A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA AGRICULTURA ORGÂNICA NA REGIÃO SUL DO BRASIL: NOTAS PRELIMINARES INTRODUÇÃO

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Transcrição:

A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA AGRICULTURA ORGÂNICA NA REGIÃO SUL DO BRASIL: NOTAS PRELIMINARES Roberto Antônio Finatto Doutorando em Geografia Universidade Federal de Santa Catarina robertofinatto@gmail.com INTRODUÇÃO A agricultura brasileira passou por importantes transformações ao longo do último século. O desenvolvimento técnico e científico, em grande parte ocorrido no contexto de modernização da agricultura, possibilitou o aumento da produtividade e a atenuação dos efeitos adversos do ambiente na produtividade dos cultivos agrícolas. As características e consequências sociais, econômicas e ambientais desse processo já foram objeto de diversas análises (EHLERS, 1999; GONÇALVES NETO, 1997; BALSAN, 2006), muitas das quais apontam para a necessidade de um redimensionamento, calcado em novos valores, relações e formas de produção (CAPORAL E COSTABEBER, 2000; ASSIS, 2006; BARROS e SILVA, 2010). Em sua análise, Buttel (1995) identifica dois grandes momentos de transição entre diferentes sistemas produtivos agrícolas ocorridos ao longo do século XX. O primeiro envolve o conjunto de práticas da Revolução Verde, enquanto o segundo tem como marca principal a ecologização da agricultura. O autor adverte que o segundo momento não significa um regresso às formas de produção existentes antes do começo do século, mas [...] del comienzo de un período de politización ecológica de la agricultura y los alimentos, en el que los movimientos ecologistas y afines ejercen una influencia creciente sobre las políticas agrarias y alimentarias (BUTTEL, 1995, p.11). Se considerados os quase 20 anos passados a partir da publicação dos escritos de Buttel (1995), pode-se afirmar que, no Brasil, o movimento de ecologização da agricultura ganhou força, materializou-se em políticas públicas específicas para o setor e vem ampliando sua capacidade produtiva. Mesmo assim, quando comparada aos avanços técnicos, científicos e econômicos experimentados pela agricultura convencional, a agricultura orgânica ainda ocupa uma tímida posição. Para além do contraponto ao modelo dominante, a produção orgânica vem se organizando de diferentes formas no cenário brasileiro, com maior ou menor inserção no mercado, utilizando insumos alternativos produzidos a partir das especificidades

culturais e ambientais locais, sendo estimulada por interesses diferentes e, por vezes, conflitantes. Cabe destacar, porém, que essa forma de produção se fortalece como uma alternativa de geração de renda no campo, sobretudo para a agricultura familiar. O objetivo deste artigo é analisar a organização da agricultura orgânica na região Sul do Brasil. Para tanto, faz-se um breve relato sobre as características da agricultura orgânica no país para, posteriormente, apresentar sua organização na região citada. Como um trabalho inicial, este estudo aborda, de forma geral, elementos que serão analisados com maior detalhamento em trabalhos futuros. MÉTODO A pesquisa foi desenvolvida a partir da realização de revisão teórica sobre os temas apresentados, consulta em fontes secundárias (Censo Agropecuário do IBGE/2006, estudos de caso produzidos por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e publicados na forma de artigos em periódicos, trabalhos em congressos, teses e dissertações) e fontes primárias. O levantamento junto às fontes primárias ocorreu por meio do acesso aos sites das empresas certificadoras de produtos orgânicos na região Sul e do contato com representantes de cooperativas vinculadas à Rede Ecovida de Agroecologia que atuam na região. A AGRICULTURA ORGÂNICA NO BRASIL Inicialmente, faz-se necessário conceituar a agricultura orgânica e compreender sua posição no espaço agrário brasileiro. A agricultura orgânica 1 apresenta um conjunto de práticas que visam eliminar o uso de insumos químicos no processo de produção, processamento e comercialização dos produtos agrícolas. Neste caso, priorizam-se, entre outros princípios, a ativação de processos biológicos no solo, o uso de biofertilizantes, a adubação orgânica, a rotação e consorciação de cultivos e a adubação verde (CAMPANHOLA e VALARINI, 2001). Ormond et al. (2002, p.04) consideram a agricultura orgânica como uma retomada do uso de antigas práticas agrícolas, porém adaptando-as às mais modernas tecnologias de produção agropecuária com o objetivo de aumentar a produtividade e causar o mínimo de interferência nos ecossistemas [...]. Fica evidente que a agricultura orgânica busca minimizar a interferência antrópica no 1 As pesquisas, conduzidas na Índia a partir de 1905 pelo inglês Sir Albert Howard, e a publicação de suas importantes obras nas décadas de 1930 e 40, compõem o ponto de partida para a constituição do movimento em torno da produção orgânica (BONILLA, 1992; EHLERS, 1999).

