Embolia e a Doença Orovalvar: a Importância da Ecocardiografia

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A r t i g o d e R e v i s ã o ISSN 0103-3395 Embolia e a Doença Orovalvar: a Importância da Ecocardiografia Jorge E. Assef, Sérgio C. Pontes Jr., Márcia A. Campos, David LeBihan, Ana C.P. Petisco, Rodrigo B.M. Barreto, Mohamed H. Saleh, Mercedes Maldonado, Vera M.L. Gimenes Instituição: Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Correspondência: Rua Cravinhos, 114 Jardim Paulista - São Paulo - SP CEP 01408-020 fone: (11) 3884-4004 9903-0842 Descritores: Embolia, Ecocardiografia, Doença Orovalvar Recebido em: 07/07/2003 - Aceito em: 15/09/2003 INTRODUÇÃO A embolia sistêmica é considerada uma das complicações mais importantes nos pacientes portadores de doença estrutural cardíaca, podendo estar associada ou não à fibrilação atrial. Dentre os eventos embólicos, o acidente vascular encefálico é dos mais graves por levar a incapacidade física e/ou mental, sendo causado por doenças cardíacas em aproximadamente 15 a 30% das vezes 1,2,3. Das cardiopatias causadoras de tromboembolias, sobressaiem-se as doenças valvares. Devido a tal relevância, são abordados neste artigo os aspectos clínicos e ecocardiográficos das complicações embólicas associadas às doenças valvares. Dentre as anormalidades que apresentam maior risco de embolização sistêmica, merecem destaque especial a estenose valvar mitral, trombos intracavitários, mixoma atrial, prótese valvar, endocardite infecciosa e trombótica (não bacteriana). Outras doenças como o prolapso valvar mitral, calcificação das valvas mitral e aórtica5 e outros tumores (incluindo os valvares) que não o mixoma, apresentam menor risco 4. A Importância da Fibrilação Atrial na Presença de Valvopatia A fibrilação atrial, freqüentemente implicada no desenvolvimento de fenômenos embólicos, é responsável por maior incidência de tromboembolismo quando associa-se a doença valvar. No estudo Framingham a incidência de acidente vascular cerebral (AVC) foi 5,6 vezes superior nos pacientes portadores de fibrilação atrial em relação ao ritmo sinusal, independentemente do período de duração da mesma 6,7. Quando associada à estenose valvar mitral, este risco torna-se 17 vezes maior 8. Em estudo realizado com 350 pacientes que apresentaram AVC, constatou-se a presença de fibrilação atrial em 115 casos (33%), e somente em 35 pacientes do grupo controle (10%) 6. Embora a incidência de fenômenos tromboembólicos tenha sido menor nos pacientes portadores de ritmo sinusal, esta encontrava-se aumentada 11

na presença de doença valvar reumática ou de outras condições predisponentes, como a disfunção atrial esquerda 9. Em trabalho realizado na Mayo Clinic, foram avaliados 20.000 pacientes vítimas de embolia, nos quais se realizou ecocardiograma transesofágico com o objetivo de se determinar riscos potenciais de fenômenos tromboembólicos em função do ritmo cardíaco (sinusal ou fibrilação atrial). Verificou-se baixa incidência de trombo atrial esquerdo nos pacientes em ritmo sinusal (aproximadamente 0,1% dos casos analisados). Os pacientes que apresentavam trombo atrial esquerdo e ritmo sinusal eram portadores de doença valvar reumática, prótese valvar e/ou insuficiência aórtica grave de qualquer etiologia. Com base nesta observação, concluiu-se haver alto risco de embolia nessas eventualidades, sendo portanto indicada a realização de ecocardiograma transesofágico diante de evento embólico prévio 10. O estudo ecocardiográfico reveste-se de importância na avaliação dos pacientes que apresentaram embolia sistêmica, por ser o melhor método complementar na detecção de massas intracardíacas (tumores, vegetações e trombos). Em estudo realizado nos portadores de AVC, o ecocardiograma transesofágico mostrou-se superior ao transtorácico na detecção de massas intracardíacas (11% e 4% respectivamente). A incidência de embolia foi maior nos portadores de doença cardíaca (até 19%) quando comparados aos sem cardiopatia (até 2%) 5. O ecocardiograma transtorácico mostrou sensibilidade variável (entre 30% e 80%) e especificidade próxima à 98% na detecção do trombo no interior do átrio esquerdo 11-13. O ecocardiograma transesofágico por apresentar melhor resolução das imagens do átrio e do apêndice atrial esquerdo 11, permite adequada visibilização destas estruturas, aumentando a sensibilidade e a acurácia do método. Com a sua utilização, a sensibilidade e a especificidade situam-se, ambas, entre 93 e 100% 11. ESTENOSE VALVAR MITRAL A estenose valvar mitral caracteriza-se pela elevação crônica da pressão atrial esquerda que, dificultando o esvaziamento do apêndice atrial esquerdo, reduz a velocidade do fluxo em seu interior. A disfunção do apêndice atrial esquerdo, responsável pela estagnação sangüínea que predispõe à dilatação atrial, leva a perda da integridade endotelial e à formação de contraste espontâneo e trombos 1. Essas anormalidades ocasionam modificação da atividade elétrica atrial que por sua vez predispõe a fibrilação atrial. Alguns trabalhos demonstram que a embolia sistêmica é uma das complicações mais freqüentes, estando presente em 10% a 45% dos portadores de estenose valvar mitral 11. Em algumas séries de pacientes, foi constatado durante a necrópsia, associação entre a presença de trombo atrial esquerdo e fenômenos embólicos 11. Apêndice Atrial Esquerdo O apêndice atrial esquerdo é derivado da porção vestibular do átrio esquerdo embrionário, formado na quarta semana do desenvolvimento gestacional. Situa-se próximo à junção atrioventricular e seu enchimento e esvaziamento podem ser afetados pela função ventricular esquerda. A porção posterior do átrio esquerdo, por sua vez, é originária do remanescente das veias pulmonares 8. Suas propriedades fisiológicas e relações anatômicas fazem com que o apêndice atrial esquerdo tenha função de descompressão da cavidade atrial esquerda, quando a pressão nessa cavidade está elevada e durante a sístole ventricular. O apêndice atrial apresenta fluxo bifásico ou quadrifásico. Seu enchimento e esvaziamento são mais influenciados pelas alterações de fluxo do ventrículo esquerdo que por aquelas do átrio esquerdo 8. Desempenha função importante na liberação do fator natriurético atrial, por conter 30% de todo esse fator. No passado, o apêndice atrial esquerdo era considerado uma estrutura anatômica que não apresentava importância fisiológica. Atualmente, após a elucidação da sua fisiologia e anatomia, sabe-se que é sítio preferencial de formação de trombos na estenose 12

