Lesões Parciais no Segmento Intratemporal do Nervo Facial. Enxerto Total ou Reconstrução Parcial?

Documentos relacionados
O Uso de Cola de Fibrina Humana na Anastomose de Lesões Traumáticas Parciais do Nervo Facial

RETALHOS ÂNTERO-LATERAL DA COXA E RETO ABDOMINAL EM GRANDES RECONSTRUÇÕES TRIDIMENSIONAIS EM CABEÇA E PESCOÇO

TOPODIAGNÓSTICO NA PARALISIA FACIAL PERIFÉRICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Reunião Científica do Grupo de Medicina Esportiva. 28 de maio de 2010 Cassio Trevizani

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

Facial paralysis caused by cholesteatoma is uncommon.

WALABONSO BENJAMIN GONÇALVES FERREIRA NETO FRATURA DA CABEÇA DA MANDÍBULA. CARACTERÍSTICAS, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO.

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DOS TRAUMATISMOS BUCOMAXILOFACIAIS NA REGIÃO METROPOLITANA DE MARINGÁ-PR ENTRE OS ANOS DE 1997 E 2003

EPIDEMIOLOGIA DAS LESÕES TRAUMÁTICAS TARDIAS DE NERVO PERIFÉRICO DO MEMBRO SUPERIOR

PALAVRAS-CHAVE: Fratura-luxação de Monteggia; Classificação de Bado; Complicações.

Dissertação de mestrado

TÍTULO: COLESTEATOMA DE CONDUTO AUDITIVO EXTERNO COMO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE PATOLOGIAS DA ORELHA EXTERNA

Esvaziamento Cervical Seletivo em Pescoço Clinicamente Positivo

ESTUDO COMPARATIVO SOBRE AS PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS DE CERATOPLASTIA COM ENXERTO CONJUNTIVAL LIVRE E PEDICULADO EM CÃES

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA

Concurso Unifesp nº105 PROVA TEÓRICO-PRÁTICA MÉDICO/ OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA

Reparo de Lesão do Manguito Rotador

Is it really necessary to restore radial anatomic parameters after distal radius fractures? Injury, Int. J. Care Injured 45S(2014) S21-S26

Avaliação da telelaringoscopia no diagnóstico das lesões benignas da laringe

A maioria das crianças com traumatismo craniano são jovens, do sexo masculino e têm trauma leve.

Resultados do reparo cirúrgico tardio das lesões traumáticas do nervo radial

FRATURA DE MANDÍBULA SECUNDÁRIA À DOENÇA PERIODONTAL EM CÃO: RELATO DE CASO

Enxerto de tecido conjuntivo com objetivo estético em prótese fixa

Kércia Melo de Oliveira Fonseca. Escalas de comprometimento da paralisia facial: análise de concordância

Tratamento da paralisia facial periférica pós-trauma craniocerebral

Gaudencio Barbosa R3 CCP Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço HUWC

PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA PROJETO PEDAGÓGICO

Autor. Revisão Técnica. Fábio Del Claro

Materiais e Métodos As informações presentes neste trabalho foram obtidas a partir de revisão bibliográfica e do prontuário

Monitorização do nervo laríngeo recorrente em tireoidectomias e sua correlação com disfonia no pós-operatório.

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA UniCEUB PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA LUCAS ROOS VALE

Artroplastia de Ombro TRATAMENTO POR ARTROPLASTIA NAS FRATURAS DO ÚMERO PROXIMAL INDICAÇÃO. partes? rachadura da

USO DA ESCALA DE HOUSE BREACKMANN COMO PARÂMETRO NA EVOLUÇÃO DA PARALISIA FACIAL PERIFÉRICA: UM RELATO DE CASO

Paralisia do Plexo Braquial

PRINCIPAL ETIOLOGIA DE AMPUTAÇÃO TRANSFEMORAL EM PACIENTES ATENDIDOS NO CENTRO DE REABILITAÇÃO FAG

Variação da pressão arterial antes e após cirurgia nasal - com e sem tamponamento nasal.

