PERPESCTIVAS INSTRUCIONISTA E DIALÓGICA DO LETRAMENTO DIGITAL NA EDUCAÇÃO

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PERPESCTIVAS INSTRUCIONISTA E DIALÓGICA DO LETRAMENTO DIGITAL NA EDUCAÇÃO Elson M. da Silva 1 RESUMO: A organização do trabalho escolar a partir do surgimento da era digital vem passando por profundas transformações pedagógicas tanto no âmbito da gestão quanto no âmbito da docência em sala de aula. Boa parte destas transformações pedagógicas deve-se, principalmente, em função da presença e dos usos variados de gêneros digitais em nossa sociedade. Assim, a educação escolar por ser considerada parte constitutiva da sociedade acaba por ser influenciada, direta e/ou indiretamente, pela presença de tais gêneros digitais, principalmente aqueles disponibilizados pela Internet. Neste sentido, o presente artigo visa discutir numa perspectiva crítica quais são os principais desafios colocados ás escolas públicas, em especial á professores e alunos, frente a esta nova forma de ensinar e aprender em contexto escolar na era digital. Para tanto, sugere-se uma análise crítica do letramento digital escolar a partir de duas perspectivas antagônicas, a saber: a Perspectiva Instrucionista e a Perspectiva Dialógica do letramento digital. Os dados teóricos apresentados neste trabalho são frutos da realização de uma pesquisa qualitativa envolvendo cinco instituições educacionais (CNPQ, UEG, UniEvangélica, UFG e SEE/GO) denominada Leitura na Tela Compreender a Leitura Virtual de Estudantes e Professores da Educação Básica. PALAVRAS-CHAVE: Letramento. Letramento Digital. Instrucionismo. Dialógica. INTRODUÇÃO Á partir da segunda metade do século XX a sociedade convive com constantes avanços e desafios provocados, principalmente pela disseminação das tecnologias da informação e da comunicação (TICS). A educação, neste sentido, também se vê diante de muitos avanços e desafios, inclusive nos aspectos da linguagem digital. Pretto (2001) discorre sobre a necessidade de a educação articular o uso das tecnologias digitais na perspectiva da alfabetização digital visando formar cidadãos mais críticos e autônomos frente à sociedade telemática (Internet). Contudo e atualmente, o termo alfabetização digital é alvo de muitas críticas em função dele estar carregado de conotações apenas técnicas na utilização do computador (ligar o computador, codificar e decodificar hipertextos etc.). Assim surge, então, o termo letramento digital 1 Docente da UEG/Anápolis. Mestre e Doutorando em Educação na UNB. (smelson@ig.com.br) 1

que além de contemplar as dimensões técnicas do uso do computador (alfabetização digital) incorpora, também, aspectos históricos, culturais e políticos. Em síntese: gostaríamos de chamar a atenção do leitor para a confusão que muitas vezes as pessoas fazem em relação aos conceitos de alfabetização e de letramento inseridos no contexto da Internet. Com base no que foi exposto acima, o conceito de alfabetização digital está relacionado às habilidades técnicas de manuseio do computador, ou simplesmente a codificação e decodificação de palavras e símbolos presentes na Rede Mundial. Como exemplos de alfabetização digital, podemos citar: saber ligar um computador, dominar os conceitos básicos em relação aos suportes da máquina etc. Já o letramento digital tem como foco, além da dimensão técnica do computador, os modos de uso, as mudanças e impactos que a escrita digital causa nas pessoas que fazem uso da Internet. No presente estudo apresentamos, no primeiro item, reflexões sobre os aspectos teóricos a respeito do letramento e do letramento digital. Em seguida, e já no segundo item, analisamos o letramento digital a partir de duas perspectivas diferentes: a Perspectiva Instrucionista e a Perspectiva Dialógica de Letramento Digital. Com a realização deste estudo, esperamos contribuir para melhor compreensão crítica a cerca do letramento digital e sua relação com o sistema educativo. CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DO LETRAMENTO A partir das duas últimas décadas do século passado, a maneira de pensar em relação à leitura e à escrita vem-se transformando enormemente. Estudiosos têm mudado