A RIO+10 E OS GOVERNOS LOCAIS MARIA SÍLVIA BARROS LORENZETTI Consultora Legislativa da Área XIII Desenvolvimento Urbano e Transportes NOVEMBRO/2002
2 2002 Câmara dos Deputados. Todos os direitos reservados. Este trabalho poderá ser reproduzido ou transmitido na íntegra, desde que citados a autora e a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. São vedadas a venda, a reprodução parcial e a tradução, sem autorização prévia por escrito da Câmara dos Deputados. Câmara dos Deputados Praça dos 3 Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF 2
3 A Rio+10 e os Governos Locais Este trabalho pretende discutir o papel dos governos locais na implementação das propostas derivadas da Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável Rio+10. A RIO+10 E m 1992, realizou-se na cidade do Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também chamada Cúpula da Terra ou Rio-92 1. Essa Conferência gerou alguns documentos, entre os quais destacam-se a Agenda 21, um amplo programa de ação global, e a Declaração do Rio, um conjunto de 27 princípios por meio dos quais deve ser conduzida a interação dos seres humanos com o planeta. Tais documentos devem conformar as políticas públicas essenciais para alcançar um modelo de desenvolvimento sustentável 2. Também fruto da Rio-92 foi a instituição da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), com o intuito de desenvolver parcerias entre as Nações Unidas e organizações não-governamentais, bem como de estimular, nos vários países, a criação de comissões nacionais semelhantes e a definição de estratégias de desenvolvimento sustentável. Decorridos cinco anos da Cúpula da Terra, teve lugar no Rio de Janeiro uma Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas, mais conhecida como Rio +5, visando a avaliar a implementação da Agenda 21. O encontro identificou importantes lacunas, em especial no que se refere à busca de eqüidade social e à redução da pobreza. Identificou, ainda, a necessidade de tornar mais eficiente a implementação da Agenda 21 e de acordos e convenções relativos a meio ambiente e desenvolvimento. Em 2000, a CDS sugeriu a realização de uma nova conferência, desta vez sobre desenvolvimento sustentável. Nasceu, assim, a idéia da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que cumpriu-se na cidade de Joanesburgo, África do Sul, entre os dias 26 de agosto e 4 de setembro. 3
4 A Cúpula de Joanesburgo, que está sendo considerada a maior conferência já realizada pela ONU, contou com quase 8 mil delegados oficiais, representando 193 países, com a presença de 105 Chefes-de-Estado, além de dezenas de organizações internacionais, num total de cerca de 40 mil participantes. Sua missão foi a de avaliar os resultados alcançados em termos de meio ambiente no mundo e em cada país desde a Rio-92, motivo pelo qual vem sendo conhecida como Rio +10. A partir dessa avaliação de erros e acertos, a Rio +10 deve traçar traçadas metas para a próxima década, de forma a orientar as políticas de desenvolvimento em todo o mundo. OS DESAFIOS... Não obstante o admirável crescimento econômico que marcou o século passado, a miséria e a desigualdade pressionam as sociedades e os recursos naturais. Tais recursos estão sendo esgotados, particularmente devido aos padrões de produção e consumo insustentáveis registrados na maioria dos países industrializados, padrões esses que respondem por um nível de poluição que afeta o meio ambiente global. Os números são eloqüentes: um quinto da população do planeta (estimada hoje em mais de 6 bilhões de pessoas) sobrevive com menos de um dólar por dia; cerca de 1,1 bilhão de pessoas não tem acesso à água potável, o que representa uma significativa causa de doenças nos países em desenvolvimento; a mortalidade infantil é dez vezes maior nos países em desenvolvimento em comparação com os países industrializados. A Organização Mundial de Saúde estima que a má qualidade ambiental contribui com 25% das doenças passíveis de prevenção no mundo. O principal desafio do desenvolvimento sustentável é o de promover a melhoria da qualidade de vida das pessoas, conservando, ao mesmo tempo, os recursos naturais, em um mundo marcado pela crescente demanda de água, energia, alimentos, habitação, saneamento, entre outros imperativos. Revelam-se particularmente importantes: a redução da pobreza; a garantia do acesso à água potável e a fontes de energia para todas as comunidades, como forma de melhorar a qualidade de vida; a redução dos problemas de saúde relacionados ao saneamento ambiental; o compromisso com o crescimento econômico responsável, que respeite o meio ambiente; a reavaliação dos padrões de produção e consumo, reduzindo a produção de resíduos e a dependência de recursos naturais; a cooperação e o compartilhamento de conhecimentos, tecnologias e recursos entre todos os países. De um modo geral, pode-se dizer que, se o desenvolvimento sustentável requer ações distintas em cada região do mundo, um modo de vida sustentável impõe a integração de ações em três áreas: crescimento e eqüidade econômica: abordagem integrada dos sistemas econômicos para promover um crescimento responsável, sem excluir nações ou comunidades; 4