valvar mitral, associada ou não à fibrilação atrial. Condições que favorecem a estase sangüínea, tais como a dilatação do apêndice atrial esquerdo secundária ao aumento da pressão intra-atrial, associada à presença das trabeculações internas, são importantes fatores predisponentes na formação dos trombos. Alguns estudos, além de demonstrarem a importância da determinação da velocidade de fluxo no interior do apêndice atrial esquerdo, correlacionaram velocidades baixas à presença de fenômenos tromboembólicos. Em um deles, verificou-se que velocidade de fluxo no interior do apêndice atrial esquerdo, menor de 20cm/s, relaciona-se à formação de contraste espontâneo (Figura 1) em aproximadamente 75% dos pacientes 1 e aumenta em 2,6 vezes o risco de AVC embólico. Em outro estudo, cujo objetivo foi o de avaliar a relação entre contraste espontâneo e fenômenos tromboembólicos, realizado em portadores de estenose valvar mitral, constatou-se maior incidência de fenômenos tromboembólicos e fibrilação atrial naqueles que apresentavam maior intensidade de contraste espontâneo. Nos pacientes sem contraste espontâneo (grupo I), a incidência dos fenômenos tromboembólicos foi de 9%, 35%no grupo com contraste espontâneo e 60% naqueles cujo grau de intensidade do contraste foi importante (grupo III). Quanto à fibrilação atrial, constatou-se incidência de 27% no grupo I, aumentando gradativamente para 65% no grupo III e atingindo 93% nos portadores de trombo atrial esquerdo (p<0,001) 14. Os autores concluíram que a prevalência da FA aumentou proporcionalmente com a maior intensidade do contraste espontâneo. Ao compararem-se os pacientes em ritmo sinusal com os portadores de FA, os percentuais das prevalências relativos à presença de contraste espontâneo foram 54% e 89%, respectivamente 14,15. Outros estudos também constataram menor prevalência de contraste espontâneo em pacientes com estenose mitral e ritmo sinusal 16. Ao avaliarem 49 pacientes com estenose mitral, Black et al 17 encontraram em 21 (43%) ritmo sinusal, dos quais apenas 6 (29%) apresentavam contraste espontâneo. Estudos prévios demonstraram que o ecocardiograma transtorácico apresenta baixa sensibilidade na detecção do contraste espontâneo, detectando menos de 1% dos casos. O ecocardiograma transesofágico é mais sensível na detecção dessa condição, mostrando sua presença no interior do átrio esquerdo dos portadores de estenose mitral reumática em 25% a 67% dos casos. Em outro estudo, cuja prevalência de contraste espontâneo demonstrada pelo ecocardiograma transesofágico situou-se ao redor de 72%, o estudo transtorácico não demonstrou sua presença em nenhum caso 14. Figura 1: Ecocardiograma transesofágico com imagem em plano transverso (A) e longitudinal (B) de paciente portador de estenose mitral reumática de grau importante, ambas em diástole. Observa-se aumento importante do átrio esquerdo com presença de intenso contraste espontâneo em seu interior. A valva mitral mostra abertura em cúpula, às custas principalmente do folheto anterior. Verifica-se ainda espessamento da totalidade dos folhetos. 13

Dimensões do Átrio Esquerdo Observa-se relação diretamente proporcional entre o tamanho do átrio esquerdo e a intensidade do contraste espontâneo e, conseqüentemente com a presença de trombo (Figura 2). Em alguns estudos, tal correlação foi mais bem demonstrada quando se utilizou o volume atrial ao invés do seu diâmetro. Em outro estudo, realizado em pacientes portadores de estenose valvar mitral, constatouse correlação positiva entre o volume atrial e intensidade de contraste espontâneo, tendo sido verificada ausência de contraste espontâneo em átrios com volume inferior a 64ml. A presença de contraste espontâneo de grau importante e/ou trombos atriais foi observada naqueles cujo volume encontrava-se entre 118 ml e 130 ml 14. Figura 2: Presença de 2 trombos distintos na cavidade atrial esquerda (t), em portador de dilatação dessa cavidade. Área Valvar e Escore da Valva Mitral A gravidade da estenose valvar mitral, avaliada pela área valvar e escore de Wilkins está diretamente relacionada à presença e intensidade do contraste espontâneo e, conseqüentemente, à maior ocorrência de fenômenos tromboembólicos (Figura 3). Contudo, não foi encontrada correlação significativa entre os gradientes transvalvares diastólicos máximo e médio e a prevalência do contraste espontâneo. O padrão do fluxo da veia pulmonar encontrase alterado nos pacientes com estenose valvar mitral 14. Neles, observa-se ao traçado do fluxo de veia pulmonar, redução da velocidade e do VTI (integral da velocidade pelo tempo) na fase correspondente à sístole ventricular, sendo essa redução proporcional ao aumento da intensidade do contraste espontâneo. Na fase que corresponde à diástole ventricular, verifica-se também redução da velocidade máxima do fluxo, associado ao aumento do VTI. Alguns autores sugerem que a redução da velocidade sistólica de fluxo seja um dos principais determinantes na formação do contraste espontâneo 8,14,15. Prolapso Valvar Mitral Os critérios para o diagnóstico de prolapso dos folhetos da valva mitral não permanecem mais controversos nos dias atuais. O diagnóstico ecocardiográfico leva em consideração um espectro de alterações estruturais e funcionais relacionados aos folhetos e aparelho subvalvar mitral (Figura 4). Acomete preferencialmente pacientes do sexo feminino numa proporção de 2:1, tendo incidência que varia de 3% a 5% 16,17 na população. É classificado em primário ou secundário, sendo considerado primário quando resultante da proliferação do tecido conectivo da camada média esponjosa do folheto valvar. Esta proliferação promove o desenvolvimento de redundância dos folhetos com ou sem alongamento e espessamento das cordas tendíneas. O prolapso primário pode ter caráter hereditário, sendo transmitido, nesses casos, por gene autossômico dominante, associado-se ou não à síndromes como a de Marfan e Ehlers-Danlos. Na presença de prolapso secundário, o aparelho valvar mostra-se quase sempre sem anormalidades anatômicas. Ele é causado pela desproporção entre as dimensões dos folhetos e da cavidade ventricular esquerda. Mulheres jovens são particularmente propensas a esse tipo de prolapso, que pode também ser observado no defeito septal atrial, hipertireoidismo, enfisema pulmonar e na miocardiopatia hipertrófica idiopática. Ocasionalmente, com o aumento da idade, pode ocorrer normalização da desproporção existente entre as dimensões dos folhetos e da cavidade ventricular esquerda, justificando portanto, o 14