equilíbrio natural dos ecossistemas, necessitando do amparo de pesquisas em técnicas agrícolas apropriadas para que esse objetivo seja cumprido. No Brasil, a agricultura orgânica surgiu como um movimento sistematizado na década de 1970, quando as consequências do modelo de modernização agrícola adotado no país passaram a se manifestar. Apesar da inexistência de dados oficiais, sabe-se que a produção orgânica se desenvolveu com maior intensidade a partir da década de 1990, sobretudo no contexto da agricultura familiar, impulsionada pelo trabalho de organizações não governamentais e entidades ligadas à igreja. Na década de 1990, a necessidade da certificação dos produtos entra em pauta e o movimento se fortalece. A regulamentação da produção orgânica brasileira ocorreu com a lei n. 10.831, de 23 de dezembro de 2003, após uma série de discussões, projetos de lei, portarias e instruções normativas que vinham sendo constituídas desde a década anterior. Entretanto, apesar dos avanços, os agricultores ainda sentem a necessidade de maior apoio do poder público nos diversos segmentos da cadeia produtiva. Entre os aspectos que favorecem o desenvolvimento da agricultura orgânica no Brasil, pode-se citar: a extensa área agricultável e as possibilidades de expansão da agropecuária no território; os fatores climáticos e edáficos favoráveis ao cultivo de variadas espécies; as possibilidades de comercialização no mercado interno e externo frente a uma demanda cada vez mais ampliada; a viabilidade da produção em pequenas áreas agrícolas; a preservação do meio ambiente; o aumento do valor agregado dos produtos e a geração de renda no campo (SAQUET, 2008). Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de 2006, apontavam a existência de 15.000 agricultores de orgânicos no país. Com a publicação dos dados do Censo Agropecuário/2006 que, pela primeira vez, quantificou a agricultura orgânica, foram identificados 90.497 produtores, mas apenas 5.106 com certificação. Os resultados do Censo apontam para uma considerável área de produção em sistema orgânico sem certificação. Nesse sentido, pode-se supor que muitos agricultores desenvolvem a produção de maneira independente, sem manter vínculos com cooperativas ou associações que, em muitos casos, são as responsáveis pela intermediação no processo de certificação 2. 2 Deve-se questionar a veracidade dos dados apresentados, pois como eles são fornecidos pelos proprietários dos estabelecimentos, a produção pode não atender as exigências legais para que seja considerada orgânica. Ou, como aponta Melão (2010), uma das justificativas para a situação apresentada seria a de que muitos estabelecimentos ainda estariam em processo de conversão.

