Fatores de Risco para Recidiva após Tratamento de Lesões Provocadas pelo HPV no Trato Genital Feminino

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RBGO 21 (4): 201205, 1999 Fatores de Risco para Recidiva após Tratamento de Lesões Provocadas pelo HPV no Trato Genital Feminino Trabalhos Originais Risk Factors for Relapse of HPVInduced lesions of the Female Genital Tract Heitor Ricardo Cosiski Marana, Geraldo Duarte, Silvana Maria Quintana RESUMO Objetivos: avaliação de fatores de risco [grau da lesão e associação com o vírus da imunodeficiência adquirida tipo 1 (HIV1) e gestação] para recidiva após tratamento de lesões provocadas pelo papilomavírus humano (HPV) no trato genital feminino. Material e métodos: foram avaliadas 70 pacientes com diagnóstico clínico, colposcópico e citológico de infecção pelo HPV. O seguimento clínico foi de no mínimo 6 meses após o tratamento inicial, possibilitando avaliar os resultados terapêuticos. Neste grupo, 26 pacientes eram grávidas, sendo 12 com sorologia positiva para o HIV1. As 44 pacientes restantes encontravamse fora do período gravídicopuerperal, sendo que destas, 14 eram contaminadas pelo HIV1. Segundo os critérios citológicos as lesões de colo foram classificadas em alterações associadas ao HPV ou neoplasia intraepitelial cervical (NIC) graus I (lesões de baixo grau) ou NIC II/III (lesões de alto grau). A análise estatística foi realizada pelo teste exato de Fisher com nível de significância para p< 0.05. O esquema terapêutico para lesões restritas ao colo do útero foi crio ou eletrocautério (EC), já a presença de lesões difusas pelos fórnices vaginais implicou o uso de 5fluoruracil tópico; nas lesões da região vulvoperineal utilizouse o ácido tricloroacético 80% e caso fossem lesões volumosas realizavase o EC. Nas gestantes foi utilizado o criocautério para lesões restritas ao colo e EC para lesões difusas. Resultados: das pacientes grávidas HIV1 negativas, tivemos 87,5% de recidiva quando a lesão estava em colovagina, e nenhum caso quando de lesões vulvoperineais. Já as pacientes grávidas com sorologia positiva apresentaram de recidiva independente do sítio de lesão. Nos casos de pacientes nãográvidas, HIV negativas, tivemos 24 e 20% de recidiva nos sítios colovagina e vulvoperineais, respectivamente, ao passo que nas pacientes HIV positivas, as recidivas foram de 87,5 e respectivamente para estes mesmos sítios. As lesões associadas a NIC apresentaram uma maior freqüência de recidivas com o aumento do grau da NIC e um efeito sinérgico com a associação com o HIV1 e gravidez. Conclusões: a taxa de recidiva de lesões induzidas por HPV em mulheres tratadas é alta; a associação com a gravidez, com o HIV e o aumento do grau das lesões intraepiteliais são fatores sinérgicos no determinismo da falha terapêutica. O sítio de implantação das lesões induzidas por HPV só tem significado prognóstico fora da associação com HIV. PALAVRASCHAVE: HPV. AIDS. Colo do útero: lesões préneoplásicas. Infecções na gravidez. Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Correspondência: Heitor Ricardo Cosiski Marana Av. Bandeirantes 3900, 8 o andar 14.049900 Ribeirão Preto SP Fone (016) 6330216, Fax (016) 6330946 Introdução O papilomavírus humano (HPV) é a patologia infecciosa do trato genital feminino, de transmissão sexual, mais prevalente entre as mulheres de vida RBGO v. 21, nº 4, 1999 201

sexual ativa, no período reprodutivo 4. Pertence ao grupo dos Papovaviridae, com aproximadamente 90 subtipos diferentes, dos quais 25 têm a capacidade de infectar a região anogenital, e uma porção expressiva destes está vinculada ao potencial oncogênico 11. Apresentase como um vírus epiteliotrófico, capaz de manterse em forma latente (detectado apenas por técnicas de biologia molecular), apresentar manifestações subclínicas (detectadas mediante colposcopia, citologia ou histologia) e infecção clínica. Dependendo do tipo de metodologia utilizada na sua detecção, podemos ter prevalências que variam de 40 até 90%, na dependência dos grupos sociais estudados 1,2,3. Ao se estabelecer a relação epidemiológica entre a infecção pelo HPV e a