GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS PÚBLICAS: BREVES APONTAMENTOS 1



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Transcrição:

GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS PÚBLICAS: BREVES APONTAMENTOS 1 Phelipe Bezerra Braga 2 Aline Soares Alves 3 Resumo: O presente trabalho reflete sobre as relações entre Direitos Humanos e Políticas Públicas voltadas para o combate à violência de gênero e a discriminação sexual em diferentes contextos do Brasil. O objetivo é discutir possíveis caminhos para uma analise crítica dessas políticas, a partir da etnografia de uma ação voltada para a formação de professores/ as da rede pública de ensino do Estado do Ceará. O propósito é colaborar com o debate e reflexão acerca da violência de gênero e de suas conexões com processos mais amplos de produção social da diferença. A análise preconiza o entrelaçar de múltiplas formas de expressão de intolerâncias (do racismo, do sexismo, da discriminação religiosa) em processos de construção de políticas públicas. Palavras-chave: Direitos Humanos; Gênero; Políticas Públicas. O presente trabalho trata da experiência do Projeto intitulado: Educação em Direitos Humanos 4, uma capacitação voltada para professores da rede pública municipal e estadual em temas e práticas pedagógicas dos Direitos Humanos e da relação do público com a diferença, visando o estímulo da mesma através de atividades presenciais e semipresenciais no Estado do Ceará. Foi executado em sua primeira edição entre os meses de fevereiro de 2012 e dezembro de 2012, em 20 municípios do Ceará, formando cerca de 436 professores. O Projeto visou a formação de quadros profissionais de professores da rede pública municipal e estadual na temática da educação em direitos humanos. Colaborou assim, para o entendimento acadêmico das desigualdades, discriminação e violência que afetam populações vulneráveis como pessoas com deficiência, mulheres, negros, comunidades indígenas, populações LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), pessoas vivendo com HIV/ Aids, minorias religiosas, dentre outras. Justificamos a relevância, pois observa-se o conservadorismo e intolerância quando se trata do reconhecimento dos direitos LGBT s. As questões acerca da sexualidade estão cada vez mais presentes nas escolas, de forma programada ou não em suas atividades educativas. Nesse sentido é possível reconhecer os avanços 1 A pesquisa é orientada pelo Prof. Dr. Marcelo Tavares Natividade; 2 Mestrando do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da UFC, Fortaleza/Brasil. Bolsista da Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnologico). 3 Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará - UFC, Fortaleza/Brasil. Bolsista da Pró-Reitoria de Extensão UFC. Projeto Educação em Direitos Humanos. 4 Projeto EDH é uma política pública ancorada em programas do Ministério da Educação (MEC) e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECADI). Segundo Luis Mello (2012) o investimento do Governo Federal em várias frentes de atuação priorizando a formação de professores/as, através da educação continuada. 1

obtidos pelo Programa Brasil Sem Homofobia (2004) e pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006). Mas se faz necessário reconhecer a permanência de tabus e preconceitos em torno da sexualidade, em especial os relacionados à orientação sexual, disseminados pelos diversos espaços de produção e reprodução de valores sociais e sexuais. Entender a abordagem sobre a sexualidade e a diversidade sexual, envolve diversos fatores. As políticas públicas e a formação de professores estão implicadas nesse debate, não apenas como questões metodológicas, mas como questões norteadas por valores morais e éticos que relacionam a escola como espaço de sociabilidade e de ligação com a sociedade. Nesse sentido, pretendemos abordar a relação entre os direitos humanos e as políticas públicas voltadas para o combate à violência de gênero e a discriminação sexual em diferentes contextos do Brasil.. Luiz Mello (2012), defende que o estudo das políticas públicas constitui um campo de conhecimento que busca entender o Estado em ação. Assim como o citado autor, necessitamos compreender o conjunto de ações relacionados à política pública como a sua formulação, implementação e avaliação. O objetivo deste artigo é discutir possíveis caminhos para uma analise crítica dessas políticas, a partir de um exercício de olhar etnográfico do ambiente virtual desta ação voltada para a formação de professore(a)s da rede pública de ensino do Estado do Ceará. A metodologia contempla a avaliação qualitativa de debate em espaços virtuais (fóruns), O exame das interações permitiu observar a receptividade ao conteúdo didático. O propósito é colaborar com o debate e reflexão acerca da violência de gênero e de suas conexões com processos mais amplos de produção social da diferença. A análise preconiza o entrelaçar de múltiplas formas de expressão de intolerâncias (do racismo, do sexismo, da discriminação religiosa) em processos de construção de políticas públicas. Segundo Joca (2008) a escola apresenta-se como sendo: uma das instituições responsáveis pelo desenvolvimento individual e coletivo dos sujeitos, que tem demonstrado bastante fragilidade na condução do processo educativo de desconstrução de preconceitos e discriminações socialmente adquiridos. (JOCA, 2008, p. 26) Para diversos autores (Loiola, 2001; Louro, 2001; Figueiró, 2006) a abordagem sobre a diversidade e a orientação sexual é por muitas vezes produzida e reproduzida no próprio ambiente escolar. Percepções e discursos sobre diferença 2