Em relação ao grupo de atividade econômica desenvolvida, a produção orgânica fica distribuída da seguinte forma: lavouras temporárias (33,34%); horticultura e floricultura (9,83%); produção de lavouras permanentes (10,56%) e pecuária e criação de outros animais (42,01%). Outras atividades como pesca, aquicultura, produção florestal e de sementes somam 4,26% do total (IBGE, 2006). A ORGANIZAÇÃO DA AGRICULTURA ORGÂNICA NA REGIÃO SUL De acordo com as informações do Censo Agropecuário/2006, entre as regiões do país, a Sul é aquela que apresenta a maior quantidade de estabelecimentos com produção orgânica certificada, totalizando 1.924 estabelecimentos agrícolas. Na tabela a seguir, pode-se perceber que a região Nordeste apresenta elevada quantidade de estabelecimentos nos quais a produção desenvolvida é orgânica, mas não é certificada. No que se refere especificamente à região Sul, a maior parte dos estabelecimentos em que a agricultura orgânica é praticada, tem como forma social de produção a agricultura familiar. Tabela: Agricultura orgânica por estabelecimento agropecuário - regiões do Brasil/2006. Regiões Total de estabelecimentos Total Agricultura orgânica Pratica e é certificado por entidade credenciada Pratica e não é certificado por entidade credenciada Não pratica Norte 475 775 6 133 351 5 782 469 642 Nordeste 2 454 006 42 236 1 218 41 018 2 411 770 Sudeste 922 049 18 715 1 366 17 349 903 334 Sul 1 006 181 19 275 1 924 17 351 986 906 Centro-Oeste 317 478 4 138 247 3 891 313 340 Brasil 5 175 489 90 497 5 106 85 391 5 084 992 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário/2006. Entre os estados da região Sul (gráfico abaixo), o Paraná apresenta 909 estabelecimentos agrícolas com produção orgânica certificada por entidade credenciada, seguido do Rio Grande do Sul, com 662 estabelecimentos, e Santa Catarina, com 353 estabelecimentos. Já em relação aos estabelecimentos que, segundo seus proprietários, praticam a agricultura orgânica, mas ainda sem certificação, o Rio Grande do Sul é o que apresenta o maior número, com 7.870 estabelecimentos, seguido do Paraná, com 6.618, e de Santa Catarina, com 2.863 estabelecimentos.

Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados do IBGE - Censo Agropecuário/2006. No caso do Paraná, a região sudoeste do estado é uma das áreas que vem se destacando na produção orgânica. Fritz (2008) salienta que os primeiros estímulos para a produção na região ocorreram ainda na década de 1970 e destaca a diversidade de atividades/cultivos agrícolas na região, a presença marcante de pequenas propriedades familiares, o equilíbrio nas condições edafoclimáticas e a forte identificação da população com a agricultura como os elementos favoráveis ao desenvolvimento dessa forma de produção no sudoeste paranaense. A produção no estado é bastante diversificada e em todas as regiões existem municípios com cultivos orgânicos. No Rio Grande do Sul, a região noroeste do estado é uma das áreas onde existe grande concentração de cooperativas, associações e agricultores envolvidos na produção orgânica. Um exemplo da expressividade da região evidencia-se no fato de que o município de Ipê, situado na região citada, recebeu o título de Capital Nacional da Agricultura Ecológica, por meio da lei n. 12.238 de 19 de maio de 2010, diante do pioneirismo e da quantidade de organizações e agricultores envolvidos nesse sistema. Em Santa Catarina, um levantamento realizado com base no ano de 2001 pelo Instituto de Planejamento e Economia Agrícola (CEPA/SC) e publicado por Oltramari et al. (2002) constatou a presença de 706 propriedades com o manejo orgânico (241 certificadas, 463 sem certificação e 02 que possuíram certificação). A maior concentração de produtores no estado se localizava na região oeste, com 307 agricultores. Quando comparados os dados desta pesquisa com aqueles do Censo Agropecuário, constata-se um acréscimo de 2.510 propriedades orgânicas, chegando ao