5 conservação dos recursos naturais e do meio ambiente: desenvolvimento de soluções economicamente viáveis para reduzir o consumo de recursos naturais, deter a poluição e conservar o meio ambiente natural; desenvolvimento social: atendimento das necessidades humanas de alimento, água e saneamento, saúde, energia, educação e emprego.... E O CAMINHO DA SUPERAÇÃO A Agenda 21, documento adotado pela comunidade internacional por ocasião da Rio- 92, representa um plano global para o enfrentamento dos desafios do desenvolvimento sustentável. Ela deve servir de parâmetro para a integração das questões ambientais, sociais e econômicas na formulação de políticas públicas por parte de cada País. Passados dez anos, pode-se verificar que as propostas da Agenda 21 continuam oportunas e acertadas, tendo na inclusão social sua principal marca. A Rio +10 produziu dois documentos: a Declaração Política e o Plano de Implementação. O documento político, com o título Compromisso de Joanesburgo por um Desenvolvimento Sustentável, reconhece que os objetivos estabelecidos em 1992 não foram alcançados e estabelece como foco a reafirmação dos compromissos com a Agenda 21. A Declaração Política, com 69 parágrafos distribuídos por seis grandes temas, não contém metas, mas expressa alguns conceitos, entre os quais merecem destaque: a proteção ao meio ambiente, o desenvolvimento social e o desenvolvimento econômico são as bases do desenvolvimento sustentável; o objetivo maior a ser perseguido é o de lograr dignidade humana para todos; a erradicação da pobreza, a modificação dos padrões de produção e consumo e a proteção aos recursos naturais são objetivos básicos a serem alcançados; a necessidade de modificação nas formas de governança, com instituições internacionais e multilaterais reforçadas e responsáveis. O Plano de Implementação, por sua vez, está dividido em dez capítulos, num total de 152 parágrafos, e aponta três objetivos supremos a serem alcançados: a erradicação da pobreza, a mudança dos padrões insustentáveis de produção e consumo e a proteção aos recursos naturais. O Plano considera, ainda, que uma boa governança é essencial para o desenvolvimento sustentável, entendendo que boa governança, no nível interno de cada País, inclui, entre outros elementos, políticas econômicas e sociais responsáveis, instituições democráticas e respeito ao estado de direito. Aspectos relevantes foram discutidos e, entre as decisões acordadas, merecem destaque: redução pela metade, até 2015, da proporção de pessoas com renda inferior a um dólar ao dia e sem acesso à água potável; reafirmação do compromisso de estabelecer um Fundo Mundial para a Erradicação da Pobreza e Promover o Desenvolvimento Social e Humano nos Países em Desenvolvimento; recomendações quanto ao acesso eqüitativo aos serviços de saneamento e saúde, bem como quanto à melhoria da qualidade de vida de milhões de favelados em todo o mundo; redução, até 2015, da mortalidade infantil em dois terços e da mortalidade materna em três quartos; 5
6 encorajamento à adoção de um programa de dez anos para aumentar a eficiência no uso dos recursos naturais e reduzir a degradação ambiental, a poluição e o desperdício; recomendação quanto ao incremento substancial no uso de fontes de energia renováveis. É importante observar que os documentos produzidos pela Rio +10, como é tradicional nas reuniões da ONU, somente incorporam teses sobre as quais houve consenso entre os países. Além disso, as decisões não têm força mandatória, constituindo apenas um guia para a ação dos governos e da sociedade civil. De um modo geral, os resultados da Cúpula de Joanesburgo estão sendo recebidos com frustração. Há que se reconhecer, no entanto, alguns aspectos positivos. No dizer do ex-deputado Fábio Feldmann 3 :... o Plano de Implementação, por si só, revela-se insuficiente para tratar adequadamente o que vem sendo chamado de déficit de implementação da Conferência do Rio. Não se pode negar, entretanto, que ele reflete a evolução dos dez anos decorridos desde a Conferência do Rio, ao tratar especificamente da globalização, uma discussão não presente em 1992, e ao contemplar, de forma ainda não vista em documentos desse tipo, a indissociabilidade dos três pilares do desenvolvimento sustentável, as necessidades sociais, econômicas e ambientais.. E OS GOVERNOS LOCAIS? Parece consenso que o sucesso das políticas de desenvolvimento sustentável depende de uma significativa modificação nos processos de formulação e gestão das políticas públicas em geral. Há que se trabalhar cada vez mais em parceria, unindo governos centrais, regionais e locais, organizações não-governamentais e empresas. Consciente disso, a Rio +10 incluiu, entre os atores das discussões, uma vasta gama de grupos relevantes, entre eles as autoridades locais, com o objetivo de identificar um conjunto de parcerias, concentradas em ações setoriais específicas, para fortalecer a implementação da Agenda 21. Isso representa um sinal significativo de mudança, uma vez que a tradição dos organismos da ONU é trabalhar apenas com o nível central dos governos de cada País e seus representantes diplomáticos. Cabe lembrar que, em 1992, no Rio de Janeiro, organizações não-governamentais e outros grupos interessados da sociedade civil tiveram espaço na conferência propriamente dita, mas apenas num fórum paralelo. No caso das autoridades locais, sua primeira experiência de inclusão formal em megaeventos da ONU foi em 1996, por ocasião da 