O INTÉRPRETE EDUCACIONAL DE LIBRAS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Documentos relacionados
A Demanda de Intérpretes de Língua de Sinais em Pernambuco rios de Qualificação Adotados Para Atuar no Ensino Superior

A PERCEPÇÃO DE FUTUROS PROFESSORES ACERCA DA LIBRAS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS 1

Desafios na formação de profissionais na área da surdez

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

PROCESSO DE GRAFIA DA LÍNGUA DE SINAIS: UMA ANÁLISE FONO-MORFOLÓGICA DA ESCRITA EM SIGN WRITING

Presidência da República

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE EDUCAÇÃO EMENTA

FORMAÇÃO DOS TRADUTORES INTÉRPRETES DA LÍNGUA DE SINAIS NAS REGIÕES SUL E SUDOESTE DA BAHIA: DIFICULDADES, CAMINHOS E PERSPECTIVAS.

O CURSO DE INTRODUÇÃO À INTERPRETAÇÃO EM LIBRAS/PORTUGUÊS DO PRONATEC/FIC: O PROSPOSTO E O REALIZADO

LIBRAS PÓS-GRADUAÇÃO NATAL/RN TRADUÇÃO / INTERPRETAÇÃO E DOCÊNCIA

CURSO: Medicina INFORMAÇÕES BÁSICAS. Língua Brasileira de Sinais II LIBRAS II

Ideação. Ideação FORMAÇÃO DE TRADUTOR E/OU INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LSB): OLHAR CRÍTICO SOBRE OS CURSOS DE FORMAÇÃO

SETEMBRO AZUL: INCLUSÃO EDUCACIONAL DOS SURDOS

Escrita das LÍNGUAS GESTUAIS MARIANNE STUMPF

PROJETO MÃOS QUE FALAM DE LIBRAS: PELA ACESSIBILIDADE NA COMUNICAÇÃO

O tradutor intérprete de língua de sinais no Brasil: ontem, hoje e amanhã. Ronice Müller de Quadros Silvana Aguiar dos Santos

TRADUTOR INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS: QUAIS FORAM AS EVOLUÇÕES NA FORMAÇÃO DESTES PROFISSIONAIS RESUMO

PROJETO DE EXTENSÃO: FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES DE ESTUDANTES SURDOS

ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: DEFINIÇÃO DE ETAPAS PARA A PRODUÇÃO DE TEXTO ARGUMENTATIVO

PROJETO DO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU EM LIBRAS LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

O PAPEL DO PROFESSOR DE ESCOLA PUBLICA NO ENSINO DA LÍNGUA ESPANHOLA

Informações de Apoio ao Usuário Para a Solicitação do Trabalho de Tradução e Interpretação Libras/ Português.

1º A disciplina Introdução à Língua Brasileira de Sinais Libras terá duração de 30 horas.

Artigo produzido como trabalho de conclusão de curso. Pedagogia/Unijuí 2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS-LIBRAS MODALIDADE A DISTÂNCIA

EXPECTATIVAS E DIFICULDADES DOS PROFESSORES FRENTE AOS TEXTOS DOS ALUNOS SURDOS E A IMPORTÂNCIA DO TRADUTOR/INTÉRPRETE DE LIBRAS

RESUMO. Palavras-chave: Surdez. Ensino Superior de Moda. Libras. Termos Técnicos de Moda

CURSO: Medicina INFORMAÇÕES BÁSICAS. Língua Brasileira de Sinais LIBRAS EMENTA

EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM DE LIBRAS

ESCOLA BILÍNGUE (LIBRAS/PORTUGUÊS): RESPEITO À CONSTITUIÇÃO E AO CIDADÃO SURDO. Cleide da Luz Andrade 1 Lucas Santos Campos 2 INTRODUÇÃO

TRADUTOR INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS: QUAIS FORAM AS EVOLUÇÕES NA FORMAÇÃO DESTES PROFISSIONAIS