total de 3.216, no ano de 2006. Entre as certificadas, o número passou de 241, em 2001, para 353 propriedades, em 2006. Nos assentamentos rurais os princípios orgânicos são desenvolvidos a partir da perspectiva da agroecologia 3. Ampliando seu escopo de luta e reivindicações, a partir do ano 2000, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST adotou a produção agroecológica, atrelada ao discurso de segurança e soberania alimentar, como o sistema que melhor representava o conjunto de princípios defendidos pelo movimento. A agroecologia ganha força, a partir de então, nos acampamentos e assentamentos rurais. Na região Sul, berço do MST, a produção orgânica foi incorporada, mas, assim como destaca Gonçalves (2008), para o caso dos assentamentos no estado do Paraná, ela ainda enfrenta importantes desafios. A certificação dos produtos orgânicos é um elemento fundamental, sobretudo quando a produção visa o mercado. Os mecanismos de controle da produção orgânica no Brasil ocorrem a partir de três formas: a certificação por auditoria externa, por meio de sistemas participativos de garantia e do controle social na venda direta. No primeiro caso, a certificação é realizada por empresa contratada, cujos técnicos visitam a propriedade agrícola a fim de constatar se a mesma atende as exigências legais (tanto em nível internacional e/ou nacional) para receber a certificação de produtora de orgânicos. Atualmente, cinco empresas estão credenciadas para realizar essa modalidade de certificação no país, a IMO Control do Brasil, a ECOCERT Brasil, o Instituto de Tecnologia do Paraná TECPAR, IBD certificações e a Agricontrol Ltda. (OIA) (MAPA, 2012). Na região Sul do Brasil, destaca-se a presença de três empresas certificadoras. A ECOCERT certifica a produção de 98 empresas e produtores (ou grupo de produtores), seguida pelo TECPAR, que totaliza 67 certificados, e pelo IBD, com um total de 40 certificações nos três estados da região. Em relação ao alcance das empresas, cabe mencionar que não foram identificadas certificações do TECPAR nos estados do RS e SC, muito embora o referido instituto atue, além do Paraná, em outros estados do Brasil. O gráfico abaixo representa a quantidade de empresas e produtores orgânicos certificados e sua distribuição nos estados da região Sul. Deve-se considerar que o 3 Esse texto não comporta uma discussão sobre a agroecologia, mas pode-se considerar que ela constitui, na visão de seus principais precursores, uma ciência para a agricultura sustentável. Portanto, pode ser considerada mais abrangente do que a agricultura orgânica.

gráfico apresenta apenas uma parte dos agricultores da região envolvidos com a agricultura orgânica, a saber, aqueles cuja certificação é realizada por auditoria externa. Fonte: elaborado pelo autor a partir de dados obtidos no site das empresas certificadoras (2012). A certificação por meio de sistemas participativos de garantia é largamente praticada na região Sul, sendo a Rede Ecovida 4 a principal representante dessa modalidade. O fundamento deste sistema está na confiança e participação dos envolvidos no processo para que haja a garantia da qualidade do produto, desde a produção até o consumo (PARANÁ, 2007, p.48). Para tanto, é formado um Conselho de Ética no núcleo regional, constituído por agricultores, técnicos, consumidores e membros das associações ou cooperativas que, após a vistoria (acompanhada de um representante da comissão de ética local) nas unidades produtivas que solicitaram o selo de certificação, produzem um parecer favorável ou não a partir do grau de ecologização constatado. No caso do parecer favorável, o grupo de agricultores, então certificados, deverá informar os produtos e a quantidade de selos que passarão a ser utilizados. O Conselho poderá também sugerir adequações nas propriedades a fim de aproximá-las dos princípios da Rede (MEIRELLES, 2003; SANTOS, 2012). 4 A Rede Ecovida de Agroecologia, formalizada em 1998, é um espaço de articulação entre agricultores familiares e suas organizações, organizações de assessoria e pessoas envolvidas e simpáticas com a produção, processamento, comercialização e consumo de alimentos ecológicos. A Rede trabalha com princípios e objetivos bem definidos e tem como metas fortalecer a agroecologia em seus mais amplos aspectos, disponibilizar informações entre os envolvidos e criar mecanismos legítimos de geração de credibilidade e de garantia dos processos desenvolvidos por seus membros (Documento Rede Ecovida de Agroecologia, Normas de Organização e Funcionamento, Lages/SC, 2001 apud MEIRELLES, 2003).

