexos, da função social do contrato (artigos 421 e 187 do Código Civil) e do equilíbrio econômico dos contratantes (expressada pelos institutos da resolução por onerosidade excessiva, artigo 478 do Código Civil, e da lesão, artigo 157 do Código Civil). As cláusulas gerais da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do equilíbrio econômico dos contratantes constituem os grandes princípios do direito civil constitucionalizado brasileiro, ao incorporar os princípios normativos dos direitos fundamentais, prevalecendo prima facie sobre os princípios positivistas do Código Civil de 1916, traduzidos no princípio da autonomia da vontade, que se subdivide no princípio da liberdade contratual lato sensu, no princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais ou pacta sunt servanda e no princípio da relatividade dos efeitos contratuais, vinculando as partes, não beneficando nem prejudicando terceiros ou res inter alios acta tertio neque nocet neque prodest, conforme a lição de Teresa Negreiros (cf. Teoria do contrato. Novos paradigmas, Renovar). Ademais, as cláusulas gerais são preceitos de ordem pública (parágrafo único do artigo 2035 do Código Civil) dando liberdade ao juiz de aplicá-las ao caso concreto, inclusive como exceção ao princípio da congruência, sem que a decisão seja tida como extra ou

13 ultra petita (cf. Nelson Ney Júnior, Contratos no Código Civil, in O novo código civil. Homenagem ao professor Miguel Reale, sob a coordenação de Domingos Franciulli Neto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho, São Paulo, LTr. Editora Ltda. págs 418-464 e Paulo Nalin, Princípios do direito contratual: boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual, igualdade, in Teoria geral dos contratos, sob a coordenação de Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nani, São Paulo, Editora Atlas, págs. 97-143). No entanto, na aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas é preciso ter claro que eles não constituem princípios de aplicação absoluta, mas que devem ser sopesados face uma possível colisão com outros valores constitucionais, como a livre iniciativa, quando deve ser considerado o princípio da proporcionalidade e seus sub-princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade propriamente dita ou da razoabilidade. A propósito, veja-se a hipótese da validade da cláusula de não concorrência. A princípio, entendeu-se que a cláusula de não concorrência não teria validade, pois implicaria violação ao direito fundamental do direito ao trabalho previsto pelo artigo 6º da CF/88 (cf. processo TRT da 2ª Região n. 20010487101, acórdão n. 20020079847, da 8ª

14 Turma, tendo como relator o então desembargador José Carlos da Silva Arouca). Na verdade, se houvesse violação de direito fundamental seria da liberdade de trabalho, garantida pelo artigo 5ª, inciso XIII, da CF/88, do que do direito ao trabalho. No entanto, tem havido uma evolução jurisprudencial (cf. processo TRT da 2ª Região n. RO 2003.03.10762, acórdão n. 02243.200.381.02.00.9, tendo como relator o desembargador Sérgio Pinto Martins) em admitir-se a validade da cláusula de não concorrência, por aplicação do princípio da proporcionalidade, uma vez que, havendo em princípio uma colisão entre os princípios da liberdade de trabalho e da livre iniciativa, que também é um valor constitucional garantido pelo artigo 1º, inciso IV, da CF8/88, sendo mesmo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, é preciso fazer uma ponderação para se verificar se sempre ocorreria violação do princípio da liberdade ou apenas uma limitação no seu exercício, o que seria admissível. Desta forma, entender-se-ia que o direito fundamental da liberdade de trabalho não é um direito absoluto e que também não se poderia deixar de considerar que a livre iniciativa é também um valor constitucional.

15 No entanto, alguns requisitos para a validade da cláusula da não concorrência devem estar presentes, tais como: se ocorre o legítimo interesse comercial ou industrial do empregador; se a de atividade do empregado possa causar prejuízo ao empregador; delimitação no tempo ( como exemplos : no máximo de 2 anos no direito português (artigo 136, 2, do Código de Trabalho de 2009); no máximo de 2 anos para técnicos e 6 meses para demais empregados no direito espanhol (artigo 21,2, do Estatuto dos Trabalhadores); compensação financeira paga pelo empregador, entre outros. Ora, a eficácia dos direitos fundamentais tem aplicação plena nas relações de trabalho, devido ao poder de direção do empregador, que muitas vezes afeta os direitos fundamentais dos trabalhadores sejam os de primeira geração ou dimensão (os direitos laborais inespecíficos traduzidos nos direitos da cidadania e da personalidade), seja os de segunda geração ou dimensão (os direitos trabalhistas específicos) (cf. José João Abrantes, Contrato de trabalho e direitos fundamentais, Coimbra Editora, Arion Sayão Romita, Direitos Fundamentais nas relações de trabalho, LTr. Editora Ltda., Renato Rua de Almeida, Eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, Revista LTr. Legislação do Trabalho, ano 76, junho de 2012, págs.647-650, Direitos laborais inespecíficos, Revista LTr. Legislação