Na execução do Projeto foi possível perceber tensões e resistências recorrentes relacionadas a diversidade sexual. Embora como dissemos anteriormente, a ação não fosse voltada exclusivamente para o combate a violência de gênero, à homofobia, a temática de diversidade sexual estava presente no conteúdo didático do curso e nos debates entre os alunos/as. Alguns professores afirmavam que a escola não seria o ambiente responsável pela promoção de debates sobre a diversidade sexual, pois esse não seria um problema escolar. Conforme podemos ver na declaração da professora: Em nossas escolas ainda não há espaço para a discussão, debate ou mesmo reflexão desses temas polêmicos e complexos. Há sim um trabalho isolado feito a partir de um conflito surgido ou uma situação embaraçosa onde podemos conduzir a turma a uma discussão, ali,em sala de aula e naquele momento. A escola não discute direitos humanos, discriminação, preconceito em amplo debate com a comunidade. Há uma resistência tanto da escola quanto da família. Isso aumenta ainda mais a discriminação. Nós sempre esperamos que apareça um situação constrangedora para poder abordar o assunto. (D., Professora, Fortaleza) Também foi problematizado pelos alunos as dificuldades encontradas no relacionamento entre os professores/as e a direção da escola. Outro desafio encontrado esta ligado aos comentários em opiniões pessoais e num certo senso comum difuso na sociedade brasileira, muitas vezes amparados em valores religiosos. A dificuldade de tratar os direitos humanos de uma perspectiva laica expressa tensões ocasionadas por crenças arraigadas que necessitam ser desconstruídas no processo da educação em direitos humanos. Compreendemos que muito se deve a formação social e cultural do Estado e pela forte influência da religião nas esferas públicas e privadas. Um dos temas mais delicados foram os debates sobre os comportamentos sexuais, seja no tocante às sexualidades dissidentes da norma da heterossexualidade, seja no tocante às representações e percepções de temas como a prevenção ao HIV/Aids e a soropositividade, a prostituição e outros. O debate sobre a expressão pública do afeto na escola também engendrou oposição de alguns professores, que entendem ser papel do educador controlar e reprimir expressões da diversidade. Poucos apregoam a necessidade de tratar as diferenças valorizando-as como positivas em uma perspectiva dos direitos humanos. Para uma boa parte dos cursistas, atos de violência e agressão de cunho homofóbico consistem em respostas naturais às plurais formas de transgressão dos valores da família e religião pelos grupos LGBTT. Nos debates virtuais foi comum que vítimas fossem transformadas em culpadas da própria violência sofrida. Assim, foi muito frequente uma inversão de perspectivas. Um menino afeminado era visto como tendo desrespeitado o ambiente escolar e provocado a reação legítima dos agressores. 3

