REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, NOVAS INSTITUCIONALIDADES E NEGOCIAÇÃO DA FLEXIBILIDADE



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REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, NOVAS INSTITUCIONALIDADES E NEGOCIAÇÃO... REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, NOVAS INSTITUCIONALIDADES E NEGOCIAÇÃO DA FLEXIBILIDADE NADYA ARAUJO CASTRO Pesquisadora do Cebrap, Professora Aposentada da Universidade Federal da Bahia P ode parecer um truísmo dado o volume de pesquisa empírica de que já se dispõe a respeito afirmar que as mudanças atuais no mundo do trabalho têm tido impactos profundos sobre as formas de regulação das relações entre os atores sociais. O que haveria por detrás desta aparente trivialidade que desafiaria a nossa capacidade de enunciação do novo? Poder-se-ia dizer que, embora tais mudanças tenham sido fartamente descritas em seus efeitos mais visíveis, muitas vezes essas descrições perdem de vista a existência de novas normatividades e institucionalidades, ainda embrionariamente configuradas, cuja dinâmica carece ser entendida. Limites e condições de possibilidades, essas novas institucionalidades esclarecem, em seu processo de transformação, a natureza dos arranjos societais que as contêm. Por isso mesmo, pretende-se aqui explorar exatamente aquele argumento que se afigura como um truísmo, para, em seguida, buscar enriquecê-lo analiticamente. De fato, as mudanças atuais no mundo do trabalho têm tido impactos profundos sobre a forma de regulação das relações entre atores sociais. Estes impactos têm afetado tanto o mercado de trabalho (forma de ingresso e relações contratuais), quanto as firmas (atingindo, no plano externo, as relações entre as mesmas e, no plano interno, a forma de gerenciamento das relações sociais nos chãos-de-empresa). Os primeiros sintomas da profundidade dessas transformações vieram à luz através do debate sobre a chamada desregulação do trabalho. Com ela, direitos fundadores da contratualidade que forjou a esfera pública burguesa passaram a estar em questão. Qual o argumento que, na superfície, procurava legitimar tal ordem de mudanças? O suposto de que, sendo a produção flexível, também o trabalho deveria sê-lo, fosse em suas condições de contratação, em seu uso, enfim, nas formas da sua regulação. O alcance da novidade ultrapassa o mero determinismo que o argumento deixa entrever. Ultrapassa, mesmo, a contabilidade empiricista na qual se enredou boa parte da crítica, ingênua, de muitos dos que buscavam rechaçála. A novidade não importa quão efetiva ela seja em termos de gerar uma nova best practice se expressa num movimento de superação de um antigo modelo ordenador do imaginário gerencial, sindical e social. Tal modelo estivera fundado em dois esteios: por um lado, no taylorismo-fordismo enquanto norma de produção, da produção rígida de massa; por outro lado, no modelo de institucionalidade resultante dos princípios de uma ordem do bem-estar, um welfare que tinha seu cerne na presença do Estado-regulador macro das bases sociais dessa institucionalidade, mas se estendia, plasmando as próprias políticas de empresa. Indo diretamente ao ponto do argumento aqui proposto, poder-se-ia dizer que testemunhamos a remontagem de um novo modelo paradigmático, ou seja, assistimos a construção de novas normas e instituições cuja legitimação se sustentará em dois movimentos: por um lado, o da reconstrução do imaginário (gerencial, sindical e social) com respeito ao trabalho e seu gerenciamento; por outro lado, o da gestação e generalização de uma nova normatividade que presida o relacionamento entre os atores. Entre um e outro desses movimentos não há qualquer relação de antecedência temporal, muito embora um e outro sejam condições necessárias à emergência de uma nova ordem no trabalho. Por reconstrução do imaginário pretende-se fazer alusão à emergência de um novo paradigma a organizar a 3

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997 representação da produção, do trabalho e das relações sociais nele estabelecidas. Produção enxuta, modelo japonês, especialização flexível, sistemofatura são algumas das denominações correntemente utilizadas para referir-se a ele. A noção de modelo paradigmático aqui utilizada assume que a legitimidade e a amplitude de difusão da nova norma não resultam da sua perfeita aplicabilidade às situações concretas, e nem mesmo da real efetividade de um conjunto de técnicas que dela decorram. Ao contrário, é a vigência simbólica de seus princípios que parece constituir-se na mola-mestra da sua difusão. 1 Assim entendido, poder-se-ia repensar o truísmo em novas bases. Não se trata apenas de vaticinar se um novo modelo organizacional preside efetivamente a ordem do trabalho de modo universal e inelutável; e tampouco de ceder ao discurso gratuitamente apologético de que a produção enxuta seja hoje o novo equivalente geral em termos das best practices. 2 Todavia, não é possível fechar os olhos às evidências de que se assiste a um importante processo de criação de novos rol models, de expectativas de comportamento e de personificações que conformam os atores históricos, criando novas personas para os processos sociais. Dois exemplos parecem ter sido (ou estar sendo) particularmente eloqüentes: o dos distritos industriais italianos ou o das redes japonesas de relações interfirmas. Um e outro colocam como principal desafio a possibilidade de construção de novas institucionalidades, de novas formas de governança na ordem industrial, fundadas num princípio: o da produção flexível (de massa ou em pequenos lotes sob encomenda, pouca diferença faz nesse aspecto). Sob as institucionalidades ali contidas, podem ser capturadas as novas personas exemplares dos processos sociais. Competição, sim, mas com base em estratégias de redes de firmas, cuja articulação deve sustentar-se em princípios de confiança e reciprocidade. Regulação estatal, sim, mas num contexto em que a agência (agency) se nutre da vitalidade de instâncias de negociação definidas no plano micro: forte presença do poder local e das organizações não-estatais, indutoras de políticas públicas comprometidas com as condições infra-estruturais da competitividade dos clusters de empresas. Sindicatos, sim, mas aptos a negociar as condições de contratação e uso do trabalho dentro do princípio que internaliza e generaliza o compromisso de todos com o desempenho e a competitividade da firma e de sua rede de parceiros. 3 Estas personas algumas antigas conhecidas, agora renovadas, outras novas se constituem nas novas bases sociais de efetividade dos modelos paradigmáticos. Indagando sobre elas, começa-se a percorrer o caminho entre rol models e realidades concretas. Vale dizer, só quando se questiona sobre a natureza dos agentes sociais que personificam os modelos de comportamento esperado podese entender o longo curso que se interpõe entre a realidade imaginada (como modelo paradigmático) e a construção social das mudanças na ordem do trabalho. Tome-se como exemplo uma experiência pretérita: a da difusão do taylorismo no Brasil. Vargas (1985) e Weinstein (1996), com quase uma década de hiato entre suas respectivas pesquisas, ilustram, para o caso brasileiro, como o sentido propulsor de um modelo no caso, o que se depreendia dos princípios tayloristas da racionalização e da administração científica pode (e deve) ser lido em dois registros. Por um lado, em sua capacidade de re-significar a realidade, nutrindo seus agentes de um estofo normativo que sustenta a construção de novas institucionalidades. Por outro lado, na plasticidade desse mesmo campo normativo, vale dizer, na sua permeabilidade a se tornar seja o discurso que fundamenta e constrói uma face pública para os próprios agentes (na medida em que os faz portadores de uma nova retórica sobre a ordem social do trabalho); seja o discurso que normatiza os lugares dos agentes e a sua relação social nos cotidianos de trabalho. Assim, os achados de Vargas (1985) documentam a força da vigência simbólica do paradigma taylorista, capaz de nutrir a ação de um grupo social que procurava transpor para o Brasil a nova norma de produção, mesmo que de forma temporã, dado que nos faltavam os dois atores principais: um empresariado e um operariado nativos. Por isto mesmo, a racionalização encontrou no aparelho do Estado o solo por onde buscaria propagar os novos rol models; daí porque a máquina administrativa estatal fez as vezes do seu chão-de-fábrica. 4 Weinstein (1996) vai ainda mais longe. Ela mostra como o discurso da racionalização e da gestão científica, liderado por alguns dos nossos primeiros industrialistas, tomou de assalto engenheiros, higienistas sociais e educadores na São Paulo das primeiras décadas deste século. Tal discurso, ao lado de aspirar reconstruir o espaço de trabalho e a força de trabalho, dirigia-se, em primeira instância, à própria autoconstrução do empresariado nativo, à construção da sua imagem de classe. A identificação com novas correntes de pensamento que propugnavam pela organização racional e pela gestão científica forneceu a estes industrialistas, engenheiros e educadores a autoridade profissional e a expertise técnica necessárias a legitimá-los como os construtores de um Brasil moderno; e, nisto, eles procuravam distinguir-se das formas arbitrárias de autoridade das elites tradicionais (rurais e urbanas) que, a seu ver, punham em risco não apenas os ganhos de produtividade, mas a própria possibilidade de alcançar-se a paz social (Weinstein, 1996:2). 4

