Parecer Coletivo Estudo Preliminar Imposto de Renda. Retenção na Fonte. Apropriação. Município. Alteração. Receita Federal. Parecer. Transferência para União. Impossibilidade. Ação Judicial. A presente avaliação jurídica diz respeito à pretensão da Receita Federal do Brasil em apropriar-se de rendas provenientes do imposto de renda retido na fonte (IRRF), destinado constitucionalmente aos Estados, Distrito Federal, Municípios, suas autarquias e fundações, buscando incorporar tais valores ao patrimônio da União. A tentativa da RFB tem como base uma tese jurídica criada pela denominada Solução de Consulta 166/2015, nome pomposo que apresenta uma série de conjecturas acerca da possibilidade de agregar aos ganhos da União, os valores resultantes do IRRF sobre contratos firmados pelos Municípios, suas autarquias e fundações, que não sejam diretamente vinculados à folha de pagamento própria. O embasamento para a retenção do imposto de renda retido na fonte é o art. 158, I, da Constituição Federal, em vigor desde 1988, ou seja, há 28 anos. Embora já tenha havido estudos, pareceres e posições idênticas ao que se discute no momento, em anos anteriores, a situação jamais sofreu alterações, eis que inexistem elementos suficientemente consistentes e capazes para mudar o destino de tais recursos. Diz o dispositivo constitucional invocado: Art. 158. Pertencem aos municípios: I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem. [...] Segundo interpretação unilateral da RFB, em parecer, especificado na referida Consulta 166/2015, caberia aos municípios somente o produto da retenção na fonte do Imposto de Renda incidente sobre rendimentos do trabalho que pagarem a seus servidores e empregados. Por outro lado, deveria ser recolhido à Secretaria da Receita Federal o IRRF pelas Municipalidades, incidente sobre rendimentos pagos por estas a pessoas jurídicas, decorrentes de contratos de fornecimento de bens e/ou serviços. A Receita Federal levanta questionamentos no seu parecer sobre a competência do recolhimento do IRRF. Se tais valores seriam depositados à conta do ente municipal somente com relação às pessoas físicas, dai decorrente apenas do vínculo empregatício mantido, ou se abrangeria, como sempre foi, as pessoas jurídicas prestadoras de serviço.
E sobre essa situação nebulosa, de dúvidas levantadas e de conclusão tendenciosa para os interesses da RFB, discute-se o que venha ser rendas, proventos e rendimentos, para haver a aplicação do inciso I, do art. 158, da CF/88. Ainda de acordo com o parecer da RFB, a CF de 1988, utilizou o termo rendimentos, sem dizer se seriam apenas aqueles do trabalho ou se englobariam outras importâncias pagas. Veja-se que a afirmação é da própria Receita, que admite a falta de especificidade e clareza do texto constitucional em relação à matéria objeto de sua conclusão. Como toda a celeuma se cria através da definição do que venha ser rendimentos, para fins de adequação ao dispositivo constitucional e da propriedade dos valores em discussão, na sequência da Consulta 166/2015, o conteúdo exprime as variáveis de interpretação sobre a questão, com a seguinte afirmativa: Pode-se ter um conceito mais abrangente e um mais restritivo de rendimentos. Apenas colacionando as passagens mais interessantes da Consulta 166/2015, cada vez mais resta confirmado tratar-se de uma tentativa da RFB, do tipo se colar colou, pois há um devaneio conceitual do tema. Diz o texto da Receita: Sob uma perspectiva abrangente, quando existe legislação federal que prevê a obrigatoriedade da incidência de IRRF sobre determinado tipo de pagamento, pode-se argumentar que o faz porque determinada fração desse tipo de pagamento é caracterizada como renda presumida, circunstância que permite a incidência de IRRF. Assim, qualquer pagamento sujeito à incidência de IRRF conteria em certa medida também pagamento de rendimento. A própria Receita Federal entende que a questão é complexa e pode provocar múltiplas interpretações, o que reafirma ser mera tentativa de gerar um fato novo na arrecadação da União, sem a correspondente autorização legal e sem o embasamento técnico pertinente. O que a Receita Federal quer dizer é que o termo rendimentos não se aplicaria aos contratos de prestadores de serviços, isso porque ela adota somente a primeira parte do inciso I, do art. 158, que se refere a proventos, ai sim, inseridos no contexto da folha de pagamentos e a incidência do IRRF. Contudo, o dispositivo, como acontece há décadas, especialmente após a Constituição Federal de 1988, agrega também o IRRF decorrente dos demais contratos que são firmados pela Administração Municipal. No artigo precedente na CF/88, os Estados não sofrem qualquer discussão acerca da mesma previsão. O art. 157, I, diz que haverá incidência de imposto de renda na fonte sobre os rendimentos pagos pelos Estados e Distrito Federal, suas autarquias e fundações que instituírem e mantiverem. Assim, o produto da arrecadação pertence a esses entes federativos.
