Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos e riscos para a saúde humana Aflatoxins and ochratoxin A in food and the risks to human health



Documentos relacionados
Ocorrência de Aflatoxinas em amendoim e produtos de amendoim comercializados na região de Marília SP, Brasil no período de

Informe Técnico n. 72, de 1 de agosto de Resultados do monitoramento do teor de sódio nos alimentos processados - Terceiro termo de compromisso.

PALAVRAS-CHAVES. Aflatoxinas; Amendoim; Produtos de Amendoim, ocorrência.

DPE / COAGRO Levantamento Sistemático da Produção Agrícola - LSPA Diretoria de Pesquisas Coordenação de Agropecuária Gerência de Agricultura LSPA

Cesta básica volta a subir na maior parte das capitais

Disciplinarum Scientia. Série: Ciências da Saúde, Santa Maria, v. 14, n. 1, p , Recebido em: Aprovado em:

AVALIAÇÃO MICROBIOLÓGICA DE PLANTAS PROCESSADORAS DE CHOCOLATE

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº, DE 2006 (De autoria do Senador Pedro Simon)

Relatório Ano: 2014 Resultado do monitoramento do teor de iodo no sal para consumo humano

Assunto: Posicionamento do Ministério da Saúde acerca da integralidade da saúde dos homens no contexto do Novembro Azul.

Cesta Básica. Boletim Junho

Programa Analítico de Disciplina EAF210 Microbiologia de Alimentos

LSPA. Levantamento Sistemático da Produção Agrícola. Setembro de Pesquisa mensal de previsão e acompanhamento das safras agrícolas no ano civil

Perfil da Contaminação com Aflatoxina entre Embalagens de Produtos de Amendoim 1

Palavras-chave: feijão, qualidade dos grãos, contaminação, micotoxinas.

Ocorrência de Aflatoxinas em Amendoim e Produtos Derivados

Análise do perfil da Poliomielite no Brasil nos últimos 10 anos

Preços Agropecuários: alta de 2,99% em fevereiro de 2014

LEGISLAÇÃO SANITÁRIA FEDERAL DE LEITE E DERIVADOS

ANÁLISE DE AFLOTOXINA EM FARELO DE MILHO. PAIVA, Maria. Victória.¹; PEREIRA, Camila. Mello.²

Custo da cesta aumenta em metade das capitais pesquisadas

INCIDÊNCIA DE ESCHERICHIA COLI

O CONSUMO DE ÓLEO DE SOJA NO BRASIL

AVALIAÇÃO DA DISPONIBILIDADE DOS PRINCIPAIS GRUPOS BÁSICOS DE ALIMENTOS INDUSTRIALIZADOS PARA CELÍACOS NOS PRINCIPAIS SUPERMERCADOS DE VIÇOSA, MG

Incidência de Aflatoxinas, Desoxinivalenol e Zearalenona em produtos comercializados em cidades do estado de Minas Gerais no período de

Ocorrência de Aflatoxinas em amendoim e seus produtos comercializados no estado da Bahia durante o ano de 2002*

CESTA BÁSICA do Município de Catalão-GO

O QUASE FINAL DA SAFRA DE GRÃOS 2010/11. E A CRISE?

BOLETIM CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. FEVEREIRO Comportamento do Emprego - Limeira/SP.

PERIGO? AVALIAÇÃO DE RISCOS?? ANÁLISE DE PERIGOS? ANÁLISE DE RISCOS? RISCO? HACCP

Pernambuco. Tabela 1: Indicadores selecionados: mediana, 1º e 3º quartis nos municípios do estado de Pernambuco (1991, 2000 e 2010)

RENDIMENTO EM ÓLEO DAS VARIEDADES DE GIRASSOL CULTIVADAS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PARA O PROJETO RIOBIODIESEL

Acre. Tabela 1: Indicadores selecionados: mediana, 1 o e 3 o quartis nos municípios do estado do Acre (1991, 2000 e 2010)

Análise: O preço dos alimentos nos últimos 3 anos e 4 meses

As Idéias e os Avanços da Biotecnologia

Contaminantes de origem química e biológica em alimentos para crianças

Custo da cesta básica recua em 11 capitais

Tábuas Completas de Mortalidade por Sexo e Idade Brasil 2012

Palavras-chave: aedes aegypti; aplicativo dengue; focos denunciados; tecnologia.

POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO ONCOLÓGICA

Por que Devemos Olhar os Rótulos dos Alimentos? Palestrante: Liza Ghassan Riachi CICLO DE PALESTRAS ALIMENTAÇÃO E SAÚDE

CONDIÇÃO DE MORADIA DOS MORADOS DA VILA CANAÃ - RELATÓRIO

O que você precisa saber sobre óleos e gorduras ÓLEOS E GORDURAS

ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DOS PREÇOS DA CESTA BÁSICA DE TRÊS PASSOS-RS 1

Cesta Básica. Boletim Junho 2011

Maranhão. Tabela 1: Indicadores selecionados: mediana, 1º e 3º quartis nos municípios do estado do Maranhão (1991, 2000 e 2010)

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

Identificação de aflatoxinas em paçocas de amendoim comercializadas na cidade de Lavras-MG

Comportamento do custo da Cesta Básica se diferencia nas capitais do Brasil

PERSISTÊNCIA DO PODER POLÍTICO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O CASO DA TRANSIÇÃO DE REGIME NO BRASIL

7. Hipertensão Arterial

10 dicas. Desvendar Rótulos. A ordem dos ingredientes altera o produto

SITUAÇÃO VACINAL DOS ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM DA UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI

Relações de Preço Sorgo/Milho nos Estados de São Paulo, Goiás e Rio Grande do Sul, Alfredo Tsunechiro e Maximiliano Miura

, aflatoxinas B 1. , ocratoxina A e zearalenona em produtos de milho 1

A VIGILÂNCIA E A CONDUTA DA HIGIENE SANITÁRIA DOS AMBIENTES

ALGODÃO Período: 06 a 10/04/2015

Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Departamento de Produção Vegetal

Cesta Básica. Boletim Janeiro 2011

DRT: DRT:

Atenção no tanque, tranquilidade na estrada.

CESTA BÁSICA do Município de Catalão-GO

DISPONIBILIDADE NO SETOR PÚBLICO E PREÇOS NO SETOR PRIVADO: UM PERFIL DE MEDICAMENTOS GENÉRICOS EM DIFERENTES REGIÕES DO BRASIL

Índice. Introdução...1. Capítulo 1. Micotoxicologia O que são micotoxinas Produção de micotoxinas e sua presença em alimentos...

CONTRIBUIÇÃO DO DRAWBACK PARA A SUSTENTABILIDADE DA CADEIA PRODUTIVA DE FRANGOS DO BRASIL

Resumo da Lei nº8080

Programa Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental relacionada à Qualidade da Água para Consumo Humano - VIGIAGUA

VIABILIDADE DA PRODUÇÃO DE MAMONA, ALGODÃO E AMENDOIM COMO MATÉRIA-PRIMA DO BIODIESEL EM PERNAMBUCO

1º Seminário Nacional de Orientação ao Setor Regulado na Área de Alimentos

GRUPO I POPULAÇÃO E POVOAMENTO. Nome N. o Turma Avaliação. 1. Indica, para cada período histórico, o fluxo migratório que lhe corresponde.