carcinogênese anogenital, tanto a freqüência, quanto a forma de tratamento desta infecção se tornaram maior e mais radicais. Este tratamento, no entanto, tem sido pouco avaliado em termos de resultados e adequação, assim como em relação à duração da remissão conseguida com o mesmo. A presença de infecção concomitante pelo HIV1 torna a infecção de controle mais difícil neste grupo. Tanto a incidência como a prevalência parecem ser maiores do que na população soronegativa 7. Outros fatores associados com a rápida progressão das lesões clinicamente detectadas são a gravidez e o grau das lesões intraepiteliais (NIC) detectados no início do seguimento 6,10. Possivelmente estes fatores também estão vinculados às falhas terapêuticas e recidivas póstratamento. Os objetivos deste trabalho são os de avaliar a influência do grau de neoplasia intraepitelial na resposta clínica da infecção pelo HPV, ao primeiro tratamento convencional das lesões na região genital feminina, comparar os resultados entre os grupos de pacientes grávidas e nãográvidas e avaliar a repercussão da associação desta patologia com a contaminação pelo HIV1, levandose em consideração também o sítio inicial da doença. Pacientes e Métodos Foram avaliadas prospectivamente 70 pacientes com diagnóstico clínico, colposcópico e citológico de infecção pelo HPV, dos quais 25 associados a neoplasia intraepitelial cervical (NIC). O seguimento mínimo foi de 6 meses após o tratamento inicial. Deste grupo, 26 pacientes eram grávidas, das quais 12 com sorologia positiva para o HIV1. Das 44 pacientes restantes, nãográvidas, 14 pacientes apresentaram sorologias positiva para o HIV1 e 30 eram negativas. A colposcopia foi realizada sempre pelo mesmo observador, ao passo que a citologia foi revisada sempre pelo mesmo patologista. Para os casos de lesões de alto grau, a confirmação histológica foi obtida por biópsia dirigida pela colposcopia, tanto antes como após o tratamento. As alterações maiores detectadas à colposcopia e confirmadas pela citologia e histologia (lesões de alto grau) foram encaminhadas para a conização a frio, excetuandose as lesões associadas à gravidez, que foram tratadas no puerpério imediato após reavaliação. As alterações menores detectadas à colposcopia foram tratadas dentro deste protocolo de investigação, posto que neste estudo foram avaliadas também pacientes contaminadas pelo HIV1, nas quais a conduta quanto a se tratar ou não o HPV é controversa, já que estas duas infecções podem atuar de forma sinérgica. Os exames complementares foram o VDRL, HbsAg e os pertinentes ao acompanhamento prénatal (tipo e Rh, parasitológico de fezes, urina tipo I, hemograma completo, ultrasom, glicemia de jejum e reação de imunofluorescência para toxoplasmose IgG e IgM). O esquema terapêutico pode ser visto na Tabela 1. Tabela 1 Esquema terapêutico no tratamento convencional do HPV genital com alterações colposcópicas menores (Roma) 1990. A. PACIENTES NÃOGRÁVIDAS Tipo de lesões Lesões restritas ao colo do útero Lesões difusas em fórnices vaginais Terapêutica Crio ou EC 5FU tópico Lesões verrucosas vulvoperineais TCA a 80% Lesões verrucosas vulvoperineais volumosas B. PACIENTES GRÁVIDAS Lesões restritas ao colo do útero Lesões difusas em qualquer sítio EC em CC Crio EC eletrocautério; Crio criocautério; 5FU 5 fluoruracil (2 vezes por semana, por 4 semanas); TCA Ácido tricloroacético (3 vezes por semana até desaparecer a lesão); CC centro cirúrgico. O controle do tratamento foi clínico (incluindo colposcopia) e citológico. As avaliações foram trimestrais até a negativação clínicocitológica, passando a semestrais após isto. Dois exames consecutivos colposcópicos e citológicos negativos classificaram a paciente como curada. EC 202 RBGO v. 21, nº 4, 1999

