OS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS E AS PRÁTICAS SOCIAIS DE LINGUAGEM Carla Catarina Silva (G-CLCA-UENP/CJ) Marilúcia dos Santos Domingos Striquer (Orientadora-CLCA-UENP/CJ) Grupo de Pesquisa Leitura e Ensino Introdução Práticas discursivas ou práticas sociais de linguagem, segundo Striquer (2012), são todas e quaisquer manifestações verbais produzidas nas mais variadas situações comunicativas, ou seja, em situações de interação que ocorrem por meio da linguagem, e que se originam dentro de campos da atividade humana ou esferas sociais (BAKHTIN, 2003). Por exemplo, dentro do campo da atividade humana de relações comerciais emergem várias práticas sociais de linguagem: a negociação de compra de uma mercadoria/serviço, a negociação de venda, a emissão de documentos contábeis, o controle de estoque, a confecção de materiais de divulgação, etc. E ainda, de cada uma das diversas práticas sociais originamse diferentes gêneros textuais, que são a representação/materialização das práticas. Entre os materiais de divulgação, por exemplo, está o gênero textual letreiro, o qual é caracterizado de um modo geral como sendo, uma inscrição em tabuleta, que serve aos mais diversos tipos de informação: avisos, sinalização de estradas e ruas, especificações de guichês, nomes de estabelecimentos de profissionais autônomos, propagandas, etc. (COSTA, 2008, p. 125) No caso do letreiro que apresenta o nome dos estabelecimentos comerciais/industriais, ele tem características específicas, como: estar, geralmente, localizado em lugar estratégico, na fachada do estabelecimento, possibilitando que pedestres e motoristas tenham uma boa visão deles; tende a ser de tamanho grande para uma melhor visualização; ser representativo do que a loja comercializa/industrializa ou de seu proprietário, e para tanto, ou seja, para a elaboração do nome da loja vários são os processos utilizados, entre eles a criação de palavras novas, no processo de neologismo. E é este processo pelo qual nos interessamos em investigar, isto é, este artigo tem o objetivo de investigar o processo de neologismo que constituem alguns dos nomes de estabelecimentos comerciais da cidade de duas cidades do estado do Paraná. 452
Teorizando gêneros Conforme postulam Bakhtin (2003) e Bronckart (1999), toda comunicação verbal é feita por meio de gêneros textuais, e por isso podemos entender gêneros como textos comunicativos com influências do meio e com funções sociais, desde os mais informais, como uma conversa, até os mais formais, como uma resenha. E, por consequência, são inúmeros os gêneros textuais presentes na sociedade. Também segundo Bakhtin (2003) todo gênero é composto por três elementos que estão em seu todo inseparáveis: o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo. Segundo Koch & Elias (2006) o conteúdo temático é o tema abordado pelo gênero textual, não o assunto e sim os variados temas que podem ser levantados pelo gênero, segundo as mesmas autoras, a estrutura composicional é toda a organização do gênero, a forma como ele está estruturado, a distribuição de suas informações e os elementos não verbais que o compõem: como a cor, o padrão gráfico ou a diagramação típica ou ilustrações que venham a estar presentes. Já o estilo imprime as marcas individuais do autor/interlocutor, e segundo Bakhtin, são os recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais presentes. Sendo assim, nosso estudo será focado apenas no estilo de alguns nomes de estabelecimentos, mais especificamente, os nomes formados pelo processo do neologismo. Teorizando neologismo Tudo o que está relacionado com o ser humano, está diretamente ligado à evolução, e o que acontece com a língua não é diferente. Ao longo do tempo, a língua se modifica de acordo com a utilização e a não utilização de vocábulos presentes em uma comunidade linguística, com a influência de elementos provenientes de outras línguas e com a própria necessidade do falante em criar novas unidades de significação. Esta criação resulta, então, em novos léxicos (termos/palavras) que se agregam ao acervo linguístico, ou mesmo em novas significações para um léxico já existente. Ao processo de criação lexical dá-se o nome de neologia. O elemento resultante, a nova palavra, é denominado neologismo. (ALVES, 2004, p. 5). De acordo com Alves (2004), o termo neologismo se origina do latim e significa: neo (nova), logos (palavra), então, toda palavra nova que é, ou tenta ser, introduzida 453