ARTIGO ORIGINAL. Objetivo:

VALORES DO ENXOFRE, COBRE E MAGNÉSIO NO SORO SANGUÍNEO E NO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NOS TRAUMATISMOS CRÂNIO-ENCEFÁLICOS RECENTES

Quanto à condição funcional do músculo temporal, todos apresentavam-se normais palpação, no pré-operatório.

Grupo de Medicina do Esporte e do Exercício HCFMUSP

Estudo de Caso: Reabilitação Vestibular em paciente portador de glômus jugulo-timpânico

CASUÍSTICA E MÉTODOS. Vista frontal do Coreto do Instituto Lauro de Souza Lima - FOTO produzida por José Ricardo Franchim, 2000.

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DO ATENDIMENTO FONOAUDIOLÓGICO DE PACIENTES TRATADOS DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO

4. MATERIAL E MÉTODO

Reconstruções auriculares após lesões traumáticas

ESTUDO DA FREQÜÊNCIA DE PARASITAS E DE OVOS NAS CAVIDADES APENDICULARES DAS APENDICITES AGUDAS *

Artigo Original TRATAMENTO DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO NO IDOSO ACIMA DE 80 ANOS

HISTÓRIA DAS AMPUTAÇÕES E DAS PRÓTESES APOSTILA 12

Dr. Bruno Pinto Ribeiro Residente em Cirurgia de Cabeça e Pescoço Hospital Universitário Walter Cantídio

DOENÇA DE GRAVES EM IDADE PEDIÁTRICA: AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DOS ANTITIROIDEUS

Análise Comparativa das Pesquisa 2009 e Situação da Cirurgia Plástica no Brasil

4ª Edición. Reabilitação Oral com Implantes Técnicas cirúrgicas para regeneração óssea. Curso prático em cabeça de cadáver

TÉCNICA MANUAL DE MENSURAÇÃO DA PARALISIA FACIAL COM RÉGUAS

Paralisia Facial Periférica

Análise Comparativa das Pesquisa 2009 e 2014

PERFIL DO PACIENTE ATENDIDO NO PROJETO DE EXTENSÃO:

Abordagem posterior para transferência nervosa do nervo acessório para o nervo supraescapular

(LAING, COUGLEY, KLENERMAN, % 50% ; BIRKE

REFERENCIAL DE FISIOTERAPIA - ATUALIZADA 01/01/2017 Adequado à terminologia Unificada da Saúde Suplementar TUSS do Padrão TISS, regulamentado pela ANS

Journal Club. Setor Abdome. Apresentação: Lucas Novais Bomfim Orientação: Dr. George Rosas

Protocolo de Preservação de Orgão em Câncer de Cabeça e Pescoço

TC Protocolo de Mastoide. José Pedro Gonçalves TN Esp. em Radiologia

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

TRAUMA DENTAL - O QUE É? O QUE FAZER? RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ SERVIÇO DE CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO LARINGECTOMIAS PARCIAIS: INDICAÇÕES E TÉCNICAS

Nervo Facial Profa. Elaine Del Bel. Dra. Ana Carolina Issy

FRATURA COM AFUNDAMENTO CRANIANO EM CRIANÇAS COM MENOS DE DOIS ANOS DE IDADE

PERFIL CLÍNICO E EPIDEMIOLÓGIO DOS PACIENTES COM LESÃO MEDULAR ATENDIDOS NO CENTRO DE ATENDIMENTO À DEFICIÊNCIA (CAD).

Sistema PARS para tendão de Aquiles Técnica cirúrgica

Gerais. Recebido: 25 de Janeiro de 2018; Revisado: 11 de março de 2018.