suas visões no que se refere à linguagem e ela passa a ser vista como um processo dinâmico em contextos significativos da atividade social em todos os seus aspectos sejam eles familiares, comunitários, profissionais, religiosos etc. Um dos avanços consideráveis, atualmente, é, talvez, o uso da denominação letramento, (que muitos teóricos postulam ser sinônimo de alfabetização) em suas diferentes concepções. Soares (1998, 35), afirma que a denominação letramento é uma versão, em português, da palavra inglesa literacy sendo este termo utilizado para designar uma pessoa educada, especialmente capaz de ler e escrever ( educated; especially able to read and write ). Ainda segundo a autora, o termo começou a ser utilizado, no Brasil, por especialistas das áreas de educação e das ciências lingüísticas a partir da publicação das obras de Kato (1986), Tfouni (1999) e Kleiman (1995), contribuindo mais ainda para discussões e reflexões teóricas e metodológicas acerca do fenômeno letramento. Tfouni (1999) afirma que os estudos sobre letramento devem procurar examinar não somente as pessoas que adquiriram a tecnologia do ler e escrever, portanto 2

alfabetizadas, como também aquelas que não adquiriram essa tecnologia, sendo elas consideradas analfabetas. Já Kleiman (1995, 81) define letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos. Ainda segundo a autora, os estudos que contemplam a dimensão do letramento surgem no âmbito acadêmico na tentativa, por parte de alguns estudiosos, de separar os estudos sobre alfabetização dos estudos que examinam os impactos sociais dos usos da escrita. A partir do final da década de 1990 o fenômeno letramento, até então considerado no sentido singular da palavra, apresenta uma evolução em termos de conceito, e alguns estudiosos da área começam a apresentar algumas discussões preliminares sobre o letramento na perspectiva digital. Neste sentido, o momento atual parece dar-nos a oportunidade de repensarmos o conceito de letramento, só que no sentido plural da palavra, ou seja, letramentos. Defendemos esta tese em função de estarmos vivendo, atualmente, a introdução, na sociedade, de novas e incipientes modalidades de práticas sociais de leitura e de escrita, propiciadas, também, pela Internet (letramento digital). Em suma, até há pouco tempo, falávamos em letramento no sentido de práticas e eventos sociais de leitura e de escrita na cultura do papel. Com a introdução e difusão ampla da Internet em nossa sociedade, estamos tendo a oportunidade de revisarmos o conceito de letramento no sentido de compreendermos melhor as práticas e os eventos sociais de leitura e de escrita na cultura digital ou cibercultura. A educação, inevitavelmente, começa a sentir os impactos da influência do letramento digital no ambiente escolar. Neste sentido, teóricos e estudiosos apontam para a necessidade da educação integrar o ensino como uma totalidade, estabelecendo redes de conexões entre indivíduos que dela fazem parte, entre métodos e técnicas pedagógicas propostas, as avaliações, os fins a que se propõem, as formas de gestão, e, principalmente, uma grande conexão do próprio indivíduo consigo mesmo e com o mundo que o cerca. Começa-se, então, um repensar na função e organização da educação frente a um novo paradigma educacional baseado na introdução de uma nova linguagem digital, denominado, aqui, de letramento digital. MAS, O QUE É LETRAMENTO DIGITAL? Como exposto anteriormente há pouco tempo conhecíamos apenas o termo letramento concebido enquanto práticas e eventos sociais de usos diversos de leitura e de escrita na cultura do papel. No campo da cultura digital, o termo letramento é ampliado e define-se de maneira especial, como..um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela, diferente do estado ou condição do letramento dos 3