GLOSSÁRIO TERMINOLÓGICO EM LIBRAS NO CURSO DE LETRAS/LIBRAS

III SEMINÁRIO EM PROL DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Desafios Educacionais

Home Apresentação Comissões Programa. Datas importantes. Modalidades e normas de apresentação de trabalhos

TRADUÇÃO DOS INFORMATIVOS DO INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE PARA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS RESUMO

INTERLOCUÇÃO ENTRE OS DISPOSITIVOS LEGAIS E A PRÁTICA DO PROFISSIONAL DE LIBRAS

LIBRAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CURRÍCULO, APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO DE SURDOS

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, usando da competência

A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS E A SUA IMPORTÂNCIA NO ÂMBITO EDUCACIONAL E SOCIAL: A Prática De Educacional e Social.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

A RELAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A FORMAÇÃO ACADÊMICA DO DESIGNER

AS DIFICUDADES NO ENSINO DA MATEMÁTICA PARA ALUNOS SURDOS NA EREM MACIEL MONTEIRO NO MUNICÍPIO DE NAZARÉ DA MATA, PE

PROCESSOS DE PRODUÇÃO E LEGITIMAÇÃO DE SABERES PARA O CURRÍCULO DE PÓS EM LIBRAS NA FORMAÇÃO DE INTÉRPRETES. PARA UMA ESPECIALIZAÇÃO?

A PROFISSIONALIZAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS: FORMAÇÃO ACADÊMICA OU FORMAÇÃO TÉCNICA?

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA COORDENADORIA DE AÇÕES EDUCACIONAIS EDITAL INTERNO N 003/2016

Conteúdos e Didática de Libras

Palavras-chave: formação; legislação; LIBRAS; tradutor e intérprete de LIBRAS/Língua Portuguesa.

OS PROFESSORES E A EDUCAÇÃO DOS SURDOS EM CODÓ MA

FORMAÇÃO DE DOCENTES DE LIBRAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E SÉRIES INICIAIS: A PEDAGOGIA BILÍNGUE

TRADUTORES-INTÉRPRETES BACHARELANDOS DO CURSO LETRAS-LIBRAS: UMA REFLEXÃO ACERCA DA INFLUÊNCIA DA PRÁTICA DOCENTE E FORMAÇÃO PRECEDENTE AO CURSO

Educação bilíngue para surdos e inclusão segundo a Política Nacional de Educação Especial e o Decreto nº 5.626/05

Anais ISSN online:

EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA SURDOS EM FACE À FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DOCENTES NA CONTEMPORENEIDADE

ESCOLAS ATENDIDAS POR INTÉRPRETES DE LIBRAS NA CIDADE DE JOÃO PESSOA/PB

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA COORDENADORIA DE AÇÕES EDUCACIONAIS EDITAL INTERNO N 004/2016

LIBRAS BÁSICO. Curso de Formação Inicial e Continuada Eixo: Formação de Profissionais da Educação. Palhoça, março de 2010.

A FORMAÇÃO CONTINUADA EM LIBRAS PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: A EXPERIÊNCIA DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE JATAÍ-GO

FATORES QUE LIMITAM A ATUAÇÃO DOS INTÉRPRETES EM CLASSES DE INCLUSÃO

Programa Analítico de Disciplina LET290 LIBRAS Língua Brasileira de Sinais

A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM/LIBRAS E O ALUNO SURDO: UM ESTUDO SOBRE O IMPACTO DA ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE EM SALA DE AULA

Desse modo, sugiro a realização do evento Ciclo de Palestras na escola, com enfoque na inclusão escolar dos surdos.

