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Acta obstet Ginecol Port 2010;4(3):119-125 Artigo original/original Article Recorrências no carcinoma da mama: características em função do intervalo livre de doença Breast cancer recurrence: characteristics according to disease free interval Ana Cláudia Rodrigues*, Ana Soia Custódio*, Soia Saleiro*, Sandra Lemos*, Cristina Frutuoso**, Carlos Freire-de-Oliveira*** Hospitais da Universidade de Coimbra ABStRACt Objective: To compare tumour characteristics between three groups of breast cancer patients, according to different intervals in disease-free survival. Material and methods: Retrospective assessment of 121 cases of unilateral non-metastatic breast cancer treated at our institution between January 1992 and December 2002, who suffered a recurrence after a disease-free period. Patients were divided into three groups according to the time of irst treatment failure: A- recurrence detected within two years, B- recurrence detected between two and ive years, C- recurrence detected after ive years. The clinical and pathological characteristics of the tumours were compared between the tree groups. Results: Fifty-four women were in group A (44.6%), 41 in group B (33.9%), and 26 in group C (21.5%). Group C had a signiicantly lower number of initial stage tumours when compared with groups A and B (I A-20.4%, B-19.5%, C-42.3%; IIa A-29.6%, B-21.95%, C-30.8%; IIb A-22.2%, B-21.95%, C-11.5%; IIIa A-7.4%, B-9.76%, C-0%; IIIb A-20.4%, B-26.8%, C-15.4%). Rare breast tumours of good prognosis were more frequent in group C than in group A (p=0.021). Group A had a signiicantly higher number of ER-negative tumours (A-55.6%, B-19.5%, C-19.2%). Mean global survival was 32.2 months in group A,57.9 months in group B and 102.4 months in group C (p<0.001). Mean survival after recurrence was also higher in group C (p=0.003). Conclusions: These indings suggest that patients with earlier breast cancer recurrences have higher rates of ER-negative tumours and a lower survival. There was delayed onset of recurrence in stage I and Ia-tumours. Keywords: breast cancer; recurrence; metastasis; disease-free period; tumour stage introdução As recorrências tumorais são responsáveis pela maioria das mortes por cancro da mama, que continua a ser a segunda principal causa de morte na mulher *Médica Interna Complementar de Ginecologia/Obstetrícia **Assistente hospitalar de Ginecologia ***Professor Catedrático de Ginecologia em todo o mundo 1. Esta é uma doença heterogénea, conhecida pela propensão para recorrer, desde poucos meses a várias décadas, após o tratamento inicial. Demicheli et al identiicaram dois picos de recorrência locoregional e metastização à distância aos 18 e 60 meses 2. Crowle et al constaram a existência de recorrências mais de 30 anos após o tratamento cirúrgico inicial 3. 119

Rodrigues AC, Custódio AS, Saleiro S, Lemos S, Frutuoso C, Freire-de-oliveira C Os factores de prognóstico e preditivos da evolução da doença podem ser divididos em clínicos (classiicação TNM, localização tumoral, estado hormonal e idade da doente), anátomopatológicos (tipo histológico, extensão do componente in situ, margens de segurança, tamanho histológico, grau histológico, status dos gânglios linfáticos axilares e invasão vascular) e biológicos (receptores hormonais e herb-2). O objectivo deste trabalho foi comparar as características clínicas e anátomo-patológicas dos tumores da mama que sofreram recorrência em função da duração do intervalo livre de doença. O conhecimento dos factores que inluenciam o intervalo livre de doença é muito importante, uma vez que pode levar ao estabelecimento de novas estratégicas terapêuticas e de um programa de seguimento apropriado. MAtERiAL E MétoDoS O presente trabalho avaliou retrospectivamente 121 casos de doentes com carcinoma da mama que receberam tratamento no Serviço de Ginecologia dos hospitais da universidade de Coimbra entre 1 de Janeiro de 1992 e 31 de Dezembro de 2002. Os critérios de selecção foram: género feminino, carcinomas da mama unilaterais, não-metastáticos ao diagnóstico e que vieram a sofrer recorrência após um período livre de doença, com um follow-up mínimo de 5 anos e informação sobre a recorrência e ocorrência de morte. As doentes incluídas foram submetidas a tratamento de acordo com o protocolo do Serviço standard à data do diagnóstico. O tumor primário foi tratado com mastectomia em 108 casos e com cirurgia conservadora em 13 casos. Cento e doze realizaram esvaziamento axilar. A quimioterapia foi usada como tratamento neoadjuvante em 59 e como adjuvante em 96. Nove doentes receberam radioterapia pré-operatória e 51 radioterapia pós-operatória. Foi usada hormonoterapia em 71 mulheres. O follow-up incluiu consultas trimestrais nos primeiros dois anos, semestrais até o 5º ano e a partir daí anuais. O intervalo livre de doença foi deinido como o intervalo de tempo entre o inal do tratamento do tumor primário e o diagnóstico da recorrência mais precoce. Foi considerada como recorrência quer a recorrência loco-regional quer a metastização à distância. O diagnóstico de recorrência foi estabelecido por imagiologia (óssea, torácica, abdominal, pélvica, cerebral) e/ ou por biopsia. As doentes integradas foram distribuídas por três grupos: Grupo A recorrência nos primeiros 24 meses; Grupo B recorrência entre os 24 e 60 meses; Grupo C recorrência após os 60 meses. As seguintes variáveis foram avaliadas e comparadas entre os três grupos: idade à data do diagnóstico, estado hormonal, localização do tumor primário, estádio clínico, tipo histológico, grau de diferenciação, presença de componente in situ, multifocalidade, receptores de estrogénio (RE), her-2, tratamento e localização das recorrências. As recorrências foram divididas em loco-regionais e à distância e estas últimas em ósseas e viscerais. A análise estatística dos dados foi efectuada através do programa Statistical Packages for Social Sciences-14, usando o teste de Mann Whitney para as variáveis qualitativas e o teste t-student para as variáveis quantitativas. Foram ainda obtidas curvas de sobrevivência global e após recorrência para os três grupos pelo método de Kaplan-Meier e comparadas usando o teste de log-rank. um valor de p inferior a 0.05 foi considerado estatisticamente signiicativo. RESuLtADoS Dos casos incluídos, 54 (44.6%) foram incluídos no grupo A, 41 (33.9%) no grupo B e 26 (21.5%) no grupo C. O intervalo livre de doença médio foi de 36.4 meses, variando entre 4 e 139 meses. A idade média à data do diagnóstico foi de 54.2 anos no grupo A, de 54.9 anos no grupo B e de 53.4 anos no grupo C (p=n.s.). A maioria dos tumores, nos três grupos, foi diagnosticada em mulheres pós-menopáusicas (A-64.8%, B-68.3%, C-69.2%, p=n.s.). A mama esquerda foi a localização do tumor primário em 66.7% das mulheres no grupo A, 63.4% no grupo B e 61.5% no grupo C (p=n.s.). 120