que exercem práticas de leitura e de escrita do papel (Soares, 2002, p.151). Coscarelli e Ribeiro (2005, p.9) colocam que:...o letramento digital é o nome que damos, então, à ampliação do leque de possibilidades de contato com a leitura e a escrita também em ambiente digital. Neste sentido podemos considerar o termo letramento digital como conjunto de conhecimentos que permite às pessoas participarem das práticas letradas mediadas por computadores utilizando, principalmente, os recursos disponibilizados pela Internet. Soares (2002) também nos fala do letramento digital, referindo-se à questão das práticas de leitura/escrita possibilitadas pelo computador e pela Internet. Segundo esta mesma autora, há necessidade de se refinar tal conceito com a introdução de novas práticas sociais de leitura/escrita advindas do computador e da Internet, possibilitando, assim, identificar se o letramento na cibercultura conduz a um estado ou condição diferente da que conduzem as práticas de leitura/escrita existentes na cultura do papel. Propõem-se hoje, segundo a autora, diferentes letramentos gerados por diferentes espaços e diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita proporcionados pelas tecnologias. Para Buzato (2003) o termo letramento digital é definido como sendo um conjunto de conhecimentos que permite às pessoas participarem das práticas letradas mediadas por computadores e outros dispositivos eletrônicos no mundo contemporâneo. Assim, o letramento digital é mais que o conhecimento técnico relacionado ao uso do computador, ou seja, o uso de teclados, das interfaces gráficas e dos programas de computador. A linguagem digital inclui, ainda, a habilidade para construir sentido a partir de textos multimodais, isto é, textos que mesclam palavras, elementos pictóricos e sonoros numa mesma superfície. Inclui, também, a capacidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente informações disponibilizadas eletrônica e digitalmente. E ainda a familiaridade com as normas que regem a comunicação com outras pessoas através do computador, entre outras coisas. Segundo Lévy (1999) o letramento digital é um conjunto de técnicas materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamentos e valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço, como sendo um novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. Com bases nos conceitos de letramento digital apresentados até aqui, podemos dizer, então, que o letramento digital traz consigo uma série de situações de comunicação nunca vividas antes da chegada das inovações tecnológicas computacionais. A existência de salas de bate-papo (chat) na Internet para realização de conversas simultâneas por escrito entre duas ou mais pessoas ao mesmo tempo falando a partir de lugares diferentes do planeta, era um evento comunicativo impossível até a implementação da grande rede de comunicação. Também, a existência de fóruns eletrônicos (e-foruns) para discussão de temas gerais de interesse da sociedade e, até mesmo, a possibilidade de troca de mensagens curtas e avisos pessoais ou profissionais com tanta praticidade, velocidade e economia como se observa no uso do correio eletrônico (e-mail), são formas de 4

intercâmbio verbal improváveis sem as condições tecnológicas hoje presentes. Com as invenções ocorridas principalmente a partir do século XX, que envolveram a área de tecnologias da comunicação e da informação, surgiu, então, a necessidade de um aprendizado eletrônico baseado na utilização da tecnologia da informação e da comunicação, inclusive da/na Internet para o ensino e aprendizagem visando fomentar o desenvolvimento e a aquisição de conhecimentos críticos que superem as contradições existentes na sociedade. PERSPECTIVA INSTRUCIONISTA E PERSPECTIVA DIALÓGICA DO LETRAMENTO DIGITAL ESCOLAR: CONSTRUÇÕES INICIAIS O termo perspectiva será utilizado aqui numa tentativa de caracterizar as práticas de letramento digital no contexto educativo. Para tanto, sugerimos um repensar da educação escolar a partir de duas perspectivas de letramento digital. A primeira denominaremos de Perspectiva Instrucionista de Letramento Digital e a segunda de Perspectiva Dialógica de Letramento Digital. A Perspectiva Instrucionista de Letramento Digital enfatiza a instrução em detrimento á educação do sujeito em processo de formação. Santos apud Pretto (2001) concebe os termos instrução e educação como distintos e com finalidades diferentes. Para o autor, a instrução está ligada a ideia de treinamento considerado como