EDUCAÇÃO DE SURDOS NA PERSPECTIVA BILÍNGUE: ENTRE OLHARES E EXPERIÊNCIAS

EDUCAÇÃO BILÍNGUE: DESAFIO EDUCACIONAL PARA A PESSOA SURDA

A. Cargos de Nível Médio (Ensino Médio Habilitação em Magistério) 02 Agente em atividade de Educação 30 R$ 905,33 R$ 796,29

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA COORDENADORIA DE AÇÕES EDUCACIONAIS EDITAL INTERNO N 02/2016

CURSO DE CAPACITAÇÃO

Perfil dos egressos do curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal do Rio Grande FURG, campus Santa Vitória do Palmar - RS

III SIMPÓSIO NACIONAL DE EMPREENDEDORISMO SOCIAL ENACTUS BRASIL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

Palavras-chave: Leitura. Escrita. Português como segunda língua (L2) para surdos

DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO TRADUTOR/INTÉRPRETE DE LIBRAS NO ENSINO PROFISSIONAL TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO

PROJETO MÃOS QUE FALAM DE LIBRAS: PELA ACESSIBILIDADE NA COMUNICAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

O CURSO DE LETRAS LIBRAS DA UFSC NA MODALIDADE A DISTÂNCIA: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES

Girleane Rodrigues Florentino, Bruno Lopes Oliveira da Silva

LIBRAS NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS DIANTE DE UMA CARGA HORÁRIA LIMITADA

A INTERNET E A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DOS SURDOS NO BRASIL: UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO EM UM MEIO EXCLUDENTE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Pró-Reitoria de Ensino de Graduação Departamento de Administração Escolar

O OLHAR DOS FUTUROS PROFESSORES DE FÍSICA SOBRE O PAPEL DO PIBID EM SUA FORMAÇÃO

SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS INTEGRADAS DA UNAERP CAMPUS GUARUJÁ. Alfabetização bilíngüe para surdos:uma prática a ser investigada

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EDUCAÇÃO DE SURDOS

AÇÕES PARA O PROCESSO DE INCLUSÃO DE ALUNOS EM SITUAÇÃO DE DEFICIÊNCIAS SENSORIAS NA ESCOLA ESTADUAL VILHENA ALVES 1

OS TERMOS ESSENCIAIS DA ORAÇÃO NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS

Estágio I - Introdução

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA UFU DE LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA I CONALIBRAS-UFU ISSN SANTARÉM.

A FORMAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LINGUA DE SINAIS VISTA SOB A PERSPECTIVA DE VIVÊNCIAS DISTINTAS ¹

ANEXO II EDITAL Nº 80/2013/PIBID/UFG PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA - PIBID

O PAPEL DO INTERLOCUTOR DE LIBRAS NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIENCIA AUDITIVA.

A IMPORTÂNCIA DO GLOSSÁRIO TERMINOLÓGICO NA ATUAÇÃO DO TRADUTOR INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS. um vocabulário de especialidade que até então

Universidade Estadual de Maringá Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

As contribuições da EAD no aprendizado de uma língua estrangeira por alunos surdos

LIBRAS BÁSICO. Curso de Formação Inicial Eixo: Formação de Profissionais da Educação

X SEMINÁRIO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO RELIGIOSO

A ATUAÇÃO DO ILS NO ÂMBITO ACADÊMICO. Eixo Temático: Discurso e tradução/interpretação de/para a língua de sinais

Amauri de Oliveira Jesus Universidade do Estado da Bahia

ENSINANDO UMA LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA ALUNOS SURDOS: SABERES E PRÁTICAS

A INTERFACE EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INDÍGENA: DESAFIO À FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM RORAIMA

Disciplina de LIBRAS. Professora: Edileuza de A. Cardoso

Transcrição:

O INTÉRPRETE EDUCACIONAL DE LIBRAS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS Dalcides dos Santos Aniceto Júnior 1 Universidade Federal de Roraima Sandra Moraes da Silva Cardozo 2 Universidade Federal de Roraima RESUMO: O presente trabalho discute a atuação do profissional intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)/Língua Portuguesa em um novo contexto de políticas e estratégias para a inclusão do sujeito surdo em todos os espaços sociais a partir da Lei nº 10.436 de 24 de Abril de 2002 e do Decreto nº 5.626 de 22 de Dezembro de 2005, sobretudo no âmbito educacional. Nesse bojo de conquistas políticas e legais dos atores surdos, o trabalho traz a problemática acerca da figura do intérprete de Libras que passou a atuar em mais espaços, principalmente nas instituições de ensino, demandando também mais qualificação, capacitação e reconhecimento legal. Dessa forma, o objetivo do trabalho é fazer uma reflexão sobre os anseios, as inquietações e os desafios desse profissional, com o foco na atuação do contexto educacional na Universidade Federal de Roraima, onde foi realizado um estudo de caso no período de março de 2008 a dezembro de 2009 no curso de Licenciatura em Química com um intérprete de Libras atuando com uma aluna surda. Assim, a pesquisa possibilitou análises que apontam para uma reflexão que coloca o profissional intérprete de Libras como parte de um todo complexo e que a simples presença de um intérprete não garante uma educação inclusiva e nem a proposta bilíngue para o ensino de surdos. PALAVRAS-CHAVE: Inclusão, Intérprete, Desafios, Formação. ABSTRACT: This work discusses the role of professional Brazilian sign language (Libras) Portuguese interpreters in the context of policies and strategies for mainstreaming deaf subjects in social spaces, especially in educatinal settings, as determined by Law 10.436 of April 24th, 2002 and by the Decree 5.626 of December 22nd, 2005. In the light of these political and legal accomplishments, this work brings up the issues related to the role of Libras interpreters, who have widened their field of actuation, and how these new settings have demanded more qualification and legal recognition of their profession. Thus, the goal fo this work is to discuss the desires, concerns and challenges of this professional, focusing on their actuation in Chemistry undergraduate course at the Federal University of Roraima, where this pilot study was carried out from March, 2008 through December, 2009. Our analyses show that the mere presence of an interpreter does not guarantee an inclusive education, neither a bilingual approach for deaf people's education. KEY-WORDS: mainstream, interpreters, challanges, training. 1 Tradutor Intérprete de Língua Brasileira de Sinais/Língua Portuguesa/Língua Brasileira de Sinais do Curso de Letras/Libras Bacharelado da Universidade Federal de Roraima. Graduando em Antropologia pela Universidade Federal de Roraima. E-mail: dalcides.junior@ufrr.br 2 Professora Ms. do Curso de Letras e Coordenadora do Curso de Letras/Libras Bacharelado da Universidade Federal de Roraima. E-mail: sandra.cardozo@ufrr.br

1. INTRODUÇÃO Ser Intérprete de Língua de Sinais é muito mais do que ser identificado pela língua que fala, muito mais do que estar presente nas comunidades surdas ou ainda estabelecer um elo entre mundos linguísticos diferentes. Ser Intérprete é conflitar sua subjetividade de não surdo e surdo, é moldar seu corpo a partir da sua intencionalidade, reaprender o universo do sentir e do perceber, é uma mudança radical onde a cultura não é mais o único destaque do ser (MARQUES; OLIVEIRA, 2009 p. 396,397). A figura do profissional tradutor e intérprete de Libras (TILS) está ganhando mais espaço no cenário educacional brasileiro, principalmente depois da Lei nº 10.436 de 24 de Abril de 2002 e do Decreto nº 5.626 de 22 de Dezembro de 2005, que regularizaram a Língua Brasileira de Sinais como a segunda língua oficial do país, impulsionando assim as políticas de inclusão de surdos e o uso e difusão da Libras em todas as esferas sociais e, no âmbito da educação, em todos os níveis e modalidades de ensino. Essas leis também, especialmente o Decreto nº 5.626,12/05, deram ênfase ao papel do profissional intérprete de Libras como meio legal de garantir as propostas de inclusão do surdo previstas nas leis. Assim, a atuação do profissional intérprete é de grande importância nesse novo contexto de inclusão da pessoa surda em nossa sociedade. No entanto, essas novas perspectivas de inclusão para o surdo apontaram novas necessidades indo muito além de apenas difundir a Língua Brasileira de Sinais e formar intérpretes. A oficialização da Libras em 2002 evidenciou os direitos dos surdos enquanto cidadãos e uma demanda de profissionais intérpretes para atuarem junto à esses sujeitos na sociedade, agora defendidos por lei, sendo o marco do surgimento legal de um novo mercado de trabalho carente de mão de obra a nível nacional: a de tradutor e intérprete de Libras. Isso não significa que antes de 2002 não havia esforços de promover a inclusão de surdos e que não existiam profissionais intérpretes já atuantes e organizados no Brasil, pois se sabe da presença de intérpretes em trabalhos religiosos nos anos 80 e nesta mesma década a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS) promoveu o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais com o objetivo de promover a interação entre alguns intérpretes do Brasil e a avaliação da ética do profissional intérprete (MEC, 2004). O foco deste trabalho não é abordar uma corrente do tempo para esse profissional e sim, fazer uma reflexão sobre os anseios, as inquietações e os desafios desse profissional nesse período que se sucedeu à homologação da Lei Federal que reconheceu a língua brasileira de sinais como meio legal de comunicação e expressão das comunidades surdas e que representou um