na língua pode ser classificada a princípio como um neologismo. Mas após tal palavra se integrar ao dicionário da língua, ela deixa, por consequência, de ser um neologismo, uma vez que não é mais palavra nova e sim palavra integrante da língua. A respeito dos processos de criação léxica, eles são complexos, pois não são uma simples invenção de palavras, eles se constituem de bases fonológicas, sintáticas ou semânticas, diferenciando assim o sistema de criação. A saber: Os processos neológicos A neologia fonológica ocorre quando o termo criado não tem origem em nenhum outro termo já presente em qualquer unidade linguística, ou seja, é uma palavra totalmente única e arbitrária (no sentido saussureano do termo). Contudo, de acordo com Alves (2004), esse processo é raro, já que a transformação da língua ocorre mais comumente advinda de palavras já utilizadas pelos falantes e modificadas por eles no ato de comunicação, pois um significante inédito pode não trazer significação ao receptor, descaracterizando assim, o caráter neológico do termo. Já os neologismos sintáticos são a criação de novas unidades léxicas por meio da combinação de termos já existentes dentro de um sistema de língua. Bem mais comum que o fenômeno da neologia fonológica, os sintáticos são classificados em: a) neologismos formados por derivação: prefixal, sufixal; parassintética; b) neologismos formados por composição: subordinativa, coordenativa, satírica, convergência entre derivação e composição, composição entre bases não-autônomas; c) neologismos formados por composição sintagmática: nos vocábulos técnicos, por siglas ou acronímica; Os neologismos sintáticos são caracterizados desta forma, uma vez que, A combinação de seus membros constituintes não está circunscrita exclusivamente ao âmbito lexical (junção de afixo a uma base), mas concerne também ao nível frásico: o acréscimo de sufixos pode alterar a classe gramatical da palavra-base; a composição tem caráter coordenativo e subordinativo; os integrantes da composição sintagmática e acronímia constituem componentes frásicos com o valor de uma unidade lexical (ALVES, 2004, p. 14). No caso dos neologismos semânticos, ocorre uma mudança de significação atribuída à unidade lexical, criando assim um novo elemento. Segundo Alves (2004), a forma mais comum é verificada quando há uma transformação no conjunto de unidades básicas de significação, os semas, referentes a uma unidade léxica, e explica ainda que, por meio dos 454
processos estilísticos da metáfora, da metonímia, da sinédoque..., vários significados podem ser atribuídos a uma base formal e transformá-la em novos itens lexicais (ALVES, 2004, p. 62). Ou seja, o significado habitual das palavras em determinado contexto não é sustentado, há uma nova significação para o mesmo item lexical, ocorrendo assim o neologismo semântico. Existem ainda outros processos, não tão comuns quanto os citados anteriormente, que também resultam na criação de novos itens, como a truncação, a reduplicação, a derivação regressiva e a palavra-valise. Referindo-se ao processo de truncação, ocorre quando uma parte da sequência lexical é retirada, de acordo com Alves (2004), constitui um tipo de abreviação, como no item Euro, forma abreviada de Europeu e niver, forma reduzida de aniversário. No processo de reduplicação, a mesma base lexical é repetida duas ou mais vezes, como em trança-trança, ao qual é atribuído o significado de viagens sucessivas, andar por diversos lugares. Já na derivação regressiva a criação de uma nova unidade léxica deve-se à supressão de um elemento, considerado de caráter sufixal (ALVES, 2004, p.71), onde em grande parte dos casos, de acordo com Alves (2004), é constituída pelos substantivos deverbais, que resultam da substantivação das respectivas formas verbais e compostos acresentando-se as vogais a, e e o ao radical do verbo, como na palavra amasso, relativa ao verbo amassar. Em se tratando do processo de palavra-valise, o que ocorre é uma forma de redução de uma ou duas bases dos elementos lexicais, para uma nova formação. Alves (2004) traz o exemplo de brasiguaio, a junção de brasileiro e paraguaio, onde há a perda da parte final da palavra brasileiro e a eliminação da parte inicial da palavra paraguaio, criando-se assim uma nova unidade lexical. Em certos empregos de neologismos constituídos por palavra-valise, verificamos a ironia e a sátira presentes em sua intenção de significação, como nos mostra Alves (2004) com a palavra showmício, onde a palavra show se mantém integral e se une à palavra comício que perde sua parte inicial ao ser integrada ao novo item léxico. Há ainda os neologismos por empréstimo, onde os contatos entre as comunidades linguísticas refletem-se lexicalmente e constituem uma forma de desenvolvimento do conjunto lexical de uma língua. Dentre esses processos temos o estrangeirismo, a utilização de palavras de outro idioma dentro do nosso contexto. O uso frequente dos estrangeirismos é um critério para que ele se torne empréstimo. A palavra a ser importada começa por ser muito utilizada pelos falantes, para em seguida ser vista como parte integrante do acervo lexical da língua importadora. 455
Ressalta-se que os estrangeirismos designam aquelas palavras que não sofreram nenhuma espécie de mudança quanto à língua de origem. Esses termos normalmente se incorporam ao vocabulário e, com o tempo, não são mais reconhecidos como estrangeiros, contribuindo inclusive para ampliar o léxico da língua. Estes termos não alteram a estrutura da língua em sua gramática, apenas contribuem para o nível mais superficial da língua, o léxico. (SERRA; NODARI, 2011, p. 226) Percebemos muito a utilização desse processo na mídia, em algumas denominações técnicas de determinadas áreas de atividade, como as palavras download e delivery. Há ainda o processo de tradução do estrangeirismo, quando se utiliza o termo de outra língua seguido de tradução ou definição do seu significado, pois em várias situações a unidade emprestada pode não ser compreendida pelo receptor. Contudo, a fase propriamente neológica do item léxico estrangeiro ocorre quando está se integrando à língua receptora [...] (ALVES, 2004, p. 77), e essa incorporação de acordo com Alves (2004) não é um regra, já que muitos empréstimos de itens já assimilados mostram tal adaptação, entretanto nota-se que a forma adaptada ao português e a grafia com a língua original concorrem no que diz respeito a sua utilização, como na palavra tournée, francesa, e a palavra turnê, integrada à língua portuguesa, ambas dicionarizadas e com mesmo significado. Outro modo de integração de uma formação estrangeira a um outro sistema linguístico é representado pelo decalque, de difícil reconhecimento, pois consiste na versão literal do item léxico estrangeiro para a língua receptora. (ALVES, 2004, p. 80). Ainda segundo a autora, a unidade decalcada costuma competir com a expressão original, desta forma, a expressão alta tecnologia, por exemplo, rivaliza com high technology ou high tech, forma reduzida do sintagma inglês. Análise Analisando os processos de formação de novos itens lexicais por meio do processo de neologismo, investigamos os processos que formam alguns nomes de estabelecimentos comerciais de duas cidades do estado do Paraná. A imagem a seguir é de um estabelecimento localizado na cidade de Jacarezinho, estado do Paraná 1 : 1 Todas as figures apresentadas neste artigo possuem autorização dos proprietários dos estabelecimentos para participarem desta pesquisa e para serem divulgadas. 456
Figura 1: Motores elétricos Energimec O nome apresenta, visivelmente, a junção das palavras energia e mecânica, já que este estabelecimento é uma oficina mecânica de motores elétricos, e a junção, possivelmente, foi feita para chamar a atenção dos clientes interessados em serviços deste segmento. No que se refere ao processo neológico que a constitui, ela é um neologismo construído de palavra-valise, pois ocorre uma redução de duas bases lexicais para a formação do novo item, ou seja, é retirado a letra a da palavra energia e retirado da segunda palavra o seguimento ânica, da palavra mecânica, resultando em Energimec. O estabelecimento a seguir, figura 2, também está localizado na cidade de Jacarezinho no Paraná: acessórios Figura 2: Vilórgão music escola de música, instrumentos musicais e 457
