ÀGORA, Porto Alegre, Ano 3, jan/jun.2012. ISSN 2175-3792



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Transcrição:

28 ÀGORA, Porto Alegre, Ano 3, jan/jun.2012. ISSN 2175-3792 FORMAÇÃO DE PROFESSORES A PARTIR DA LEI 10.639/03: UMA EXPERIÊNCIA NO PROJETO DE EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA NO COTIDIANO ESCOLAR, DESENVOLVIDO PELA PROREXT /UFRGS. Luciane de Oliveira Machado Este artigo apresenta o relato da experiência como participante da equipe executora do projeto de educação antirracista no cotidiano escolar, desenvolvido pela Pró-Reitoria de Extensão da Ufrgs,com professores estaduais e municipais do Estado do Rio Grande do Sul, nos anos de 2005 e 2006. O projeto de educação Antirracista no cotidiano escolar, teve como objetivo a formação permanente de professores da Educação Básica, desenvolvendo e possibilitando espaços para a reflexão e ação do cotidiano escolar da rede pública do ensino infantil, fundamental e médio e da universidade, buscando a construção de práticas antirracistas na rede escolar e acadêmica. Este projeto desenvolveu-se no formato de oficinas pedagógicas, visando à formação dos professores diretamente nas escolas, fazendo, in loco, a relação entre a realidade escolar e a lei 10.639/03. A lei 10.639/03 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, no seu artigo 26A, onde apresenta que, nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e inciso 2º, sobre os conteúdos a serem desenvolvidos sobre a História e Cultura Afro- Brasileira, sendo ministrados no âmbito de todo o território escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de licenciaturas e História Brasileira. A partir desses princípios, desenvolvi a oficina referente à religiosidade de matriz africana, através das lendas dos orixás, com objetivo de subsidiar os professores

29 quanto à informação, à desmistificação dos estereótipos, à reflexão e como desenvolver essa temática na prática educacional, pois o que ocorre na prática é que os alunos apresentam nomenclaturas negativas quanto à religião Afro. Em muitas situações, apresentam como ofensa ser dessa religião, escondendo a sua religiosidade. lenda diz que: Como exemplo, apresento a lenda de Ossain, uma das lendas desenvolvidas. A Ossain era o único orixá que sabia reconhecer e despertar os poderes mágicos das plantas e usá-los para curar as enfermidades, ou nos rituais litúrgicos. Ele sabia, como ninguém, fazer misturas com os vegetais, raízes e folhas.os outros orixás também tinham o desejo de possuir suas próprias folhas, bem como o conhecimento necessário para receber o axé proveniente delas, mas Ossain não revelava seus segredos e não deixava ninguém apanhar folhas em suas florestas.yansã não aceitava essa situação, pois sua aldeia estava sendo assolada por doenças, e nada podia ser feito. Foi, então, que ela pediu a Ossain que lhe desse algumas folhas e seus respectivos encantamentos, mas este negou-se a fazê-lo. Yansâ ficou muito contrariada, não se conformando com uma atitude tão insensível. Sua fúria incontrolável fez levantar o vento. E o vento foi tão forte, que as folhas se desprenderam das árvores, voando para todos os cantos da floresta. Ossain gritava: "Minhas folhas, minhas folhas". A cabaça com os segredos ficou exposta por algum tempo, possibilitando aos orixás a oportunidade de absorver uma pequena parte desse conhecimento. Assim, os orixás cataram suas folhas, que seriam utilizadas em seus rituais sagrados; porém, não podiam dispensar a ajuda de Ossain, pois ele sempre será o grande sábio da floresta. (internt, Ilê de Xangô) Através desta lenda, trabalharam-se vários temas como: ética, poder, democracia, gênero,meio ambiente, saúde,diferenças, entre outros assuntos sugeridos