Presença a do Estado no Brasil: Federação, Suas Unidades e Municipalidades

Capítulo 10. Aspectos Econômicos da Comercialização e Custo de Produção do Milho Verde Introdução

Avaliação Escrita 1ª Etapa

Departamento de Economia, Planejamento e Estatística (DECON)

BANGLADESH INTERCÂMBIO COMERCIAL DO AGRONEGÓCIO --- BANGLADESH --- Brasil: Bangladesh:

Informação Semanal de Mercados Agrícolas no País, Região e Mundo. Milho da Presente Campanha Agrícola Entra em Chimoio e Quelimane

NOTA DE IMPRENSA. Embargado até 27/11/2007, às 10h (horário de Brasília) Brasil entra no grupo de países de Alto Desenvolvimento Humano

ASSISTÊNCIA HUMANIZADA AO RECÉM-NASCIDO. Dra. Nivia Maria Rodrigues Arrais Pediatra - Neonatologista Departamento de Pediatria - UFRN

ANÁLISE DO ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS EM UMA CRECHE PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA

Diretoria de Pesquisas Coordenação de Serviços e Comércio - COSEC PESQUISA MENSAL DE SERVIÇOS PMS

Relatório do Ministério do Meio Ambiente para o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)

Qual é a função do cólon e do reto?

GERENCIAMENTO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DA MANGA PARA EXPORTAÇÃO CULTIVADA NO VALE DO SÃO FRANCISCO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE SAÚDE DE NITERÓI PROGRAMA MÉDICO DE FAMÍLIA

RELATÓRIO DE ENSAIOS Nº Nº Processo: Ponto 01

ACORDO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA ABIA E MINISTÉRIO DA SAÚDE

Medidas de Freqüência de Doenças e Problemas de Saúde: Mortalidade, Padronização de taxas

Screening no Câncer de Próstata: deve ser recomendado de rotina para os homens entre 50 e 70 anos? Aguinaldo Nardi São Paulo Março 2012

USO DA CASCA DA BANANA COMO BIOADSORVENTE EM LEITO DIFERENCIAL NA ADSORÇÃO DE COMPOSTOS ORGÂNICOS

ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO CUSTO DA CESTA BÁSICA DE IJUÍ, RS 1

MINISTERIO DE Estado e da SAUDE Direcção Geral da Saúde Programa Nacional de Nutrição

Exames realizados em produtos pré-medidos

Valor da cesta básica recua em 10 capitais

22 e 23/00 e RDC nº. n. 278/05

Hepatites Virais no Rio Grande do Sul

INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE

Teste de formulação de macarrão tipo talharim substituindo parcialmente a farinha de trigo por farinha de puba

PREVALÊNCIA DO TABAGISMO NO BRASIL AO LONGO DA ÚLTIMA DÉCADA

NOTA TÉCNICA 009/2005

Transcrição:

Rev Saúde Pública 2002;6():19-2 19 Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos e riscos para a saúde humana Aflatoxins and ochratoxin A in food and the risks to human health Eloisa Dutra Caldas a, Saulo Cardoso Silva b e João Nascimento Oliveira b a Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Brasília, DF, Brasil. b Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal. Brasília, DF, Brasil Descritores Aflatoxinas. Ocratoxinas. Análise de alimentos. Contaminação de alimentos. Vigilância sanitária. Amendoim. Milho. Keywords Aflatoxins. Ochratoxins. Food analyses. Food contamination. Health surveillance. Peanuts. Corn. Resumo Objetivos A presença de micotoxinas em alimentos tem sido correlacionada a várias patologias humanas, e as autoridades de saúde no mundo todo têm implementado ações para diminuir a ingestão desses compostos pela dieta. Realizou-se pesquisa para analisar os níveis de aflatoxinas e ocratoxina A de alimentos para consumo e avaliar o potencial de risco da exposição humana a essas micotoxinas. Métodos Foram analisadas 66 amostras de alimentos consumidos no Distrito Federal, no período de julho de 1998 a dezembro de 2001, como amendoim e derivados, castanhas, milho, produtos de trigo e/ou aveia, arroz e feijão. As amostras foram processadas, e as micotoxinas extraídas, detectadas e quantificadas por fluorescência após separação em cromatografia camada delgada. Resultados Foram detectadas aflatoxinas em 19,6% das amostras, em amendoim cru e derivados, milho de pipoca, milho em grão e castanha-do-pará (>2 µg/kg). Amendoim e derivados apresentaram maior incidência de contaminação por aflatoxinas (4,7%) com amostras contendo até 1.280 µg/kg de AFB1+AFG1 e 1.706 µg/kg de aflatoxinas totais. Das amostras positivas, AFB1 estava presente em 98,5%, AFB2 em 9%, AFG1 em 66,7% e AFG2 em 65,4%. A ocratoxina A não foi detectada (<25 µg/kg) em nenhuma amostra analisada. Conclusão Os níveis de contaminação encontrados em amendoim e derivados ultrapassaram os níveis máximos permitidos pela legislação brasileira, podendo significar fator de risco para a população que os consome regularmente. A conscientização dos produtores de alimentos e as ações de vigilância sanitária permanentes são essenciais para diminuir a exposição humana a esses compostos e prevenir doenças crônicas advindas dessa exposição. Abstract Objectives The presence of mycotoxins in food has been associated with several human diseases, and health authorities have taken actions to decrease the ingestion of these compounds Correspondência para/correspondence to: Eloisa Dutra Caldas Curso de Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências da Saúde - Universidade de Brasília Campus Universitário Darci Ribeiro 70919-970 Brasília, DF, Brasil E-mail: eloisa@unb.br Recebido em /5/2001. Reapresentado em 21/2/2002. Aprovado em 5//2002.