Figura 3: Ecocardiograma transesofágico. Plano longitudinal de 2 câmaras de paciente portador de estenose mitral reumática grave. A imagem em sístole (A) evidencia a presença de dilatação atrial esquerda, com trombo(t) séssil à parede lateral, próximo ao apêndice atrial. Observa-se também importante espessamento de seus folhetos, com presença de calcificação no folheto anterior (seta) e conseqüente formação de sombra acústica. As imagens em diástole mostram a reduzida abertura valvar, verificando-se também a presença de espessamento de cordoalha (aparelho subvalvar). Houve confirmação diagnóstica dos achados da ecocardiografia com a presença de espessamento e calcificação dos folhetos, e ainda fusão comissural, como demostrado em estudo macroscópico de valva mitral, visualizado a partir do átrio esquerdo (D) Figura 4: A- Prolapso acentuado do folheto posterior da valva mitral, demonstrado em necrópsia. B- Imagem em detalhe, evidenciando corda rota (seta). 15

desaparecimento do prolapso valvar mitral nesses casos 16,17. Dentre as alterações ecocardiográficas encontradas no prolapso valvar mitral, destaca-se o deslocamento sistólico posterior de um ou de ambos os folhetos valvares para o interior da cavidade atrial esquerda. Considera-se esse deslocamento compatível com o diagnóstico de prolapso, quando igual ou superior à 2 mm, observado no eixo maior do VE, obtido pela via para-esternal esquerda. O prolapso valvar mitral é denominado forma clássica quando o(s) folheto(s) valvar(es) apresenta(m) espessura igual ou superior à 5 mm; caso contrário, passa a ser considerado forma não clássica 18. A importância dessa classificação reside no fato de que as complicações clínicas relacionadas ao prolapso valvar mitral estão quase exclusivamente relacionadas aos pacientes que apresentam espessamento dos folhetos. Esse espessamento, quando presente, acompanha-se com freqüência da dilatação do anel valvar, do alongamento e espessamento das cordas tendíneas e da dilatação atrial esquerda. Dentre as principais complicações do prolapso da valva mitral destacam-se a insuficiência valvar mitral grave, a ruptura de corda tendínea e os fenômenos tromboembólicos. Complicações tromboembólicas associadas ao prolapso da valva mitral A hemiplegia aguda, o ataque isquêmico transitório, o infarto cerebelar e a amaurose fugaz ocorrem com freqüência relativamente maior em pacientes com prolapso valvar mitral 4,5,18,19. Alguns mecanismos têm sido propostos para justificar essas complicações, tais como a redução da sobrevida plaquetária e a solução de continuidade endotelial. Ambas seriam fatores predisponentes para o aumento na agregação plaquetária com conseqüente formação de complexos fibrinoplaquetários. Estudos constataram aumento na agregação plaquetária de pacientes portadores de prolapso valvar mitral acometidos por fenômenos embólicos do sistema nervoso central e da retina 19-21.Recentemente tem-se dispensado atenção especial à identificação dos subgrupos de pacientes que apresentam maior risco para desenvolver eventos cerebrais isquêmicos. Parte desses estudos demonstram que o acometimento multivalvar, por prolapso, oferece maior risco de embolia cerebral. Estudo realizado em 39 pacientes portadores de prolapso de valva mitral, com antecedentes de eventos embólicos para o SNC (29 AIT e 10 AVC), constatou-se maior incidência desses episódios na presença de associação do prolapso valvar mitral com o prolapso valvar aórtico do que no prolapso valvar mitral isolado (64% X 34%). Essa observação, entretanto, não foi confirmada em outros estudos 19-21.Sabe-se que a maioria dos pacientes com o diagnóstico de prolapso valvar mitral apresentam evolução benigna e sem complicações. Contudo, esse diagnóstico é realizado, com freqüência, por meio de achados de ausculta cardíaca e/ou de queixas inespecíficas como dor torácica atípica e palpitação. Algumas das séries que mostram maior incidência de complicações, apresentam vieses, pois incluem no estudo somente os pacientes internados ou portadores de outras anormalidades cardíacas como dilatação das cavidades esquerdas, calcificação do anel valvar mitral, insuficiência valvar mitral grave e fibrilação atrial; fatores que por si só predispõem às complicações 18. Em outro estudo realizado para avaliar a incidência de AVC em portadores de prolapso valvar mitral, foram incluídos 1079 pacientes, nos quais o diagnóstico dessa anomalia foi estabelecido por meio de critérios ecocardiográficos. Esses pacientes tinham, todos, seguimento mínimo de 9 anos antes da ocorrência do primeiro episódio de AVC. Observou-se incidência duas vezes maior de AVC nos portadores de PVM do que no grupo controle. Contudo, a análise de subgrupos mostrou que os pacientes mais acometidos apresentavam outros fatores predisponentes associados, tais como doença isquêmica cardíaca, insuficiência cardíaca, diabetes mellitus e idade avançada. Nos pacientes com prolapso não complicado e sem outros fatores predisponentes, não houve aumento na incidência de AVC 16