Resultados Entre as pacientes grávidas com sorologia negativa para o HIV1 observamos 87,5% de recidivas quando as lesões estavam no sítio colovagina, e nenhum caso quando de lesões em vulvaperíneo. Já no grupo de pacientes grávidas com sorologia positiva para o HIV1 ocorreu recidiva em todos os casos, independente do sítio de infecção pelo HPV (Tabela 2). Tabela 2 Distribuição das freqüências de recidivas em pacientes grávidas segundo o sítio da lesão e da concomitância com infecção pelo HIV1. Gestantes nº de pacientes HIV+ 12 HIV 14 TOTAL 26 Nos casos de pacientes nãográvidas, HIV negativas, tivemos 24 e 20% de recidivas nos sítios colovagina e vulvoperineais, respectivamente, ao passo que nas não grávidas, HIV positivas, as recidivas foram de 87,5 e, respectivamente, para estes mesmos sítios (Tabela 3). Aqui, como na tabela anterior, podemos observar a influência da contaminação pelo HIV1 sobre o percentual de recidiva póstratamento convencional. Tabela 3 Distribuição da freqüência de recidivas em pacientes nãográvidas segundo o sítio primário da lesão e a concomitância com infecção pelo HIV1. NãoGestantes nº de pacientes HIV+ 14 HIV 30 TOTAL 44 Sítio da lesão primária nº de recidivas (%) Colovagina 7 8 15 Vulvoperineal Sítio da lesão primária Colovagina Vulvoperineal 8 6 25 5 33 11 nº de recidivas (%) Colovagina Vulvoperineal 7 (87,5) 6 (100) 6 (24) 1 (20) 13 (39,3) 7 (63,6) Os dados das pacientes portadoras de infecção pelo HPV sem contaminação pelo HIV1 e fora do período gravídicopuerperal, com lesão de colo de útero, sem alterações citológicas sugestivas de NIC, foram usados como padrão para comparar a influência do grau das lesões intraepiteliais no determinismo das recidivas após tratamento convencional. Este grupo apresentou 27,7% (5 de 18 pacientes) de recidiva, subindo para 50% (4 de 8) e 75% (3 de 4) quando da associação com NIC I e II, respectivamente. Não foram detectadas pacientes com NIC III nesta condição. A repercussão desta associação com o HIV e com a 5 6 11 Colovagina 7 (100) 7 (87,5) 14 (93,3) Vulvoperineal 5 (100) 0 (0) 5 (45,4) gestação pode ser vista na Tabela 4. Tabela 4 Correlação entre o grau da lesão intraepitelial do colo do útero e a porcentagem de recidivas pós tratamento convencional. Grupos NãoGest/HIV (N = 30) Gest / HIV (N = 14) NãoGest/HIV+ (N = 14) Gest / HIV + (N = 12) Discussão Lesões de baixo grau HPV 27.7%* (5/18) 44.4%* (4/9) 63.6%* (7/11) 87.5%* (6/7) NIC I 50%* (4/8) 33.3% (1/3) A história natural da doença relacionada ao HPV ainda é mal compreendida. O rastreamento de populações aparentemente saudáveis sugere que a maior parte das exposições ao HPV resultam apenas em infecções latentes. Mesmo que ocorra algum tipo de progressão da doença, há uma enorme variação na distribuição anatômica, na extensão, na morfologia destas lesões e na resposta imune do hospedeiro, além do próprio potencial agressivo do subtipo de HPV 4. Normalmente após um período de aproximadamente nove meses, o crescimento das verrugas condilomatosas se estabiliza e em aproximadamente 20% dos casos existe uma remissão espontânea completa, com uma duração prolongada 8. Apesar da infecção inicial provavelmente ser sexualmente adquirida, o conceito de reinfecção não se aplica ao condiloma. A falha no tratamento mais provavelmente reflete a reativação do próprio reservatório viral da paciente. Qualquer que seja o caso, no que concerne à transmissão sexual, não existem benefícios no tratamento de parceiros sexuais dentro de uma relação estável. Portanto, o exame e o tratamento do parceiro masculino devem ser realizados apenas na presença de lesões penianas conhecidas 9. Atualmente o tratamento do HPV genital está restrito a condições clínicas em que este venha a produzir massas vegetantes, ou quando associado à neoplasia intraepitelial nos seus diversos graus, desde que exista um substrato colposcópico. Porém, como em outras viroses, o tratamento é inespecífico 50% (1/2) Lesões de alto grau NIC II 75%* (3/4) (2/2) (2/2) NIC III * Significante quando comparado ao grupo padrão (nãogestante, HIV negativo) 27,7%, p<0.05 (Fisher). RBGO v. 21, nº 4, 1999 203