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, NOVAS INSTITUCIONALIDADES E NEGOCIAÇÃO... Desse modo, o modelo paradigmático que sustentava a concepção de uma nova ordem na produção era, ao mesmo tempo, um passaporte para a modernidade e para o entendimento entre classes, sob a liderança de um grupo social que representava as chances de inclusão do Brasil nas fronteiras da modernidade. É notável a coincidência de apelos entre os discursos modernizantes de hoje e de outrora. Mas é igualmente notável como um paradigma de produção, mais que propugnar um simples cardápio de novidades técnico-organizacionais, encontra sua legitimação na capacidade de associar um novo regime fabril a novos horizontes para a macropolítica. Foi assim com a introdução da norma taylorista no Brasil; parece estar sendo assim agora, quando da sua superação. Nesse sentido, poder-se-ia voltar ao argumento antes proposto de que a conquista da condição de paradigma por parte de um novo modelo organizacional teria dois supostos. Por um lado, a reconstrução do imaginário (gerencial, sindical, mas também social) em torno de uma cultura normativa que re-significa o que se entende por trabalho, seus agentes e as relações entre estes. Por outro lado, a generalização desta nova normatividade, personificada em novos agentes sociais (ou em expectativas renovadas de comportamento para agentes sociais preexistentes). 5 Assim sendo, a construção social de um novo paradigma importa sempre um movimento simultâneo de destituição e de instituição de direitos da firma, do consumidor, do trabalhador. Uma primeira indagação remeteria a um inventário dos direitos que se destituem e que se instituem em momentos (como o atual) de transição entre modelos de cultura normativa do trabalho. A importância deste tipo de questionamento não é desprezível: os direitos do trabalho, tal como hoje os concebemos, estão na raiz de um pacto social que sustentou a contratualidade burguesa, dando legitimidade à esfera pública ali constituída. E não apenas isto: sua atualização, sob a égide da regulação fordista, esteve na base do mais notável esforço de inclusão social capitalista, constituindo um dos esteios do Estado de Bem- Estar. Nesse sentido, indagar sobre que direitos empresários, trabalhadores e consumidores perdem ou adquirem equivale a indagar sobre as novas bases sociais de uma contratualidade ainda emergente. Mas, talvez as perguntas mais instigantes do ponto de vista sociológico devessem pôr o acento: nos processos pelos quais novas institucionalidades substituem as antigas, recuperando, desse modo, a preocupação com os atores e sua capacidade de determinar o curso desta nova contratualidade em gestação; nos resultados, em termos das novas institucionalidades que emergem no bojo destes processos, resultados estes dependentes não apenas do formato institucional de partida, mas das práticas e recursos dos agentes envolvidos na negociação das novas normas e instituições. Que dizer dessas perguntas, se encaradas a partir da recente experiência brasileira? De fato, as análises disponíveis, tanto no nível meso dos ramos de produção, quanto no nível micro das empresas, parecem sugerir que novas instituições têm passado a regular as relações entre trabalhadores e gerências. Qual a natureza dessas instituições? Extremamente variada. Tome-se em conta, inicialmente, o nível meso de análise. No Brasil dos anos 90, destacou-se a controversa experiência de constituição das câmaras setoriais. Institutos governamentais de regulação, a concepção de câmaras setoriais inovava no escopo, na natureza e nos resultados (Cardoso e Comin, 1995; Arbix, 1996; Mello e Silva, 1997). No que concerne ao escopo, cada câmara deveria ter por foco de intervenção um complexo produtivo, envolvendo todos os atores responsáveis pela cadeia de produção. Ali tinham assento produtores finais e seus fornecedores, reunidos numa instância de formação consensual de diretrizes que os forçava a negociar interesses. Se é certo que tal negociação não eliminava os efeitos de assimetrias existentes na distribuição de poder na cadeia de produtores, ela certamente ampliava franjas para negociar soluções entre esses desiguais que minimizassem ou, quando menos, administrassem essa desigualdade. Mais ainda, o escopo da intervenção regulatória das câmaras tinha, como grande novidade, a presença dos sindicatos de trabalhadores do complexo correspondente. Com isso, entendimentos usualmente bilaterais, até então tecidos nas ante-salas da burocracia governamental, envolvendo Estado e empresas, passavam à esfera pública e nela incluíam representantes dos trabalhadores. Da novidade de escopo resultou uma definição igualmente inovadora quanto à própria natureza desse instituto de regulação setorial. Abandonavam-se as antigas experiências dos organismos estatais com representação de agentes (tal como fora exercida no âmbito dos órgãos de desenvolvimento regional, ou dos conselhos de política pública), avançando-se para a definição de um ente público de natureza tripartite que, com independência visà-vis a burocracia estatal (apenas um dos três agentes), propunha diretrizes setoriais num amplo espectro: política tecnológica e de investimento, estratégias competitivas, políticas de financiamento, estratégias de preços e de distribuição em face de horizontes almejados para o perfil da demanda e, finalmente, políticas de emprego, de salários e de negociação dos efeitos do intenso ajuste estrutural sobre a incorporação e o uso do trabalho. Finalmente, prescindindo mesmo de qualquer consideração quanto aos efeitos reais da atuação das câmaras, a sua mera existência criou novas possibilidades de regu- 5

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997 lação em nível setorial das relações industriais no Brasil. De fato, constituiu-se, pela primeira vez no país, a possibilidade de uma esfera pública de negociação das relações de trabalho, em que trabalhadores e empresários pudessem discutir algo mais que meros instrumentos defensivos em face de conjunturas de confisco de salários por inflação selvagem, como acontecera até o final dos anos 80. Na pauta dessas negociações passavam a constar as diretrizes de política industrial e do trabalho que, refletindo as novas realidades das relações sociais de trabalho nos chãos-de-fábrica, a estes retornavam enquanto determinantes de seus desenvolvimentos futuros. Essa novidade em âmbito setorial teve lugar num contexto de grandes transformações também nos microcosmos das empresas. Por um lado, a abertura comercial em meio à crise econômica do início dos anos 90 expôs as firmas brasileiras a novos padrões de competitividade, com pressões sobre custos e qualidade, que afetaram suas estratégias competitivas, políticas de investimento e modalidades de gestão do negócio. Seus resultados foram imediatos e tiveram efeitos avassaladores seja sobre as políticas de efetivos (com sucessivas ondas de demissões e subcontratações), seja sobre as relações de trabalho e as práticas de negociação das intensas mudanças organizacionais. O transcurso dessas mudanças e os seus impactos no nível concreto do dia-a-dia do trabalho fabril não estão inscritos ex ante como parte da natureza mesma do processo de reestruturação. Nesse sentido, convém assumir a necessária distância crítica, seja do ufanismo daqueles que reconhecem uma virtualidade intrínseca à reestruturação, atribuindo-lhe a capacidade de democratizar os locais de trabalho, seja do catastrofismo de outros tantos que vêem nos chamados ambientes reestruturados o bem-sucedido ardil de um agente social (o capital) que, por fim, subordina inteiramente (ao dominar ideologicamente) o sujeito trabalhador. Ao contrário, essas transformações têm sujeitos sociais plurais e ativos a sustentá-las. Assim, somente no âmbito da política, vale dizer, da negociação dos distintos interesses sociais em torno da reestruturação, inscrevem-se a possibilidade e o curso das mudanças na contratação do trabalho. E quanto a isso, que fatos novos surgem no Brasil dos anos 90? Parece que o principal deles diz respeito à possibilidade de que a negociação direta entre empregadores e empregados se expresse de modo distinto que no Brasil sob intervencionismo autoritário do Estado, intervencionismo este que informou a estratégia desenvolvimentista no longo período de construção industrial substitutiva, seja sob a égide de governos civis populistas (como os de Vargas), seja bancado por governos militares (como os que se seguiram ao golpe militar de 1964). A novidade, por sua substância, se localizaria agora na possibilidade de um jogo em que interesses podem ser contratados. Vale dizer, eles não têm de ser equacionados num modelo de dupla saída, onde apenas se tenha no horizonte: a possibilidade da subjugação completa do antagonista nos moldes de um autoritarismo despótico garantido por um Estado interventor e autoritário (até mesmo na instituição de direitos); ou a necessidade da recusa permanente de qualquer sorte de contratação, que faz da belicosidade (antiestatal e antipatronal) um elemento definidor de cada ação política do trabalho organizado. Por sua forma, a novidade dos anos 90 estaria na constituição de novas institucionalidades, seja em nível meso (setorial) ou micro (da firma). Tais novidades institucionais abrem a possibilidade de um espaço público de construção de uma nova contratualidade no plano das relações industriais. No nível meso, a experiência das câmaras setoriais documentou essas novas condições de contratação onde Estado, trabalhadores e empregadores (tanto quanto distribuidores e consumidores) podem vir a se tornar agentes sociais de igual importância vis-à-vis a sociedade e um novo contrato social. O ocaso da experiência de nenhum modo retira sua importância para o argumento que aqui se desenvolve: o desmonte de um velho modelo paradigmático supõe que a nova concepção normativa do trabalho se generalize, dando lugar a novas instituições que regulem a relação entre os atores. As câmaras foram, certamente, o mais importante experimento em nível meso (das cadeias produtivas) que se teve oportunidade de empreender no Brasil dos nossos dias. A sua mera existência documenta que a efetividade de novos modelos paradigmáticos põe em questão agentes sociais, terrenos de negociação e expectativas de conduta antes assentes na regulação das condições de trabalho. Ao fazê-lo, abre caminho para novos experimentos de regulação; alguns tão avançados quanto as câmaras em seu esforço por trazer a regulação para um espaço público da pactuação entre iguais. Mas, novas institucionalidades parecem também emergir no nível micro, das relações sociais nos chãos-de-fábrica. Novas instituições de contratação, mais ou menos formalizadas, emergem nas diferentes plantas, seja por iniciativa dos trabalhadores (com maior ou menor autonomia em face de seus próprios sindicatos), seja por iniciativa das empresas (no marco dos chamados programas de qualidade ). A existência dessas novas instituições parece pôr em cheque um dos princípios que nortearam até aqui a cultura normativa do trabalho: o de que cabia ao sindicato o monopólio da representação institucionalizada de interesses coletivos no âmbito do trabalho. 6

