Ensino de leitura e escrita na escola básica: um relato de experiência.



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Transcrição:

Ensino de leitura e escrita na escola básica: um relato de experiência. Marcelle Veridiano Candido de SOUZA Universidade do Estado do Rio de Janeiro celleveri18@hotmail.com Rita Carolina Ribeiro MARTINS Universidade do Estado do Rio de Janeiro ritacarolina@bol.com.br RESUMO: Atualmente, muito se tem discutido sobre a importância da leitura e da escrita na sala de aula na escola básica, pois entendemos ser por meio da leitura que o aluno tem acesso aos bens de cultura da sociedade e por meio da escrita que o mesmo é capaz de organizar seu pensamento. Entretanto, ainda encontramos escolas que quase não realizam esse trabalho. E foi participando de um projeto em uma escola pública que nós e outros bolsistas percebemos o quanto essa ausência do trabalho com o texto era prejudicial à construção do conhecimento dos alunos. Embora estivéssemos apenas presentes para observar e ajudar no planejamento das aulas de Língua Portuguesa, constatamos que seria muito mais proveitoso, principalmente para os alunos, a realização de um trabalho inovador para eles, de maneira que além do conteúdo escolar o aluno pudesse adquirir prática de leitura e de escrita, sendo assim capaz de ler e escrever com proficiência. Então, nós, bolsistas de Iniciação à Docência do Projeto PIBID, resolvemos criar uma Oficina de Redação dentro do projeto. Durante as oficinas, tivemos a oportunidade de levar diferentes gêneros textuais para trabalhar com os alunos, discutirmos esses textos e mostrarmos as diferenças de seus objetivos comunicativos. PALAVRAS-CHAVE: Leitura; escrita; ensino.

Introdução (Quadro Inicial Motivação para o trabalho) O projeto PIBID tem contribuído muito para o ensino da rede estadual da escola básica no Brasil, tanto para os alunos e professores das escolas contempladas com o projeto, quanto para os graduandos participantes. Dentro deste projeto existem outros subprojetos língua portuguesa, literatura, matemática, química, física, biologia, etc. cujo objetivo é trazer para a sala de aula da escola básica, de uma maneira mais prática, a teoria presente nas salas de aula da graduação. Na realidade, trata-se de uma iniciativa de utilizar todo o conhecimento adquirido pelo licenciando para melhorar a prática nas aulas da escola básica e, com isso, aprimorar a apreensão do conteúdo escolar para o aluno. O subprojeto de língua portuguesa chegou à Universidade do Estado do Rio de Janeiro em junho de 2011. Foram selecionados dez graduandos para participarem como bolsistas de Iniciação à Docência e atuarem, inicialmente, como observadores em algumas aulas de língua portuguesa no Colégio Estadual Ernesto Faria. Também foram selecionadas duas professoras desta escola cujas aulas eram observadas por esses bolsistas. Além da observação das aulas, os bolsistas realizavam reuniões semanais com essas professoras (cinco bolsistas com cada professora) e quinzenais com a coordenadora do subprojeto de língua portuguesa, a professora. Nestas reuniões quinzenais, eram lidos e discutidos diversos textos acerca do ensino da língua portuguesa e eram preparados materiais, pelos bolsistas, como o auxílio da coordenadora, para serem aplicados na escola. Esses materiais eram voltados para leitura, escrita, compreensão e produção textual, buscando unir a gramática ao texto. Como participantes desse subprojeto percebemos que o trabalho de leitura e de escrita quase não acontecia nas aulas de língua portuguesa. O trabalho que víamos ser desenvolvido nessas aulas era praticamente todo voltado para a gramática da língua fora de sua situação de uso, descontextualizada. (...) uma gramática descontextualizada, amorfa, da língua como potencialidade; gramática que é muito mais sobre a língua, desvinculada, portanto, dos usos reais da língua escrita ou falada na comunicação do dia a dia; (...) (ANTUNES, 2003). Por isso, discutimos bastante sobre o assunto e chegamos à conclusão de que o aluno estava sendo prejudicado ao não ter acesso a esse tipo de conhecimento. Então, foi neste momento em que tivemos a ideia de criar as Oficinas de Redação nesta escola no contra turno daquelas turmas. Aulas de português, perguntemo-nos todos os dias: a favor de quem? A favor de quê? Se as pessoas ficam mais capazes para falando, lendo, escrevendo e ouvindo atuarem socialmente na melhoria do mundo, pela construção de um novo discurso, de um novo sujeito, de uma nova sociedade, para que aulas de português? (ANTUNES, 2003, p.) Metodologia do trabalho realizado Primeiramente, a coordenadora do nosso subprojeto foi à escola nas turmas de terceiro ano, tanto no turno da manhã quanto no turno da tarde, para divulgar as oficinas e explicar aos alunos como iria funcionar, convidando-os para participarem. Destacou a