um processo pelo qual o sujeito é condicionado a pensar de uma determinada forma e desprovida de visão crítica e emancipadora do contexto que o cerca. A finalidade de utilização deste termo no processo de formação do sujeito através das mídias digitais, então, seria o de condicioná-lo de acordo com os interesses do mercado de trabalho, ora para ele servir de mão de obra barata e qualificada ás indústrias, ora para exercer o papel de mero consumidor na sociedade do conhecimento. Neste sentido, os sujeitos educativos têm papéis e funções distintas. O aluno, considerado um ser passivo no processo de formação, é testado periodicamente através de atividades e provas objetivas on-line e o que se espera dele é a internalização e memorização dos fatos. Assim, as práticas de letramento digital são consideradas como produtos das pressões do ambiente virtual que geram, assim, um conjunto de reações que são medidas, previstas e controladas. Ao professor, cabe desenvolver a função de simplesmente repassar os conteúdos com predominância dos aspectos técnicos em detrimento aos aspectos políticos, através da utilização de mídia digital, diga-se de passagem, através da Internet. Aliás, e parafraseando Scaff (2000), a formação inicial e continuada deste professor também é planejada e controlada de acordo com os interesses dos organismos internacionais que, por sua vez, seguem o receituário proposto pelo sistema produtivo que enfatiza a necessidade deles serem treinados em 5

serviço leia-se: formação aligeirada e acrítica em lócus e também, da educação incorporar de forma absoluta, nas práticas pedagógicas, as tecnologias digitais. A Perspectiva Instrucionista de Letramento Digital defende, ainda, a ideia de que o letramento digital é considerado uma ferramenta neutra que pode ser aplicada de forma homogênea, com resultados igualmente homogêneos em todos os ambientes virtuais. Também, esta Perspectiva de letramento digital parte do princípio de que a grande divisa oral/escrito ainda está presente nas práticas digitais, sendo que, nos ambientes sociais em que o letramento digital não ocorre, o fato é visto como uma grande lacuna a ser preenchida por métodos ocidentais que levariam ao progresso político, econômico e pessoal. Outras características também podem ser atribuídas á perspectiva Instrucionista de Letramento Digital como por exemplos: a) o pressuposto de que letramento digital é um atributo pessoal, algo que está relacionado à simples posse individual das tecnologias mentais complementares de ler e escrever na Internet; b) a idéia de que um indivíduo, para ser considerado letrado digitalmente, ou estar em processo inicial de letramento digital, necessita ter, no mínimo, adquirido a habilidade de ler e escrever. Neste sentido, existe uma relação muito estreita entre escolarização, alfabetização digital e letramento digital, uma vez que é a educação formal, ou seja, a escola, a principal agência responsável pelo processo de alfabetização, tradicional ou digital, da maioria das pessoas, principalmente daquelas pertencentes às classes economicamente desfavorecidas. No que diz respeito ao termo educação, ainda segundo Santos apud Pretto (2001), este incorpora dimensões humanas complexas com objetivo de formar o sujeito, não apenas atender os interesses específicos do mercado de trabalho (sistema produtivo) mas, também, formar um sujeito emancipador para o mundo de trabalho. O conceito de educação pode ser analisado a luz da Perspectiva Dialógica de Letramento Digital. Nesta Perspectiva de Letramento Digital o conhecimento é construído através da interação sujeito-objeto-sujeito com a predominância dos aspectos histórico- culturais. O professor age como um problematizador das informações disponibilizadas aos sujeitos na/pela mídia digital, envolvendo confronto e contradições entre pontos de vista visando a superação dos mesmos. Ainda segundo esta Perspectiva Dialógica de Letramento Digital as novas tecnologias não são consideradas como ferramentas neutras no processo de formação educacional do sujeito, pois elas estão permeadas de conotações ideológicas e só podem ser verdadeiramente compreendidas a luz de uma análise histórica. A Perspectiva Dialógica de Letramento Digital, diferentemente da primeira Perspectiva, parte do princípio de que todas as práticas de letramento digital são aspectos não apenas da esfera cultural, como estão, também, relacionadas as estruturas de poder em uma sociedade. 6