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, NOVAS INSTITUCIONALIDADES E NEGOCIAÇÃO... De fato, a transição entre normatividades parece ter aberto, também no plano micro, o campo para a experimentação e a emergência de novas formas institucionais, mais ou menos duradouras, dotadas de maior ou menor abrangência, mas todas elas formalmente autônomas frente aos sindicatos e funcionando como condutos da veiculação e negociação de interesses de trabalhadores nos locais de trabalho. Seus nomes podem variar, mas parecem remeter quase sempre às novidades organizacionais introduzidas no bojo dos programas de qualidade e das experiências de organização de equipes, mais ou menos autônomas. Numa conjuntura de estabilização monetária em que a recuperação de poder de compra dos salários já não move por si só o interesse da ação coletiva adquirem relevo as pequenas e cotidianas negociações relativas às condições de uso do trabalho; elas qualificam novos atores e novos cenários de negociação. Por outro lado, o contexto de maior competitividade com base na busca crescente de produtividade e qualidade leva a que as empresas passem a necessitar do compromisso ativo do trabalhador; isto se torna tanto mais evidente quanto mais radicalmente se assumem os princípios modelados na chamada produção enxuta : a ausência de estoques e a organização da produção em conexão imediatamente comandada pela demanda final vulnerabilizam a gestão do trabalho, tornando-a particularmente dependente da eficiência e do compromisso dos coletivos de trabalhadores. Com isto, os cotidianos de trabalho tornam-se um espaço de permanente disputa por hegemonizar o envolvimento do produtor direto. Esta disputa nutre novas políticas, gerenciais e sindicais, e se expressa em formas institucionalmente novas de arregimentar e vocalizar opiniões e interesses, moldando este compromisso. Finalmente, mesmo o nível macro, das formas de regulação que emanam do Estado, aponta para esta nova tendência a consolidar espaços institucionais alternativos de negociação das novas condições de trabalho. Experiências recentes, como a que resulta da aplicação da legislação de participação nos lucros e resultados, parecem apontar para a pressão estatal por credenciar novos terrenos e atores na negociação das relações de trabalho, consolidando a ruptura com o princípio tácito de monopólio sindical do direito de negociação das condições de uso e remuneração do trabalho. 6 Enfim, estas institucionalidades emergentes no plano da regulação das relações de trabalho no Brasil parecem documentar o trânsito em direção a uma nova cultura normativa do trabalho. Tal como nos primórdios do taylorismo, essa nova cultura emergiu como um discurso de um grupo social circunscrito. Transmutou-se rapidamente em discurso do Estado quando, no início dos anos 90, passou a conferir substância ao Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade. A velocidade com que esse discurso se generaliza e a difusão de seus princípios passam a pressionar por novas instâncias institucionais que gradativamente emergem, a partir dos planos micro, meso e macro de negociação das relações industriais. Essa progressiva institucionalização da nova cultura normativa parece apontar para um contexto em que se completa o desmonte do velho modelo paradigmático e se tece a remontagem daquele que lhe sucede. Para o imaginário acadêmico, uma grande indagação abre-se em momentos como este. Se é certo que esta nova cultura normativa do trabalho realiza o desmonte do velho paradigma fordista, qual o novo contrato social que se afigura hoje como passível de tomar o lugar daquele que deu sentido às democracias burguesas tal como as conhecemos hoje, sustentando a forma pela qual se pactuavam interesses oriundos dos conflitos do trabalho? NOTAS Intervenção de abertura da sessão sobre Destituição de Direitos, Novas Institucionalidades e Negociação da Flexibilidade do GT Trabalho e Sociedade, XX Encontro Nacional da Anpocs Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Caxambu, 1996. 1.. Já F. Taylor havia chamado a nossa atenção para que o decisivo das suas idéias não se resumia a um mero conjunto de técnicas que pudessem ser aplicadas a qualquer contexto organizacional, mas, sim, radicava num conjunto de princípios retores, cuja administração prática se constituía no verdadeiro desafio à inteligência gerencial. Seguindo esse mesmo registro, encontramos em Taiichi Ohno (1989) a afirmação de que, a seu ver, o sistema Toyota não foi mais que um esforço por recriar os princípios do fordismo, para ele identificáveis aos princípios da gestão científica, adaptando-os à realidade japonesa. 2. Como ingenuamente sugeriram Womack, Jones e Roos no seu best-seller (1992). 3. A estes compromissos Francisco de Olivera se reportaria, nas discussões travadas no GT Trabalho e Sociedade, durante o último Encontro da Anpocs, em 1996, com duas idéias de todo provocadoras. Em primeiro lugar, a hipótese de que esses compromissos produzem a opacidade da relação de exploração, por meio de múltiplos artefatos organizacionais. Em segundo lugar, de que esses artefatos organizacionais operam a destruição de uma ética do trabalho, substituindo-a por uma ética da subordinação, tanto mais eficaz quanto mais travestida dos atributos da velha ética do trabalho; individualismo e competitividade se diluem numa sorte de compulsão coletiva, compulsão por um coletivo que, a um só tempo, banaliza e mitifica a nova heteronomia. 4. Num desenvolvimento paradoxal, ao menos se considerarmos a forma como a norma taylorista se propagou em outros países. 5. Rediscute-se, por exemplo, as novas funções do Estado num contexto de abertura e competitividade, o novo perfil da gerência nas empresas organizacionalmente reestruturadas, os novos direitos do consumidor ou mesmo as novas tarefas de um sindicalismo propositivo. 6. De resto, aparece também com freqüência cada vez mais significativa a referência à necessidade de revisão da legislação brasileira sobre contratação do trabalho, de modo a introduzir no campo normativo possibilidades até então inexistentes, flexibilizando e desregulamentando condições de recrutamento e remuneração do trabalhador. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARBIX, G. Uma aposta no futuro os primeiros anos da câmara setorial da indústria automobilística. São Paulo, Scritta, 1996, p.232. 7

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997 CARDOSO, A.M. e COMIN, A.A. Câmaras setoriais, modernização produtiva e democratização nas relações entre capital e trabalho no Brasil. In: CAS- TRO, N.A. (org.). A máquina e o equilibrista. São Paulo, Paz e Terra, 1995, p.387-427. MELLO E SILVA, L.G. A generalização difícil a vida breve da Câmara Setorial do Complexo Químico seguida do estudo de seus impactos em duas grandes empresas do ramo em São Paulo. Tese de Doutorado. Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, 1997, p.201. OHNO, T. La verité sur le système Ford. L esprit Toyota. Paris, Masson, 1989, cap. VI, p.103-117. VARGAS, N. Gênese e difusão do taylorismo no Brasil. In: Anpocs. Ciências Sociais Hoje. São Paulo, Cortez, 1985, p.155-190. WEINSTEIN, B. For social peace in Brazil industrialists and the remaking of the working class in São Paulo, 1920-1964. Chapel Hill and London, The University of North Carolina Press, 1996, p.435. WOMACK, J.; JONES, D. e ROOS, D. A máquina que mudou o mundo. 2 a edição. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1992, p.347. 8

BRASIL E MÉXICO: ECONOMIA E EMPREGO BRASIL E MÉXICO economia e emprego CLAUDIO SALVADORI DEDECCA Professor do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp Nos anos 90, observa-se uma clara convergência dos países latino-americanos na adoção de políticas econômicas centradas em austeridade fiscal, abertura econômica externa, âncora monetária externa e desregulamentação econômica. A nova política econômica 1 vem rompendo com a tradição desenvolvimentista presente na região desde o pós-guerra, que relaciona a formação dos mercados nacionais à consolidação de uma base industrial. Certas distorções criadas pelo processo de desenvolvimento nacional nestes países têm sido tomadas como justificativa da nova orientação. A proteção à economia nacional é considerada como o principal fator de distorção, já que levaria ao acomodamento dos agentes econômicos aos níveis de produtividade vigentes e estimularia a disputa entre estes agentes por um excedente econômico que passou a crescer lentamente. Argumenta-se ainda que o efeito mais visível deste processo foi a inflação explosiva, com a deterioração das condições financeiras do aparelho de Estado. O rompimento desta trajetória de política econômica é vista como fundamental para superar um contexto econômico tão adverso. Como bem sintetizou Huerta (1992:65), com o objetivo de impulsionar um processo de reestruturação da planta produtiva nacional para ter uma inserção eficiente no contexto internacional, [a nova política entende ser] necessário eliminar o viés antiexportador (que a política protecionista de substituição de importações configurou) e alcançar os níveis de produtividade e competitividade que requer a nova estratégia de crescimento com estímulo às exportações. A implementação da nova política econômica tem-se realizado através de abertura comercial, âncora cambial no dólar, privatização de empresas e atividades exercidas pelo Estado, austeridade fiscal, desregulamentação (flexibilidade) das relações econômica e de trabalho e focalização das políticas públicas. Estas mudanças elevaram o grau de exposição dos agentes econômicos à concorrência interna e externa, sob a argumentação de que esta provocaria a oxigenação dos diversos mercados, obrigando os agentes a buscar maior eficiência econômica. Segundo esta concepção de política, a disputa entre agentes deve transitar da repartição de um excedente existente para a criação de um novo e maior excedente, desativando, por conseqüência, o principal elemento causador de inflação e da perda de eficiência: o conflito distributivo; e tornando possível, portanto, solucionar de fato os problemas da inflação e da estagnação econômica. Ademais, esta nova política é convergente com os novos ventos da economia mundial, agora mais globalizada, e possibilita a reinserção de nossas economias no mercado financeiro internacional. No campo do mercado e das relações de trabalho, ela associa a indexação dos salários às raízes da inflação e os problemas de produtividade e o crescimento da informalidade ao anacronismo do marco regulatório, considerado não funcional ao novo modelo de gestão da empresa e aos interesses dos próprios trabalhadores. A indexação salarial e a sustentação do salário mínimo são consideradas como combustíveis do conflito distributivo, pois sua presença em um contexto de estagnação do excedente produtivo só poderia resultar em mais inflação. Por outro lado, sustenta-se que o paternalismo estatal protegeu certos segmentos de trabalhadores que se aproveitaram das negociações coletivas para impor recomposições de salário superiores à inflação passada, 9