[ESTUDO REFERENTE À ENCF - JOELHO]

Correção dos Aneurismas da Aorta Torácica e Toracoabdominal - Técnica de Canulação Central


ENFERMAGEM FRENTE A IMOBILIZAÇÃO DE FRATURAS DE MEMBROS SUPERIORES E INFERIORES EM UM PRONTO ATENDIMENTO DA REGIÃO NORTE DO PARANÁ

Traumatologia. Distúrbios do Aparelho Locomotor tendo como Etiologia Sempre o TRAUMA, não importando a sua Magnitude.

RELAÇÃO ENTRE MOBILIDADE CERVICAL, SENSIBILIDADE LOMBAR E O SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO EM INDIVÍDUOS SAUDÁVEIS: UM ESTUDO TRANSVERSAL.

TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO TCE

TÍTULO: CARACTERIZAÇÃO DAS QUEDAS EM CRIANÇAS INTERNADAS EM HOSPITAL PEDIÁTRICO

Lesão neurológica pós-bloqueio periférico: qual a conduta?

MARCO AURELIO VAMONDES KULCSAR CHEFE DE CLINICA ICESP

Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial Director: Dr. Luis Dias

A PTHi PODE PREVER AS VARIAÇÕES DO CÁLCIO APÓS TIROIDECTOMIA TOTAL?

Determinação do grau de incapacidade em hansenianos não tratados *

Reconstrução Frontal e SupraOrbitária com Enxerto Autógeno de Crista Ilíaca. Frontal and Supra-Orbital Reconstruction with an Iliac Crest Bone Graft

BRUNO NEHME BARBO MODELOS DIGITAIS: COMPARAÇÃO DO ESCANEAMENTO EM DIFERENTES ANGULAÇÕES E DE 4 MÉTODOS DE SOBREPOSIÇÃO

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO PACIENTE IDOSO INTERNADO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA

SIMPÓSIO DE CIRURGIA GERAL

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE CEILÂNDIA Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Ciências da Reabilitação

UNIDADE DE ORTOGERIATRIA DO CENTRO HOSPITALAR GAIA/ESPINHO. Rafaela Veríssimo 23 de Novembro de 2017

EFEITO DA PRÁTICA DE JIU-JITSU NA DENSIDADE ÓSSEA DO SEGUNDO METACARPO

Fratura de osso temporal em pacientes com traumatismo crânio-encefálico

Videolaparoscopia no Trauma. Dr. Wilson Laffita Labanino Cirurgia Geral Multiperfil

MICROCIRURGIA E REIMPLANTE.

Número de NSPs cadastrados por UF. Número de NSPs com ao menos uma notificação

Traumatismos vasculares revisão de 5 anos

Algumas Reflexões sobre o Colesteatoma em Pacientes Pediátricos em Países em Desenvolvimento

Transcrição:

Artigo Original Lesões Parciais no Segmento Intratemporal do Nervo Facial. Enxerto Total ou Reconstrução Parcial? Partial Lesions of the Intratemporal Segment of the Facial Nerve. Graft or Partial Reconstruction? Ricardo Ferreira Bento*, Raquel Salomone**, Rubens Brito Neto***, Robinson Koiji Tsuji****, Mariana Hausen*****. * Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC FMUSP. **.Médica Otorrinolaringologista em Estágio de Complementação Especializada em Cirurgia Otológica e Base de Crânio no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC FMUSP. *** Professor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico Assistente da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo - HC FMUSP. **** Médico Otorrinolaringologista Especialista em Neurotologia e Cirurgia de Base de Crânio. Pós-doutorando em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC FMUSP. ***** Médica Otorrinolaringologista em Estágio de Complementação Especializada em Cirurgia Otológica e Base de Crânio no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC FMUSP. Endereço para correspondência: Ricardo Ferreira Bento Departamento de Otorrinolaringologia, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 6º andar sala 6167 São Paulo / SP Brasil CEP 05403-000 Telefone: 55 11 3088-0299 E-mail: rbento@gmail.com Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 2 de novembro de 2007. Cod. 353. Artigo aceito em 7 de novembro de 2007. RESUMO Introdução: Objetivo: Casuística e Método: Resultados: Discussão: Conclusões: Palavras-chave: Traumas na região de cabeça e pescoço podem produzir lesões parciais no segmento intratemporal do nervo facial. Quando isto ocorre, o cirurgião deve optar no intra-operatório pela reconstrução parcial ou eliminar o segmento parcialmente lesado e interpor um enxerto? Apresentar os resultados obtidos no reparo de lesões parciais no segmento intratemporal do nervo facial. Realizou-se um estudo retrospectivo de 42 pacientes no período entre 1988 e 2005 que apresentavamlesão parcial no segmento intratemporal do nervo facial. Estes pacientes foram divididos em: Grupo 1 - Casos em que foi interposto enxerto parcial na parte preservada do nervo (12 pacientes). Grupo 2 - Casos em que se manteve a parte preservada e realizou-se tubolização com fascia do músculo temporal ( 8 pacientes). Grupo 3 - Casos os quais se optou por seccionar as partes do nervo lesado (proximal e distal) e interpor enxerto total de nervo sural (22 pacientes). Fratura do osso temporal foi a causa mais incidente em todos os grupos seguido por iatrogênia e projétil de arma de fogo (p>0.005). Pacientes com resultado menor ou igual a III na escala House-Brackmann somaram 8,3% (1) no grupo 1, 0,0%(0) no grupo 2 e 68.2%(15) no grupo 3(p<0.001). Ainda existe muita controvérsia quanto ao tratamento de lesão parcial do nervo facial. Em nossa casuística os melhores resultados foram obtidos quando se optou pela realização do enxerto total do nevo facial quando comparado aos resultados dos grupos em que o nervo foi parcialmente preservado e/ou realizado tubolização paralisia facial, trauma, anastomose, tratamento cirúrgico, enxerto. SUMMARY Introduction: Objective: Method: Results: Discussion: Key words: In cases of partial lesions on intratemporal segment of facial nerve, should surgeon chose intraoperative way for partial reconstruction or partially remove injured segment and place graft? To present results from partial lesion reconstruction on intratemporal segment of facial nerve. A retrospective study on 42 patients, between 1988 and 2005, who presented partial lesion on intratemporal segment of facial nerve. Patients were divided into three groups and the following was chosen: interposition of partial graft on the injured area of the nerve (group 1-12 patients); to keep the preserved part and perform tubulization (group 2-8 patients); to divide parts of injured nerve (proximal and distal) and place total graft of sural nerve (group 3-22 patients). Fracture of temporal bone was the most frequent cause in all groups followed by iatrogeny (p>0,005). Results lower or equal III on House-Brackmann scale were: 1 (8.3%) patient on group 1; 0 (0.0%) patient on group 2 and 15 (68.2%) of patients on group 3 (p>0.001). The best surgery technique for partial lesion therapy of facial nerve is still questionable. Conclusion: Among these 42 patients, the best achieved results were from total graft of facial nerve when comparing to others. facial paralysis, trauma, anastomosis, surgery therapy, graft. 459