Em levantamento realizado em 17 do total de 25 núcleos existentes na Rede Ecovida de Agroecologia 5, Perez-Cassarino (2012) identificou 2.444 famílias ligadas à Rede (626 no Rio Grande do Sul, 1.320 em Santa Catarina e 498 no Paraná) e distribuídas em 178 municípios. O processo pioneiro de certificação participativa desenvolvido pela Rede Ecovida surgiu da necessidade de desenvolver um mecanismo de controle próprio da organização e princípios da Ecovida. A principal forma de comercialização dos produtores vinculados à Rede são as feiras-livres, caracterizadas pela relação direta entre produtor e consumidor. No caso do controle social na venda direta, não ocorre a exigência de um selo nos produtos comercializados em feiras e pequenos mercados locais. No entanto, para comercializar a produção, o agricultor deve estar vinculado a uma Organização de Controle Social (OCS): associação, cooperativa ou grupo de agricultor devidamente cadastrado junto a algum órgão certificador. Na região Sul, o estado do Paraná possui uma organização, credenciada junto ao MAPA, que atua como OCS e o Rio Grande do Sul possui três organizações cadastradas (MAPA, 2012). Apesar do crescimento do mercado de orgânicos, ele ainda é espacialmente restrito e, de modo geral, com exceção das feiras, nas quais o preço é mais acessível, o seu elevado custo ainda restringe o acesso. O mercado institucional, atualmente pouco expressivo no contexto regional, representa uma possibilidade concreta de fortalecer a agricultura familiar. A comercialização ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do governo federal são exemplos dessas possibilidades utilizadas pelos agricultores do sul do país. CONSIDERAÇÕES FINAIS A produção orgânica encontra-se distribuída em vários municípios da região Sul do país, mas algumas áreas como o sudoeste do Paraná e noroeste do Rio Grande do Sul, destacam-se pelo pioneirismo e pela elevada quantidade de produtores cujas propriedades se dedicam aos cultivos orgânicos. Nessas áreas, existe uma densa rede formada por agricultores, cooperativas, associações, organizações não governamentais e locais de comercialização que favorece o desenvolvimento e consolida a agricultura orgânica como uma atividade importante no contexto agrário local e regional. Em parte, essa rede construiu coletivamente o processo de certificação participativa, mecanismo 5 Durante o 8 o Encontro Ampliado da Rede Ecovida de Agroecologia, ocorrido de 28 a 30 de maio de 2012 em Florianópolis/SC, foram apresentados 27 núcleos regionais e mais 2 em fase de constituição.

que tem se apresentado quantitativamente mais expressivo do que aquele realizado por auditoria externa. Diante do exposto, pode-se afirmar que o território da agricultura orgânica vem se configurando principalmente pela ação dos agricultores, das associações e cooperativas que, por meio dos serviços de extensão rural, certificação e auxílio na comercialização, possibilitam a expansão da produção orgânica no sul brasileiro. REFERÊNCIAS ASSIS, R. L. Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil: perspectivas a partir da integração de ações públicas e privadas com base na agroecologia. Revista de Economia Aplicada, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 75-89, 2006. BALSAN, R. Impactos Decorrentes da Modernização da Agricultura Brasileira. CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 1, n. 2, 2006, p. 123-151. BARROS, J. D. de SOUZA; SILVA, M. de F. P. da. Práticas agrícolas sustentáveis como alternativas ao modelo hegemônico de produção agrícola. Sociedade e Desenvolvimento Rural, v.4, n. 2, set. 2010. p.89-103. BONILLA, J. A. Fundamentos da Agricultura Ecológica: sobrevivência e qualidade de vida. São Paulo: Nobel, 1992, 260p. BUTTEL, F. H. Transiciones agroecológicas en el siglo XX: análisis preliminar. Agricultura y Sociedad, n.74, 1995, p.09-37. CAMPANHOLA, C.; VALARINI, P. J. A agricultura orgânica e seu potencial para o pequeno agricultor. Cadernos de Ciência e Tecnologia, Brasília/DF, v.18, n.03, p. 69-101, 2001. CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e sustentabilidade. Base conceptual para uma nova Extensão Rural. In: World Congress of Rural Sociology. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: IRSA, 2000. ECOCERT BRASIL. Disponível em http://www.ecocert.com.br/. Acesso em 26 de março de 2012. EHLERS, Eduardo. Agricultura Sustentável: origens e perspectivas de um novo paradigma. Ed. Agropecuária, 1999, 157 p. FRITZ, Nilton Luiz. Agroecologia: o desenvolvimento no sudoeste do Paraná. In. ALVES, A. F.; CARRIJO, B. R.; CANDIOTTO, L. Z. P. (Org.) Desenvolvimento territorial e agroecologia. São Paulo: Expressão Popular, 2008. p.185-212. GONÇALVES, Sérgio. Campesinato, resistência e emancipação: o modelo agroecológico adotado pelo MST no estado do Paraná. Tese (Doutorado em Geografia). UNESP/PP. 2008. 311 f.

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