Mediante as reflexões aqui apresentadas, surgem mais indagações cujas respostas infelizmente não serão fornecidas aqui em função, principalmente, da limitação de espaço: O que podemos fazer no sentido de a educação superar a Perspectiva Instrucionista de Letramento Digital que reproduz, ainda que de forma dissimulada, os interesses dos grupos sociais privilegiados pelo sistema capitalista? È possível, a partir do que propõe a Perspectiva Dialógica de Letramento Digital desfazer a idéia de neutralidade na educação nas práticas mediadas pelo computador/internet? CONSIDERAÇÕES FINAIS Indiscutivelmente, os estudos em torno do fenômeno letramento ampliam-se. No início do surgimento deste termo privilegiam-se apenas os estudos lingüísticos baseados na cultura impressa (letramento off-line). A partir da década de 1990, houve uma revolução e ampliação significativas no conceito de letramento e, então, o termo passou a ser utilizado, também para explicar/denunciar os usos e as práticas de leitura e escrita em contextos educacionais na era digital. (letramento digital). A educação influenciada pela cultura digital, esta última muito presente na sociedade do conhecimento, passou a explicar como são mediadas as relações entre os sujeitos e as mídias em ambientes virtuais. Neste sentido, estas relações podem ser pensadas a partir das duas Perspectivas de Letramento Digital que propomos neste trabalho. A primeira, que denominamos Perspectiva Instrucionista de Letramento Digital, possui características acríticas, conservadoras e defende que a função da educação mediada pela mídia digital é treinar os sujeitos principalmente para serem meros consumidores na sociedade do consumo em excesso. A segunda, chamada Perspectiva Dialógica de Letramento Digital possui viés crítico e emancipatório principalmente quando este modelo de letramento digital defende a tese de que só é possível analisar e compreender as práticas de letramento digital numa perspectiva histórico e cultural, tomando como base as estruturas de poder na sociedade. Obviamente, que as duas Perspectivas de letramento digital (Instrucionista e Dialógica) coexistem no sistema educacional. No entanto, apenas a segunda perspectiva é capaz de propiciar uma formação de sujeitos realmente compromissados com uma sociedade menos injusta e, portanto, mais igualitária. 7

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUZATO, Marcelo E. K. Letramento digital abre portas para o conhecimento. EducaRede. Entrevista por Olivia Rangel Joffily. 23/01/2003 COSCARELLI, V. & RIBEIRO (Org.) Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte - MG: CEALE/UFMG, 2005. FREITAS, Sérgio. Leitura e escrita de adolescentes na Internet e na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. KLEIMAN, A. Os significados do letramento. Campinas: Mercado das Letras, 1995. LÉVY, P. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Editora 34, 2000. MORAES, Raquel Barreto. Educação a distância: aspectos históricos filosóficos. In:. (Org.). Linguagens e interatividade em educação a distância. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 111-132p. PRETTO, Nelson de Lucas. Desafios para a educação na era da informação: o presencial, a distância, as mesmas políticas e o de sempre. In: BARRETO, Raquel Goulart (Org.). Tecnologias educacionais e educação a distância. Rio de Janeiro: Quartet, 2001. 29-53p. SILVA, E. T. (Coord). A Leitura nos Oceanos da Internet. São Paulo: Cortez, 2005. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1993.. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. In: Educação e Sociedade. Campinas, vol. 23, n. 81, 143-160 p., dez, 1998. SCAFF, Elisângela Alves da Silva. Organismos internacionais: as tendências para o trabalho do professor. Campo Grande-MS: Ed.UFMS, 2000. TFOUNI. Leda Verdiani. Adultos não alfabetizados: o avesso do Avesso. São Paulo: Cortez, 1999. 8