VISITA AOS ARQUIVOS DAS FACULDADES DE EDUCAÇÃO AS TENDÊNCIAS TEÓRICAS DA DISCIPLINA DIDÁTICA NO FIM DA DÉCADA DE 90 Ireuda da Costa Mourão UFAM Evandro Ghedin - UERR Resumo Este estudo examina conteúdos de onze Planos de Ensino da disciplina Didática localizados nos arquivos das Faculdades de Educação das Universidades Federais do Amazonas e de Santa Catarina. Trata-se de um estudo para responder a questão: Como os Planos de Ensino da disciplina Didática da UFAM e da UFSC podem ajudar-nos a identificar as tendências teóricas, as contribuições e as limitações desta disciplina na complexa Formação de Professores no fim da década de 90? Os principais conteúdos revelados nestes planos foram: O processo de Ensino; Planejamento e Avaliação do Ensino; Concepções/Correntes da Educação; Didática, seu objeto, história e desafios; Trabalho Docente; e Prática Social e Pedagógica. Estes conteúdos demonstram que as tendências teóricas da disciplina Didática daquele período estavam centradas em uma Teoria do Ensino em detrimento de uma Teoria da Aprendizagem, também evidenciam pouca clareza da relação do processo ensino-aprendizagem mencionado na maioria dos planos. Outro aspecto observado foi a desconsideração da epistemologia dos saberes que devem ser ensinados pelos futuros professores, isto é, a falta de articulação da Didática com as áreas de conhecimento de cada Licenciatura, e isto foi avaliado como uma limitação desta disciplina para a Formação de Professores daquele período. Desta forma, uma recomendação deste trabalho é que a epistemologia dos saberes de cada área/licenciatura seja considerada no Ensino de Didática na Formação de Professores. Por outro lado, este estudo dos Planos de Ensino também evidenciou conteúdos fundamentais para a futura prática pedagógica e organização do trabalho docente dos professores, bases teóricas para sua ação e reflexão crítica na escola. Palavras-chave: Didática. Formação de Professores. Ensino. Este estudo é um contributo para uma investigação maior sobre o ensino de Didática nas Licenciaturas no Brasil que estamos desenvolvendo, e estudar os Planos de Ensino da disciplina Didática da década de noventa ajuda-nos a conhecer e compreender seus percursos, suas opções teóricas e metodológicas. Também entendemos que uma investigação sobre uma disciplina por meio de seus arquivos, neste caso, os planos de ensino, mesmo que seja num período curto, e somente em determinadas instituições, pode desvelar aspectos importantes, tal qual qualquer outro objeto de pesquisa. Este entendimento tem relação com o que Magalhães (1998) diz sobre as dimensões da renovação da historiografia da educação, que recomendou um alargamento objectual, com novas temáticas, novos públicos e novos olhares; uma revalorização da memória, 06652
2 representações e vivências, com recuperação das marcas do passado e abertura de diversas fontes de informação. Essa é preocupação, a de historiografar a educação, e em especial a disciplina Didática, também está vinculada ao fato de que poderíamos pensar que tudo que acontece na escola deveria estar devidamente registrado, pois estamos habituados a ver, nesta, o lugar por excelência da escrita (JULIA, 2001), entretanto, sabemos que ela, assim como a universidade, tem deixado poucos traços que permitem reconstruir sua história. É aqui que se justifica a investigação da disciplina Didática por meio da utilização dos Planos de Ensino. Os onze Planos de Ensino analisados neste estudo estavam arquivados nos Departamentos de Métodos e Técnicas das Faculdades de Educação das Universidades Federal do Amazonas e de Santa Catarina. Estes planos foram os únicos disponibilizados pelas instituições, quando solicitados os planos da disciplina Didática da década de 90. Os planos disponibilizados e estudados foram aplicados no período de 1997 até 2000 em várias licenciaturas das instituições pesquisadas. Observamos que apesar de procurarmos por planos da Didática que foram desenvolvidos nas diversas licenciaturas na década de 90, fomos informados de que não havia diferença entre os Planos de Ensino da Didática do curso de Pedagogia e os das demais licenciaturas. Isto evidencia que não houve uma preocupação com as especificidades de cada área de conhecimento das licenciaturas, isto é, com a epistemologia dos saberes das áreas de