importância da leitura e da escrita na fase pela qual estavam passando, pois era um momento em que a maioria se preparava para prestar concursos, vestibulares, entrevistas de emprego, etc.; além de ser a leitura e a escrita um instrumento de ascensão cultural na vida das pessoas, é por meio dessas que o aluno tem acesso aos bens de cultura da sociedade. Assim, dominar a leitura e a escrita, saber fazer uma boa redação e aprender essas técnicas fazia-se muito importante para eles. A partir desse momento, os alunos inscreveram-se nas oficinas, apuramos o número de inscritos e começamos a preparar as oficinas. Em cada uma ficavam de dois a três bolsistas responsáveis e só poderia ter, no máximo, vinte alunos, caso a procura fosse maior, outras seriam criadas. A fase de preparação foi realizada da seguinte maneira: primeiramente escolhemos um tema que seria abordado na primeira oficina, depois trazíamos textos de gêneros diferentes, mas com o mesmo tema do primeiro, de modo que os alunos pudessem organizar suas ideias em relação ao tema e esquematizar seus argumentos. A perspectiva de desenvolver um trabalho com a mesma temática tem muito a acrescentar ao aluno, pois lhe concede maior oportunidade de trabalhar com uma grande variedade de gêneros e também o possibilita a conhecer melhor sobre o assunto abordado a partir do propósito comunicativo de cada um deles. Inicialmente foram criadas duas Oficinas de Redação uma vez por semana: uma na parte da manhã, para contemplar os alunos que estudavam na parte da tarde, e outra na parte da tarde, para os alunos do turno da manhã. Cada uma das oficinas tinha a duração de uma hora e meia, tempo suficiente para que um texto fosse lido, discutido e que questões sobre sua estrutura e seus elementos fossem abordadas. Na primeira oficina trabalhamos com o texto Na escuridão miserável. Primeiro distribuímos as cópias para os alunos, pedimos para que fizessem uma leitura silenciosa e, em seguida, líamos em conjunto, para então começarmos a discussão. Na escuridão miserável Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar, através do vidro da janela, junto ao meiofio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro: O que foi, minha filha? perguntei, naturalmente, pensando tratar-se de esmola. Nada não senhor respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil. O que é que você está olhando aí? Nada não senhor repetiu. Tou esperando o ônibus. Onde é que você mora? Na praia do Pinto. Vou para aquele lado. Quer uma carona? Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta: Entra aí, que eu te levo. Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco e, enquanto o carro ganhava velocidade, ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa: Como é o seu nome? Teresa. Quantos anos você tem, Teresa? Dez. E o que estava fazendo ali, tão longe de casa? A casa da minha patroa é ali. Patroa? Que patroa?

Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia à mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite. Hoje saí mais cedo. Foi jantarado. Você já jantou? Não. Eu almocei. Você não almoça todo dia? Quando tem comida pra levar, eu almoço; mamãe faz um embrulho de comida pra mim. E quando não tem? Quando não tem, não tem e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem-nutridos um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês: Mas não te dão comida lá? perguntei, revoltado. Quando eu peço, eles dão. Mas descontam no ordenado, mamãe disse para eu não pedir. E quanto é que você ganha? Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro. Ela mencionara uma importância ridícula, uma ninharia, não mais que alguns trocados. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara. Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa? perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se aproximava das vielas da praia do Pinto. Ela disparou a falar: Eu estava na feira com mamãe e então madame pediu para eu carregar as compras e aí noutro dia pediu pra mamãe pra eu trabalhar na casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados pode parar que é aqui moço, obrigado. Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da praia do Pinto. (Fernando Sabino. A companheira de viagem. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 1987.) Após trabalharmos com esse texto, distribuímos uma coletânea com cinco outros diferentes textos cuja temática era a mesma. Ou seja, textos com objetivos comunicativos diferentes, mas com abordagem em cima do mesmo tema. Desse modo, o aluno teria maior facilidade de assimilar o tema trabalhado, tendo assim um respaldo maior para apoiar seus conhecimentos e seu ponto de vista sobre o assunto. COLETÂNEA Texto 1 LEI No 10.097, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000 (ECA) "Art. HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm"403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos." (NR) "Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola." (NR) Texto 2 Sem direito a ter direitos

O trabalho infantil doméstico sempre foi considerado como algo natural e que as crianças, principalmente as oriundas das classes menos favorecidas economicamente, deveriam ajudar nessas tarefas, sejam dentro de casa ou na agricultura doméstica. Em épocas passadas, havia a expectativa de uma contrapartida ou ajuda econômica por parte dos filhos desde muito cedo e essa mentalidade se perpetua até hoje. Acrescido a isso, há o aspecto cultural que valoriza o trabalho infantil como forma de educar a criança para a vida profissional e adulta, apesar de socialmente condenável e proibido por lei e também por ser uma forma de violência. No entanto, ainda há muitas pessoas que procuram justificar esse mito cultural. Ouvese, muitas vezes, as afirmações de que é melhor a criança trabalhar do que roubar, ficar à toa, ociosa, ou sempre trabalhei e não morri. São mitos culturais comuns na nossa sociedade, não só ditos nas famílias de baixa renda, como também em outras classes sociais. Muitas vezes, até as próprias crianças trabalhadoras reafirmam esses mitos, mas, quando questionadas, revelam que gostariam de ter outra vida, só estudar e brincar. Texto 3 Selma Nanci Feltrin. Disponível em http://www.clicrbs.com.br/dsm/rs/impressa/4,41,2615833,12911. Adaptado. Texto 4

Texto 5 Riscos e abusos do trabalho infantil Depois de ter passado toda a manhã coletando pimenta em um campo agrícola no México, Javier Hernández, de 10 anos, pode ir à escola e assistir a duas ou três horinhas de aula pela tarde. Javier se considera uma criança sortuda, já que a maioria das crianças de sua mesma idade e condição de vida, jamais pisaram numa escola. Como essa história, contada por Michael Klaus, na web da Unicef no México, há milhares. Segundo as estatísticas, no México, menos de 10% das crianças não vão à escola porque têm que trabalhar. São histórias que crescem como as pimentas nos campos do México, como os papéis e plásticos coletados do lixo do Peru, como as plantações de cana de açúcar no Haiti, ou como a quantidade de meninos e meninas que se prostituem nas ruas de muitos países do mundo. A grande maioria das crianças que são obrigadas a cumprir jornadas excessivas de trabalho, vivem longe de casa, alguns como ratos de esgoto, não recebem cuidados médicos nem alimentação adequada, e como se tudo isso ainda fosse pouco, têm que suportar castigos, abusos de todo tipo, intimidação e outras formas de agressão. http://br.guiainfantil.com/direitos-das-criancas/408-trabalho-infantil-.html. Adaptado. Após o trabalho com essa coletânea de textos, propusemos uma produção textual acerca do tema discutido no decorrer dos encontros dessa primeira oficina. PROPOSTA Com base na leitura do texto Na escuridão miserável, crie uma narrativa semelhante. Em sua história, a personagem principal é um menino. Use as informações dos textos desta coletânea para ajudar a narrar seu dia a dia como um trabalhador, suas aventuras e desventuras. Não se esqueça de dar um título a seu texto, que deve ter mais ou menos 20 linhas.

