Evolução da ocupação urbana de Caxias do Sul e os assentamentos subnormais. Monica Marlise Wiggers Acadêmica do curso de geografia bacharelado da Universidade Federal de Santa Maria. moni_lise@yahoo.com.br Tanice Cristina Kormann Acadêmica do curso de geografia bacharelado da Universidade Federal de Santa Maria. taniceck@yahoo.com.br Luis Eduardo de Souza Robaina ²: Professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria. lesrobaina@yahoo.com.br 1. INTRODUÇÃO No século XVII iniciou-se o processo de urbanização do país, o qual se consolidou entre o final do século XIX e o início do século XX. (Maricato, 2001). A partir de 1930 o Estado passa a incentivar o padrão urbano-industrial da sociedade, mas é principalmente após a década de 1950 que as políticas de capitalização e mecanização do campo reforçam os movimentos migratórios em direção aos centros urbanos, onde as atividades mais dinâmicas geradas pela industrialização e pela urbanização estavam sendo implantadas, atraindo a população e ocasionando o inchaço destas áreas. (Strohaecker, 2004). A década de 1980 é marcada por dois fatos: a população urbana supera a população rural e o país sofre com a recessão econômica. Em decorrência da densidade de ocupação das cidades e dos problemas econômicos enfrentados pelo país, a concentração da pobreza nesta época é notadamente urbana, localizando-se principalmente em morros, alagados e várzeas. (Maricato, 2001). A especulação imobiliária e o alto custo para a aquisição de lotes e para a construção de moradias, entre outros fatores, fazem com que grande parcela da população das áreas urbanas construa sua casa em áreas irregulares por não conseguirem participar do mercado imobiliário formal. Estas ocupações geralmente ocorrem em áreas ambientalmente frágeis e susceptíveis a processos naturais, como inundações e movimentos de massa, dando origem a diversas áreas de risco nas cidades brasileiras. 1
Neste contexto nacional o processo de urbanização do município de Caxias do Sul RS também foi marcado pelo surgimento de problemas sócio-ambientais. O município possui aproximadamente 412.053 habitantes (Prefeitura Municpal, 2010) e localiza-se na região denominada de Serra Gaúcha, no nordeste do estado do Rio Grande do Sul. (Figura 01). Figura 01 Localização do município de Caxias do Sul, com destaque para a delimitação da área urbana. Organização: Kormann; Wiggers (2010) Com relação às suas características físicas, está inserido na unidade geomorfológica denominada de Planalto dos Campos Gerais (IBGE, 1986), encontrando-se geologicamente na Bacia do Paraná e apresentando litologias compostas por rochas vulcânicas ácidas e básicas da Formação Serra Geral. A ocupação do município teve início no ano de 1880 com a chegada dos imigrantes italianos, fundando a primeira Colônia de Imigração Italiana do estado. Sua economia, inicialmente baseada na produção agrícola, sede lugar as atividades do setor industrial a partir da década de 1920. O crescimento da cidade passa a atrair grande número de pessoas, 2
levando a um rápido crescimento populacional, ocasionando pressões no espaço urbano e levando ao aparecimento dos primeiros problemas ligados à ocupação desordenada. Diante do acelerado processo de ocupação e da incapacidade do poder público em suprir as necessidades de infra-estrutura ocorreu o crescimento dos assentamentos subnormais no município. 2. OBJETIVOS O trabalho tem como objetivo geral analisar o processo de ocupação e evolução do espaço urbano do município de Caxias do Sul, identificando o surgimento dos assentamentos subnormais. Como objetivos específicos, o trabalho pretende contribuir para uma visão holística a respeito das ocupações irregulares e servir de instrumento para a administração pública no contexto do planejamento e da gestão desta importante questão em seu território. 3. METODOLOGIA Levantamento e compilação de dados na Prefeitura Municipal, na Secretaria do Planejamento e na Secretaria da Habitação, como o Plano Diretor Municipal, Hierarquização dos Assentamentos Subnormais de Caxias do Sul, Plano Municipal de Redução de Riscos. Entrevista informal com funcionários da Prefeitura, para obter dados secundários referentes à evolução história e situação atual de ocupação do município. Estudos de bibliografias na Biblioteca da Universidade de Caxias do Sul UCS sobre o tema. As informações histórico-geográficas das diversas fontes foram analisadas em conjunto para compreensão do processo de ocupação urbana e para a análise do surgimento dos assentamentos subnormais. Nesse sentido, é pertinente definir que são chamados de assentamentos subnormais os núcleos de ocupação situados em áreas de risco e/ou com grande precariedade de moradias e de infra-estrutura, podendo ou não ter problemas com relação à irregularidade fundiária. Já as áreas que somente apresentam problemas com regularização fundiária, mas que apresentam boa infraestrutura e que não se encontram em áreas que ofereçam risco para a população não são enquadradas como assentamentos subnormais, e sim como assentamentos irregulares. 3