INTRODUÇÃO Lesões traumáticas no segmento intratemporal do nervo facial podem ser causadas devido à fratura do osso temporal (1,2,3), ferimento por arma de fogo ou lesão iatrogênica ocorrida durante as cirurgias otológicas(1,2,3). Apesar do numero de lesões iatrogênicas estarem diminuindo devido ao constante aperfeiçoamento dos cirurgiões otológicos e também a popularização do monitoramento intra-operatório do nervo facial, algumas centenas de casos foram tratados em nosso serviço nestes últimos 15 anos. Por outro lado, outras etiologias de lesões traumáticas deste nervo têm crescido principalmente nas grandes cidades, devido ao aumento da violência (acidentes automobilísticos, quedas, terrorismo e violência urbana). Nosso hospital é referencia para os casos de emergências traumáticas ocorridas na cidade de São Paulo e também trabalha como referencia terciária para todo país. Após a visualização de um segmento do nervo facial lesado o cirurgião depara-se com uma duvida: preservar o segmento intacto ou seccionar o segmento e interpor o enxerto autologo entre os cotos? E se optar pela preservação do segmento lesado, interpor um enxerto parcial ou deixar o coto parcialmente lesado e realizar uma tubolização? O objetivo deste trabalho é apresentar uma série de pacientes que sofreram lesão parcial do nervo facial no segmento intratemporal e foram tratados por três diferentes técnicas de anastomose, com a finalidade de contribuir na decisão dos cirurgiões sobre a melhor maneira de agir nestes casos controversos. CASUÍSTICA E MÉTODO Foi realizado um estudo retrospectivo de 42 pacientes entre 1988 e 2005, os quais apresentaram paralisia facial periférica traumática e que durante o procedimento cirúrgico de exploração do nervo facial foi visualizado pelo menos 30% do diâmetro do nervo facial preservado. O acesso transmastoídeo foi realizado em todos os casos e todos os pacientes tiveram um segmento mínimo de um ano póscirúrgico. A escala House-Brackmann (HB) foi adotada para avaliação dos resultados pré e pós cirúrgicos. Como critério para inclusão nós consideramos pacientes com menos um ano de lesão, paralisia facial periférica HB V ou VI e mais de 90% de degeneração do nervo no exame de eletroneurorografia realizado nos três ramos faciais (frontal, orbicularis oculis e orbicularis oralis) e/ou eletromiografia sem sinais de regeneração. Figura 1. Desenho esquemático da técnica cirúrgica de tubolização. Todas as cirurgias, assim como as anastomoses (parcial ou total), foram realizadas pelo mesmo cirurgião (autor principal), de acordo com a técnica descrita previamente por este e fixadas com cola de fibrina (4). A tubolização foi realizada com fascia de músculo temporal envolvendo totalmente o segmento lesado do nervo (Figura 1). Os prontuários foram analisados para determinar a etiologia, tempo da paralisia e da cirurgia pós-trauma, tipo de cirurgia executada, segmento do facial onde foi encontrada a lesão, a extensão da lesão no comprimento do nervo facial, a extensão da lesão no diâmetro do nervo, a presença ou a ausência de neuroma e a apresentação clínica um ano após a cirurgia. Todos os neuromas encontrados foram removidos durante as cirurgias (Figuras 2 e 3). O trabalho foi aprovado pela comissão de ética do Hospital das Clinicas de São Paulo (protocolo numero: 0291/07) Os segmentos do nervo envolvido foram divididos em 4: Primeira segmento (porção labiríntica); Segundo segmento (porção timpânica); Terceiro segmento (segmento mastóideo) e Segundo e terceiro segmentos (timpânico + mastóideo). A extensão de lesão (comprimento) também foi dividida em: menos de 5 milímetros; 6 a 10 milímetros e mais de 10 milímetros. O diâmetro do nervo na porção lesada também foi classificado em: menos de 50% e mais que 50%. Todos os casos selecionados para este estudo apresentavam até 460

Figura 2. Imagem de um neurona de seguimento mastóideo do nervo facial do esquerdo (seta azul). Figura 3. Desenho esquemático de um neuroma de amputação. Figura 4. Imagem de uma lesão parcial do seguimento mastóideo (segundo joelho) do nervo facial esquerdo (seta azul). Figura 5. Desenho esquemático de uma lesão parcial do nervo facial. 70% do diâmetro do nervo lesado com o mínimo de 30 % do diâmetro preservado (Figuras 4 e 5). Em relação às cirurgias, os pacientes foram divididos em 3 grupos: Grupo 1 - Casos em que foi interposto enxerto parcial na parte preservada do nervo (12 pacientes) (Figura 6). Grupo 2 - Casos em que se manteve a parte preservada e realizou-se tubolização com fascia de músculo temporal. (8 pacientes). Grupo 3 - Casos os quais optouse por seccionar as partes do nervo lesionado (proximal e distal) e interpor um enxerto total de nervo sural (22 pacientes) (Figuras 7 e 8). Figura 6. Desenho esquemático da técnica cirúrgica de enxerto parcial. Analise estatística: As variáveis contínuas com homocedasticidade e igualdade de variâncias (avaliadas 461