20 Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos Rev Saúde Pública 2002;6():19-2 in the diet. A study was carried out to assess aflatoxins and ochratoxin A concentrations found in food, and to evaluate the potential risk to human health resulting from mycotoxin exposure. Methods Between July 1998 to December 2001, 66 food samples were analyzed, including peanuts and its products, nuts, maize, oat and/or wheat products, rice and beans. Samples were processed and the extracted mycotoxins were detected and separated using thin layer chromatography, and then quantified with fluorescence. Results Aflatoxins were detected in 19.6% of the samples: raw peanuts and its products, pop corn, maize and Brazilian nuts (>2mg/kg). Peanuts and its products showed the highest levels of aflatoxin contamination (4.7%) with up to 1280 mg/kg of AFB1+AFG1 and 1706 mg/kg of total aflatoxins. Of the positive samples, AFB1 was detected in 98.5%, AFB2 in 9%, AFG1 in 66.7%, and AFG2 in 65.4%. Ochratoxin A was not detected (<25 mg/kg) in any sample analyzed. Conclusion It was found that contamination levels mainly seen in peanuts and its products exceed Brazilian regulated standards, and they can be a potential risk to regular consumers of these products. Food producers awareness allied to monitoring programs is essential to reduce human exposure to these compounds and prevent ensuing chronic diseases. INTRODUÇÃO A exposição humana a micotoxinas pelo consumo de alimento contaminado é questão de saúde pública no mundo todo. A contaminação dos alimentos pode ocorrer no campo, antes e após a colheita, e durante o transporte e armazenamento do produto. 8 Programas de monitoramento dos níveis de contaminação de alimentos por micotoxinas são essenciais para estabelecer prioridades em ações de vigilância sanitária. No Brasil, as aflatoxinas são as únicas micotoxinas cujos níveis máximos em alimentos estão previstos na legislação. O Ministério da Saúde estabelece o limite de 0 µg/kg AFB1+AFG1 em alimentos de consumo humano, 2 e o Ministério da Agricultura e do Abastecimento estabelece o de 20 µg/kg de aflatoxinas totais para matérias-primas de alimentos e rações. 4 Este limite é comparável aos estabelecidos por outros países 7 e recomendado pela Organização Mundial da Saúde e pela Organização para Alimentação e Agricultura (OMS/FAO). O Laboratório de Micotoxinas do Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen/DF) analisa alimentos quanto ao teor de aflatoxinas desde 1985 e de ocratoxina A desde 1996. 5,14 O presente estudo apresenta os resultados obtidos pelo laboratório no período de 1998 a 2001, avalia a potencial exposição da população do Distrito Federal a essas micotoxinas e analisa os riscos dessa exposição para a saúde. MÉTODOS Foram coletadas 66 amostras de alimentos (no mínimo, 1 kg) entre julho de 1998 e dezembro de 2001, nas gôndolas de venda do comércio do Distrito Federal, pelo Departamento de Fiscalização e Saúde do DF (DpFS), de acordo com os procedimentos legais previstos pela legislação vigente, dentro do programa de monitoramento de micotoxinas em alimentos do DpFS- Lacen/DF. Esse programa prevê a coleta de amendoim cru durante todo o ano, de milho de pipoca e doces de amendoim no período das festas juninas e de castanhas diversas no período que antecede o Natal. Adicionalmente, um programa com produtos de trigo e/ou aveia foi conduzido em 1999. Em média, foram coletadas cinco amostras por semana. Acrescentem-se também 20 amostras de alimentos encaminhadas ao laboratório por pequenos industriais, pela Secretaria de Agricultura do DF e pela Universidade de Brasília. Dentre os alimentos analisados, predominaram: amendoim (cru, torrado, em creme, confeitado e em doce); castanhas (do pará, nozes, avelã, de caju, amêndoas e pistache); milho (pipoca, canjica e grão); e farinhas (trigo ou aveia). No laboratório, cada amostra foi triturada em multiprocessador, passada em peneira de 20 mesh, e duas porções de 50 g retiradas para análise. As porções foram extraídas com metanol, o extrato clarificado com sulfato de cobre e celite, as toxinas extraídas com clorofórmio e quantificadas em cromatografia camada delgada (CCD) de sílica por comparação da fluorescência da