em relação aos pacientes do grupo controle. A degeneração mixomatosa, embora associada por vezes à outras complicações, não foi um determinante independente do aumento da incidência de evento isquêmico cerebral 19,22. Em outro estudo realizado em pacientes vitimados por AVC, com idade inferior a 45 anos, foi constatada menor incidência dessa complicação nos portadores de PVM quando comparados aos do grupo controle (1,9% x 2,7% respectivamente), não tendo sido demonstrada relação entre PVM e AVC em pacientes jovens 23. Algumas séries anteriores que demonstraram alta prevalência de AVC em portadores de PVM (28% a 40%), particularmente entre os pacientes jovens, assim o fizeram devido a utilização de critérios diagnósticos menos rigorosos. A adoção de critérios diagnósticos mais adequados e a melhor compreensão da natureza tridimensional do anel valvar mitral, resultou em melhora da especificidade diagnóstica, reduzindo a incidência dos resultados falsos positivos em relação aos eventos embólicos cerebrais 23. Calcificação do anel valvar mitral A calcificação do anel valvar mitral constitui-se em alteração degenerativa bastante comum, principalmente nos indivíduos com idade mais avançada, estando presente em cerca de 10% daqueles cuja idade é superior aos 50 anos e em mais de 40% dos pacientes com idade acima dos 90 anos 24-26. É mais freqüente no sexo feminino, na proporção de aproximadamente 3:1 24-27. Certas situações clínicas, como a insuficiência renal, aceleram acentuadamente esse processo 24. A ecocardiografia é sem dúvida o método de escolha para o diagnóstico dessa alteração. A calcificação do anel valvar mitral inicia-se quase sempre na porção correspondente à base de implantação do folheto posterior. Ao progredir, o processo de calcificação estende-se ao longo do folheto posterior (Figura 5) e para a porção posterior do anel, adquirindo, no anel, forma hemi-elíptica. Excepcionalmente, pode atingir o folheto anterior e a fibrosa intervalvar 28. A lesão funcional mais freqüentemente associada à calcificação do anel valvar mitral é a regurgitação, sendo habitualmente de grau discreto. Tal refluxo decorre do aumento da rigidez do anel, o qual passa a não permititir mais a perfeita coapatação dos folhetos pela diminuição de sua constricção sistólica. Mais raramente, a estenose pode ser a disfunção predominante 28. Lesões valvares degenerativas mais avançadas podem ser confundidas com doença reumática. A diferenciação é feita observando-se principalmente as bordas livres dos folhetos e o aparelho subvalvar. Além disso, a redução da mobilidade dos folhetos costuma predominar na doença reumática, sendo pouco freqüentes nos processos degenerativos (Figura 6). Figura 5: Calcificação na região posterior do anel valvar mitral, observada ao estudo transesofágico. Nota-se também presença de discreta quantidade de cálcio na face atrial do folheto posterior da valva. Figura 6: Ecocardiograma transtorácico evidenciando calcificação do anel em portador de estenose valvar mitral, a qual se estende para o folheto posterior. 17

Pacientes com calcificação do anel valvar mitral costumam ser assintomáticos, sendo a calcificação considerada um achado acidental, sem repercussão clínica. Entretanto, vários estudos mostram sua relação direta ou indireta com fenômenos tromboembólicos. Os primeiros trabalhos que chamaram a atenção para este fato datam da década de 70, com o início da utilização da ecocardiografia com modo-m 29,30. Atualmente, não se questiona mais esta associação. O risco de acidente vascular cerebral na população com calcificação do anel valvar mitral encontra-se aumentado cerca de duas vezes 26. Aproximadamente 27% dos pacientes com embolização arterial tem calcificação do anel valvar mitral, sendo que somente 8% dos indivíduos sem calcificação do anel apresentam essa complicação 27. Em uma revisão de 1343 autópsias, encontrou-se calcificação do anel valvar mitral em 10% dos pacientes acima de 50 anos; destes, 11% apresentavam êmbolos calcários em diversos órgãos 25. Existem dúvidas na literatura se eventos isquêmicos podem ocorrer em conseqüência direta da calcificação do anel valvar mitral por liberação do material calcário aderido ao aparelho valvar, causando assim embolia. Alguns autores, todavia, acreditam que os fenômenos tromboembólicos que esses pacientes apresentam são decorrentes de alterações degenerativas avançadas, sendo a calcificação do anel valvar mitral somente um marcador da aterosclerose disseminada, e não a fonte de embolia 24,27. Há argumentos favoráveis para as duas hipóteses. Muitos dentre esses estudos, principalmente os mais antigos, não tiveram o cuidado de eliminar outras possíveis causas responsáveis pelos eventos embólicos. Assim sendo, muitos dos episódios catalogados podem ter sido causados por embolizações provenientes de outras fontes, ou mesmo conseqüencia de processos ateroscleróticos localizados, uma vez que pacientes portadores de calcificação do anel valvar mitral costumam apresentar, com maior freqüência, fibrilação atrial, aumento do átrio esquerdo e doenças vasculares periféricas e carotídea, quando comparados com a população normal 24,27. Apesar disso, alguns estudos de anatomia patológica, identificaram sem nenhuma dúvida a calcificação do anel valvar mitral como a fonte emboligênica causadora de fenômenos embólicos 25,26. Em um trabalho recentemente publicado 31 conseguiuse, por meio da ecocardiografia transesofágica realizada em quatro pacientes com antecedentes de eventos embólicos, identificar-se a presença de um componente móvel, de ecogenicidade semelhante à do cálcio, aderido ao anel valvar mitral calcificado. Estes pacientes não apresentavam outras fontes de embolização. Diante do exposto, deve-se considerar a calcificação do anel valvar mitral como fonte potencial de fenômenos embólicos principalmente nos pacientes que apresentam história de isquemia transitória cerebral ou periférica, embora seja essa uma situação mais rara. Anomalias da valva aórtica As anomalias não-infecciosas e não-tumorais que acometem a valva aórtica (estas serão abordadas separadamente) e que apresentam depósito de cálcio sobre os folhetos, são potencialmente favoráveis ao desencadeamento de fenômenos tromboembólicos. Nesses casos, o depósito de cálcio resulta de processo cicatricial, desencadeado por doença reumática, ou em conseqüência do estresse imposto à uma valva com alteração congênita (valva bicúspide) ou por esclerose (à semelhança da calcificação do anel valvar mitral por degeneração senil). Data de 1859 o primeiro relato de oclusão de artéria central da retina atribuída à embolia cálcica, em um paciente com estenose valvar aórtica 32. Porém, semelhantemente ao que ocorre com a calcificação do anel valvar mitral, há discordâncias na literatura quanto ao real papel da calcificação valvar aórtica como fonte emboligênica, aventando-se a possibilidade de se tratar somente de um marcador de aterosclerose grave. Em um estudo de coorte, prospectivo, foram avaliados 815 pacientes com calcificação valvar aórtica, com ou sem estenose; estes foram 18