4. RESULTADOS 4.1 O início da colonização. Em 1872 alguns imigrantes alemães vieram de Nova Petrópolis para a região da futura Colônia de Caxias do Sul. Três anos mais tarde, em 1875, tem início a chegada dos imigrantes italianos. Nesta fase ocorre a demarcação e a divisão das terras por meio de léguas, as quais foram divididas em travessões. Estes, por sua vez, foram subdivididos em linhas e, por fim delimitavam-se os lotes. A geometria não se preocupava com características físicas do terreno. Entre 1875 a 1884 o atual município de Caxias do Sul vive sua fase colonial, na qual a administração ficava a cargo da Comissão de Terras. Entre 1884 a 1890 ele passa por uma fase distrital, com sua administração a cargo da Comissão de Terras e do município de São Sebastião do Caí. Em 1890 ocorre à emancipação, iniciando a fase municipal, primeiramente com o nome de Vila de Santa Teresa de Caxias e posteriormente de Caxias do Sul. (Machado, 2001). 4.1 Evolução da ocupação de Caxias do Sul após sua emancipação: as ações públicas municipais e o surgimento dos assentamentos subnormais. O Código de Posturas utilizado pelo município em 1920 proibia a construção de prédios de madeira na área urbana do município, bem como a reconstrução, aumento ou reforma dos já existentes. (Código Administrativo do Município de Caxias do Sul, promulgado em 7 de dezembro de 1920, artigo 7, Arquivo Histórico Municipal, apud MACHADO, 2001). A partir desta legislação, regulamentando o padrão de construção das moradias e a utilização do espaço urbano municipal, nota-se o início de uma separação espacial entre os habitantes com maior poder aquisitivo e a população de baixa renda. A legislação e a especulação imobiliária, que já atingia fortemente os lotes urbanos, tornavam cada vez mais difícil ou mesmo impossível as aquisições de terras ou de moradias na área central da cidade por parte da população menos abastada, levando-a para a periferia do município, onde não havia tantas exigências para a ocupação e construção de moradias. 4
Nesta mesma época, entre as décadas de 1920 e 1930, ocorre um acelerado crescimento das indústrias caxienses e da economia do município, o que gerou um significativo fluxo de pessoas para a cidade. Esta população recém chegada, à procura de emprego e de melhores condições de vida também se direcionou para a periferia urbana, área que não era atingida pelas Políticas Públicas de saneamento e infra-estrutura e onde era economicamente mais viável adquirir lotes e moradias. (Giron, 1977). Na década de 1940, é construída a BR 116, a qual representou a ligação de Caxias do Sul com o país, fazendo com que os interesses econômicos locais fossem fortalecidos e ao mesmo tempo atraiu mais pessoas para o município, agravando a demanda habitacional. Neste período, na periferia da cidade, em terras devolutas e com relevo acidentado, surgem os primeiros assentamentos subnormais de Caxias do Sul. Sendo eles: Euzébio Beltrão de Queiróz, conhecido como Zona do Cemitério e o Complexo Jardelino Ramos, conhecido como Buraco Quente e Burgo. Sobre o Burgo, Machado (2001) aponta que esta área nunca foi demarcada pelo poder público devido às características de declividade e como não foi reivindicada pelo Município permaneceu na condição de terra devoluta, fazendo com que na década de 40 fosse ocupada por pessoas vindas dos Campos de Cima da Serra e, principalmente, por mulheres vindas do interior em busca de emprego. Pela falta de recurso esta população construiu barracões de papelão e latas de azeita para poderem residir em Caxias do Sul. Com o passar do tempo as moradias foram se multiplicando e, devido às características que a ocupação adquiriu, o local passou a ser chamado de Burgo, sendo considerado a primeira favela da cidade. A denominação Buraco Quente surgiu devido à criminalidade e violência que durante décadas faziam parte do cotidiano da população local. Ainda neste período algumas empresas implantam vilas operárias devido à falta de moradias para seus trabalhadores. E no ano de 1948 o pode público parcela uma área de sua propriedade para vender aos operários, o Loteamento Marechal Floriano. (Hierarquização dos Assentamentos Subnormais em Caxias do Sul, 2004). Segundo Machado (2001) o déficit habitacional em Caxias do Sul agravou-se na década de 50, pressionando o poder público para a promulgação de uma série de novas leis com o objetivo de regulamentar a criação de novos bairros, por meio de loteamentos destinados a população de baixa renda. Neste contexto que, em 1952, através da Lei Municipal nº 499/1952, é criado o Fundo Especial para a Casa Popular. A criação deste 5