Rev Saúde Pública 2002;6():19-2 Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos 21 amostra com padrões conhecidos de micotoxinas, segundo o procedimento descrito por Soares & Rodrigues- Amaya. 15 O limite de quantificação do método é de 2 µg/kg para cada aflatoxina e de 25 µg/kg para ocratoxina A. Todos os reagentes utilizados foram grau p.a. Cromatofólios para CCD foram obtidos da Merk, e os padrões de micotoxinas foram obtidos da Sigma. RESULTADOS Nenhuma das 66 amostras analisadas continha níveis detectáveis de ocratoxina A (<25 µg/kg). No período de 1998 a 2000, foram detectadas aflatoxinas em 60 amostras de amendoim e derivados, castanha-do-pará, milho de pipoca e milho em grão, correspondendo a 26,4% das 227 amostras analisadas. Milho em grão foi o produto com maior incidência de contaminação, correspondendo a 60% das amostras analisadas, seguido de paçoca e doces de amendoim (51,2%), amendoim cru (49,1%), amendoim torrado e confeitado (40%), castanha-dopará (,%) e milho de pipoca (1,6%). O número de amostras analisadas positivas para aflatoxinas (>2 µg/kg) e condenadas (FB1+FG1 >0 µg/kg) para esses produtos está na Figura 1. 60 50 40 0 20 0 Figura 2 - Aflatoxinas em amendoim e produtos analisados em 2001 no Distrito Federal. Além das aflatoxinas AFB1 e AFG1, as únicas previstas na legislação do Ministério da Saúde, as AFB2 e AFG2 foram encontradas nas amostras positivas analisadas durante todo o período do estudo. A Figura mostra a incidência de cada aflatoxina do grupo nos produtos contaminados. AFB1 foi detectada em todas as amostras positivas de milho e castanha-do-pará e em 97% das amostras de amendoim e derivados. AFB2 foi a segunda aflatoxina em freqüência de detecção (96,7%), seguida de AFG1 (66,7%) e AFG2 (65,4%). % 0,0 80,0 26 51 5 5 6 Amendoim cru Paçoca e doces de amendoim Analisadas Positivas Condenadas 9 1 1 Amendoim torrado, frito ou confeitado 60,0 60 50 40 5 41 Analisadas Positivas Condenadas 40,0 20,0 0,0 AFB1 AFB2 AFG1 AFG2 Castanha-do-pará Amendoim cru Produtos de amendoim Milho 0 20 26 18 21 15 22 9 4 2 5 Figura - Incidência de aflatoxinas AFB1, AFB2, AFG1, e AFG2 (em %) em amostras de alimentos coletadas no DF. 0 Amendoim cru Paçoca e doces de amendoim Amendoim torrado, frito ou confeitado Castanha-do-pará Milho de pipoca Milho em grão Figura 1 - Aflatoxinas em alimentos analisados no Distrito Federal no período de julho de 1998 a dezembro de 2000. No ano de 2001, o programa de monitoramento de aflatoxinas se concentrou nas amostras de alimentos que apresentaram alta incidência de contaminação nos anos anteriores. Ao todo, foram analisadas 19 amostras (86 amostras de amendoim e derivados, 15 de castanhas diversas, amostras de milho). Aflatoxinas só foram detectadas em amendoim e seus produtos. Em termos percentuais, a incidência de amostras positivas e condenadas desses produtos nesse período (Figura 2) foram significativamente menores que no período anterior, de 1998 a 2000 (Figura 1). A Tabela mostra os níveis de AFB1+AFG1 e de aflatoxinas totais (AFB1+AFB2+AFG1+AFG2) encontrados nas amostras de amendoim e derivados, castanha-do-pará e milho de pipoca. Além de serem os produtos com maior índice de contaminação por aflatoxinas, amendoim e derivados contêm os níveis mais altos. Níveis encontrados em paçoca de amendoim chegaram a 1.280 µg/kg de AFB1+AFG1, valor 42,7 vezes maior que o limite máximo permitido pela legislação brasileira do Ministério da Saúde (0 µg/ kg), e a 1.7 µg/kg de aflatoxinas totais, valor 85,5 vezes maior que o valor recomendado pelo Ministério da Agricultura e FAO/OMS (20 µg/kg). DISCUSSÃO Ocratoxina A tem sido relatada em até 50% das amostras de milho, trigo, arroz e feijão analisadas em vários estados do Brasil. 1,6,15 Apesar de a legislação brasileira não prever níveis máximos dessa