Apesar das problematizações das noções e conceitos no tocante à temática de gênero e diversidade trabalhados nas aulas, muitos professores preferiram ancorar seu entendimento do problema apoiados nas suas opiniões pessoais e crenças religiosas. Também era comum o receio de abordar o tema da diversidade na escola e incentivar os meninos a se tornarem gays e as meninas a se ternarem lésbicas. Para outros, o tema da homossexualidade só deveria ser trazido em casos de violência já consumados, para não promover a homossexualidade. Há, por parte de alguns, uma preocupação com qual idade ou faixa etária deve estar exposta a discussão sobre diversidade. Discursos mais francamente estigmatizantes ocorreram com recorrente à crítica à efeminação dos homossexuais e aos seus modos exagerados de expressão na escola. Considerações Finais As políticas públicas de formação de professores, no tocante a sexualidade, nos fornecem importantes elementos para a compreensão das implicações dos valores morais e éticos e sua relação com a fragilidade demonstrada diante de questões relacionadas à sexualidade. A maioria dos alunos afirmaram ter dificuldades em conduzir atividades mais propositivas por considerar a pouca maturidade das crianças e adolescentes e a necessidade de ponderar em quais faixas etárias se deveria discutir homofobia. Por fim, houve manifestações de professores no sentido de que a homoafetividade deve ser respeitada, mas com ressalvas, tendo em vista preconizarem modelos mais discretos da sexualidade. A escola não é reconhecida como espaço para a livre expressão do afeto entre pessoas do mesmo sexo. Alguns professores mostraram reconhecer a necessidade de trabalhar perspectivas positivas da diferença na escola mas receiam a repreensão de familiares dos alunos e alunas no tocante às temáticas da sexualidade e da religião. Outros relataram já ter vivido situações de tensão por trabalhar com essa temática mesmo nos espaços privados da sala de aula. Diretores, professores e outros agentes incorreram em advertências quanto à pertinência de tais atividades. Como já foi dito, uma das grandes tensões existentes na formação recai sobre o tema da sexualidade. Para a maioria dos cursistas o tema ainda é desconhecido e definido muitas vezes pelo senso comum. Referências BOBBIO, Norberto. A era dos diretos. 13.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004 4

BRASIL. Resolução/FNDE nº15. Ministério da Educação, 2009 BRASIL. Plano Mundial de Educação para todos. Brasília, DF: Secretária de Direitos Humanos, 2005 BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, MEC, 2006 BRASIL. Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos, Decreto n.7037, 2006. ESTEVÃO, Carlos A. V. Educação, Justiça e Direitos Humanos. In. Educação e pesquisa, São Paulo, v.32, n.1, 2006, p.85-101. FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico. Formação de educadores sexuais: adiar não é mais possível. Campinas-SP: Mercado de Lestras; Londrina-PR: Eduel, 2006 LOIOLA, Luís Palhano. Coisas difíceis de dizer: as manifestações homofóbicas do cotidiano dos jovens. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação (Faced), Universidade Federal do Ceará (UFC), 2001. LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autentica, 2001 MATTA, Roberto da. O oficio de etnólogo, ou como ter anthropological blues. IN: NUNES, Edson de Oliveira (Org.). A aventura Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978, p.23-36 MELLO, Luiz. FREITAS, Fátima. PEDROSA, Cláudio. Para além de um kit anti-homofobia: políticas públicas de educação para a população LGBT no Brasil. Bagoas. Natal, 2012. n.7, p.99-122. PALUDETO, Meline C. FERNANDES, Angela V. M. Educação e Direitos Humanos: desafios para a escola contemporânea. Cad. Cedes, Campinas, 2010. Vol.30, n.81, p.233-249, mai-ago. RAMOS, Aura Helena. Educação em Direitos Humanos: local da diferença. Revista Brasileira de Educação. v.16, n.46, Jan/Abr. 2006 Gender, Human Rights and Public Policies: brief notes Abstract: This paper reflects on the relationship between Human Rights and Public Policies aimed at combating gender violence and sexual discrimination in different contexts of Brazil. The aim is to discuss possible ways for a critical analysis of these policies from the ethnography of an action aimed at training teachers / those of the public schools of the State of Ceará. The purpose is to collaborate with the debate and reflection about gender violence and its connections with wider processes of social production of difference. The analysis stresses the intertwining of multiple forms of expression of intolerance (racism, sexism, religious discrimination) in construction processes of public policies. Keywords: Human Rights. Gender. Public Policy. 5