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997 em detrimento dos segmentos de trabalhadores que não se encontravam cobertos pela regulação pública, como os trabalhadores informais. Segundo a nova política econômica, o artificialismo das relações de trabalho fomentou o crescimento dos contratos de trabalho estabelecidos à margem da legislação pública, expressando o descontentamento das empresas e também dos trabalhadores em relação ao sistema de regulação existente. Assim, a flexibilidade das relações de trabalho contemplaria as duas principais partes interessadas. Se, por um lado, a flexibilidade atenderia aos interesses que organizam o mercado de trabalho, por outro, surgiria como virtuosa para o novo contexto de política e organização econômicas. Em suma, tanto os modelos nacionais de crescimento como os sistemas de relações de trabalho a eles associados devem ser objeto de reformas, caso o propósito principal seja a estabilidade de preços, o crescimento econômico e a elevação do nível de ocupação. Neste artigo, pretende-se analisar os impactos da nova política econômica sobre os mercados nacionais de trabalho do Brasil e do México. Na primeira sessão, serão debatidos o contexto de crise dos anos 80 e a emergência da nova política econômica. Em seguida, serão analisados seus principais resultados econômicos e seu impacto sobre o crescimento. Na terceira sessão, estarão em pauta suas implicações sobre o mercado de trabalho. Na quarta sessão, será incorporada a discussão sobre a necessidade de alteração (flexibilidade) dos sistemas de relações de trabalho. Finalmente, discutir-se-á se a racionalização econômica e social produzida pela nova política econômica sinaliza uma nova fase de crescimento de longo prazo ou se conforma um processo de racionalização sem fim, caracterizado por breves surtos de crescimento seguidos de novos períodos de recessão que estabelecem uma tendência de queda contínua dos níveis de emprego, com a progressiva desregulamentação das relações de trabalho. ABERTURA, ÂNCORA MONETÁRIA E ESTABILIDADE DE PREÇOS Brasil e México conheceram um período de grandes dificuldades econômicas nos anos 80. A política de revalorização da moeda americana, a partir de 1979, explicitou a fragilidade do processo de endividamento externo da América Latina e seu papel na sustentação do crescimento econômico. Assim, os primeiros anos da década foram marcados por uma forte recessão econômica em ambos os países, em razão do estancamento dos fluxos de recursos externos que haviam irrigado suas economias. As políticas fortemente restritivas com controles administrativos do comércio externo, adotadas como resposta à situação de crise, visavam reduzir a demanda interna e as necessidades de importações, bem como buscavam criar algum excedente produtivo que pudesse ser exportado e que gerasse divisas necessárias para o pagamento de compromissos externos que venciam, não podendo ser renovados. A violência da crise sobre as economias nacionais era manifestada pela permanente ameaça de quebra financeira dos Estados, que acabou se concretizando em 1982 no México. Esta situação de estrangulamento foi amenizada por uma renegociação da dívida externa do país iniciativa acompanhada por outros países da região, cujos compromissos somente puderam ser saldados via a combinação de cortes nos orçamentos e aumento das exportações, propiciado, em grande medida, pelo padrão de recuperação da economia americana, a partir de 1984. A renegociação da dívida externa, mesmo que claramente desfavorável aos países latino-americanos, e a expansão americana foram seguidas de um movimento de recuperação das economias da região. A recomposição da atividade produtiva na economia brasileira foi significativa até 1986, mantendo-se um incremento lento e instável até 1989. A política de controle da demanda interna com desvalorização cambial permitiu ao país aproveitar o crescimento da economia internacional de tal modo que seu superávit comercial chegou a alcançar a cifra de 20 bilhões de dólares. A criação deste superávit foi possível graças a uma razoável ociosidade da capacidade produtiva, que foi rapidamente ocupada em 1985-86. No final deste ano, a continuidade da recuperação dependia da realização de um conjunto amplo de investimentos que ampliassem a capacidade nacional de produção. Entretanto, o excedente criado com as exportações, que poderia se prestar a essa finalidade, era utilizado para saldar os compromissos externos, impedindo assim o desenho de qualquer plano de investimentos. Além disso, o esgotamento da capacidade produtiva, em um contexto de graves restrições orçamentárias do setor público, tornava-se fonte de pressões inflacionárias, reforçadas pelo esquema de financiamento dos compromissos externos. As tentativas de estabilização através de congelamento de preços, salário e câmbio eram marcadas por um desaquecimento momentâneo do consumo em sua fase inicial, seguido por um rápido aumento caracterizado por uma certa antecipação quando havia sinais de sua desativação. Estes movimentos especulativos em uma economia funcionando a plena carga eram o combustível do processo inflacionário. Uma evolução bastante distinta foi observada na economia mexicana. Após a quebra financeira em 1982, um acordo bancado pelos EUA permitiu o refinanciamento do débito externo, cujos compromissos eram garantidos 10

BRASIL E MÉXICO: ECONOMIA E EMPREGO pelas exportações de petróleo, fortemente favorecidas pela elevação dos preços do produto na primeira metade dos anos 80. Cortes no gasto público, associados ao aumento das exportações e à desvalorização cambial, permitiram que o país superasse, ainda que momentaneamente, a situação de crise mais aguda. A proximidade com o mercado americano era um fator favorável à recuperação econômica, gerando efeitos positivos sobre os níveis internos de produção, em especial do segmento industrial das maquillas. Entretanto, a possibilidade de uma recuperação ficou comprometida com a queda dos preços do petróleo, em meados da década, que reduziu bruscamente as receitas obtidas com as exportações. Em um primeiro momento, o governo mexicano lançou mão das facilidades abertas pelo Plano Baker, mas a deterioração contínua da receita externa evidenciava as dificuldades do país de superar os entraves financeiros existentes, que eram agravados pela queda dos preços dos títulos da dívida mexicana no mercado internacional. A proximidade das eleições de 1988 induziu o governo a convocar empresários e sindicatos para um processo de negociação, consubstanciado no Pacto de Solidariedad Económica PSE. O acordo tinha como metas a contenção dos gastos públicos e a formação de um superávit primário de 8% em relação ao PIB, para permitir a sustentação das reservas existentes, a contenção dos salários, em especial do setor público, e a adoção de uma taxa de câmbio estável. A estabilização proposta pelo pacto foi concluída com a renegociação da dívida externa viabilizada pelo Plano Brady, em 1989, que reconstituiu os fluxos de capitais para a economia mexicana. A vinda de novos capitais era garantida pela maior liberdade de ingresso e de saída destes, pela política de austeridade do setor público, com a privatização do setor produtivo, e pela estabilidade da taxa de câmbio (Huerta, 1992; Romo, 1994) que se justificavam também pelo projeto de integração regional em discussão entre México, Estados Unidos e Canadá. Em 1989, o México acabou por adotar a nova política econômica, com a renovação do PSE. Neste mesmo ano, o debate em torno das eleições presidenciais brasileiras se centrava nas alternativas de reorganização da economia nacional. A proposta de esquerda, defendida por Lula, entendia ser necessário resolver os problemas políticos que entravavam a montagem de um sistema de financiamento do desenvolvimento nacional, de modo a se viabilizar o desdobramento da estrutura produtiva existente. A visão conservadora de Collor, em contrapartida, defendia a abertura comercial como forma de reinserir a economia brasileira no comércio internacional, superando o atraso econômico e tecnológico do país. A vitória de Collor legitimou politicamente a adoção da nova política econômica e em março de 1990 iniciava-se um processo de abertura rápida da economia brasileira. Políticas de privatização, austeridade fiscal e desindexação foram adotadas de maneira complementar, ficando de fora somente a política de câmbio nominal fixo. Iniciava-se, deste modo, a reinserção da economia brasileira no comércio internacional, através de uma abertura do mercado nacional de bens e dinheiro, mais compatível com a lógica vigente na era da globalização econômica e financeira. O estabelecimento da nova política econômica conheceu certos percalços. O desgaste político provocado pelo aprisionamento das poupanças individuais, a voracidade na montagem de um mecanismo próprio de corrupção e o recrudescimento rápido da inflação acabaram por fragilizar o governo Collor, contendo momentaneamente uma implantação mais agressiva de sua política econômica. Enquanto o governo brasileiro da época enfrentava dificuldades para viabilizar a nova orientação econômica, o governo Salinas ia de vento em popa, com a inflação anual tendendo para um único dígito; no Brasil, mais uma vez, rompia a casa dos três dígitos (Tabela 1). O êxito do programa de ajuste era considerado um verdadeiro milagre mexicano. Depois de uma década de crise, o país parecia conhecer a prosperidade, o que lhe permitia estabelecer um bloco comercial com os Estados Unidos e Canadá e propor seu ingresso na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico OCDE, clube seleto dos países desenvolvidos. TABELA 1 Variações Anuais do Produto Interno Bruto e dos Preços ao Consumidor Brasil e México 1986-95 Em porcentagem Anos Brasil México PIB Preços PIB Preços 1986 7,5 125,0-3,6 86,2 1987 3,5 233,3 1,8 131,8 1988-0,1 690,0 1,3 114,2 1989 3,2 1.289,0 3,3 20,0 1990-4,4 2.937,7 4,5 26,6 1991 0,2 440,9 3,6 22,7 1992-0,8 1.008,7 2,8 15,5 1993 4,1 2.148,5 0,7 9,7 1994 5,7 2.668,6 4,5 6,9 1995 4,2 84,4-6,2 35,0 Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi. 11

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997 Já no Brasil, a queda de Collor e a posse de Itamar Franco, no segundo semestre de 1992, não sinalizaram mudanças mais significativas na política econômica. A abertura econômica foi mantida, mas não foram adotadas, em um primeiro momento, medidas mais duras que aprofundassem a orientação imprimida por Collor. Somente no segundo semestre de 1993, o governo Itamar, através de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, deu indícios de que formulava uma política para atacar frontalmente a inflação. Em fevereiro de 1994, o governo adotou o Plano Real, que ratificava a abertura e assumia a moeda norte-americana como âncora cambial, passando por um período de transição em que foi promovida a desindexação e introduzida a nova moeda o Real. Em primeiro de agosto daquele ano, a nova política estava completamente implantada, e antes do final do ano a inflação caiu drasticamente, estimulada pelo rápido aumento das importações de bens duráveis e não-duráveis, que se seguiu a uma diminuição abrupta das alíquotas de importação. Ao mesmo tempo em que o Brasil adotava por completo a nova política, a economia mexicana mostrava sinais de esgotamento, que se explicitaram na crise financeira de dezembro de 1994, quando o governo foi obrigado a promover uma forte desvalorização cambial. A acumulação de grandes déficits comerciais nos primeiros anos da década, financiados pela entrada de recursos de curto prazo, acabou por validar uma onda especulativa contra os títulos mexicanos e a interrupção do fluxo positivo de recursos. A possibilidade de um efeito dominó sobre a economia latino-americana, que provavelmente alcançaria a Argentina em primeiro lugar e o Brasil em seguida, e as conseqüências da quebra financeira sobre a economia e a sociedade americanas levaram os Estados Unidos a socorrerem o México com 20 bilhões de dólares, que foram acompanhados de um aporte de 17,8 bilhões de dólares do FMI. Como contrapartida, impôs-se ao país a adoção de um novo programa de cortes públicos e de privatização da economia. A política restritiva foi acompanhada de uma desvalorização cambial datada no tempo. Os efeitos da crise mexicana fizeram acender as luzes de alerta na economia brasileira. A rápida passagem de uma posição superavitária para uma posição deficitária na balança comercial entre 1993 e 1995, em um contexto de turbulência financeira nos mercados emergentes, impôs ao Brasil uma posição de certa cautela, traduzida no aumento das alíquotas de importação de automóveis e na adoção de uma política cambial orientada por uma banda estreita de variação. As medidas adotadas pelo governo mexicano em dezembro de 1994, assim como aquelas assumidas pelo governo brasileiro no primeiro semestre de 1995, não representaram alterações mais profundas na política econômica manejada. A abertura econômica, a valorização do câmbio, a manutenção de taxas de juros reais elevadas, os cortes nos gastos públicos com privatização continuaram pautando a política econômica destes países, apesar do agravamento de certos indicadores econômicos e sociais. CRESCIMENTO OU AJUSTE ECONÔMICO Um aspecto da nova política econômica que deve ser ressaltado é sua dificuldade em produzir taxas elevadas de crescimento econômico. Os melhores momentos das economias mexicana e brasileira não têm se pautado por incrementos estonteantes do Produto Interno Bruto. Como mostram os dados da Tabela 1, as elevações dos PIBs mexicano e brasileiro nos períodos entre 1990-94 e 1993-95, respectivamente, mantiveram-se em patamares relativamente baixos, comparativamente aos conhecidos por estes países nos anos 1950-70 (Romo, 1994; Mattoso e Baltar, 1996). Mesmo assim, produziram déficits elevados nas balanças comerciais. Ademais, a recuperação limitada não sinalizou que, caso mantida, pudesse gerar um movimento de crescimento sustentado no futuro próximo. Como mostram os dados sobre a formação bruta de capital fixo de ambos os países, os investimentos permaneceram relativamente baixos durante os bons momentos econômicos desta década (Tabela 2), não se podendo vislumbrar, portanto, um maior potencial produtivo no futuro, que apontasse a possibilidade de superação dos estrangulamentos externos da estrutura econômica. Considerando-se que a nova política se propunha a resolver os problemas de competitividade destas economias, promovendo a modernização econômica através de uma maior pressão competitiva sobre os agentes, seria de se esperar uma elevação mais expressiva da formação bruta de capital fixo. Nota-se, deste modo, que a expansão promovida inicialmente não levou nem a um crescimento mais significativo do produto nacional, nem a uma elevação da taxa de investimentos que sugerisse bases econômicas mais sólidas para um crescimento futuro. Dois outros aspectos evidenciam ainda mais as dificuldades da recuperação assentada na nova política econômica. O primeiro refere-se aos efeitos diferenciados da recuperação sobre os níveis de produção industrial. Na experiência brasileira, o aumento de 66% da produção de bens duráveis, entre 1993 e 1995, representou uma elevação de 32% na produção de bens de capital, 2 de 13% na de bens intermediários e de 15% na de bens de consumo não-duráveis (Tabela 3). A recuperação, em 12