passo importante no processo de reconhecimento e formação do profissional intérprete da língua de sinais no Brasil, bem como, a abertura de várias oportunidades no mercado de trabalho que são respaldadas pela questão legal (QUADROS, 2004 p. 15). Dessa forma, para possibilitar essa reflexão, foi realizada um estudo de caso no período de março de 2008 a dezembro de 2009 no curso de Licenciatura em Química com um intérprete de Libras atuando com uma aluna surda com o objetivo de perceber as dificuldades e desafios sobre o entendimento do papel e das responsabilidades do intérprete de Libras e da proposta bilíngue pelas instituições de ensino, o contexto educacional do surdo, os discursos a serem interpretados, o processo de dinamismo linguístico da Libras e a formação do intérprete de Libras. 2. METODOLOGIA O trabalho tem por base o método da pesquisa documental e bibliográfica de cunho qualitativa, realizada no período de 2008 a 2010 e da análise de um estudo de caso realizado no período de março de 2008 a dezembro de 2009 no curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal de Roraima em que atuei como intérprete de uma aluna surda. De acordo com Deus; et al. (s/d), para a perspectiva do estudo de caso é necessário um estudo da particularidade e da complexidade de um caso singular, o que leva a entender sua atividade dentro de importantes circunstâncias. Dessa forma, a fim de entender todo o contexto educacional em que o TILS e a aluna surda estavam inseridos foram realizadas entrevistas abertas com a aluna surda e professores, avaliação do aproveitamento da aluna surda nas disciplinas do curso e da atuação do TILS. Por fim, foram realizadas análises sobre os resultados dos dados. 3.RESULTADO E DISCUSSÕES Com as comunidades surdas interagindo cada vez mais e de forma mais envolvente com as comunidades ouvintes, as possibilidades de atuação do TILS vem crescendo e, consequentemente, a demanda por esse tipo de profissional e sua melhor formação e capacitação à medida que o sujeito surdo passa a interagir com grupos, com tipos de informações e de conhecimentos que antes não tinham acesso por causa da barreira linguística estabelecidas tanto pelo desconhecimento da Língua de Sinais por parte dos sujeitos ouvintes quanto pela ausência do intérprete.

