Guilherme Zanina Schelb. Segredos da violência

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Transcrição:

Guilherme Zanina Schelb Segredos da violência ESTRATÉGIAS PARA A SOLUÇÃO E PREVENÇÃO DE CONFLITOS COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Brasília, 2008

2008 Guilherme Zanina Schelb Proibida a reprodução total ou parcial dos textos autorais Todos os direitos reservados de acordo com a lei. Ficha Técnica Revisão O Autor Arte final Hugo Oliveira Capa Victor Tagore Impressão Thesaurus Editora S322v Schelb, Guilherme Zanina Segredos da violência: estratégias para solução e prevenção de conflitos com crianças e adolescentes / Guilherme Zanina Schelb. Brasília: B&Z Editora Ltda., 2008. 165 p. 1.Crime. 2. Adolescentes. 3.Criminalidade. 4. Delinqüência Juvenil. 5. Prevenção ao Crime. 6. Bem-estar da Criança 7. Direitos da Criança 8. Legislação. 9. Brasil. I. Título. CDD 362.70981 ISBN: 978-85-904574-3-5

APRESENTAÇÃO Este livro é o resultado da análise de centenas de casos reais de violência e criminalidade, envolvendo crianças e adolescentes. O que leva um adolescente a se tornar usuário de drogas ou a praticar um homicídio? Como saber se uma criança está sendo vítima de abusos sexuais? De que forma os pais devem agir em situações suspeitas envolvendo seus filhos? Após mais de 15 anos de estudos e pesquisas, o autor apresenta as causas secretas da violência, através do relato de impressionantes casos reais. Não importa a sua classe social ou econômica. É preciso ter estratégias inteligentes para a identificação precoce e a intervenção imediata em situações de risco envolvendo crianças e adolescentes (abuso físico ou sexual, drogas, roubos, quadrilha, entre outras). Você vai receber orientações legais e pedagógicas para a prevenção da violência. Acredite, colocando em prática as orientações deste livro, você vai evitar muitas situações de risco em sua vida. Deus te abençoe!

SUMÁRIO CAPÍTULO 1 ABUSOS E EXPLORAÇÃO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 1.1 Introdução... 11 1.2 Abuso físico... 13 1.2.1 Indicadores de abuso físico... 16 a) Indicadores físicos da criança e do adolescente... 16 b) Comportamento da criança e do adolescente... 16 c) Comportamento da família... 17 1.3 Abuso sexual... 17 1.3.1 Indicadores de abuso sexual... 19 a) Indicadores físicos da criança e do adolescente... 19 b) Comportamento da criança e do adolescente... 20 c) Comportamento da família... 20 1.4 Abuso psicológico... 20 1.4.1 Bullying - Apelidos depreciativos... 21 1.4.2 Indicadores de abuso psicológico... 23 a) Indicadores físicos da criança e do adolescente... 23 b) Comportamento da criança e do adolescente... 23 c) Comportamento da família... 24 1.5 Negligência... 24 1.5.1 Indicadores de negligência... 25 a) Indicadores físicos da criança e do adolescente... 25 b) Comportamento da criança e do adolescente... 25 c) Comportamento da família... 26 1.6 Exploração sexual: pedofilia, prostituição e tráfico de crianças e adolescentes... 26 1.6.1 Introdução: características comuns... 26 a) Envolvimento de pessoas integrantes da família da vítima... 26