Figura 7. Imagem de um enxerto total realizado com nervo sural em seguimento mastóideo de nervo facial esquerdo (setas). Figura 8. Desenho esquemático de um enxerto total de nervo facial. Tabela 1. Características de idade, sexo, etiologia, tempo de paralisia facial, seguimento, extensão da lesão, diâmetro da lesão e presença de neuroma entre os grupos I, II e III. Grupo Total I (n = 12) II (n = 8) III (n = 22) p (n = 42) Idade (anos) 37.1 ± 16.7 30.4 ± 17.0 32.7 ± 13.8.59 33.5 ± 15.0 Sexo 8 masculino 5 masculino 13 masculino.79 26 masculino 4 feminino 3 feminino 9 feminino 16 feminino Etiologia Fratura 6 (50.0 %) 5 (62.5 %) 10 (45.5 %) 21 (50.0 %) Iatrogenica 5 (41.7 %) 3 (37.5 %) 8 (36.4 %).7 16 (38.1 %) Projétil (arma de fogo) 1 (8.3 %) 0 (0.0 %) 4 (18.2 %) 5 (11.9 %) Tempo (dias) 27.8 ± 19.2 32.8 ± 23.8 50.5 ± 28.4.05 40.6 ± 26.7 Segmento Timpânico 3 (25.0 %) 1 (12.5 %) 3 (13.6 %) 7 (16.7 %) Mastóideo 7 (58.3 %) 7 (87.5 %) 14 (63.6 %).53 28 (66.7 %) Timpânico e Mastoídeo 2 (16.7 %) 0 (0.0 %) 5 (22.7 %) 7 (16.7 %) Extensão < 5 milímetros 9 (75.0 %) 7 (87.5 %) 9 (40.9 %) 25 (59.5 %) 6-10 milímetros 3 (25.0 %) 1 (12.5 %) 4 (18.2 %).02 8 (19.0 %) > 10 milímetros 0 (0.0 %) 0 (0.0 %) 9 (40.9 %) 9 (21.4 %) Diâmetro >50 % 3 (25.0 %) 1 (12.5 %) 11 (50.0 %).11 15 (35.7 %) Neuroma 3 (25.0 %) 2 (25.0 %) 8 (36.4 %).73 13 (31.0 %) através do Teste de Levene) foram comparadas utilizandose o teste t de Student para amostras independentes. As variáveis contínuas que não preenchiam esses critérios e as variáveis ordinais foram submetidas ao teste não paramétrico U Mann-Whitney. As variáveis categóricas foram comparadas utilizando-se o teste do qui-quadrado e o teste exato do Fisher. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05). RESULTADOS A distribuição dos pacientes de acordo com sexo e idade não apresentou diferença significativa (p>0,005). Em relação à etiologia, fratura do osso temporal foi a causa mais incidente em todos os grupos seguido por iatrogênica e projétil de arma de fogo (p=0.7) (Tabela 1). 462