22 Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos Rev Saúde Pública 2002;6():19-2 Tabela - Níveis de aflatoxinas em amostras de alimentos no Distrito Federal de 1998 a 2001. AFB1+AFG1 AFB1+AFB2+AFG1+AFG2 Alimentos % Amostras Concentração* Média** Concentração* Média** positivas (µg/kg) (µg/kg) (µg/kg) (µg/kg) Amendoim cru 9,2-1.200 69 1-1.421 7 Paçoca e doces de amendoim 29,4 15-1.280 59 25-1.7 84 Amendoim confeitado*** 26, 11-50 9 1-660 48 Castanha-do-pará 15,8 42-245 20 48-294 27 Milho de pipoca 6, 1-41 1 111-404 17 *Faixa de concentração das amostras positivas; **Amostras negativas = 1 µg/kg (1/2 limite de quantificação); ***Amendoim torrado, amendoim frito e amendoim confeitado. micotoxina em alimentos, são necessários programas de monitoramento para subsidiar estudos de exposição humana e avaliar a necessidade de estabelecer esses níveis. A presença de aflatoxinas em alimentos tem sido reportada no mundo todo, principalmente em milho, nozes, amendoim, frutas secas, temperos, figo, óleos vegetais, cacau, arroz e algodão. No Brasil, a contaminação de milho tem sido descrita principalmente em milho em grão. Correa et al 6 encontraram 56% das 600 amostras de milho provenientes do Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul, da Argentina e do Paraguai contaminadas com aflatoxinas. Em outro estudo, 98% das 264 amostras de milho em grão de vários estados brasileiros estavam contaminadas por aflatoxinas. 1 Alta incidência de contaminação também foi encontrada no presente estudo, apesar do número limitado de amostras analisadas. Como a maior parte da produção de milho em grão no País é destinada à produção de ração, principalmente para aves, é limitada a importância direta dessa contaminação para a saúde humana. As três amostras de milho de pipoca contaminadas com aflatoxinas eram importadas. Apesar de o percentual de amostras positivas ter sido baixo, os níveis encontrados são altos (até 1.026 µg/kg) e merecem atenção dos órgãos de vigilância sanitária. Entre as castanhas diversas, a castanha-do-pará é o produto com maior incidência de aflatoxinas no Brasil, 1 confirmado em pesquisa anterior no Distrito Federal 1 e no presente estudo. A produção extrativista da castanha-do-pará no Norte do País atende o mercado interno e, principalmente, os mercados da Europa. A devolução de lotes desse produto pelos países importadores devido ao alto nível de contaminação levou o Ministério da Agricultura e do Abastecimento a elaborar um programa de monitoramento da cadeia produtiva da castanha-do-pará, visando a prevenir e controlar a contaminação. 11 Espera-se que a consolidação desse programa também melhore a qualidade do produto consumido nacionalmente. A alta incidência de aflatoxinas em amendoim encontrada no Brasil se deve, principalmente, às tradicionais práticas de colheita, secagem e armazenamento utilizadas pelos produtores. Condições de alta umidade e temperatura aumentam a probabilidade de desenvolvimento do Aspergillus e de produção de aflatoxinas, situação agravada no período chuvoso. 8 O Distrito Federal não produz amendoim e importa a maior parte desse produto e seus derivados do Estado de São Paulo, onde a incidência de aflatoxinas tem sido um problema constante nos últimos 20 anos. 12 Em 1999, amostras advindas de várias regiões de São Paulo apresentaram contaminação média (90%) de 18 µg/kg. 12 Em outro estudo, 71,9% das amostras analisadas provenientes da região de Marília estavam positivas para aflatoxinas, e 47,4% excederam o limite da legislação do Ministério da Saúde. 1 O índice de contaminação por aflatoxinas de amendoim e derivados comercializados no Distrito Federal tem se mantido alto nos últimos anos. No período de 1985 a 1995, 19,8% das 450 amostras analisadas estavam contaminadas, 14 percentual que aumentou para 1,% entre 1996 e junho de 1998 (99 amostras analisadas). 5 Resultados do presente estudo mostraram que esse número aumentou para 49,0% no período entre julho de 1998 e dezembro de 2000 e caiu para 1,9% em 2001. Algumas razões podem ser levantadas para a queda no nível de contaminação ocorrida no último ano, como a baixa incidência de chuvas nas regiões produtoras. Ou mesmo pode haver maior conscientização por parte de produtores, industriais e comerciantes quanto ao problema. Também a divulgação pela mídia, no final de 2000, dos dados de contaminação de alimentos por aflatoxinas no Distrito Federal, levando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a tomar medidas punitivas contra algumas indústrias desses produtos, 2 pode também ter tido um papel importante nos índices de 2001. Porém, só a continuidade do programa de monitoramento poderá dizer se essa melhora na contaminação por aflatoxinas é permanente.