b) Conivência de autoridades públicas e da sociedade... 31 c) Exploração por grupos organizados... 34 1.6.2 Pedofilia... 36 1.6.3 Prostituição infanto-juvenil... 37 1.6.4 Tráfico de crianças e adolescentes... 40 1.6.5 Conclusão... 42 1.7 Três histórias reais de abuso... 43 CAPÍTULO 2 COMO INVESTIGAR SITUAÇÕES SUSPEITAS 2.1 Introdução... 49 2.2 O Procedimento de Investigação... 50 2.2.1 Desconfiar... 50 2.2.2 Ouvir... 53 2.2.3 Investigar... 55 2.2.4 Intervir... 56 2.2.5 Encaminhar... 57 2.3 O que fazer diante de uma suspeita... 59 2.4 Como agir em casos difíceis... 60 2.5 Modelos de Encaminhamento... 65 CAPÍTULO 3 ARMAS, DROGAS E EXPLOSIVOS 3.1 Introdução... 67 3.2 Armas... 68 3.2.1 Introdução... 68 3.2.2 Regime legal das armas de fogo... 69 3.2.3 Ameaça de morte e porte ilegal de arma de fogo... 70 3.2.4 Revista pessoal de crianças e adolescentes... 71 3.3 Drogas... 72 3.3.1 Introdução... 72 3.3.2 Regime legal das drogas... 73 3.3.3 Criminalidade associada às drogas... 75 3.3.4 Classificação das drogas... 75 3.3.5 Sintomas para identificação de usuários... 77 a) Maconha, marijuana e haxixe... 77 b) Depressores centrais, barbitúricos e tranqüilizantes... 78

c) Estimulantes, anfetaminas e moderadores de apetite...78 d) Solvente volátil, colas, limpa-tipos, lança-perfume, fluídos de limpeza, éter, clorofórmio, benzina...78 e) LSD, mescalina, psilocibina, chá de cogumelo...79 f) Cocaína e seus derivados mais conhecidos: merla e crack...79 g) Ópio, morfina, heroína e narcóticos de síntese...79 3.3.6 Comportamento típico do usuário... 80 3.3.7 Diálogo com os jovens... 80 3.4 Explosivos... 82 3.4.1 Introdução... 82 3.4.2 Características da ação criminosa com explosivos... 83 3.4.3 Procedimentos de segurança... 84 3.4.4 Procedimentos de informação... 84 3.5 Como proceder em casos de armas, drogas e explosivos... 85 CAPÍTULO 4 - CRIMINALIDADE INFANTO-JUVENIL 4.1 Introdução... 87 4.2 Ato Infracional (crime)... 88 4.2.1 Ato infracional praticado por criança... 89 4.2.2 Ato infracional praticado por adolescente... 90 4.3 Processo de responsabilização infracional... 92 4.3.1 Fase policial... 92 a) Flagrante de ato infracional... 93 b) Inexistência do flagrante de ato infracional... 93 4.3.2 Fase ministerial (atuação do Promotor de Justiça)... 94 4.3.3 Fase judicial (atuação do Juiz)... 95 4.4 Orientações para encaminhamento de casos de criminalidade infanto-juvenil... 96 4.5 Duas histórias reais de criminalidade infanto-juvenil... 98 4.6 Como agir em casos difíceis... 102 4.7 Conclusão... 106 4.8 Crimes mais comuns... 107

CAPÍTULO 5 DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 5.1 Introdução... 121 5.2 Os direitos fundamentais da criança e do adolescente... 122 5.2.1 O direito à vida e à saúde... 123 5.2.2 O direito à liberdade e à intimidade... 124 a) O direito de ir e vir... 125 b) O direito à privacidade... 127 A revista pessoal... 127 A privacidade das comunicações dos filhos... 128 c) Liberdade sexual e opção sexual... 129 5.2.3 O direito à convivência familiar e comunitária... 132 5.2.4 O direito à educação... 133 5.3 Correção disciplinar: limites e procedimentos... 134 5.3.1 Os limites da correção disciplinar... 134 5.3.2 Identificando as causas da indisciplina grave... 137 5.3.3 O devido processo legal... 138 a) Proporcionalidade da medida disciplinar à gravidade do ato praticado... 141 b) A individualização da medida disciplinar... 141 5.4 Estratégias para a solução e prevenção de conflitos com crianças e adolescentes... 143 5.4.1 Estratégias para a família... 143 a) Estabeleça regras e as explique muito bem para os jovens... 143 b) Não descumpra as regras que você mesmo estabeleceu... 144 c) O tempo é diferente para o jovem... 145 d) Dois conselhos para os pais... 146 5.4.2 Estratégias para o profissional... 150 5.5 Infrações Administrativas contra a Infância e a Adolescência... 153 5.6 Dois casos exemplares... 157 5.7 Como agir em casos difíceis... 159 Conclusão... 165