e não atua diretamente sobre o HPV. Assim, os tratamentos convencionais utilizados para coibir as manifestações clínicas da infecção genital pelo HPV têm a finalidade de destruir o epitélio infectado, seja por meios químicos (TCA, podofilina), físicos (EC, crio, laser), cirúrgicos ou ainda com drogas citotóxicas (5FU). Na gravidez o uso dos métodos químicos devem ser evitados, assim como a imunoterapia, portanto demos preferência para o uso dos métodos físicos. É de grande interesse, no entanto, avaliar a efetividade deste esquema terapêutico, largamente utilizado, afim de adequar sua indicação. Como temos uma razoável variedade de métodos terapêuticos há de se inferir que nenhum deles apresenta, isoladamente, bons resultados. Na escolha do tratamento é importante levar em conta o sítio da lesão, pois tanto a forma clínica de apresentação quanto os métodos utilizados e o prognóstico variam 6. Assim, lesões exofíticas de diversos tamanhos, com baixo potencial oncogênico mas limitantes da função sexual, são encontradas nos sítios vulvares e perineais, sendo tratadas por nós com TCA 80%, nas pacientes nãográvidas, e com EC nas grávidas. Em que pesem as condições do hospedeiro, a freqüência de recidivas deste sítio foi maior nas gestantes, sabidamente imunomoduladas e com condições locais mais adequadas para a proliferação do HPV 10. Levandose em conta estas mesmas variáveis, da gravidez ou não, e lesões restritas ao sítio vulvaperíneo, as pacientes contaminadas pelo HIV1 apresentaram cifras de recidivas ainda maiores que as soronegativas. Desta forma, tanto a gravidez como a infecção pelo HIV1 funcionaram como fatores discriminantes para a recidiva e foram também sinérgicos neste sentido. É importante chamar a atenção para o fato de que estas pacientes eram soropositivas e não apresentavam AIDS. Ao avaliarmos os sítios colovagina, tanto a gravidez como a infecção pelo HIV1 também funcionaram como fatores independentes e sinérgicos na predisposição às recidivas, porém neste sítio a infecção pelo HPV oncogênico foi mais prevalente, e ocorrem com maior freqüência as lesões de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) associadas. Embora estes fatores de risco desempenhem um importante papel na patogênese cervical e vulvar das neoplasias intraepiteliais em mulheres portadoras do HIV1, a interação entre o HPV e o HIV em nível molecular, a ação do HIV na imunidade de mucosa, a facilitação da exposição do HPV pela transcriptase reversa do HIV, e alterações no equilíbrio dos fatores autócrinos e parácrinos que influenciam a expressão do HPV 204 necessitam ser consideradas 5. Em nossa análise tanto as recidivas foram tão mais freqüentes quanto maior o grau das NIC, como também existiu uma estreita correlação entre grau das NIC prévio ao tratamento e aquele encontrado na recidiva. Assim, o seguimento clínico das pacientes de risco com alterações de alto grau deve ser estrito e duradouro. Estes dados parecem refletir o equilibrio entre o comportamento biológico do HPV e a capacidade de defesa do hospedeiro. Assim, concluímos que em termos de infecção pelo HPV os grupos de alto risco para as recidivas após tratamento convencional são os portadores de NIC, sendo tanto maior o risco quanto maior o grau da NIC, infecção pelo HIV1 e gestação, sendo colovagina o sítio preferencial para as recidivas. Estes fatores atuam de maneira sinérgica na determinação do insucesso terapêutico, levando assim à necessidade de se procurarem novas formas de tratamento para a infecção pelo HPV nestes grupos de alto risco. SUMMARY Purpose: evaluation of the risk factors [lesion grade, seropositivity for type 1 acquired immunodeficiency virus (HIV1) and association with pregnancy ] for relapse of human papillomavirus (HPV) induced lesions of the female genital tract. Patients and Methods: seventy patients with a clinical, colposcopic and cytologic diagnosis of HPV infection were studied. Clinical followup lasted at least 6 months after the initial treatment, thus permitting the evaluation of the therapeutic results. Twentyseven of these patients were pregnant and 12 were seropositive for HIV1. The remaining 44 patients were not in the pregnancypuerperium cycle and 14 of them were HIV1 positive. According to cytologic criteria, the cervical lesions were classified as changes associated with HPV or grade I cervical intraepithelial neoplasia (CIN I) (low grade lesions) or CIN II/III (high grade lesions). Data were analyzed statistically by the exact Fisher test, with