BRASIL E MÉXICO: ECONOMIA E EMPREGO TABELA 2 Formação Bruta de Capital Fixo em Relação ao Produto Interno Bruto Brasil e México 1981-1995 Em porcentagem Anos Brasil México 1981 21,6 23,2 1985 16,4 16,7 1990 15,5 16,5 1991 14,6 17,0 1992 13,6 17,9 1993 14,0 17,6 1994 15,0 18,2 1995 16,6 14,0 Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi. TABELA 3 Evolução da Produção Industrial, por Categorias de Uso (1) Brasil e México 1981-1995 Em porcentagem Indústria Bens de Consumo de Bens de Bens Inter- Anos Transfor- Capital mediários Total Duráveis Nãomação Duráveis 1975-80 86,1 125,5 77,6 80,0 78,4 80,2 1981-84 90,1 94,4 86,9 85,7 85,2 89,8 1985-89 107,6 116,0 106,7 103,0 102,5 102,8 1989 110,4 118,3 109,6 105,9 106,1 105,5 1990 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 1991 105,5 98,7 97,8 102,3 104,7 101,8 1992 94,4 91,9 95,4 96,8 91,0 97,9 1993 97,4 100,8 100,6 106,7 117,5 98,9 1994 100,6 119,6 107,1 111,3 135,3 101,2 1995 110,0 120,1 107,5 117,6 151,5 112,7 Fonte: IBGE, Pesquisa Industrial Mensal. (1) Média de 1990 = 100. TABELA 4 Evolução da Produção Industrial, segundo Gêneros de Atividade (1) México 1990-95 Em porcentagem Gêneros de Atividade 1991 1992 1993 1994 1995 Indústria de Transformação (exceto Maquiladoras) 99,4 96,5 91,4 95,4 102,5 Minerais Não-Metálicos (exceto Petróleo e Carvão) 108,5 110,8 113,6 117,2 96,3 Metalúrgica Básica 82,3 71,7 65,7 70,5 92,8 Produtos Metalúrgicos, Maquinaria e Equipamentos 105,5 104,6 96,3 101,0 110,3 Química e Petroquímica 95,9 89,8 84,4 89,0 102,5 Madeira e Produtos de Madeira 91,5 84,5 79,4 81,2 72,9 Papel e Derivados 91,5 84,2 77,1 75,4 91,0 Têxtil, Vestuário e Couro 92,0 84,6 75,9 71,6 62,4 Alimentos, Bebidas e Tabaco 105,6 108,5 108,3 113,4 110,8 Outras Indústrias 106,0 107,2 95,1 99,5 83,2 Maquiladoras 101,1 104,3 109,5 121,1 141,5 Fonte: Inegi. (1) Média de 1990 = 100. grande medida concentrada na indústria de bens duráveis, mostra uma forte dispersão do grau de recomposição dos produtos setoriais, o que sugere que parte importante dos resultados da boa performance da indústria de transformação foi drenada para o setor externo. Os vazamentos dos efeitos da recuperação para o setor externo são melhor observados na experiência mexicana, na qual a expansão do setor industrial foi significativamente mais baixa (Tabela 4). No período 1991-94, o aumento da produção industrial não foi suficiente para recompor o nível alcançado em 1990, concentrando-se na indústria de alimentos, bebidas e tabaco (13%). Esta recuperação foi ainda mais limitada nos segmentos de metalurgia básica e minerais não-metálicos. Os setores químico e petroquímico, marcados pela presença importante da extração de petróleo, assim como o de produtos metalúrgicos, maquinaria e equipamentos não conseguiram retomar os níveis de produção anteriores. Ao contrário, as zonas de processamento para exportação (maquillas), grandes consumidoras de insumos importados, elevaram em 51% sua produção. A desproporção na performance intersetorial expressa o papel do aumento das importações no crescimento da produção de bens duráveis no Brasil e nas maquillas no México. Este é o segundo aspecto que caracteriza a recuperação destas economias. A recomposição do produto gerou um rápido aumento das importações, transformando os superávits comerciais em megadéficits. O saldo de 16 bilhões de dólares da balança comercial brasileira em 1989 transforma-se em um déficit de 3 bilhões de dólares em 1995, enquanto o equilíbrio da balança comercial mexicana em 1989 resultou em um déficit de 18 bilhões de dólares em 1994. 3 O crescimento rápido das importações deve ser associado à abertura econômica indiscriminada promovida por ambos os países e, em especial, à valorização das moedas nacionais que resultou da política de fixação das taxas de câmbio. A abertura com valorização cambial foi fundamental para reduzir rapidamente a inflação, em especial na experiência brasileira, pois os produtos locais passaram a sofrer uma concorrência acirrada dos produtos importados. Esta concorrência se fez presente nos mercados de bens duráveis automóveis e eletrônicos em geral, mas também nos mercados de bens não-duráveis, como alimentação e vestuário. A competição acabou por conter os preços locais, permitindo, entretanto, que o consumo interno passasse a ter uma parcela significativa de produtos importados, afetando negativamente a recuperação da produção industrial. Diante dos efeitos devastadores do déficit comercial sobre a economia mexicana, que resultaram na insolvência financeira do país em dezembro de 1994, o governo 13

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997 TABELA 5 Evolução dos Principais Agregados da Balança de Pagamentos Brasil e México 1989-95 Em milhões de dólares Principais Agregados 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 Brasil Contas Correntes 1.002-3.823-1.450 6.089 20-1.153-18.136 Comercial 16.112 10.747 10.578 15.239 14.329 10.861-3.157 Exportações (FOB) 34.375 31.408 31.619 35.793 39.630 44.102 46.506 Importações (FOB) 18.263 20.661 21.041 20.554 25.301 33.241 49.663 Serviços -2.785-3.761-3.891-3.342-5.590-5.346-7.495 Capitais 710 4.594 229 9.974 9.504 8.810 29.609 México Contas Correntes -5.825-7.451-14.888-24.442-23.400-28.784-654 Comercial 405-881 -7.279-15.934-13.481-18.465 7.088 Exportações (FOB) 35.171 40.711 42.687 46.196 51.885 60.882 79.542 Importações (FOB) 34.766 41.592 49.966 62.130 65.366 79.347 72.453 Serviços -672-2.229-2.090-2.684-2.529-2.589 1.241 Capitais 1.863 9.484 25.320 26.467 32.585 11.555 15.311 Fonte: Banco Mundial. nalização provoca, no melhor dos casos, uma desindustrialização parcial, reduzindo as relações intersetoriais e induzindo a uma maior especialização e internacionalização da estrutura produtiva local. Ao invés de se produzir um novo desdobramento da estrutura industrial, consolida-se sua redução e desarticulação. Pode-se considerar que estas transformações caracterizam um processo de reestruturação regressiva e de crescente heterogeneidade estrutural (Kosacoff, 1993). A modernização se articula com a destruição de segmentos industriais mais defasados tecnologicamente, favorecendo uma elevação rápida da produtividade industrial (Gráfico 2). Analisando o caso brasileiro, Feijó e Gonzaga (1994) consideram que esta modernização, além de possuir um caráter defensivo, tende a se realizar de maneira permanente, já que a política de abertura comercial induz a um aumento sistemático da produtividade industrial, seja pela incorporação de novas tecnologias, seja pela racionalização econômica provocada pela focalização adotada pelas empresas em atividades produtivas consideradas centrais em seus processos de investimentos, de escolha de mercados, de terceirização e subcontratação e tecnológicos. A modernização de caráter defensivo parece ser coerente com a manutenção da formação bruta de capital em nível relativamente baixo. A taxa de investimento baixa pode expressar a introdução seletiva de novos equipamentos, concentrada nos segmentos mais modernos da economia, concomitantemente à destruição de capacidade nos segmentos econômicos mais frágeis (Considera, 1995). Ademais, esta taxa de investimento deve ser predominantemente sustentada pelo setor privado, em face da desabrasileiro, em meados de 1995, adotou medidas restritivas para conter o crescimento das importações. Mesmo assim, a balança comercial acabou acumulando um saldo negativo no final do ano. As medidas implementadas permitiram contornar os problemas da balança comercial, apesar de terem produzido uma nova recessão, com mais uma redução nos níveis de emprego formais de ambas as economias. A NOVA POLÍTICA ECONÔMICA E O MERCADO DE TRABALHO Uma importante característica da nova política econômica é sua incapacidade de recompor o nível de emprego. Apesar da expansão econômica mexicana em 1991-94 e brasileira em 1993-95, nota-se que a melhoria da produção industrial não reverteu a tendência de queda permanente do emprego industrial. A falta de sintonia entre produção e emprego (Gráfico 1) decorre da pressão competitiva imposta pela nova política econômica sobre a estrutura industrial local, que foi obrigada a proceder a um ajuste produtivo para sobreviver no novo contexto econômico. Entretanto, na falta de uma política industrial, num contexto de rápido sucateamento dos equipamentos, de elevado custo do dinheiro no mercado interno e do processo de internacionalização dos setores nacionais mais débeis, as empresas industriais acabaram por adotar posturas defensivas, racionalizando a produção através da redução seletiva de seus mercados, da modernização parcial de suas plantas e da terceirização de produção e serviços de apoio. Desenvolve-se uma modernização às avessas, pois a racio- 14