CAPÍTULO 1 ABUSOS E EXPLORAÇÃO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 1.1. Introdução Os abusos 1 praticados contra crianças e adolescentes são uma das principais causas da criminalidade infanto-juvenil. Estudos demonstram que a maioria dos adultos violentos foi vítima de graves abusos quando era criança. Há uma relação da causa e efeito entre o abuso cometido contra um jovem 2 e a sua conduta violenta posterior. Uma pesquisa realizada no Brasil com adolescentes violentos, autores de homicídios, estupros e roubos, revelou que 80% deles foram vítimas de graves abusos físicos, sexuais e psicológicos na infância ou adolescência. Além disso, em praticamente todas as famílias desses jovens constatou-se alcoolismo ou analfabetismo de pelo menos um dos responsáveis. Independentemente de outras causas que também possam 1. O termo abuso é utilizado aqui em sentido coloquial, para melhor compreensão do leitor. Na verdade, a denominação abuso compreende três ilícitos criminais diferentes: maus-tratos, tortura e violência praticada contra criança e adolescente (homicídio, lesões corporais, crimes sexuais, etc.). Em sentido criminal, violência implica as ações ou omissões que causem lesão física ou psíquica na vítima. Maus-tratos é o crime que comete aquele que, valendo-se de sua condição de poder sobre criança ou adolescente, submete-o a situação de risco ou efetivamente o lesiona fisicamente, a pretexto de educá-lo ou corrigi-lo disciplinarmente. Tortura é o crime de causar um intenso sofrimento físico ou mental a pretexto de aplicar castigo pessoal (Lei nº 9.455/97, art. 1º, inciso II). Para os fins de proteção da infância e adolescência, todavia, basta que o profissional identifique qualquer situação de violação de direitos, o que denominamos genericamente de abuso. 2. Nesta obra, o termo jovem significa crianças e adolescentes. 11

SEGREDOS DA VIOLÊNCIA - Guilherme ZANINA Schelb contribuir para a criminalidade a miséria, desvios de personalidade, os estímulos da mídia e da sociedade de consumo, etc., é inegável que a proteção preventiva da infância e da adolescência contribui de forma decisiva para a preservação da segurança de todos. Uma das formas mais eficazes de prevenção da criminalidade é a precoce e a correta identificação das situações de suspeita de abusos contra a infância (violência, maus-tratos, etc.). O agente público (professor, médico, policial, etc.) tem o dever de comunicar à autoridade competente (Conselho Tutelar, Juiz da Infância ou Promotor de Justiça) os casos de suspeita séria ou ocorrências confirmadas de maus-tratos contra crianças ou adolescentes (art. 245, ECA). 3 Para auxiliar esses profissionais no cumprimento de seu dever, apresentamos a seguir orientações práticas e eficazes para a identificação das situações de abuso contra crianças e adolescentes. Advertimos, porém, que não há uma regra exata para a identificação das situações de abuso. É sempre necessário apurar as circunstâncias em detalhe e analisar os fatos em seu conjunto. Por exemplo, o terror noturno 44 é uma característica muito comum em vítimas de abuso sexual. Mas o fato isolado de uma criança apresentar o sintoma de terror noturno não significa que ela tenha sido vítima de abuso sexual. É um indício importante, mas para ser comprovado deve ser investigado e confrontado com outros indícios e provas. É muito importante saber a diferença entre prova e indício. Prova é todo e qualquer meio de percepção que comprova diretamente a violência (testemunhas presenciais do crime, arma do crime, etc.). Em um caso de suspeita de abuso físico contra uma criança, são provas do abuso, por exemplo, os ferimentos no corpo 3. Lei n. 8.069/90-ECA, art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maustratos contra criança ou adolescente: Pena multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. 4. O terror noturno é o comportamento incomum em que a criança sofre pesadelos constantes e freqüentemente acorda de madrugada chorando ou gritando. Uma característica muito comum do terror noturno é a criança não reconhecer a mãe ou pai, logo após acordar do pesadelo. Muitas crianças abusadas sexualmente sofrem de terror noturno. Talvez seja a característica mais marcante das vítimas de abuso sexual. 12