comparados com 568 pacientes normais. Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos, quanto à incidência de acidente vascular cerebral 33. Contudo, estudos com menor número de pacientes, especialmente os que envolveram comprovação anátomo-patológica, não deixam dúvidas quanto a presença de êmbolos calcários espontâneos disseminados, em pacientes cuja única fonte emboligênica possível seria a valva aórtica 32,34,35. Nestes trabalhos, constatou-se a existência de ulcerações nos folhetos valvares, cujo tamanho e forma assemelhavamse aos dos êmbolos extraídos dos cadáveres35. Outro aspecto de importância é a ocorrência de episódios isquêmicos, cerebrais ou periféricos, comumente observados quando da manipulação cirúrgica ou com cateteres, da valva aórtica calcificada 32,34,36,37. Portanto, essas evidências nos faz acreditar que, apesar de rara, a embolização espontânea proveniente de uma valva aórtica calcificada seja uma possibilidade real 32,34-38. No entanto, boa parte desses episódios é silenciosa, provavelmente devido ao diminuto tamanho dos fragmentos liberados 37,38. Estudos de necropsia realizados em pacientes com valvopatia aórtica, que vieram a falecer devido a causas não cardiovasculares, confirmam essa afirmativa. Eventos maiores, de grande repercussão clínica, provavelmente são excepcionais, o que explicaria a discrepância entre os dados da literatura. Todavia, estes podem ocorrer como primeira manifestação, catastrófica, de uma patologia aórtica até então assintomática 32. Qual seria a conduta, nos casos de embolização de origem valvar aórtica documentada? Devido a inexistência de recomendação definida no Consenso de Valvopatias (American Heart Association /American College of Cardiology, 1998) 39, muitos serviços tem optado pela correção cirúrgica, mesmo na ausência de gradiente elevado ou sintomas típicos 32,37,38. A despeito do acúmulo de cálcio sobre os folhetos valvares aórticos ser responsável pelas alterações funcionais progressivas da valva, o processo embólico parece está mais relacionado à quantidade de cálcio depositada, do que ao tipo de lesão (estenose ou insuficiência) ou ao grau dessas disfunções 36,38. Presume-se que devido à força de ejeção ventricular aumentada, ao grande estresse imposto sobre a face ventricular dos folhetos valvares e ao gradiente transvalvar, a probabilidade de fratura do material calcário, com subseqüente ulceração e embolização desse material seja, provavelmente, maior na lesão estenótica 37. A ecocardiografia transtorácica quase sempre é suficiente para o diagnóstico das lesões valvares aórticas. Entretanto, recentemente, foi relatado um caso no qual, fortuitamente, a ecocardiografia transesofágica demonstrou a presença de massa calcificada aderida a um dos folhetos de valva aórtica bicúspide, a qual protraía para o interior da artéria coronária esquerda, também calcificada 40. Devido a dificuldade para ultrapassar uma valva aórtica com lesão degenerativa durante a cateterização cardíaca, acredita-se que a ecocardiografia possa ser considerada o método diagnóstico de escolha, suprimindo o risco de nova embolização que pode ocorrer com o procedimento intervencionista 32,34,36,37. Apesar da grande maioria dos relatos de embolizações envolverem a valva aórtica com degeneração cálcica, Pleet et al 41 descreveram quatro casos de isquemia cerebral em portadores de valva aórtica bicúspide não calcificada. Tal fato de ser levado em consideração a despeito de um dos paciente, com 75 anos de idade, ter apresentado infarto do miocárdio prévio (evento que por si só poderia justificar a isquemia cerebral). Os demais pacientes eram jovens e não apresentavam outra provável causa para embolia. Próteses valvares As próteses valvulares são utilizadas como forma de tratamento das valvopatias, que em nosso meio tem como etiologia principalmente a doença reumática. Sem dúvidas, têm proporcionado significativo aumento da sobrevida e melhora na qualidade de vida dos pacientes 42. A despeito dos avanços tecnológicos envolvendo seu formato e a preservação tecidual (no caso 19

de próteses biológicas), o implante das próteses valvulares envolve risco significativo relacionado à degeneração tecidual, endocardite, trombose e fenômenos tromboembólicos. Dentro desse tópico, serão comentadas as principais características clínicas e ecocardiográficas dos portadores de próteses nos seus diferentes tipos, abordando as complicações secundárias à trombose de prótese e fenômenos tromboembólicos a ela relacionados 42,43. As próteses podem ser classificadas como teciduais quando o principal material utilizado em sua confecção é o tecido biológico, ou mecânicas quando da ausência de quaisquer elementos teciduais. As próteses biológicas podem ser fabricadas com tecido do próprio paciente (auto-enxerto), podendo ser esse tecido proveniente de outra valva (autólogo) ou do pericárdio. As próteses teciduais também podem ser feitas com tecidos de outros organismos (heteroenxertos). Quando o hétero-enxerto é de tecido humano, a prótese é denominada homóloga (cadáver ou dura-máter). Se é fabricada com tecidos de outras espécies, é denominada heteróloga (valvas porcinas ou de pericárdio bovino) 42,44,45. No Brasil a maioria das próteses implantadas são biológicas (em torno de 80% dos casos), devido às dificuldades inerentes a anticoagulação, principalmente nos pacientes desfavorecidos do ponto de vista sócio-econômico e cultural. Não obstante, as próteses biológicas não são destituídas de riscos relacionados a fenômenos tromboembólicos nos primeiros três meses após o implante. Antes desse período, o anel protético ainda não se encontra totalmente recoberto pelo endotélio, podendo então ser considerado uma fonte tromboembólica. Além disso a presença de hipercoagulabilidade transitória e/ou fibrilação atrial constituem-se fatores igualmente predisponentes. Nesses casos, a anticoagulação temporária com warfarin, mantendo-se o INR entre 2 e 3, reduz considerávelmente o risco de fenômenos tromboembólicos 42. Diferentes estudos mostram que pacientes sob anticoagulação adequada apresentam incidência de fenômenos embólicos inferior à 1%, independentemente do tipo de prótese implantada. Alguns trabalhos realizados com dados obtidos de necropsia e de estudos anatomopatológicos, relatam incidência de até 10% de trombose de próteses, sugerindo ser esta complicação mais freqüente do que o relatado pela literatura (Figura 7). A despeito da constatação dos dados acima referidos, alguns trabalhos apontam para uma incidência de complicações trombóticas na ordem de 0,1% e 0,2% ao ano, nas posições aórtica e mitral respectivamente 45. Figura 7: Plano transversal de ecocardiograma transesofágico ao nível de 4 câmaras mostrando grande trombo pedunculado na face ventricular de prótese biológica em posição mitral (seta). Este trombo mede aproximadamente 2,0cm x 1,0cm. As próteses biológicas apresentam menor durabilidade quando comparadas às próteses mecânicas. Esse fato pode ser explicado pela maior tendência que as próteses teciduais apresentam para desenvolver degeneração e depósito de cálcio secundário ao aumento do metabolismo dessa substância, principalmente quando implantadas em posição mitral 44. A idade é, indiscutivelmente, considerado o mais importante dentre os fatores que determinam a velocidade de degeneração das próteses biológicas. Estados hiperdinâmicos, caracterizados pela presença de índice cardíaco maior do que 2 l/min são responsáveis pela degeneração precoce das próteses teciduais, como podem acontecer nos pacientes jovens. Em contrapartida, alguns estudos 20