30 a serem desenvolvidos nas diversas áreas do conhecimento de acordo com a realidade da escola. Também foi abordado o percurso de saída dos negros da África até o Brasil, relacionando a questão do sincretismo religioso, as denominações da religiosidade: Batuque, Umbanda e Candomblé e suas linhas em relação aos povos africanos. Com a oficina, percebi a preocupação dos professores e equipe pedagógica em abordar a nova temática em sala de aula e como enfrentar situações de racismo, discrinação, pois teriam que reformular as ditas verdades impostas pela escola e sociedade sobre os negros e despir de seus racismos. Esta oficina mostrou maneiras de trabalharmos na prática a religiosidade de matriz africana, mas não só essa temática; também demonstrou como trabalhar a literatura, as operações matemáticas, a Educação Física, a Biologia e outras áreas que estão ou não mencionados na lei,mas que a cultura africana tem muito a nos ensinar. Segundo SECCO, Conhecer em abstrato é metodologicamente estranha, ainda que haja uma dimensão abstrata do conhecimento, mas efetivamente transitória, como etapa para se chegar ao concreto. (SECCO, pág.47) Não adianta trabalhar a lei, e não concretizá-la na prática, não perceber os movimentos de racismo que se encontram na escola. O conhecimento e a reflexão da lei 10.639/03 são momentos transitórios de dimensão abstrata, mas que juntamente com sua implementação no Projeto Político-Pedagógico da escola, bem como, na efetivação desta na sala de aula, se torna um momento concreto. A formação continuada dos professores é o caminho para que ocorra o processo de teoria e prática na escola, sendo importante que esse movimento também contemple a comunidade escolar, que negros e não negros compreendam o processo de escravidão no Brasil, uma história que não se resume somente em escravidão e abolição, mas que consigam compreender os movimentos e lutas políticas que ocorreram nos 400 anos de escravidão e nos 119 anos de libertação.

31 Uma libertação que ainda hoje a criança afro-brasileira olha em volta e não se reconhece nos livros, nos heróis televisivos ou nas revistas em quadrinhos. E na escola ser negro ainda é sinônimo de fracasso, sendo um dos motivos do número acentuado de evasão escolar por parte de alunos negros, pois não se sentem pertencentes da construção do Brasil, e quando veem sua história ser trabalhada apenas no dia 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares. Já o dia 13 de maio, data da libertação dos escravos, não é mais lembrada e nem trabalhada, deixando-se de lado a reflexão da lei Áurea.Temos que ter consciência de trabalhar a africanidade não somente nessas datas, mas trazer as suas contribuições durante o ano. Penso que a lei, na sua especificidade, faz com que também se concretize, na prática, o que a Constituição da República Federativa do Brasil apresenta em seu artigo 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Constituição do Brasil, pág. 123) Artigo 206: I - Igualdade de acesso e permanência na escola; II - Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III- Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas. (Constituição do Brasil, pág. 123) É na perspectiva de igualdade de acesso e permanência que queremos que nossos alunos negros e não negros se sintam reencantados com a educação, que a escola seja o veículo de direitos e deveres para o efetivo exercício da cidadania e que o Estado promova e incentive políticas públicas de reparação e valorização do negro na sociedade. Lutamos por uma nova hegemonia, como apresenta o autor Edmundo Fernandes Dias: A hegemonia como uma nova civilização, sendo uma reforma intelectual e moral. ( Dias, pág. 10) É a reforma intelectual e moral que se propõe na formação de professores e equipe pedagógica, qualificando-os para serem capazes de direcionar positivamente as questões da diversidade étnico-racial, que consigam lidar com as palavras, atitudes e situações racistas que acontecem diariamente no mundo escolar, revertendo positivamente para o conhecimento e compreensão desses movimentos.

32 A escola é um dos meios de socialização, e o professor juntamente com a equipe pedagógica, e na equipe saliento o Orientador Educacional que dialoga diretamente com professor e alunos para enfrentar situações problemas e muitas vezes, os conflitos de etnia aparecem, é nestes momentos que devemos proporcionar a socialização das diferenças, a contribuição das diversas culturas na sociedade e a conscientização através do conhecimento e compreensão de que o Brasil tem esta dívida com a população negra. Por isso a luta por reparação através da qualidade de educação, cotas nos concursos públicos, nas universidades, entre outras esferas, reparando este erro histórico. O Orientador Educacional deve ter um olhar clínico em relação às situações de conflito envolvendo as etnias, fazendo com que os envolvidos tomem consciência sobre as contribuições da cultura Afro e demais culturas que enriquecem a nossa nação. Por isso falamos na diversidade cultural brasileira, que construiu e constrói o nosso Brasil. Referências Bibliográficas DIAS, Edmundo Fernandes. O outro Gramsci. 2ª edição, ed. Xamã. São Paulo, 1996. SECCO, Lincoln. Gramsci e a revolução. Ed. Alameda. São Paulo, 2006 Constituição da República Federativa do Brasil, 2002 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana lei 10.639/03