da criança ou a testemunha que presenciou a violência contra a vítima. Indício é a circunstância que indiretamente pode comprovar a existência da violência. Por exemplo, ainda tratando de um caso de suspeita de abuso, o comportamento incomum da criança, ou os comentários de pessoas amigas da família, são indícios de que possa estar ocorrendo o abuso. Somente a avaliação em conjunto dos diversos indícios e provas, permite uma conclusão segura sobre o caso suspeito.(ver Capítulo 2) Há cinco modalidades de abuso contra crianças e adolescentes: abuso físico, abuso sexual, abuso psicológico, negligência e exploração sexual. 1.2. Abuso físico CAPÍTULO 1 ABUSOS E EXPLORAÇÃO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES É o uso deliberado da força física no relacionamento com a criança ou adolescente, causando ferimento ou sofrimento físico. Considera-se abuso físico: Na família: quando o adulto utiliza sua força física sobre crianças ou adolescentes de forma desproporcional, ainda que para corrigir um comportamento indisciplinado. Por exemplo, a pretexto de corrigir uma indisciplina, o pai provoca queimaduras nas mãos do filho. Na rua: quando alguém utiliza força física para dominar e explorar a vítima. Por exemplo, esmurrar uma criança com a finalidade de atemorizá-la. Na escola: quando o professor causa sofrimento ou lesão corporal no aluno, ainda que para discipliná-lo. Por exemplo, quando um professor, propositalmente, não permite que o aluno saia da sala para ir ao banheiro, durante horas, causando-lhe dor física; ou ainda, quando o professor, a pretexto de corrigir um aluno indisciplinado, obriga-o a correr durante uma hora sob o sol do meio-dia. No hospital: quando um paciente é obrigado a caminhar com fortes dores nas pernas, embora haja cadeiras de rodas para sua locomoção na instituição. 13

SEGREDOS DA VIOLÊNCIA - Guilherme ZANINA Schelb É muito importante que as famílias e os profissionais especialmente professores estejam atentos para observar marcas e cicatrizes no corpo das crianças e adolescentes. Cabeça, antebraço, pernas e braços são os membros mais importantes para observar. Por este motivo, devemos estar muito atentos aos jovens que usam roupas que escondem o corpo ou incompatíveis com o clima. 14 Caso real Em uma escola de classe média, a aluna sempre ia para a escola com roupas largas que encobriam braços e pernas, mesmo quando estava muito calor. Anos depois, descobriu-se que ela usava as roupas para esconder as marcas das torturas que o pai lhe aplicava. 5 Para identificar as situações suspeitas de abuso físico, é preciso ter algumas noções básicas sobre os tipos de lesões corporais e como elas são produzidas. Isto vai ajudar a analisar as alegações das crianças e das famílias, e o tipo de lesão no corpo da vítima. As lesões corporais podem ser causadas por três tipos de objeto, a saber: Contundente o objeto faz pressão sobre uma área do corpo, podendo provocar rubefação (acontece quando existe uma ação contundente e o local fica apenas avermelhado), escoriações (ocorre quando a ação contundente lesiona apenas a epiderme, não sangra, mas deixa arranhões), equimose (em função da ação contundente, há uma lesão vascular, resulta numa mancha roxa, atinge a derme) e hematoma, que é igual à equimose, porém forma um volume. Ressaltese que equimose e hematoma só podem ocorrer em pessoa viva e que a equimose pode servir para a cronologia da lesão. Exemplo: soco, pontapé, golpe com barra de ferro, etc. Cortante o objeto obrigatoriamente possui gume (bordo afiado) e a ação do instrumento cortante é sempre por deslizamento, linear (produz ferida incisa). Exemplo: faca afiada, lâminas afiadas. 5. Para se ter uma idéia, este pai apagava cigarros na barriga da filha, que na época tinha 14 anos de idade. Durante 02 anos esta aluna foi vítima destas graves violências, sem que nenhum professor desconfiasse da situação.