mostram reduzida freqüência de reoperações nos portadores de prótese biológica com a idade acima dos 70 anos 45. Após período de 10 anos a 12 anos do implante, as próteses biológicas apresentam uma probabilidade de desenvolver degeneração em aproximadamente 79% dos pacientes com idade inferior a 30 anos. Nos pacientes com idade entre 50 anos e 59 anos, essa probabilidade encontra-se ao redor de 36% 45. As próteses mecânicas são classificadas, de acordo com suas características morfológicas, em: alto perfil (bola), baixo perfil com disco único e baixo perfil com disco duplo. As próteses mecânicas apresentam melhor comportamento hemodinâmico e maior durabilidade. Contudo, são responsáveis por maior freqüência de complicações tromboembólicas (7% a 34% ao ano em pacientes sem uso de anticoagulantes e 6% ao ano nos pacientes anticoagulados de maneira inadequada 42 ). As complicações tromboembólicas são mais freqüentemente observadas nos pacientes idosos, nos portadores de fibrilação atrial, na presença de disfunção ventricular e no pós-operatório imediato. Com referência ao pós-operatório imediato, sabe-se atualmente que a presença de contraste espontâneo é determinante independente de formação de trombos, tanto no átrio esquerdo como na prótese. Dentre as diferentes modalidades de lesões valvares que levam ao implante protético, a estenose mitral e a dupla lesão mitral são as que mais freqüentemente se associam a presença de contraste espontâneo no pós-operatório 46. A simples presença de trombo no interior do átrio esquerdo é importante fator de risco no desencadeamento de fenômenos embólicos constatados no pós-operatório. Esse risco não diminui com a trombectomia cirúrgica, devido ao alto índice de recorrência dos trombos. Isso deve-se aos danos endocárdicos ocasionados durante a remoção cirúrgica dos trombos, assim como às alterações crônicas, préexistentes, da textura endocárdica. O risco de complicações tromboembólicas é maior com as próteses de alto perfil, principalmente em posição mitral; a menor taxa de complicação é observada quando da utilização das próteses de duplo disco. As características do fluxo transprotético variam de acordo com o tipo da prótese. Sendo assim, a prótese biológica exibe fluxo central; a prótese de um único disco apresenta jatos de fluxo distintos, contornando as duas faces do disco; a prótese de duplo disco apresenta três fluxos, sendo dois com maior área e um menor; a prótese de bola (tipo Starr-Edwards) mostra um único fluxo ao redor da bola, produzindo vórtices e fluxo reverso ajusante 17. O ecocardiograma é sem dúvida alguma o método diagnóstico que mais bem avalia o funcionamento das próteses, principalmente pela disponibilidade da via transesofágica nos casos de maior dificuldade. É consenso que possui melhor acurácia para a detecção das complicações protéticas em posição mitral, do que em posição aórtica 17. O emprego do Doppler permite a obtenção dos gradientes transprotéticos com a mesma eficácia com que é avaliada a valva nativa. Como regra, as próteses biológicas costumam ser relativamente mais estenóticas do que as próteses de disco 17, ao compararem-se próteses com o mesmo diâmetro de anel. Diante de estenose de prótese, são encontrados fluxos transprotéticos comparativamente maiores em relação aos verificados imediatamente pós implante e, além disso, redução na abertura do elemento móvel (seja ele disco ou bola) e prolongamento do tempo de queda da pressão à metade (PHT), nos casos das próteses implantadas em posições mitral e tricúspide. O aumento na velocidade do fluxo através da prótese aórtica não é acompanhada pelo aumento da velocidade do fluxo na via de saída, fato observado na presença de insuficiência aórtica concomitante 47. O Doppler é indiscutivelmente o método de melhor acurácia na identificação da obstrução protética; porém, é importante ressaltar que nem todo aumento de velocidade do fluxo associa-se à obstrução da prótese, podendo esse, estar relacionado a estados de alto débito como a 21