conhecimento, já que os Planos poderiam ter sido aplicados em qualquer uma delas. Na leitura dos Planos procuramos primeiro as palavras que mais foram listadas, o que mais se repetia, e só depois verificamos o que era inusitado. O que ficou evidente nos conteúdos dos Planos foi a quantidade de repetição da palavra Ensino, que geralmente estava descrita assim: A organização do processo ensino-aprendizagem; A importância dos métodos de Ensino; A aula como forma de Organização do Ensino; O processo de ensino na Escola; O Professor e o aluno como sujeitos do processo ensinoaprendizagem; A complexidade do fenômeno ensino o espaço de sala de aula; A relação conhecimento e ensino no espaço escolar. Também verificamos que a palavra ensino permeava todas as outras unidades dos Planos, pois quando era citado o planejamento, por exemplo, como conteúdo da Didática, este planejamento era de ensino, e quando se falava em avaliação, era a avaliação com foco no ensino. Isto nos faz acreditar que, se considerarmos os 06653
3 conteúdos, do fim da década de 90, da Didática naquelas instituições, podemos dizer que estavam centrados mais em uma teoria do ensino, com pouca relação deste com a aprendizagem, uma vez que não identificamos conteúdos que tratassem de como o aluno aprende e/ou o que o aluno mobiliza enquanto aprende e/ou dos tipos de aprendizagem. Revendo a introdução da disciplina Didática na Formação de Professores. Pimenta e Anastasiou (2008) contam-nos que a Didática teve sua introdução no Brasil como uma disciplina nos cursos de formação de professores, que foram instituídos em 1934, na Universidade de São Paulo com a finalidade explícita de oferecer aos bacharéis das várias áreas os conhecimentos pedagógicos necessários às atividades de ensinar. A Didática na sua introdução no Brasil foi identificada com uma perspectiva normativa e prescritiva de métodos e técnicas de ensinar. E os Planos de Ensino estudados, de certa forma, ajudam a reforçar o que permanece arraigada no imaginário dos professores ainda hoje: que a Didática trata de técnicas e procedimentos de Ensino. O planejamento enquanto conteúdo dos Planos é incontestável, e aparece como sendo uma base estruturante da disciplina, pois esteve presente em todos os Planos de Ensino, e quando verificamos a forma como foi descrito este conteúdo, identificamos que foi abordado por meio de seus componentes: elaboração de objetivos, seleção de conteúdos, metodologias de ensino e avaliação, que também é vista como Unidade de Ensino pela maioria dos Planos. Percebemos que isto demonstrou uma preocupação em subsidiar os futuros professores quanto a organização de seu trabalho docente na escola. Verificamos que os Planos demonstram uma preocupação inicial com o estudo da interdisciplinaridade enquanto fenômeno educativo. Na leitura dos Planos verificamos uma preocupação em classificar a Educação e o Ensino e vinculá-los a tendências, e concepções, e/ou correntes pedagógicas. Apesar de encontrarmos divergências na forma de classificação dessas tendências e concepções, a maioria dos Planos dividia-as em liberais/tradicionais, tecnicista, cognitivista e crítica/progressista. A leitura dos planos também indicou outros conteúdos que de alguma forma retratavam as teorias críticas que circulavam nas universidades brasileiras no fim da década de 90, como por exemplo: Relação entre prática social global e a prática educativa escolar; A escola e o trabalho docente; Os novos tempos, espaços e organização do trabalho pedagógico; A questão política do trabalho pedagógico; O professor como trabalhador; O educador e o compromisso com a transformação social 06654
4 Silva Júnior & Ferretti (2004) falam a respeito do cenário da segunda metade da década de 90, e isto nos ajuda a entender como aquela década foi marcada por grandes modificações na economia e no mundo do trabalho, e repercutiram na educação, no cotidiano das instituições de ensino, afetando inclusive a formação de professores e a constituição da identidade dos mesmos. Também percebemos que timidamente a palavra conhecimento começou a despontar nos Planos de Ensino da Didática como um conteúdo da disciplina, ou pelo menos, como uma questão que precisava ser estudada vinculando-a ao ensino e a aprendizagem. Nos Planos, a palavra conhecimento aparecia algumas vezes assim: Produção e distribuição do conhecimento no âmbito escolar; A relação conhecimento e ensino no espaço escolar; A função sócio-cultural do conhecimento escolar; Concepções de conhecimento, aprendizagem e educação e suas influências no fazer pedagógico. A palavra Didática estava nos planos na maioria das vezes como uma unidade de ensino, evidenciando uma preocupação com o seu objeto, com sua evolução história e desafios, como verificamos: O tratamento do ensino no processo de construção histórica da didática; Tendências da educação no Brasil e a Didática; A didática dentro de um contexto societário globalizado; As possibilidades da Didática como instrumento mediador para a ação docente. Não há o que questionar quando se fala da década de 80 e de como a Didática sofreu uma revisão crítica passando a introduzir em seus Planos de Ensino conteúdos que evidenciassem isto. Verificamos isso nos Planos analisados, como os conteúdos vinculados a análise trabalho docente, a prática social, a relação da educação com a transformação social, as concepções críticas da educação, a relação entre o conhecimento e o ensino, entre outros, que demonstram o reflexo da década de 80 nos Planos estudados. Mas para Libâneo (2010) é possível questionar, por um lado, se a Didática, mesmo com todo o movimento de revisão crítica na década de 80, conseguiu, em suas várias correntes teóricas, articular pedagogicamente o social, o político, o cultural e o escolar; e por outro, em que grau a metodologia de ensino nessas orientações teóricas de cunho crítico têm se preocupado com o vínculo entre a didática e a epistemologia dos saberes ensinados. O que estamos querendo dizer com isso, é que as tendências teóricas da disciplina na década de 90 naquelas universidades demonstraram uma limitação no que concerne a preocupação da Didática com a epistemologia dos saberes a se ensinar na Física, na Biologia, na Língua Portuguesa e em qualquer outra área das Licenciaturas, e 06655
5 não demonstraram preocupação também em discutir como se processa a aprendizagem pelos futuros alunos dos professores em formação. Evidenciou-se por meio dos conteúdos que a Didática na década de 90 estava centrada mais numa teoria do ensino, com poucos vínculos com as teorias da aprendizagem, isto é, de saber como o aluno aprende. Desta forma, uma recomendação deste estudo é que a disciplina Didática passe a considerar como condição de seu ensino questões relacionadas a como o aluno aprende e processa a aprendizagem; aos novos estudos do cérebro na relação com a aprendizagem; mas principalmente a epistemologia dos saberes das áreas de conhecimento a que a disciplina Didática esteja vinculada. E apesar de termos focado nosso olhar nos Planos de Ensino da disciplina Didática, e em especial, em seus conteúdos, outra possibilidade de enriquecer este estudo é a necessidade de examinar os exercícios e as práticas de motivação e estimulação dos licenciandos (JULIA, 2001) da década de 90, as atividades avaliativas, assim como dar voz aos sujeitos, entrevistando professores e alunos da Didática. Por outro lado, não podemos deixar de mencionar as contribuições que estes podem ter trazidos para a Formação daqueles professores, pois estudar e discutir sobre Planejamento e Avaliação, Conhecimento e Escola e as Concepções ou Correntes da Educação, e o Trabalho docente são fundamentais para a futura organização e prática pedagógica dos professores e são bases teóricas para sua ação e reflexão crítica na escola. Referências JULIA, D. A Cultura Escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação. SBHE/ Campinas, n.1, pp. 9-43, jan/jun. 2001. LIBÂNEO, J. C. A integração entre Didática e Epistemologia das disciplinas: uma via para a renovação dos conteúdos da Didática. In: DALBEN, A. I. L. de F. [et AL.]. Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. MAGALHÃES, Justino. Um apontamento metodológico sobre a história das instituições educativas. In: SOUZA, C. P. de; CATANI, D. B. (Org.) Práticas Educativas, culturas escolares, profissão docente. São Paulo: Escrituras, 1998. PIMENTA, S. G; ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no Ensino Superior. 3ª Ed. São Paulo: Cortez, 2008. 06656
6 SILVA JÚNIOR, J. dos R; FERRETTI, C. J. O institucional, a organização e a cultura da escola. São Paulo: Xamã, 2004. 06657