Gráfico 1. Resultado expressado na escala House-Brackmann após 1 ano da cirurgia. Gráfico 2. Paciente com resultados igual ou abaixo de III na escala House-Brackmann, após 1 ano da cirurgia O tempo decorrido entre a lesão e o procedimento cirúrgico foi de 27.8 (± 19.2) dias no grupo 1, 32.8 (± 23.8) no grupo 2 e 50.5 (±28.4) no grupo 3 (p=0.05) (Tabela 1). Em todos os grupos, o segmento mais acometido foi o mastóideo, com 58.3% (7) pacientes do grupo 1, 87.5% (7) pacientes do grupo 2 e 63.6% (14) pacientes do grupo 3. Já o segmento timpânico foi acometido em 25.0% (3) dos pacientes do grupo 1, 12.5% (1) e 13.6% (3) dos grupos 2 e 3 respectivamente. Pacientes com acometimento de ambos os segmentos, timpânico e mastóideo, representaram 16.7% (2) no grupo 1, 0,0% (0) no grupo 2 e 22.7% (5) no grupo 3 (p=0.53) (Tabela 1). Em nenhum dos três grupos houve lesão do segmento labiríntico do nervo facial. Quanto a extensão da lesão do nervo, 75.0% (9) pacientes do grupo 1 apresentavam lesão menor ou igual a 5 milímetros, 25.0% (3) pacientes com lesão entre 6-10 milímetros. No grupo 2, 87,5% (7) pacientes apresentavam lesão menor ou igual a 5 milímetros e 12.5% (1) apresentou lesão entre 6-10 milímetros. Não houve pacientes com lesão maior que 10 milímetros nos pacientes do grupo 1 e 2. Já no grupo 3, 40.9% (9) pacientes mostraram lesões menores ou igual a 5 milímetros, 18.2% (4) apresentaram lesões entre 6 e 10 milímetros e 40.9% (9) pacientes mostraram lesões maiores que 10milímetros (p=0.02) (Tabela 1). Quinze ( 35.7%) do total dos pacientes tiveram mais que 50% do diâmetro do nervo facial lesado (p=0.11). Apenas 31.0% (13) dos pacientes estudados apresentaram neuroma facial (p=0,73). Sobre os resultados após um ano da cirurgia no grupo 1 66.7% (8) dos pacientes apresentaram HB IV, 25% (3) HB V. No grupo 2, 75% (6) pacientes tinham HB IV e 25% (2) com HB V. No grupo 3, 27.3 (6) evoluíram para HB IV e apenas 4.5% (1) apresentou HB V (p=0.001) (Gráfico 1 ). Pacientes com resultado menor ou igual a III na escala HB somaram 8,3% (1) no grupo 1, 0,0% (0) no grupo 2 e 68.2% (15) no grupo 3 (p<0.001) (Gráfico2). DISCUSSÃO A posição do osso temporal favorece seu acometimento em ferimentos de cabeça e pescoço podendo gerar paralisia facial periférica (5). Não há duvida sobre a dificuldade em comparar casos cirúrgicos de paralisia facial periférica. Não somente a diversidade de lesões que podem ocorrer, mas também há grande dificuldade em obter grupos com comparações sistemáticas. É nossa opinião, tanto como de outros autores que o tratamento cirúrgico precoce (até 3 semanas do inicio da paralisia facial periférica) apresenta melhores resultados que o tardio (1-5-6-7-8). Devemos avaliar que parte razoável dos nossos pacientes nos procuram com pelo menos 60 dias de paralisia facial periférica. É nossa opinião que os resultados destes pacientes seriam melhores se fossem tratados mais precocemente. É nossa rotina no departamento submeter cada paciente com trauma do osso temporal e paralisia facial periférica a Tomografia Computadorizada de ossos temporais, testes audiométricos e eletroneuromiografia (ENOG e EMG). O uso de ENOG/EMG em nossa opinião fornece uma indicação razoável de quando operar. 463