BRASIL E MÉXICO: ECONOMIA E EMPREGO GRÁFICO 1 Evolução do Produto Industrial e do Pessoal Ocupado na Produção Brasil e México 1990-95 Produto Industrial Brasil México Pessoal Ocupado Índices (1990=100) 110 110 Índices (1990=100) 100 100 90 90 80 80 70 70 60 1990 1991 1992 1993 1994 1995 60 1990 1991 1992 1993 1994 1995 Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi. GRÁFICO 2 Índices de Produtividade da Indústria de Transformação Brasil e México 1990-95 Brasil Índices (1990=100) 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 1990 1991 1992 1993 1994 1995 México Índices (1990=100) 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 1990 1991 1992 1993 1994 1995 Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi. celeração quase completa das inversões públicas no sistema de infra-estrutura. Este padrão de aumento da produtividade industrial conhecido no Brasil parece estar-se reproduzindo na economia mexicana, com maior concentração dos investimentos nas maquillas, o que tem provocado uma crescente polarização entre estas e a base industrial voltada para o mercado interno (de la Garza, s/d), evidenciada na desproporção entre os crescimentos dos dois setores. O caráter contínuo da modernização defensiva se deve às pressões permanentes exercidas pela concorrência externa, potencializada pela valorização cambial. A redução lenta do salário real, garantida pela maior estabilidade de preços, conjuntamente com a valorização da moeda nacional, determina uma queda acentuada da relação câmbio/salário, reduzindo os ganhos dos setores com maior inserção internacional. Além disso, a valorização cambial em um contexto de estabilidade de preços provoca uma queda da relação câmbio/salários (Gráfico 3), reduzindo a lucratividade dos setores exportadores e reforçando ainda mais a pressão competitiva sobre este segmento da indústria local. Esta perda de lucratividade também se manifesta nos segmentos industriais voltados exclusivamente para o mercado 15

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997 GRÁFICO 3 Relação Câmbio e Salário-Hora da Indústria de Transformação Brasil e México 1990-95 Brasil 1,40 1,20 1,00 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 J A J O J A J O J A J O J A J O J A J O J A J O México 1,00 0,90 0,80 0,70 0,60 0,50 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 J A J O J A J O J A J O J A J O J A J O J A J O 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1990 1991 1992 1993 1994 1995 Fonte: Brasil, IBGE; México, Inegi. interno, na medida em que os produtos importados cujos preços são barateados pela valorização cambial forçam uma deflação de preços dos produtos locais. Neste sentido, a possibilidade de uma menor lucratividade deve fomentar a tomada de decisões voltadas à modernização produtiva (Huerta, 1992). A modernização assume, pois, um caráter de racionalização econômica permanente, definindo uma trajetória contínua e decrescente do emprego industrial, mesmo nos momentos de aumento da produção setorial. Apesar do nível significativamente mais baixo do padrão de consumo e do menor grau de modernidade da estrutura produtiva nos países em análise, o processo de modernização ganha características semelhantes às observadas nos países desenvolvidos (Dedecca e Montagner, 1993), onde se traduz, principalmente, em racionalização produtiva, com a contração permanente do nível de emprego (Dedecca, 1996). A faceta mais grave deste movimento é que a nova política econômica não apresentou, até o presente momento, sinais de que possa viabilizar um crescimento de longo prazo. Após o surto de expansão que se seguiu à adoção dos planos de estabilização, decorrente em grande medida de um superávit comercial anteriormente existente, os movimentos de recuperação passam a ocorrer com uma intensidade e com um lapso de tempo menores. Isto porque o abrandamento da política restritiva, quando acompanhado de um rápido aumento das importações, acaba exigindo a retomada da política de austeridade econômica. Assim, as fases curtas de crescimento lento seguidas de períodos recessivos, em um contexto de permanente racionalização econômica, são incapazes de reverter a tendência de declínio sistemático do nível de emprego industrial. Neste sentido, torna-se uma constante a deterioração do mercado de trabalho industrial, perdendo-se, por outro lado, a perspectiva, ao menos no curto prazo, de estabilização do nível de emprego setorial. A NOVA POLÍTICA ECONÔMICA E AS RELAÇÕES DE TRABALHO Alterações nos sistemas nacionais de relações de trabalho aparecem, também, como uma exigência da nova política econômica. Como mostramos anteriormente, as empresas são constantemente pressionadas a aumentar seus níveis de produtividade. As decisões de racionalização produtiva viabilizam estes ganhos que, no entanto, são comprometidos pela valorização cambial e pela concorrência desleal de produtos externos no mercado local. Assim, faz-se necessário acelerar ainda mais os ganhos de produtividade com o objetivo de recompor efetivamente a lucratividade das empresas. Dois podem ser os caminhos para se alcançar esta meta. O primeiro deles se consolidaria via uma elevação dos investimentos (formação bruta de capital fixo) que promovesse uma modernização mais acelerada e mais ampla do parque produtivo. Dada a ausência de uma política industrial, as empresas são obrigadas a resolver os problemas de financiamento, de rápida depreciação do capital fixo determinada pelo envelhecimento precoce das novas gerações de equipamentos e de expansão de mercado. Mesmo assim, elas podem ser surpreendidas no meio do processo por mudanças na política econômica, variações no custo do endividamento ou entrada agressiva de um novo concorrente externo em seus mercados locais. Neste sentido, a modernização radical torna-se uma estratégia de 16

BRASIL E MÉXICO: ECONOMIA E EMPREGO alto risco, que pode comprometer a inserção das empresas em seus mercados e mesmo sua condição financeira. Portanto, as empresas, ao invés de optarem pela trajetória radical cheia de riscos, procuram articular a introdução seletiva de novos equipamentos com mudanças no sistema de organização gerencial da produção. É fato que esta opção pode não maximizar os resultados da modernização, mas é, sem dúvida, a alternativa mais segura. Ademais, ela permite diluir no tempo os custos relativos ao sucateamento da planta produtiva existente. Estas mudanças no sistema gerencial, introduzidas nos anos 80, vêm se acelerando na década atual, destacandose a integração de fornecedores à produção final, a adoção de métodos de gestão de estoques, os programas de redução de perdas e mudanças no desenho da base produtiva (células ou módulos de produção) e os círculos de controle de qualidade. Tudo isto produz mudanças organizacionais que vêm transformando as plantas produtivas e exigindo a reconfiguração dos sistemas de relações de trabalho. Neste contexto, a flexibilidade quantitativa permitida pela facilidade de contratação e demissão de mão-de-obra ou pela contratação informal já não é suficiente. Ao contrário, a queda do nível de emprego tende a reduzir a rotatividade da mão-de-obra. Agora a demanda passa a ser de flexibilidade funcional e qualitativa. Sob o prisma da nova política econômica, faz-se necessário adequar o sistema nacional de relações de trabalho aos requerimentos impostos por uma maior qualidade e competitividade da base produtiva. As mudanças no sistema devem abrir campo para uma relação de maior cooperação entre empresa e trabalhadores, em geral possibilitada pela adoção de estruturas de negociação descentralizadas e, se possível, construídas entre a empresa e seus trabalhadores. O novo sistema deve se responsabilizar pelo estabelecimento das principais normas e regras que ordenam os contratos de trabalho, como custo de demissão, direito de férias, custo da hora extra, padrão de jornada de trabalho, adicionais de insalubridade e periculosidade, forma de remuneração, 13 o salário, trabalho nos finais de semana e noturno, etc. Em suma, propõe-se o fim de certos direitos públicos do trabalho, com sua transferência para a esfera da empresa. Se, por um lado, estas mudanças nos sistemas de relações de trabalho são justificadas pela necessidade de compatibilizar os custos do trabalho à performance da empresa, argumenta-se, por outro lado, que esta mudança romperia o artificialismo das negociações coletivas, garantido pela intervenção do Estado no mercado de trabalho. Neste sentido, as mudanças são tomadas como instrumento para fortalecer as negociações coletivas e dos sindicatos. As alterações propiciadas pelo Acuerdo Nacional para la Elevación de la Productivid e de la Qualidad ANEPC, firmado entre o Estado mexicano, os empresários e o sindicatos em 1992, contemplaram este objetivo. Como afirma de la Garza (1994:23), o ANEPC conforma as idéias mais avançadas da doutrina da qualidade total com a incorporação do papel exercido pelo novo sindicalismo e pela democracia industrial. O acordo permitiu consolidar os objetivos que, segundo o presidente Salinas, deveriam nortear o novo sindicalismo: descentralização das negociações no âmbito das empresas, manutenção do compromisso histórico entre as centrais sindicais e o Estado, consolidação de um espírito cooperativo que promova ganhos de produtividade e uma nova cultura da produtividade entre os trabalhadores (Salinas de Gortadi apud de la Garza, 1994). A consolidação do acordo se realiza em um contexto de fragilidade do movimento sindical, decorrente não só da postura agressiva do presidente Salinas contra as lideranças mais combativas, como da própria especificidade da organização política mexicana. De acordo com Nassif (1994:136), Salinas pôs em marcha um processo de modernização autoritária que renovou as lideranças políticas e sindicais, removeu os obstáculos políticos e destruiu as forças que a ele se opuseram. O ANEPC consolidou este movimento de transformação econômica e política iniciado em 1987 com o Pacto de Solidaried Económica. Assim, uma maior flexibilidade das relações de trabalho torna-se realidade no México depois de 1993. Mudanças com o objetivo de flexibilizar as relações de trabalho não foram uma característica marcante da modernização econômica no Brasil até o primeiro semestre de 1996. A formação dos níveis mais centralizados de organização sindical, nos anos 80, estimulou a negociação coletiva entre os segmentos econômicos mais dinâmicos, mas não quebrou a velha estrutura sindical e a sistemática de negociação vigentes no país desde os anos 30. Já a Constituição Nacional de 1988 ampliou certos direitos sociais e do trabalho e procurou reduzir, via a elevação do custo da demissão, a elevada rotatividade que historicamente caracteriza o mercado de trabalho brasileiro. O movimento sindical procurava construir seus níveis centralizados de organização e negociação, ao mesmo tempo em que o Estado ampliava os direitos sociais, reforçando, desta maneira, a regulação pública sobre o mercado e as relações trabalho e pondo em marcha um movimento contrário àquele trafegado pelos países desenvolvidos e por seus vizinhos latino-americanos, nos quais a desregulação havia se tornado a política comum. A vitória da proposta conservadora em 1989 ampliou o espaço do discurso pela flexibilidade do mercado e das relações de trabalho, enquanto a nova política econômica forçou sua legitimação. Entretanto, somente a partir do 17