CAPÍTULO 1 ABUSOS E EXPLORAÇÃO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES Perfurante o objeto é obrigatoriamente delgado, fino e possui ponta. A sua ação sempre ocorre por pressão sobre essa ponta (agulha, alfinete, estilete bem fino). Há também lesões corporais mistas, que são aquelas produzidas por objetos que possuem duas características anteriormente mencionadas, a saber: Cortocontundente o objeto possui gume, a ação se processa pelo bordo cortante e há contusão. O objeto tem que ser pesado. Exemplo: machado, foice, enxada, facões, cutelos, etc. Perfurocontundente o objeto perfura e contunde ao mesmo tempo. Exemplo: arma de fogo. Perfurocortante o objeto tem ponta e gume. Exemplo: punhal, canivete, espada, faca de cozinha, etc. Caso real Uma criança foi hospitalizada em estado grave. A mãe relatou que o filho havia se ferido em casa, ao cair sobre uma faca de cozinha, perfurando o próprio abdômen. Ao analisar o menino, porém, os médicos constataram que o ferimento não tinha sido provocado por uma faca (objeto pérfuro-cortante), mas por um objeto perfurante. E mais, a lesão era antiga, não tinha ocorrido naquele dia, como afirmava a mãe. A criança não resistiu aos ferimentos e morreu. Descobriu-se que a própria mãe causara os ferimentos para se vingar do pai da criança, que havia se casado com outra mulher. É muito importante que o profissional tenha esses conhecimentos básicos, para poder verificar se uma alegação apresentada como causa de uma lesão física é verídica. Orientamos a todos os professores, e especialmente aos professores de educação física, que estejam muito atentos ao corpo de seus alunos. Os professores de educação física são muito importantes para a identificação de situações suspeitas porque podem observar os alunos muito melhor do que os demais professores. 15

SEGREDOS DA VIOLÊNCIA - Guilherme ZANINA Schelb 16 Caso real Após algumas semanas de aula, o professor observou que um dos seus alunos, uma criança de 05 anos de idade, tinha uma agressividade muito grande. Ele batia em todos os colegas de sala, e nunca chorava quando era agredido. Ao saber do caso, um policial militar perguntou ao professor se a criança agredia os coleguinhas com a mão fechada. O professor confirmou. O policial relatou, então, que em outra escola já tinha visto um caso semelhante. Ao investigar o caso, descobriu que, em casa, a criança presenciava o pai agredir fisicamente à própria mãe. Ele aprendeu a fechar a mão porque presenciava o pai agir assim quando agredia sua mãe. Ao investigar o caso, o professor descobriu que seu aluno era agredido pelos irmãos mais velhos, e por isto aprendeu a dar socos com a mão fechada, imitando a violência que sofria. Crianças vítimas de abuso físico freqüentemente se tornam agressivas. Algumas vezes, elas apenas presenciam a violência como no caso do filho que presencia o pai agredir a mãe-outras, as próprias crianças são as vítimas da violência física. 1.2.1. Indicadores de abuso físico a) Indicadores físicos da criança e do adolescente Presença de lesões físicas (como queimaduras, hematomas, feridas ou fraturas) que não combinam com a alegação. Ocultação de lesões antigas e não explicadas. Roupas que encobrem o corpo (camisas de mangas ou golas compridas, escondendo braços e pescoço, etc.) b) Comportamento da criança e do adolescente Mudança repentina de temperamento: de agressiva para passiva; ou de hiperativa para apática. Temor excessivo das pessoas. Tendência autodestrutiva e ao isolamento pessoal. Baixa auto-estima ou profunda tristeza. Medo dos pais.