Rev Saúde Pública 2002;6():19-2 Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos 2 De acordo com o International Agency for Reseach on Cancer (IARC), existe evidência suficiente de que a mistura de todas as aflatoxinas produzidas naturalmente (AFB1, AFB2, AFG1 e AFG2) é carcinogênica no homem. 9 As aflatoxinas AFB2 e AFG2, porém, não estão previstas na legislação atual do Ministério da Saúde, 2 que é utilizada nas ações de vigilância sanitária do País. No presente estudo, 9% das amostras positivas continham AFB2, e 65,4% continham AFG2. A paçoca de amendoim e o pé-de-moleque são produtos amplamente consumidos pela população jovem do Distrito Federal, sendo comercializados a baixo custo, principalmente nas escolas. Se for tomado o valor médio de aflatoxinas de 84 µg/kg encontrado em paçoca e doces de amendoim no presente estudo e o peso médio de 25 g/produto, a ingestão de aflatoxinas pelo consumo diário de uma paçoca ou doce de amendoim é de 2,1 µg/pessoa/dia. Esse valor encontra-se na faixa superior dos valores de ingestão considerados seguros (até 5 µg/pessoa/dia) e pode ser ainda maior se for associado a outras fontes de exposição, como o amendoim cru e outros derivados, milho e castanhas. Em conseqüência, o risco da população jovem decorrente da exposição crônica a aflatoxinas pela dieta pode ser significativo. Estima-se que cerca de 5% dos casos de câncer humano estejam diretamente relacionados à dieta, e a presença de aflatoxinas em alimentos é considerada um fator importante na produção de câncer hepático, principalmente em países tropicais. 7 A diminuição da exposição da população a aflatoxinas, e a conseqüente diminuição dos riscos à saúde, somente será possível com um trabalho com os produtores de alimento e com ações eficientes de vigilância sanitária. REFERÊNCIAS 1. Amorim SS, Silva CMG, Pires RA, Santos EA, Castro L, Sá TA et al. Occurrence of mycotoxins in food and feed in Brazil. In: Official Program and Abstract Book of the th International IUPAC Symposium on Mycotoxin and Phycotoxin; 2000; São Paulo. p. 141. 2. Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA]. Legislação. Disponível em URL: http:// www.anvisa.gov.br [dezembro 2001].. Brasil. Decreto-Lei N 6.47, de 20 de agosto de 1977. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 24 ago 1977, 11 nov 1969. 4. Brasil. Portaria MAARA No.18 de 21 de março de 1996. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 25 mar 1996. Seção I. p. 4929. 5. Caldas ED, Silva SC, Oliveira J N, Degering AV. Contaminação por aflatoxinas e ocratoxina A nos alimentos consumidos no Distrito Federal. Rev Saúde Dist Fed 1998;9:44-7. 6. Corrêa TBS, Rodrigues HR, Vargas EA, Assad ED, Prado G, Costa PP. Evaluation of the incidence of mycotoxins in Brazilian maize. In: Official Program and Abstract Book of the th International IUPAC Symposium on Mycotoxin and Phycotoxin; 2000; São Paulo. p. 14. 7 Doll R, Peto R. The causes of cancer: quantitative estimates of avoidable risks of cancer in the United States today. J Natl Cancer Inst 1981;66:1191-08. 8. Fonseca H. Estudo da aflatoxina no amendoim, da colheita à industrialização. Anais ESALQ 1976;:65-405. 9. International Agency of Research on Cancer [IARC]. Evaluation of carcinogenic risks to humans: some naturally occuring substances: aromatic amines and mycotoxins. Lyon; 1997. p. 245-95. (IARC Monographs, 56).. Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Aditives [JECFA]. Safety evaluation of certain food additives and contaminants Aflatoxins. Geneva: World Health Organization; 1998. 11. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Prevenção de aflatoxinas em castanha-do-brasil: Cartilha do produtor. Brasília (DF); 2000. 12. Sabino M, Lamardo LCA, Milanez TV, Inomata EI, Zorzetto AP, Navas AS, Galvão MS. Twenty years of aflatoxin contamination in groundnuts and groundnut products in São Paulo State, Brazil. In: Official Program and Abstract Book of the th International IUPAC Symposium on Mycotoxin and Phycotoxin; 2000; São Paulo, Brasil. p. 151. 1. Shundo L, Silva R A. Occurrence of aflatoxins in peanut and peanut products in the region of Marília (SP) Brazil. In: Official Program and Abstract Book of the th International IUPAC Symposium on Mycotoxin and Phycotoxin; 2000, São Paulo. p. 1. 14. Silva SC, Oliveira JN, Caldas ED. Aflatoxinas em alimentos comercializados no Distrito Federal de 1985 a 1995. Rev Inst Adolfo Lutz, 1996;56:49-52. 15. Soares LMV, Rodriguez-Amaya DB. Survey of aflatoxins, ochratoxin A, zearalenone, and sterigmatocystin in some Brazilian foods by using multi-toxin thin-layer chromatographic method. J Assoc Off Anal Chem 1989;72:22-6.