Todas as escalas de graduação para paralisia facial periférica são subjetivas e possuem suas imperfeições. A escala HB é uma escala de fácil uso e bem aceita (9-10). O acesso cirúrgico depende do cirurgião e do paciente. Em nosso departamento nós tendemos para o acesso transmastoídeo nos pacientes com lesão intratemporal. Uma vez que nós diagnosticamos que a lesão afeta o gânglio geniculado ou o segmento labiríntico, optamos então pelo acesso translabirintico (se o paciente apresentar disacusia profunda), via fossa média (11) (e audição preservada) ou combinadas (12), dependendo do local da lesão. Se houver rompimento total ou parcial uma anastomose deverá ser executada. É importante evitar o fechamento sob a tensão, e quando há uma lesão com perda de tecido neural de grande extensão, nós optamos pela realização de enxerto com nervo sural. A anastomose realizada entre os cotos é fixada com cola de fibrina já que a cola minimiza as reações de corpo estranho, as cicatrizes além de reduzirem a dificuldade com a sutura se comparado com a sutura com fio nylon (4-13-14-15-16). Todos os pacientes atendidos em nosso departamento com paralisia facial periférica são incorporados em um programa de reabilitação do nervo facial o qual inclui fisioterapia, cirurgias reparadoras, testes eletrofisiológicos e acompanhamento psicológico. Os pacientes estudados que permaneceram com paralisia facial periférica HB V ou VI foram encaminhados para avaliação de anastomose hipoglosso-facial. CONCLUSÃO Nesta série de 42 pacientes, os do grupo 3 (enxertia) tiveram melhores resultados se compararmos aos do grupos 1 (reconstrução parcial) e 2 (tubolização). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Marais J~ Murray JAM. Repair of the injured facial nerve. J Clin Otolaryngol. 1995~20:387-389. 2. McQuarrie I~ Grafstein B. Axon outgrowth enhanced by a previous nerve injury. Arch. Neurol(Chic) 1973~ 29, 530-533. 4. Bento RF, Miniti A. Comparison between fibrin tissue adhesive epineural suture and natural union in intratemporal facial nerve of cats. Acta Otolaryngol 1989~ 465:1(suppl). 5. Telischi FT~ Patete ML. Blast injuries to the facial nerve. Otolaryngol Head and Neck Surgery. 1994~ 111: 446-449. 6. Fisch U. Prognostic value of eletrical nerve test in acute facial paralisis.am J otol 1984~ 5 : 49-48. 7. Fisch U. Facial paralysis in fractures of the petrous bone. Laryngoscope 1974: 84 (12): 2141-2154. 8. Chang CYJ, Cass SP. Management of facial nerve injury due to temporal bone trauma. Am J Otol 1999~ 20: 96-114. 9. House JW, Brackmann DE. Facial nerve grading system. Otolaryngol Head Neck Surgery 1985 ~ 93 (2) : 146-147. 10. House JW. Facial nerve grading systems. Laryngoscope 1993: 2056-2069. 11. Bento RF, Pirana S, Sweet R, Castilho A, Neto RVB. The role of the middle fossa approach in the management of traumatic facial paralysis. Ear, Nose & Throat Journal 2004 ~ 83(12) : 817-823. 12.Quaranta A, Campobasso G, Piazza F. Facial nerve paralysis in temporal bone fractures: outcomes after late decompression surgery. Acta Otolaryngol 2001~ 121 (5): 652-655. 13. Junior EDP, ValmasedaCastellón E, GayEscoda C. Facial nerve repair with epineural suture and anastomosis using fibrin adhesive: Na Experimental study in the rabbit. American association of Oral and maxillofacial surgeons J Oral maxillofacial surgery, 2004 ~ 62:1524-1529. 14. BeriniAytés L, SobréReche N. Sistema adhesiu de fibrina en la reparació Del Nervi facial. Protocol de model experimenta en el nervi facial conill. Barcelona, Spain, Facultat d Odontología, Universitat de Barcelona, 1995. 15. Becker CM, Gueuning CO,Graff GL. Sutures of fibrin glue for divided rat nerves: Shwann cell and muscle metabolism. J Reconstr Microsurg 1984 ~ 1:139. 16. Feldman MD, Staloff RT, Epsteinn G. Autologous fibrin tissue adhesive for peripheral nerve anastomosis. Arch Otolaryngol Head & Neck surg 1987 ~ 113: 963. 3. Ducker TB. Metabolic factors in surgery of peripheral nerves. Surg. Clin N. Am. 1969~ 52: 1109. 464