fundo era necessária devido ao continuado crescimento econômico de Caxias do Sul, principalmente no setor industrial, atraindo cada vez mais migrantes de outros municípios, ocasionando o aumento do número de subabitações através de novos assentamentos com falta de infra-estrutura na periferia urbana. (Hierarquização dos Assentamentos Subnormais em Caxias do Sul, 2004). As décadas de 60 e 70 também são marcadas pela expansão de loteamentos ilegais. Em 1968 outro importante assentamento subnormal surge no município, o núcleo Santa Fé, o qual se formou na extremidade norte e afastado da malha urbana, às margens da rodovia RS 453, conhecida como Rota do Sol. Na década de 80, chamada de década perdida, com o declínio da economia brasileira, os problemas sociais e habitacionais foram agravados, (Hierarquização dos Assentamentos Subnormais em Caxias do Sul, 2004) e conseqüentemente os problemas ambientais também se tornam mais agudos, uma vez que grande parte das áreas ocupadas irregularmente são áreas destinadas à preservação ambiental. Entre 1984 e 1993, foi pequeno o crescimento de assentamentos subnormais, se comparado aos períodos anteriores, fato que se deve à produção de 2.841 lotes populares pelo FUNCAP e 718 lotes produzidos pela COHAB/RS, significando o atendimento de 14.300 pessoas aproximadamente. No ano de 2002, havia 110 núcleos de subabitação, onde moravam aproximadamente 28.000 pessoas. (Hierarquização dos Assentamentos Subnormais em Caxias do Sul, 2004). Segundo informações da Secretaria do Planejamento para 2009, o número de núcleos permanece o mesmo, porém a densidade de ocupação interna vem crescendo. Apesar da existência de Políticas Públicas Habitacionais por parte da prefeitura, de ações de remoção ou regularização de assentamentos subnormais ou irregulares, o déficit habitacional e a ocupação de Áreas de Risco se configuram como importante problema socioambiental de Caxias do Sul, uma vez que os lotes possuem elevado valor, tornando difícil a aquisição de áreas suficientes pela prefeitura. E, além da necessidade de atendimento da população caxiense, um elevado número de pessoas vem de outros municípios e de outros estados em busca de emprego e melhores condições de vida, agravando o problema da ocupação de áreas irregulares. 6
5. CONCLUSÃO É possível perceber, tanto no contexto nacional, quando no contexto municipal aqui estudado, que a ocupação de áreas inadequadas pela população está ligada a fatores socioeconômicos e políticos que devem ser analisados de forma conjunta. A busca por cidades que ofereçam melhores condições de vida para seus habitantes necessita de estudos que enfoquem a gênese dos problemas para permitir a construção de um entendimento mais amplo sobre as dinâmicas atuais e futuras do espaço urbano. É nesse contexto, que a presente pesquisa torna-se relevante, ao passo que busca analisar o surgimento dos assentamentos subnormais no município de Caxias do Sul ao longo do seu processo histórico de ocupação. 6. BIBLIOGRAFIA MACHADO, M. A. Construindo uma cidade: história de Caxias do Sul 1875/1950. Caxias do Sul: Maneco Livraria & Editora, 2001. cap. 1-2. MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. 204 p. GIRON, L.S. Caxias do Sul: Evolução Histórica. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1977. cap. 3 4. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia E Estatística. Levantamento dos Recursos Naturais. Folha SH22 Porto Alegre e parte das Folhas SH21 Uruguaiana e SI 22Lagoa Mirim: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação, uso potencial da terra/ Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro: IBGE, 1986, v.33 7
Prefeitura Municipal de Caxias do Sul. O município: Dados Gerais Características Socioeconômicas. Disponível em: <http://www.caxias.rs.gov.br/cidade/index.php?codigo=11>. Acesso em: 25 jun. 2010. Hierarquização dos Assentamentos Subnormais em Caxias do Sul, 2004. s/p. STROHAECKER., T. M. A urbanização no Rio Grande do Sul: uma análise preliminar. In: VERDUM, R.; BASSO, L.A,; SUERTEGARAY, D. M. A. (Org.). Rio Grande do Sul: Paisagens e Territórios em Transformação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. 8