16 do Trabalho, ano 76, março de 2012, pág. 295-296, Proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, Revista LTr. Legislação do Trabalho, ano 75, fevereiro de 2011, págs. 156-158). Como exemplos de aplicação dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, podemos ilustrar com a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, prevista como direito fundamental social pelo artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Em relação à despedida individual, a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa não poderia ser assegurada pelo controle prévio da despedida sob a alegação de justa causa, com sindicância interna na empresa, implicando a procedimentalização do poder disciplinar do empregador, em razão do princípio constitucional da presunção de inocência previsto pelo artigo 5º, inciso LVII, da CF/88, extensivo ao trabalhador como direito fundamental e laboral inespecífico, com direito ao contraditório e ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da CF/88), que também é um direito fundamental e laboral inespecífico do trabalhador, sob pena de a empresa ser condenada no pagamento de indenização a ser arbitrada por abuso de direito e dano moral (cf. Cláudio Armando Couce de Menezes e outros, Direitos fundamentais e poderes do empregador O poder disciplinar e a presunção de inocência do

17 trabalhador, Revista LTr. Legislação do Trabalho, vol. 73, n. 8, agosto de 2009, págs. 963-972)? Na despedida em massa ou coletiva, assegurando-se o direito prévio à informação e à negociação coletiva, como princípios catalogados constitucionalmente, bem como por outros princípios não catalogados, mas assegurados pela ratificação de convenções pertinentes da OIT, conforme prevê o artigo 5º, 2º, do texto constitucional (cf. Renato Rua de Almeida, Subsiste no Brasil o direito potestativo do empregador nas despedidas em massa?, Revista LTr. Legislação do Trabalho, ano 73, abril de 2009, págs. 391-393)? A despedida em massa sem a prévia informação e negociação implicaria ilicitude por abuso de direito e por violação da boa-fé objetiva e seus deveres anexos, resultando a obrigação de pagar indenização complementar à indenização compensatória já prevista no ordenamento jurídico. Aliás, assim decidiu o Tribunal da 15ª Região, em decisão paradigmática no caso Embraer (processo de dissídio coletivo de natureza jurídica n. 00309200900015004-DC), o que levou o TST (processo de dissídio coletivo n. TST-ES-207660/2009-000-00-7) a decidir que as despedidas coletivas doravante devem ser

18 precedidas de negociação entre a empresa e os trabalhadores e seus representantes. A estabilidade da gestante mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por prazo determinado, conforme a nova redação da Súmula 224, III, do TST; o direito à manutenção de plano de saúde ou de assistência médica oferecido pela empresa ao empregado, não obstante suspenso o contrato de trabalho em virtude de auxílio-doença acidentário ou de aposentadoria por invalidez, conforme a nova redação da Súmula 440 do TST, e a presunção discriminatória de despedida de empregado portador do vírus HIV ou de doença grave que suscite estigma ou preconceito, resultando a invalidade do ato e o direito do empregado à reintegração no emprego, conforme a nova redação da Súmula 443 do TST, são todas hipóteses de aplicação da cláusula geral da função social do contrato. Vê-se que o princípio da função social do contrato, consubstanciado nos artigos 421 e 187 do Código Civil de 2002 constitucionalizado pela dimensão objetiva e pela força irradiante dos direitos fundamentais, prevalece sobre os princípios da liberdade contratual e do pacto sunt servanda, nas hipóteses acima das novas redações das Súmulas 224, III, 440 e 443, todas do TST. Numa primeira leitura com visão positivista, os princípios da liberdade contratual e do

pacto sunt servanda encontram-se fortemente subjacentes no artigo 444 da CLT, mas, numa visão póspositivista da força normativa dos princípios constitucionais sobre os direitos fundamentais impõe-se uma releitura do mencionado dispositivo consolidado, de modo que prevaleçam os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do equilíbrio contratual. 19