Em consulta informal ao atual proprietário do estabelecimento, ele informou que não foi o criador da palavra, entretanto afirma que, provavelmente, o antigo dono tenha colocado este nome devido ao estabelecimento ser uma escola de música onde se ensinam vários instrumentos musicais e, para ilustrar melhor o perfil da escola, deve ter se decidido por unir os nomes de dois instrumentos musicais: o violão e o órgão. Verificamos que neste item lexical, Vilórgão, sua formação é caracterizada pelo processo de neologismo por palavra-valise, pois há a junção das palavras violão e órgão em um mesmo item, onde, embora a segunda palavra permaneça integral, a primeira perde parte de sua base, para se unir a outra em uma nova formação. Contudo, podemos perceber que se realizada apenas a retirada do seguimento final ão da palavra violão, acarretaria na permanência do restante da palavra: viol, que juntamente com a palavra órgão, resultaria na nova palavra violórgão, por isto, na redução da palavra ocorre outro processo de formação neológico, a truncação, pois parte de sua sequência é retirada, não no sentido de abreviação, neste caso, e sim na transformação do léxico viol em vil, devido à construção fonológica que resulta na nova palavra vilórgão, a qual possui uma sonoridade mais agradável do que violórgão. O próximo estabelecimento, figura 3, também está localizado na cidade de Jacarezinho, Paraná: Figura 3: Happy Life Lazer e Atividade Física 458
O proprietário do estabelecimento, informalmente, comentou que teve a intenção de colocar um nome que demonstrasse um local onde as pessoas frequentariam, na busca pelo bem-estar, já que se trata de um local voltado para atividades físicas e lazer, e com isso contribuir para uma vida mais feliz das pessoas. Desta forma optou pelo nome Happy Life, que traduzido do inglês significa vida feliz. Neste caso, o processo de construção do nome é realizado por neologismo que se ancora no estrangeirismo. Por fim, o último nome de letreiro comercial analisado se encontra na cidade de Wenceslau Braz, Paraná, figura 4: Figura 4: Vest Bem 459
O proprietário da loja decidiu por utilizar esse nome, pois ao tentar registrar a loja como Veste Bem, o título já estava sendo utilizado por outro estabelecimento, sendo assim decidiu por tirar a última letra da primeira palavra para conseguir obter o registro. Quanto ao processo de formação, encontramos o processo de truncação, onde uma parte da sequência lexical foi retirada, ou seja, apresenta um tipo de abreviação. É retirada a letra e da palavra veste, constituindo assim o nome Vest Bem como um novo item léxico formado por neologismo. Considerações finais Tomando como base os processos de formação por meio do neologismo e considerando o gênero letreiro como alvo de nossas pesquisas, na linha de estudo das práticas sociais através dos gêneros textuais, verificamos que diversos são os processos neológicos de construção dos nomes dos estabelecimentos analisados, dentre os existentes verificamos o processo por palavra-valise, por truncação e por estrangeirismo, todos eles utilizados com o intuito de chamar a atenção do cliente para o estabelecimento comercial em questão e de construírem um diferencial para que este nome se estabeleça na memória dos clientes. Referências ALVES. I.M. Neologismo: criação lexical. 2.ed. São Paulo: Editora Ática, 2004. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Tradução Anna Rachel Machado, Maria de Lourdes Meirelles Matencio (et al.). Campinas-SP: Mercado das Letras,1999. COSTA, S.R. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. KOCH. I.V; ELIAS. V.M. Ler e Compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006. SERRA. M; NODARI. J. I. Os anglicismos nas fachadas de estabelecimentos comerciais da rua grande no centro de São Luís MA: ampliação do léxico ou ameaça à hegemonia da língua portuguesa? Littera, n. 4, UFMA: Maranhão, 2011, p. 210-241. 460
Para citar este artigo: SILVA, Carla Catarina. OS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS E AS PRÁTICAS SOCIAIS DE LINGUAGEM. In: X SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2013. Anais... UENP Universidade Estadual do Norte do Paraná Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2013. ISSN 18089216. p. 452 461. 461