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat II), realizada em Istambul 4, quando tiveram a oportunidade de manifestar-se amplamente. Em Joanesburgo, os governos locais foram chamados a participar das reuniões de parceiros realizadas durante a conferência, tendo preparado um documento para ser apresentado em uma das sessões plenárias da Cúpula. Nesse documento, as autoridades locais reafirmam seu compromisso com o desenvolvimento sustentável e com a boa governança, bem como reclamam, dos governos nacionais, o reconhecimento da esfera local como uma instância vital de governo. O texto ainda destaca a necessidade do fortalecimento da cooperação entre as autoridades locais, de um lado, e os governos nacionais e organismos internacionais, de outro. Não obstante, as autoridades locais lamentaram as limitadas referências que o documento final da Conferência faz ao papel a ser desempenhado por elas no âmbito do desenvolvimento sustentável. De fato, pode-se dizer que o foco das questões relacionadas a parcerias está nas relações globais (entre nações) ou naquelas envolvendo os setores público e privado e as organizações nãogovernamentais. 6
7 Os objetivos do Plano de Implementação (e da Agenda 21) não podem ser alcançados sem a decisiva participação dos governos locais. Questões como o abastecimento de água potável, o acesso aos serviços de saneamento e a melhoria da qualidade de vida das populações faveladas, apenas para citar poucos exemplos, estão indissoluvelmente ligados à gestão local. Pela sua proximidade com os cidadãos, o governo local constitui a instância mais indicada para a identificação dos problemas e a implementação de soluções relativas não só a essas questões, como a tantas outras ligadas ao desenvolvimento sustentável. Essa afirmação é particularmente significativa no Brasil, pois a nossa Constituição Federal define competências executivas comuns em vários dos setores diretamente relacionados com o Plano de Implementação. Assim diz a Carta Magna: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:... VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;... IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;... O tema da sessão dedicada aos governos locais na Rio +10 resume a importância desses parceiros: a ação local move o mundo. A despeito da clareza com que essa importância se apresenta, verifica-se a necessidade de conferir às autoridades locais uma posição de maior destaque na luta pelo desenvolvimento sustentável, tanto no Brasil, como em outros países do mundo. Para isso, algumas medidas parecem impor-se. Em primeiro lugar, existe a necessidade de melhor capacitar os governos locais para as tarefas que lhes cabem. Cooperação entre cidades e troca de experiências são ferramentas vitais para a melhoria da gestão local, a par do apoio dos governos nacionais e da comunidade internacional, que também não deve ser negligenciado. Ademais, é preciso rever o desenho institucional do Sistema das Nações Unidas, para que se torne mais fácil o diálogo dos organismos internacionais com as autoridades locais. Nesse sentido, a criação do Comitê Consultor das Nações Unidas para Autoridades Locais 5 foi um passo fundamental. Finalmente, é importante criar e consolidar, tanto no nível interno de cada País, como na esfera internacional, associações de autoridades locais, que sejam representativas e capazes de atuar como interlocutores legítimos junto aos governos nacionais e aos organismos internacionais. NOTAS DE REFERÊNCIA 1 Antes da Rio-92, a primeira vez que a ONU intentou discutir questões relacionadas ao meio ambiente global e as necessidades do desenvolvimento foi em Estocolmo, Suécia, em 1972, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, que teve como uma de suas conseqüências a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com sede em Nairobi, Quênia. 7
8 2 Segundo o Relatório Nosso Futuro Comum, de 1987, o conceito caracteriza-se como o desenvolvimento que atende às necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade de as futuras gerações terem suas próprias necessidades atendidas. 3 Secretário-Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, nomeado representante do Presidente da República para a Rio +10. 4 Habitat II foi a primeira conferência da ONU identificada como uma conferência de parceiros, com a montagem de um comitê específico onde os delegados de cada País receberiam os parceiros (organizações não-governamentais, acadêmicos, prefeitos, parlamentares, etc.). Foi também a primeira em que os diversos parceiros foram devidamente categorizados, e não tratados de forma homogênea. 5 United Nations Advisory Committee of Local Authorities (UNCLA), criado no ano de 2000, como uma conseqüência da Conferência de Istambul. É ligado ao United Nations Centre on Human Settlements (UNCHS) Centro das Nações Unidas para Assentamentos Humanos. REFERÊNCIAS 1. PINTO, Vitor Gomes. Informe sobre a Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável. Artigo capturado na Internet. 2. Feldmann, Fábio. Repensando as relações multilaterais. Artigo capturado na Internet. 3. Wilheim, Jorge. O Caminho de Istambul Memórias de uma Conferência da ONU. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. 4. Sites da Internet: http://www.riomaisdez.gov.br http://www.riomaisdez.org.br http://www.iclei.org 209342 8