freqüência cardíaca elevada, febre e regurgitação valvar, entre outras causas. Nas condições hemodinâmicas normais, o gradiente médio através das próteses de disco em posição mitral situa-se em torno de 2 mmhg a 5 mmhg e nas prótese biológica entre 4 mmhg e 8 mmhg. As próteses aórticas podem apresentar gradientes médios de até 30 mmhg e máximos de até 64 mmhg, mesmo em próteses normofuncionantes 17,47. O ecocardiograma transesofágico desempenha papel fundamental na avaliação das disfunções de próteses e principalmente, na detecção do abscesso paraprotético, da deiscência de sutura, da vegetação de pequeno tamanho e do trombo, tanto aderido ao(s) elemento(s) da prótese, como nas cavidades atriais (Figura 8). Em 90% das obstruções protéticas o agente responsável pela disfunção é o trombo, associado ou não à formação de pannus 47. Ao avaliar-se o trombo deve-se definir pormenorizadamente suas características, tais como, tamanho, localização, grau de mobilidade e relação com as estruturas subjacentes; estas características tem implicação prognóstica e terapêutica 42,43. Trombos móveis e com diâmetro maior ou igual à 10 mm, relacionam-se com maior incidência de embolia para sistema nervoso central (p< 0,01) 42,43 e apresentam resposta menor à terapia Figura 8: Ecocardiograma transesofágico em portadora de prótese biológica em posição tricúspide, implantada há 7 anos. Plano transversal ao nível de 4 câmaras, após discreta rotação da sonda em sentido ante-horário. As pontas de seta mostram os folhetos espessados da prótese. A seta evidencia uma das hastes de sustentação da prótese. Observa-se a presença de trombo aderido à parede do átrio direito (t). trombolítica. Foram observadas em algumas séries, taxas de sucesso pós-fibrinólise inferior à 35% para os trombos com diâmetro maior que 10 mm e de aproximadamente 88%, para aqueles com diâmetro inferior à esta medida. Trombos não obstrutivos, menores que 5 mm de diâmetro, geralmente respondem de modo satisfatório à terapêutica trombolítica, apresentando altas taxas de sucesso inicial (80 a 85%) e taxa de recorrência ao redor de 18%, de acordo com uma meta análise realizada 47. Em relação ao agente trombolítico utilizado, observa-se maior taxa de reperfusão quando da utilização da estreptoquinase para as próteses implantadas em posição mitral e tricúspide (85% e 90%, respectivamente), optando-se pelo ativador do plasminogênio tecidual quando do implante em posição aórtica, devido às altas taxas de reperfusão, que chegam atingir até 100% 47. Trabalho cujo objetivo foi a avaliação da ecocardiografia transtorácica da trombose de prótese biológica em posição mitral, analisou 416 pacientes. Dentre eles, 161 foram submetidos também ao estudo transesofágico. Em 15 destes pacientes diagnosticou-se trombose na prótese, a qual foi confirmada em 10 casos por meio de estudo anatomopatológico. O sintoma de maior prevalência nesses pacientes foi a insuficiência cardíaca congestiva e o período médio para o aparecimento dos sintomas foi ao redor de 7 anos após o implante da prótese. No seguimento, esses pacientes foram tratados por meio de anticoagulantes, tendo ocorrido regressão total do trombo em 6 casos. Na avaliação inicial com o ecocardiograma transtorácico não foi possível detectar-se trombo em nenhum dos pacientes, confirmando assim a baixa sensibilidade desse método na detecção de trombose de prótese biológica, nessa série 46. Outro trabalho realizado com o objetivo de se avaliar possíveis complicações em próteses mecânicas, foram estudadas as próteses de Starr- Edwards, Medtronic, St. Jude, Omnisciense, e Carbomedics 48. Constatou-se maior incidência de fenômenos tromboembólicos nas próteses 22

implantadas em posição aórtica. Dentre essas, a maior incidência de trombose isolada ocorreu com o modelo OmniscienseR. As menores taxas de trombose protética aórtica relacionaram-se às próteses de St. JudeR, Starr-EdwardsR e MedtronicR. Nas próteses em posição mitral, verificou-se maior incidência de fenômenos tromboembólicos com as próteses Omnisciense e Carbomedics, enquanto as menores taxas foram observadas com as próteses de St. Jude, Medtronic e Starr-Edwards 48. Em uma série de 460 pacientes portadores de prótese MedtronicR, verificou-se baixa incidência mortalidade hospitalar e de complicações tromboembólicas tardias, tanto em posição aórtica quanto em posição mitral. Nos portadores de próteses mitrais, que puderam ser acompanhados por um período de 11 anos, constatou-se incidência de fenômenos tromboembólicos em 0,2 % de pacientes ao ano e incidência de trombose protética em 2,1 % de pacientes ao ano. Em posição aórtica, não foi constatado nenhum caso de trombose, tendo ocorrido fenômenos tromboembólicos em 1,3% dos pacientes ao ano 49,50. Em outro trabalho onde os pacientes foram seguidos durante 18 anos, comparou-se a incidência de complicações tromboembólicas nos diferentes tipos de próteses implantadas em posição mitral (biológica, de disco e Starr- Edwards). Os pacientes que apresentaram maior mortalidade e maior incidência de fenômenos tromboembólicos foram os portadores da prótese de Starr-Edwards 512. MASSAS VALVARES CARDÍACAS NÃO INFECCIOSAS Algumas das massas valvares não infectadas podem ser encontradas em circunstâncias normais, tais como as excrescências de Lambl. Outras, estão presentes em um grupo diversificado de patologias, dentre os quais se destacam os tumores valvares primários do coração, doenças autoimunes (lupus eritematoso sistêmico e a síndrome do anticorpo antifosfolípide) e as associações com tumores extracardíacos 52. Excrescências Valvares de Lambl (strands) Os chamados strands valvares são filamentos móveis que se desenvolvem comumente nas bordas livres dos folhetos valvares 53, sendo, por conta de suas diminutas dimensões, mais bem evidenciados pela ecocardiografia transesofágica do que pelo método transtorácico. São compostos por tecido conjuntivo de fibras colágenas e elásticas, ou por material hialino acelular recoberto por endotélio 55,56. Foram descritos pela primeira vez em 1856 por Lambl em valvas aórticas, normais e anormais, na face ventricular das suas cúspides 58. Sua prevalência, em estudos de autópsia, situa-se entre 70% e 90%, podendo ocorrer em todas as idades. A valva mitral também costuma ser muito envolvida, correspondendo a cerca de 70% a 85% dos casos, seguida da valva aórtica (62% a 90% dos casos). São mais raros nas valvas tricúspide e pulmonar, onde perfazem um percentual que varia entre 8% e 20% dos casos 58. Podem ser também observados na face de baixa pressão dos folhetos de próteses biológicas (Figura 9). Costumam ser múltiplos, com comprimento que pode geralmente variar de 0,3 mm a 6,0 mm (eventualmente maiores), podendo ser detectados tanto ao ecocardiograma transtorácico (quando com dimensões relativamente grandes) como ao estudo transesofágico 56. Seu significado clínico permanece ainda não totalmente esclarecido. Alguns autores relacionam a presença dessas excrescências com uma maior incidência de eventos embólicos, principalmente relacionados ao sistema nervoso central. Roberts e cols., utilizando a ecocardiografia transesofágica, encontraram strands em 47% dos pacientes portadores de AVC e somente em 16% dos indivíduos do grupo controle 53. Outros estudos mostraram também prevalência elevada de strands nos pacientes com AVC, sendo identificados por meio do estudo ecocardiográfico em cerca de 22% 54,57. Recentemente, Roldan et al. 58, em estudo prospectivo, demonstraram prevalência de 42% de excrescências de Lambl em estudos transesofágicos, sem apresentarem sua correlação com eventos embólicos 58. 23