the level of significance set at p<0.05. The therapeutic scheme for lesions limited to the uterine cervix was cryo or electrocautery (EC), whereas topical 5 fluorouracil was used for the diffused lesions through the vaginal wall. For the lesions in the vulvoperineal region, 80% trichloroacetic acid was used, and when they were voluminous, EC was applied. Among the pregnant women, a cryocautery was used for lesions limited to the cervix and EC for diffuse lesions. Results: among the HIV1negative pregnant women there was an 87.5% rate of recurrence when the lesions were in the cervixvagina, and no recurrence when the lesions were vulvoperineal. In contrast, seropositive pregnant women presented recurrence regardless of the site of the lesion. Among nonpregnant HIV negative women, 20 and 24% RBGO v. 21, nº 4, 1999

recurrence was observed in the cervixvagina and in the vulvoperineal region, respectively, as opposed to 87.5 and recurrence, respectively, for the same regions among HIV positive women. The lesions associated with CIN showed a higher frequency of recurrence with increasing CIN grade and a synergistic effect with the association of HIV1 and pregnancy. Conclusions: the recurrence rate for women treated for HPVinduced lesions is high and the association with pregnancy, HIV and increased grade of the intraepithelial lesions are synergistic factors in the determination of therapeutic failure. The site of implantation of HPVinduced lesions is of prognostic significance only when the infection is not associated with HIV. KEY WORDS: HPV. AIDS. Uterine cervix: preneoplastic lesions. Complications of pregnancy: infections. Referências 1. Bauer HM, Ting Y, Greer CE, Chambers JC, Tashiro CJ, Chimera J, et al. Genital human papillomavirus infection in female university students as determined by a PCRbased method. JAMA 1991; 265: 4727. 2. Beckmann AM, Myerson D, Daling JR, Kiviat NB, Fenoglio CM, Mcdougoll JK. Detection and localization of human papillomavirus DNA in human genital condyloma by in situ hybridization with biotinylated probes. J Med Virol 1985; 16: 265. 3. Cox JT, Schiffman MH, Winzelberg AJ. Patterson JM. An evaluation of human papillomavirus testing as part of referral to colposcopy clinics. Obstet Gynecol 1992; 80: 389. 4. Franco EL, Villa LL, Ruiz A, Costa MC. Transmission of cervical human papillomavirus infection by sexual activity: differences between low and high risk types. J Infect Dis 1995; 72: 75663. 5. Maiman M. Management of cervical neoplasia in human immunodeficiency virusinfected women. J Natl Cancer Inst Monogr 1998; (23): 439. 6. Maiman M, Fruchter RG, Sedlis A, Feldman J, Chen P, Burk RD, et al. Prevalence, risk factors, and accuracy of cytologic screening for cervical intraepithelial neoplasia in women with the human immunodeficiency virus. Gynecol Oncol 1998; 68: 2339. 7. Provencher D, Valme S, Averette HE, Ganjei P, Donato D, Penalver M, et al. HIV status and positive Papanicolaou screening: identification of a highrisk population. Gynecol Oncol 1988; 31: 184 90. 8. Reid R. Laser surgery of the vulva. In: Dorsey JH, editor. Education and credentialing of the gynecologic laser surgeon. Obstet Gynecol Clin North Am 1991; 18: 491510. 9. Reid R, Greenberg M, Jenson AB, Husain M, Willett J, Daoud Y, et al. Sexually transmitted papillomavirus infections. I The anatomic distribution and pathologic grade of neoplastic lesions with different viral types. Am J Obstetr Gynecol 1987; 156: 21222. 10.Spinillo A, Tenti P, Baltaro F, Piazzi G, Iasci A, DE Santolo A. Cervical intraepithelial neoplasia in pregnant intravenous drug users infected with human immunodeficiency virus type1. Eur J Obstetr Gynecol Reprod Biol 1996; 68: 1758. 11.Zur Hausen H, De Villiers EM. Human papillomaviruses. Ann Rev Microbiol 1994; 48: 42747. AVISO Comunicamos que a partir de abril, a FEBRASGO enviará aos sócios quites do corrente ano, o selo da FEBRASGO 1999. O Selo deverá ser colado no verso da carteira no local correspondente ao ano de 1999. Caso não tenha recebido sua carteira, entre em contato com a FEBRASGO o mais rápido possível. RBGO v. 21, nº 4, 1999 205