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997 Plano Real o debate sobre a flexibilidade vem se intensificando. A maior velocidade da modernização econômica, depois de 1994, aponta para a necessidade de se modificar o sistema nacional de relações de trabalho no sentido de ampliar a capacidade de resposta das empresas ao processo de concorrência. Como mostramos anteriormente, ganhos mais significativos de produtividade dependem de um maior investimento ou de mudanças na organização do trabalho. Diante dos elevados riscos inerentes à primeira opção, a segunda vertente aparece como a mais segura. O governo Fernando Henrique sinaliza seu propósito de permitir que alguns dos direitos inscritos no artigo 7 o da Constituição Nacional 4 sejam objeto de negociação coletiva, 5 além de promover uma redução dos encargos sociais e de permitir melhores condições para contratação de mão-de-obra em regime temporário com encargos sociais reduzidos por um período superior a três meses. A justificativa desta proposta é a existência de um elevado custo do trabalho (custo Brasil) que penaliza a capacidade competitiva das empresas com produção local. Por outro lado, faz parte desta proposta a adoção do Contrato Coletivo de Trabalho com pluralidade sindical. Segundo o governo e certos analistas, o atual sistema de relações de trabalho estaria engessando as relações entre empregadores e empregados, comprometendo um melhor rendimento e crescimento das empresas e, por conseqüência, impedindo aumentos salariais e a melhoria do nível de emprego. Além disso, os custos de um sistema de relações de trabalho considerado anacrônico estariam estimulando os trabalhadores a aceitarem contratos de trabalhos não protegidos por permitirem ganhos relativamente mais elevados, já que as empresas transferem para os salários parte dos custos impostos pela contratação legal de mãode-obra. Assim, as mudanças propostas pelo governo atenderiam tanto empresários como trabalhadores. O contrato coletivo e a liberdade sindical romperiam as amarras impostas aos sindicatos mais combativos pela legislação pública existente. A proposta governamental se revela um instrumento eficaz, tanto do ponto de vista econômico como político e social. Tanto o acordo firmado no México como a proposta do governo brasileiro sugerem que a flexibilidade das relações de trabalho permite recompor a eficiência econômica com resultados positivos no campo social; e que tais resultados emergem prontamente, resolvendo os problemas de competitividade, fiscal e de emprego que gravam estas economias no curto prazo. As reformas adotadas pelo México entre 1987 e 1992 não validam a existência de tal virtuosismo. Os problemas de competitividade se recolocam permanentemente, assim como se agravam os de emprego e renda e pioram as condições de financiamento do setor público piorado. A crise de dezembro de 1994 foi enfrentada com novas medidas de austeridade na suposição de um futuro melhor, que até o presente momento não se delineia no horizonte da nação. A NOVA POLÍTICA ECONÔMICA: UM PROCESSO DE AJUSTES SEM FIM? Como bem afirmou Comparato (1996), dos objetivos de política econômica que constituem o chamado quadrilátero mágico estabilidade monetária, o equilíbrio cambial, o crescimento econômico constante e o pleno emprego,...[ela] só conseguiu realizar plenamente os dois primeiros. A nova política econômica adotada pelo Brasil e México tem se mostrado eficaz no combate ao processo inflacionário. Entretanto, o crescimento, o emprego e a renda continuam sendo questões sem solução a curto prazo. Já a estabilidade dos preços vem sendo obtida graças a um processo de racionalização econômica permanente, determinado pela abertura comercial e pela valorização cambial, que cria breves surtos de expansão seguidos de períodos de recessão econômica. Neste movimento perverso da economia, vai se reduzindo a dimensão ocupacional dos mercados nacionais de trabalho, a partir da contração rápida e da maior precarização do emprego industrial e do desemprego da população economicamente ativa. A desregulamentação econômica e social progride a cada fase recessiva destas economias, impondo custos sociais crescentes sem resultados concretos mais candentes. Este processo tem-se reproduzido, com timings diferentes, nos países desenvolvidos. A desregulamentação também tem sido a marca de uma política econômica centrada na estabilização de preços com apreciação da moeda nacional (Dedecca, 1996). Recentemente, nas sociedades desenvolvidas,...tem ocorrido uma mudança significativa na preferência entre inflação e desemprego. Antes o desemprego era o medo dominante; o pleno emprego era o principal teste do desempenho econômico... Mas a realidade mais profunda é que a inflação é agora considerada, pela parte mais afluente da sociedade moderna organizada, a ameaça central ao bom desempenho econômico; preços estáveis são o objetivo dominante. O desemprego, nessa visão, tornou-se um instrumento da estabilização de preços. Isso reflete uma nova realidade, que não costuma ser tão rudemente descrita, mas visivelmente, até intrometidamente, presente (Galbraith, 1996:51). Os efeitos desta política sobre o emprego e a renda têm sido claramente negativos. Apesar da desregulamentação dos mercados de bens, serviços e trabalho ocorrida nos 18

BRASIL E MÉXICO: ECONOMIA E EMPREGO últimos 20 anos, e com intensidades diferenciadas, nos países desenvolvidos, os defensores da nova política econômica continuam associando os problemas do mercado de trabalho a uma suposta rigidez imposta pela regulação pública. Nossa inserção atrasada e periférica no desenvolvimento econômico também se manifesta no campo das idéias. Enquanto a crítica à nova política econômica ganha corpo naqueles países, nossos governos e parte dos estudiosos alardeiam efusivamente as benesses da desregulamentação e da flexibilidade das relações econômicas, sociais e de trabalho, 6 apesar de a adoção da nova política no México e no Brasil não estar produzido os virtuosos e esperados efeitos. 7 Para seus defensores, pouco importa que esta nova política produza um processo de racionalização econômica permanente. Para eles, seus efeitos destrutivos sobre a estrutura produtiva e o encolhimento permanente dos níveis de emprego do setor industrial têm pouco sentido, apesar de suas conseqüências sobre o desemprego e a precarização dos mercados de trabalho nacionais. O que interessa é estar no rumo certo, na direção da modernidade prometida pela economia globalizada do final do século XX. Afinal, já no fim do século passado se sabia que o capitalismo, em sua fase mais desenvolvida, não geraria empregos para todos. Neste sentido, os defensores da nova política se dobram aos ventos inevitáveis e irreversíveis da história, mesmo que as experiências nacionais de política econômica de sustentação da demanda agregada (keynesiana) possam ter permitido a superação dos traumas criados pelas crises econômicas e políticas do pós- 30 até os anos 70, contrariando os desígnios da lógica capitalista. A aceitação passiva da lógica da globalização dos mercados desloca o debate para o desenho de políticas industrial, fiscal e de rendas. Como nas primeiras décadas do século, as mudanças técnicas e o processo de financeirização em um contexto de crise também sinalizavam que a liberdade dos mercados abriria caminho para a nova fase de prosperidade (Hobsbawn, 1994). Após o crescimento das economias desenvolvidas nos meados da década de 20, o livre jogo dos mercados levou a maioria destes países à bancarrota, obrigando-os a refazer os mecanismos de regulação econômica e social, em face dos altos custos sociais e econômicos. Quando analisamos as experiências da nova política econômica no Brasil e no México, notamos que o rompimento com a política desenvolvimentista tem se traduzido em ampliação dos problemas de emprego nestes países. O agravamento destes problemas está associado à voracidade destrutiva desta política e à sua incapacidade de criar novas estruturas econômicas. Os defensores da nova política argumentam que seus críticos exageram ao analisar este poder destruidor, pois na era da globalização os problemas de emprego já não são resolvidos a partir da lógica industrial. Para eles, o baixo desemprego aberto encontrado nos países latinoamericanos comprova a capacidade da nova configuração econômica de sustentar os mercados nacionais de trabalho. Consideram ainda que a precariedade destes mercados decorre da ausência de mudanças mais significativas nos sistemas de relações de trabalho, que permitam às economias nacionais aproveitar as virtudes da nova organização econômica flexível e globalizada, melhorando assim as condições de empregabilidade da população economicamente ativa, considerado o real problema de emprego. Por outro lado, entendem que programas sociais compensatórios permanentes se tornam necessários já que a nova ordem produtiva não pode incorporar boa parte da mão-de-obra formada durante o período desenvolvimentista. Ampliam e desfiguram, deste modo, o escopo de importantes programas sociais, como o da renda mínima, tornando-os instrumentos de legitimação da exclusão social. Esta clareza meridiana do discurso dos defensores da nova política econômica decorre, em primeiro lugar, de uma visão que desconsidera problemas econômicos e sociais que perpassam o período desenvolvimentista. As soluções autoritárias (Brasil) ou os arranjos políticos populistas (México), legitimados pela política externa americana, impediram que o desenvolvimento econômico se articulasse à implantação de uma democracia industrial. Os frutos do desenvolvimento foram distribuídos, sistematicamente, de maneira desigual, impondo-se um processo de exclusão social de boa parte da população, que se traduziu na falta de emprego ou em empregos precários, baixa renda e reduzido nível educacional. O crescimento econômico com ampliação da desigualdade permitiu que pequenos segmentos afluentes da sociedade participassem efetivamente do padrão de consumo moderno. Deste modo, a crise do processo de industrialização ocorreu sem que se verificasse o esgotamento dos mercados de consumo, sinalizando, portanto, que os aumentos de renda, caso ocorressem e fossem melhor distribuídos, continuariam sendo alocados na compra de bens materiais básicos, e não de serviços, não expressando um padrão de consumo superior ou desenvolvido. Assim, os problemas em nossas economias não são de renovação de um mercado saturado que impede a ampliação do excedente e provoca um acirramento da disputa por sua repartição, mas de ampliação deste mercado a ser viabilizado pela montagem de um sistema de financiamento adequado, que exige mudanças na forma de distribui- 19