Figura 9: Ecocardiograma transesofágico. A- Plano transversal ao nível de 4 câmaras de ecocardiograma transesofágico onde é possível observar a presença de strends (seta). B- Mesma imagem, agora observada no plano longitudinal de 2 câmaras (seta). Tumores Cardíacos Primários Os tumores primários do coração são raros, sendo encontrados em cerca de 0,002% a 0,3% das autópsias. Dentre eles, aproximadamente 75% são benignos 59,60,62. Os mixomas correspondem a 50% da totalidade dos tumores cardíacos primários e raramente acometem as valvas cardíacas 61,62. Outros tumores menos freqüentemente observados compreendem aos lipomas, fibroelastomas papilares e rabdomiomas. Os fibromas, hemangiomas, teratomas, mesoteliomas, neurofibromas e linfangiomas são bastante raros 60. O fibroelastoma papilar, considerado o terceiro tumor cardíaco primário em ordem de freqüência (7% a 8%) 63,64, pode acometer qualquer região da superfície endocárdica intra-cardíaca, ocorrendo predominantemente no endocárdio valvar (90% das vezes) 62,63. Foi encontrado nos folhetos das valvas aórtica, mitral e tricúspide, assim como nos músculos papilares, na cordoalha, nos septos ventricular e atrial, nas vias de saída de ambos os ventrículos e na parede atrial direita 63,64. Caracteriza-se ao ecocardiograma por se apresentar como um tumor de pequenas dimensões, comumente móvel, conectado ao endocárdio por pedículo ou haste (Figura 10). Em 90% dos casos são únicos, podendo eventualmente ser múltiplos. Seu tamanho varia entre 0,1 cm e 4,0 cm, apresentando na grande maioria, dimensões inferiores a 1,0 cm de diâmetro 62,64. Uma possível relação entre os strands valvares Figura 10: A- Ecocardiograma transtorácico evidenciando massa (fibroelastoma papilar) na face atrial do folheto anterior da valva mitral. B- Ecocardiograma transeofágico biplanar, mostrando o mesmo tumor (seta), por meio do plano transversal, próximo ao estômago. 24

(excrescências de Lambl) e o fibroelastoma papilar tem sido aventada devido à semelhança histológica encontrada entre eles; entretanto tal relação ainda não foi confirmada 55,62. O fibroelastoma papilar pode se apresentar como doença isolada ou associada a outras doenças cardíacas (valvares, congênitas, coronariana e aterosclerótica 62 ). Raramente pode ser a causa de disfunção valvar caracterizada por estenose ou insuficiência. Existem relatos na literatura de seu envolvimento na obstrução dos óstios coronários 64. É responsável, com relativa freqüência, por acidentes embólicos ocorridos principalmente na circulação cerebral, causando assim sintomas neurológicos. Acredita-se que tais fenômenos embólicos possam ser decorrentes do desprendimento de material tumoral ou de trombos fibrinoplaquetários aderidos ao tumor. Klarish et al. 64. encontraram uma taxa de 35% de eventos embólicos em um grupo de pacientes com fibroelastoma papilar detectado pela ecocardiografia e posteriormente confirmado pelo estudo anátomo-patologico 64. Alguns autores sugerem não haver relação entre o tamanho do tumor e a ocorrência de eventos embólicos 63. O tratamento cirúrgico por meio da remoção do tumor é a forma mais eficaz de se prevenir outros eventos recorrentes 62-64. Endocardite trombótica não infecciosa A endocardite trombótica não infecciosa descrita por Zeigler em 1888, caracteriza-se pela presença de lesões valvares superficiais, constituídas por trombo plaquetário e fibrina 65. Usualmente afeta a superfície atrial da valva mitral e a superfície ventricular da valva aórtica, podendo acometer, entretanto, as demais valvas cardíacas. Geralmente apresenta-se na forma de lesões múltiplas, muito friáveis e com dimensões inferiores a 3,0 mm, podendo também mostrar-se como uma única lesão 52,66,67. É encontrada com freqüência nos pacientes com tumores malignos extracardíacos, sendo também descritas nos pacientes portadores de doenças auto-imunes (lupus eritematoso sistêmico e síndrome do anticorpo antifosfolípide), coagulação intravascular disseminada, septicemia aguda, queimaduras, síndromes mieloproliferativas e na Síndrome da ImunoDeficiência Adquirida (AIDS) 62,66. A endocardite trombótica não infecciosa durante a evolução dos tumores malignos extracardíacos Em autópsias, a prevalência da endocardite trombótica não infecciosa, entre os pacientes portadores de carcinoma, é de aproximadamente 1,3%, variando entre 0,3% e 9,3% em alguns trabalhos 52,62,65. A prevalência obtida nos estudos ecocardiográficos é, entretanto, notadamente maior (19%) 52,65-67. Dentre os tumores que mais comumente cursam com endocardite trombótica não infecciosa destacam-se os adenocarcinomas, especialmente o de pulmão e o de pâncreas, seguidos pelos de próstata, mama e cólon. Apesar da endocardite trombótica não infecciosa ter sido descrita em diversos tipos de câncer, não há relatos de associação com o tumor cerebral 65. Sua patogênese parece estar relacionada ao estado de hipercoagulabilidade sangüínea (aumento da viscosidade, da ativação plaquetária e do nível de fibrinogênio), associada à injúria do endotélio valvar, com conseqüente formação de trombo fibrino-plaquetário que se constitui na vegetação estéril 66,67. Por se tratarem de vegetações muito friáveis, causam embolias sistêmicas que se revestem de significante morbidade e mortalidade, próximo à 50%. Embora a embolização cerebral seja a mais comum (cerca de 65% dos casos), qualquer órgão pode ser acometido (circulação renal, artérias coronárias, mesentéricas e pulmonares) 52,62,65. Eventualmente a embolização sistêmica pode ser a primeira manifestação clínica, precedendo o diagnóstico do câncer. Queixas inespecíficas como hematúria, dor abdominal, precordialgia ou alterações do comportamento podem ser decorrentes de eventos embólicos secundários à neoplasia maligna não diagnosticada. A elevação dos níveis plasmático de produtos de degradação da fibrina, como o dímero-d, pode auxiliar no diagnóstico da etiologia dos fenômenos tromboembólicos. 25