Com isso, o profissional intérprete precisa atuar em quaisquer espaços onde estiverem surdos presentes para possibilitar o acesso à informação e à cidadania, garantidos por lei. Entretanto, o trabalho visou dar ênfase ao campo que define e resume toda a proposta e finalidade da lei nº 10.436,04/02 e o decreto nº 5.626,12/05, a saber, o campo da educação. Neste aspecto, destaca-se a presença obrigatória do profissional intérprete nas instituições públicas federais e estaduais e privadas de ensino superior a fim de assegurar aos alunos surdos o acesso à comunicação, à informação e à educação. Dessa forma, muitos surdos tomaram ânimo para ingressarem em um curso superior com uma nova perspectiva, a certeza de que teriam a assistência de um intérprete. A partir desse novo contexto, surgiram novas necessidades: preparar e qualificar intérpretes de Libras (isto também previsto no decreto nº 5.626,12/05), proporcionar aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade linguística do aluno surdo e sobre as atribuições e papel do intérprete além da utilização de equipamentos e tecnologias de informação. De fato, para muitas instituições de ensino superior receber um aluno surdo tem sido um fato inédito. Nesses casos, geralmente a instituição estando despreparadas com seus professores e profissionais de educação com pouca ou nenhuma capacitação em Língua de Sinais, caem no erro de concluir que a contratação de um intérprete resolve a situação inusitada. Essa foi uma das situações percebidas e vivenciadas durante o estudo de caso no Curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal de Roraima. Assim, muitos professores que recebem um aluno surdo e que tem a presença de um intérprete na sala de aula acabam que confundindo sua função, transferindo para o mesmo a responsabilidade do ensino, enquanto que sua atribuição é de ser o intermediário entre o professor e o aluno, ou seja, tornar compreensível para o aluno a mensagem do professor, não o de ensinar. Essa função é exclusivamente do professor. É obvio que não se pode transferir para as instituições de ensino superior toda a responsabilidade de dar condições para um bom aproveitamento do aluno surdo. Cabe sim, de acordo com a lei, incluir a Libras como disciplina nas grades curriculares dos cursos de licenciatura. Outro desafio ao sujeito intérprete é o contexto da trajetória escolar que o sujeito surdo percorre até o ensino superior, uma vez que as propostas de escolas bilíngues para surdos no Brasil seguem o modelo de surdos inclusos em salas de maioria ouvintes. Esse modelo requer que trabalhem dois professores, um ouvinte e outro surdo, ou um professor ouvinte e um intérprete. Mas, em vista da falta de profissionais surdos devidamente qualificados e de intérpretes no país, muitas escolas têm salas com alunos surdos apenas com um professor

ouvinte e que não domina a Língua Brasileira de Sinais. Nesses casos o aproveitamento dos alunos surdos fica prejudicado em relação aos alunos ouvintes e em consequência disso sua formação também. Assim, quando esse aluno surdo ingressar no ensino superior terá sua compreensão dos conteúdos prejudicada mesmo o intérprete fazendo uma tradução fluente e fiel dos conteúdos ministrados, pois o mesmo tem um déficit nos conteúdos básicos do ensino médio, não entendo alguns termos, conceitos, cálculos e fórmulas que o professor espera que seus alunos já dominem principalmente na área das ciências exatas, como no caso do Curso de Licenciatura em Química. Existem ainda desafios encontrados nos discursos a serem interpretados. Segundo Quadros (2004 p. 27, 28): Intérprete de Língua de Sinais é o profissional que domina a língua de sinais e a língua falada do país e que é qualificado para desempenhar a função de intérprete (...) precisa ter qualificação específica para atuar como tal. Isso significa ter domínio dos processos, dos modelos, das estratégias e técnicas de tradução e interpretação. O profissional intérprete também deve ter formação específica na área de sua atuação (por exemplo, a área da educação). Ainda que o intérprete satisfaça esses requisitos existem discursos com vocabulário de palavras ou signos que não fazem parte do ciclo cotidiano das interações linguístico culturais. Nesse contexto, muitos conceitos, signos e significados são novos e desconhecidos para uma determinada comunidade surda em decorrência da sua alienação das informações desses discursos, geralmente por serem discursos com vocabulários que não fazem parte do convívio social e cultural dos surdos, tornando-se assim não-funcional e de pouco interesse; ou devido aos próprios fenômenos linguísticos naturais em todas as línguas orais e de sinais, com a aparição de novos signos em virtude do processo dinâmico linguístico ou surgimento de novas necessidades, sejam de cunho científico, de mercado de trabalho ou tecnológico. Como exemplo para o primeiro caso, a aluna surda que ingressou na UFRR no ano de 2007 para cursar química foi a primeira surda sinalizante a ingressar em um curso superior. Embora ela já tenha estudado determinados sinais de química básica e aprendido com os demais surdos, no entanto, sendo a mesma a primeira de sua comunidade a cursar química no ensino superior, em determinado momento ela se deparou com signos e conceitos de química bastante complexos e totalmente desconhecidos por ela e por todos os outros surdos de sua comunidade, incluindo os ouvintes usuários da Libras, pois àquele discurso ou vocabulário até então não fazia parte do convívio cultural de sua comunidade linguística. Assim, a acadêmica