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(1) 1997 ção do excedente existente. Estas mudanças só podem se realizar com o avanço da democracia industrial. A solução não passa pela destruição de direitos sociais existentes, mas pela ampliação destes, em especial pelo estabelecimento de mecanismos que facilitem o acesso a um emprego formal, a uma renda adequada, a moradia, a transporte público, a educação... A efetividade destes direitos não se associa, portanto, à flexibilidade do mercado e das relações de trabalho, por ser um elemento de destruição dos parcos direitos existentes e do nível de emprego prevalecente. Ao contrário do que propugna a nova política econômica, a democracia industrial depende da definição de políticas setoriais que permitam construir acordos entre segmentos sociais, com o intuito de administrar os conflitos existentes e de estabelecer politicamente os ganhos e perdas de cada um deles. Estas políticas devem regular tanto as relações econômicas e sociais no espaço nacional, como aquelas que se realizam com o resto do mundo. É indubitável que o contexto internacional joga contra a adoção de uma política fundada em instrumentos de controle das relações externas e de defesa da base produtiva nacional. É verdade, também, que a adoção deste tipo de política, em um contexto tão desfavorável, afetaria negativamente o fluxo atual de capitais que pernoitam em nossas economias. Sem dúvida, não seriam pequenas as dificuldades externas que se apresentariam para esta opção de política econômica. Entretanto, o debate sobre as perspectivas para nossas economias não deve se submeter à lógica do caminho de menor resistência ou da inevitabilidade, como recorrentemente afirmam os defensores da nova política econômica, em razão desta jogar necessariamente para um segundo plano a discussão dos problemas sociais que crescentemente gravam nossos países, expressos em maior desemprego, pobreza e violência. Assim, o equacionamento da questão social e também da questão econômica passa pelo conhecimento e pelo enfrentamento das dificuldades de uma política econômica que promova seletivamente uma abertura associada a uma política industrial que alavanque a base produtiva nacional. A defesa temporária de certos segmentos produtivos, adotada junto com programas de financiamento e de desenvolvimento tecnológico, poderá ordenar o processo de reorganização produtiva, bem como os seus efeitos nefastos sobre o emprego. Por outro lado, o fortalecimento das negociações coletivas, com a manutenção da base atual de direitos, e a implementação efetiva da Resolução 158 da OIT protegerão o emprego e favorecerão o aumento da produtividade e da qualidade. É óbvio que esta opção requer o avanço da democracia, via o estabelecimento de mecanismos tripartites de negociação e gestão das políticas públicas. A existência de mecanismos tripartites trará, sem dúvida, para a discussão temas como da justiça fiscal, da distribuição de renda e da questão agrária, em razão de sua importância para a recuperação da capacidade do Estado de conduzir as políticas econômica e social. A reorganização do Estado, lastreada em instituições sociopolíticas representativas, é fundamental para se pensar uma reinserção não passiva do país no cenário internacional, permitindo relacionar a política externa ao desenvolvimento socioeconômico nacional (Cesit, 1996: 73-79). Como citado anteriormente, o quadrilátero mágico da atual política econômica tem garantido uma baixa inflação sem criar um movimento de crescimento e desenvolvimento de longo prazo. A adoção desta política econômica é observada tanto entre os países em desenvolvimento como nos países desenvolvidos excetuando-se o Japão e certos países do sudeste asiático. As experiências nacionais dos países desenvolvidos mostram que os efeitos da nova política tendem a ser mais deletérios onde sua adoção se deu mais decididamente (Streeck, 1996). Apesar disto, observa-se uma incapacidade daquelas economias, em conjunto, de iniciar um movimento de crescimento de longo prazo nos anos 90. A necessidade de abandono da nova política não decorre, portanto, da qualidade do fruto que ela poderia produzir isto é, um crescimento desigual mas do fato de não produzi-lo. A necessidade de uma alternativa de política econômica justifica-se pelos próprios resultados criados pela atual, que parece ser capaz somente de reproduzir um movimento de estagnação do capitalismo (Thurow, 1996: 325; Fitoussi, 1996), que se manifesta de maneira muito mais perversa em sua periferia, como bem mostram as experiências brasileira e mexicana. NOTAS 1. Em geral, a nova política econômica é denominada de neoliberal. Esta identidade é correta para a América Latina, mas não necessariamente para outros continentes, como a Europa. Nesta região, muitos países adotaram a política sem relacioná-la a um projeto neoliberal. As experiências sueca e holandesa são exemplos desta situação. Neste sentido, utilizaremos o termo nova política econômica como uma expressão mais abrangente para designar a opção dominante de reorganização econômica no capitalismo atual, que na experiência latino-americana se associa a projetos claramente neoliberais. 2. Os dados relativos à elevação da produção de bens de capital devem ser tomados com o devido cuidado, em razão da recuperação ter-se realizado a partir de um nível muito baixo de produção. A dimensão limitada da recuperação setorial é reafirmada pela recomposição lenta da taxa de investimento. 3. Como afirma a Eurostat (1996), o déficit de 11 bilhões de dólares da Comunidade Européia com a América do Sul em 1990 praticamente desapareceu em 1995. Desde 1990, as importações da Comunidade têm crescido a uma taxa anual de 2,4%, bastante inferior à taxa de 19% observada nas exportações... A elevação decorre inteiramente do comércio com os países do Mercosul...Brasil e Argentina foram os mais importantes parceiros comerciais da Comunidade Européia, respondendo, respectivamente, por 44% e 15% das importações e por 46% e 18% das exportações de 1995. 4. Os principais direitos inscritos no artigo 7 o da Constituição são: indenização 20

BRASIL E MÉXICO: ECONOMIA E EMPREGO compensatória e proteção contra a demissão involuntária (multa de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço a que tem direito o trabalhador demitido); repouso semanal remunerado; pagamento adicional de um terço do salário nominal como adicional de férias; remuneração do trabalho noturno superior ao diurno; licença gestante de 120 dias; aviso prévio proporcional; adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas, etc. 5. Ver entrevista com o Ministro do Trabalho, Paulo Paiva, publicada na Gazeta Mercantil (1995). 6. Neste sentido, são exemplares as palavras do Secretário de Seguridade Social do Ministério do Trabalho e da Seguridade Social argentino, expressas em artigo assinado:...o crescimento econômico, por si só, não resolve o problema do desemprego... A estratégia do governo para fazer frente ao problema da desocupação gira em torno de dois eixos principais: consolidação do crescimento e a modernização [flexibilidade] trabalhista (Torres, 1996). 7. A própria OIT (1996) reconhece que há poucas evidências de que a legislação do trabalho seja excessivamente rígida ou que tenha influenciado a capacidade competitiva externa dos países em desenvolvimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CESIT. Relações de trabalho: atualidade e perspectivas. Campinas, Unicamp, IE Cesit/Fecamp/Rhodia, 1996. Relatório de Pesquisa. CONSIDERA, C. Ideologia, globalização e emprego. Jornal do Economista. São Paulo, Corecon, n.83, dezembro 1995. COMPARATO, F.C. Um rumo para o Brasil. Folha de S.Paulo. 12/11/96, p.1-3. DE LA GARZA, H. Industrial democracy, total quality and Mexico`s changing labor relations. In: COOK, M.L. et alii. Regional integration and industrial relations in North America. Cornell, Institute of Collective Bargaining/New York State School of Industrial and Labor Relations, Cornell University, 1994.. Las consecuencias laborales del TLC. México, s/d, mimeo. DEDECCA, C.S. Racionalização econômica e heterogeneidade nas relações e nos mercados de trabalho. In: BARBOSA DE OLIVEIRA et alii. Crise e trabalho no Brasil. São Paulo, Scritta, 1996a. DEDECCA, C.S. e MONTAGNER, P. Flexibilidade produtiva e das relações de trabalho. Considerações sobre o caso brasileiro. Campinas, IE/Unicamp, Cadernos 29, 1993. EUROSTAT. EU12 exports to South America up 18,4% in 1995. Performance outpaces trend in total extra-eu trade. Eurostat News Release. Luxembourg, November 1996. FEIJÓ, C.A. e GONZAGA, P. A evolução recente da produtividade e do emprego na indústria brasileira. Proposta. Rio de Janeiro, Fase, n.63, dezembro 1994. FITOUSSI, J.-P. Après l écroulement du communisme, existe-t-il une troisième voie?. In: CROUCH, C. e STREECK, W. Les capitalismes en Europe. Paris, La Découverte, 1996. GALBRAITH, J.K. A sociedade justa: uma perspectiva humana. Rio de Janeiro, Campus, 1996. HOBSBAWN, E. Age of extremes the short twentieth century (1914-1991). London, Michael Joseph, 1994. HUERTA, A. Riesgos del modelo neoliberal mexicano. México DF, Diana, 1992. KOSACOFF, B. La indústria argentina: un processo de reestructuración desarticulada. In: KOSACOFF et alii. El desafio de la competitividad. Buenos Aires, Alianza Editorial, 1993. MATTOSO, J. e BALTAR, P. Transformações estruturais e emprego nos anos 90. Cadernos 21. Campinas, Cesit-Ie/Unicamp, 1996. NASSIF, A. A. The Mexican dual transition: State, unionism and the political system. In: COOK, M.L. et alii. Op. cit., 1994. OIT. World Employment 1996/97 report. Geneve, OIT, 1996, press kits. ROMO, H.G. El consenso de Washington en México. Investigación Económica. México DF, FE/Unam, 207, Marzo 1994. THUROW, L. The future of capitalism. New York, Morrow, 1996. TORRES, C. Por qué es necesaria la reforma laboral. Clarin. 15/11/96. STREECK, W. Le capitalisme allemand: existe-t-il? A-t-il des chances de survivre?. In: CROUCH, C. e STREECK, W. Les capitalismes en Europe. Paris, La Découverte, 1996. 21