Logo, quando se trata de município, suas autarquias e fundações, a regra constitucional possui a mesma validade e eficácia, sendo o produto desta equação exclusivamente pertencente aos entes federados geradores de tais tributos, não cabendo repasse algum para a União. Nesta mesma linha de entendimento, o Tribunal de Contas da União se manifestou no Processo nº 006.391/1999-0. Segundo a Corte Administrativa, a Constituição destinou aos entes ali mencionados o produto da arrecadação do imposto sobre a renda incidente na fonte sobre os pagamentos por ele efetuados. Assim, cabe aos entes municipais, como de resto às demais esferas e órgãos legitimados pela Carta da República, efetuar a retenção do Imposto de Renda Retido na Fonte. E somente a retenção na fonte. Eventual alegação de compensações ou o recolhimento de imposto de renda ao final de cada ano por todos os contribuintes pertencer exclusivamente à União, não retira a autorização constitucional daqueles valores atinentes aos rendimentos descontados na fonte, ser dos entes que o gerarem. Diz o TCU que os ajustes que decorram da legislação ordinária, efetuados quando da declaração anual, não devem afetar a posição dos entes que já retiveram o tributo na fonte, uma vez que a Constituição destina, nos arts. 157, inciso I, e 158, inciso I, o "produto da arrecadação do imposto da União sobre a renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem". Para a apuração dos valores incidentes sobre o resultado do trabalho, a legislação estabelece uma série de critérios e regramento para o recolhimento, bem como para isenções, faixas de contribuição previdenciária, inclusão de dependentes e os descontos correspondentes. Contudo, quando do ajuste, ao final de cada ano, o contribuinte pode declarar despesas médicas e com educação, por exemplo, que não são retidas na fonte e cuja responsabilidade é exclusiva da União. Portanto, a previsão constitucional dos arts. 157 e 158 implica dizer que pertence aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a arrecadação líquida do imposto de renda incidente na fonte sobre os rendimentos pagos por eles, suas autarquias e fundações. Contudo, a arrecadação deve referir-se exclusivamente à tributação na fonte, e não à totalidade do imposto de renda, por força do mandamento constitucional. Esta sim pertence à União. Vale referir novamente: ao município cabe somente o produto da arrecadação obtida como desconto na fonte. A totalidade do Imposto de Renda, especialmente quando do ajuste anual, se vincula estritamente a Receita Federal. Logo, toda a arrecadação resultante da correta aplicação da legislação que trata de incidência na fonte pertence a esses entes da Federação. Acertos que decorram da declaração anual de ajuste não podem ser considerados para fins de apuração do quantum de que tratam os arts. 157 e 158.
A situação ora posta em exame vem sendo aprimorada na nossa Constituição, desde a Carta de 1967, assim vejamos: A Carta de 1967, em seus artigos 24 e 25, previa: "Art.24... 1 Pertence aos Estados e ao Distrito Federal o produto da arrecadação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza que, de acordo com a lei federal, são obrigados a reter como fontes pagadoras de rendimentos do trabalho e dos títulos da sua dívida pública." "Art.25... 2 Pertencem aos Municípios: a)... b) o produto da arrecadação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza que, de acordo com a lei federal, são obrigados a reter como fontes pagadoras de rendimentos do trabalho e dos títulos da sua dívida pública." Já o texto da Emenda Constitucional n 1/69, dispunha de forma ligeiramente diversa: "Art.23... 1 O produto da arrecadação do imposto a que se refere o item IV do art. 21, incidente sobre rendimentos do trabalho e de títulos da dívida pública pagos pelos Estados e pelo Distrito Federal, será distribuído a estes, na forma que a lei estabelecer, quando forem obrigados a reter o tributo." "Art.24... 2 Será distribuído aos Municípios, na forma que a lei estabelecer, o produto da arrecadação do imposto de que trata o item IV do art. 21, incidente sobre rendimentos do trabalho e de títulos da dívida pública por eles pagos, quando forem obrigados a reter o tributo." A Constituição Federal de 1988 deu maior consistência ao texto e consolidou de forma definitiva a autorização antes especificamente tratada em relação aos empregados e dívida pública, para os redimentos de qualquer natureza como vem expresso no conteúdo da Lei Maior. Vale reprisar o conteúdo referido, onde cabe ao Município: I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem. [...]
Percebe-se que o texto trata de renda (todos os valores auferidos pelo erário) proventos (folha de pagamento) e rendimentos pagos a qualquer título. Ou seja, valores que refletem rendas sob qualquer justificativa ou natureza, deve ter a incidência do IRRF, pertencente ao ente gerador, no caso analisado, o Município, suas autarquias e fundações. Ainda de acordo com o TCU, importante registrar que a questão não se limita ao imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos aos servidores públicos. Já nas antigas Constituições, era destinado àqueles entes políticos, além do imposto incidente sobre os rendimentos do trabalho, o imposto incidente sobre os rendimentos dos títulos de dívida pública. A Constituição de 1988, ao tratar do assunto, atribuiu a essas pessoas o produto da arrecadação desse imposto, incidente na fonte, sobre os rendimentos por ela pagos, a qualquer título. Logo, sempre que houver retenção na fonte, inclusive relativo aos pagamentos efetuados à pessoa jurídica, o produto dessa arrecadação pertence ao Estado, Distrito Federal ou Município do qual se originou o pagamento. Concluindo, o entendimento esposado pela Solução de Consulta 166/2015, da Receita Federal do Brasil, a questão nada mais é do que uma nova tentativa de abocanhar recursos financeiros que constitucionalmente pertencem aos entes federados que geram os contratos e, consequentemente, o IRRF. No caso em exame, trata-se de ação ilegal e inconstitucional promovida ou tentada pela RFB, que deve ser rechaçada pelos Municípios, seja através do descumprimento de tal pretensão, seja por meio de ação judicial correspondente a cada ente municipal, abrangendo suas autarquias e fundações, visando preservar o erário e seus gestores. É o parecer. Porto Alegre, 20 de abril de 2016. CDP Consultoria em Direito Público Gladimir Chiele OAB/RS 41.290