teve que criar soluções para resolver essas barreiras criando um novo vocabulário de sinais para a sua nova realidade linguística. No caso da aluna surda, algumas soluções criadas foram a soletração dos elementos químicos como por exemplo: H 2 O, CO 2, O 2 etc. Para o segundo caso, o exemplo para os movimentos linguísticos em decorrência de novas necessidades, destaca-se a tecnologia. O avanço da tecnologia tem propiciado a criação de novos termos tanto nas línguas orais como nas línguas de sinais. A cada dia aparecem novas máquinas, novos softwares e novos equipamentos e componentes eletrônicos que demandam novos signos sejam pelo processo natural das relações linguística nas interações entre seus usuários, seja pelo empréstimo linguístico ou estrangeirismo. Por fim, temos os limites e desafios que o intérprete encontra em sua própria atuação nos contextos de sua capacitação e formação. O Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005 determina que a formação de tradutor e intérprete de Libras Língua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras Língua Portuguesa e na maior parte do Brasil as Universidades, com o incentivo das politicas do governo federal, agora que estão tentando implementar o Curso. A própria UFRR criou o Curso de TILS no ano de 2013 e ainda não possui professores efetivos para ministrar as disciplinas do currículo, o que pode comprometer a formação ideal para o profissional intérprete de libras. Os cursos de educação profissional, de extensão universitária e de formação continuada são alternativa na qualificação de intérpretes, o que muitas vezes é insuficiente principalmente nas regiões afastadas, como o nosso caso, dos grandes centros e polos de pesquisas sobre a Língua de Brasileira de Sinais. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, a profissão de intérprete de Libras, agora oficializada por lei (LEI N 12.319, DE 1 DE SETEMBRO DE 2010), fascina e instiga àqueles que querem seguir essa carreira, trazendo junto muitas inquietações, desafios e dificuldades próprias e específicas com perspectivas de buscar novos conhecimentos, melhores condições de formação e qualificação, reconhecimento e valorização e, acima de tudo, a realização e satisfação profissional comum em qualquer área de atuação profissional. Mas isto é outra investigação a ser feita em nossa instituição. Com os alunos do Curso de Letras/Libras Bacharelado da UFRR ainda no primeiro semestre, pretendemos acompanhar todo o percurso e processo de formação desses acadêmicos identificando dificuldades, estratégias e caminhos para a formação profissional dos TILS.

5. REFERÊNCIAS BRASIL, Presidência da República Casa Civil. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais LIBRAS. BRASIL, Presidência da República Casa Civil. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. BRASIL, Presidência da República Casa Civil. Lei n 12.319, de 1 de setembro de 2010, que Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - LÍBRAS. DEUS, Adélia Meireles de; et al. Estudo de caso na pesquisa qualitativa em educação: uma metodologia. (S/D). MARQUES, Rodrigo Rosso; OLIVEIRA, Janine Soares. O Fenômeno de Ser Intérprete. In: QUADROS, Ronice Müller; STUMPF, Marianne Rossi. Estudos Surdos IV, p. 394-406. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2009. QUADROS, Ronice Müller. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa / Secretaria de Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos - Brasília: MEC; SEESP, 2004. QUADROS, Ronice Müller (Organizadora). Estudos Surdos III. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2008. SILVA, Ivanir Rodrigues. Línguas em contato e em conflito: a trajetória do aluno surdo na escola. In: Actas/Proceedings II Simpósio Internacional Bilingüismo, p. 1807-1813.