A atividade proposta teve como objetivo levar o aluno a desenvolver todo conhecimento adquirido nos encontros. Para sermos certificados de que eles próprios iriam produzir o texto, não deixávamos que fizessem ou terminassem o texto em casa; até porque, durante a atividade, os ajudávamos, sanando quaisquer dúvida e auxiliando nas produções. Quando terminavam, nos entregavam e levávamos os textos para serem corrigidos. A correção era feita por nós mesmos bolsistas com o auxílio da coordenadora. Inicialmente, criamos com ela um quadro com alguns critérios que seriam levados em consideração na correção, após esse momento, com o quadro já pronto, a coordenadora nos auxiliou na correção dos primeiros textos e, em seguida, corrigimos os outros sozinhos. O quadro abaixo abarca os critérios utilizados para as redações dos alunos recebidas por nós: CRITÉRIOS Tema Tipo/Gênero textual Coerência Coesão Norma padrão O aluno deve ser capaz de desenvolver as ideias e não tangenciar o tema pedido. O aluno deve ser capaz de seguir o tipo e o gênero textuais pedidos, respeitando sua estrutura. O aluno deve ser coerente ao escrever seu texto. O aluno deve ser capaz de respeitar os aspectos formais de seu texto, como a colocação de pronome, conectores, seleção vocabular, etc. O aluno deve ser capaz de respeitar os aspectos formais de seu texto, como pontuação, ortografia, diagramação, etc. PONTUAÇÃO Quando terminávamos a correção, devolvíamos os textos com todas as anotações referentes aos erros cometidos por eles, mostrávamos um a um onde poderia melhorar e, quando encontrávamos algum erro cometido pela maioria, chamávamos a atenção para o ocorrido e tratávamos novamente do assunto. Considerações Finais Muitos docentes acreditam que ensinar língua portuguesa é sinônimo de ensinar gramática. Ao fazer isso, não se explora a capacidade que o aluno tem de se comunicar plenamente de acordo com as diferentes situações em que se encontra. A gramática é essencial, porém não deve ser trabalhada e ensinada de forma a priorizarem somente regras e nomenclaturas. Para que o ensino faça sentido para o aluno, ele deve ver a língua em uso. Dessa forma, acreditamos que um trabalho que

envolva leitura, produção de texto e gramática é capaz de formar sujeitos críticos na sociedade em que vivem. Todo e qualquer tipo de texto está sempre presente em nosso cotidiano. Precisamos interpretá-los muito bem para que tenhamos capacidade de externar nossa opinião, de simplesmente compreendermos o que está sendo dito, ou, até mesmo, de sentirmos prazer com a leitura. Dentre as opções, apurar o senso crítico seria o mais importante, socialmente falando, para um indivíduo. Diante disso, acreditamos que o ensino de língua portuguesa é de total relevância, visto que, além de ensinar a língua, abre caminhos para novos saberes. Reforçamos, portanto, que tal ensino precisa ser orientado tendo leitura e escrita como principais alicerces para que haja eficácia no processo de ensino aprendizagem. Cremos que a fixação da escola na nomenclatura não é casual nem muito menos neutra. Ela esconde pretensões sutis de sonegar aos alunos a oportunidade da reflexão crítica e lúcida sobre o real funcionamento da linguagem e sobre o que isso significa na vida das pessoas. (ANTUNES, 2007, p.82 ) Bibliografia ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.