Acta obstet Ginecol Port 2010;4(3):119-125 Tabela I Características do tumor primário 121

Rodrigues AC, Custódio AS, Saleiro S, Lemos S, Frutuoso C, Freire-de-oliveira C Os tumores com recorrência após os 60 meses foram diagnosticados num estádio inicial mais precoce em relação aos do grupo A e do grupo B (I A-20.4%, B-19.5%, C-42.3%; IIa A-29.6%, B-21.95%, C-30.8%; IIb A-22.2%, B-21.95%, C-11.5%; IIIa A-7.4%, B-9.76%, C-0%; IIIb A- 20.4%, B-26.8%, C-15.4%). A percentagem de formas histológicas raras de bom prognóstico foi mais elevada no grupo C comparativamente ao grupo A (A-1.85% vs. C-11.5%, p=0.021). O grau de diferenciação não mostrou diferenças com signiicado estatístico entre os três grupos. Sete doentes do grupo A, 3 do grupo B e 5 do grupo C apresentavam tumores com componente in situ extenso (A-13.0%, B-7.3%, C-19.2%, p=n.s.) A multifocalidade foi diagnosticada em 4 mulheres do Tabela II Tratamento do tumor primário Tabela III Características das recorrências 122

Acta obstet Ginecol Port 2010;4(3):119-125 grupo A, 7 do grupo B e duas do grupo C (A-7.4%, B-17.1%, C-7.7%, p=n.s.). Os tumores RE-negativos foram signiicativamente mais frequentes no grupo A (A-55.6%, B- 19.5%, C-19.2%). Não foram identiicados tumores com positividade para o herb-2 no grupo C. Considerando o subgrupo de tumores grau 2/3, RE negativos e N+, a maioria das mulheres sofreu recorrência antes dos 2 anos (A-38.9%, B-9.8%, C-7.7%). As características dos tumores primários estão resumidas na Tabela I. A mastectomia radical modiicada foi o procedimento cirúrgico mais comum nos três grupos (A-83.3%, B-82.9%, C-84.6%, p=n.s.). Foi realizada quimioterapia em 92.6%, 80.5% e 88.5% das doentes incluídas, respectivamente, nos grupos A, B e C (p=n.s.). Trinta doentes do grupo A, 19 do grupo B e 13 do grupo C foram submetidas a radioterapia (A-55.6%, B-46.3%, C50.0%, p=n.s.). A hormonoterapia foi menos utilizada como terapêutica adjuvante no grupo A (A-40.7%, B-70.7%, C-79.9%). Metade das doentes do grupo C que foram submetidas a hormonoterapia, recidivaram após a suspensão da terapêutica (Tabela II). Nos três grupos, as recorrências apresentaram-se maioritariamente sobre a forma de metastização à distância (A-79.6%, B-78.0%, C-57.7%), não se tendo veriicado diferenças com signiicado estatístico quando se considerou a ocorrência de metastização óssea versus visceral (Tabela III). As sobrevivências globais médias foram de A-32.2 meses, B-57.9 meses e C-102.4 meses (p <0.001). Após recorrência tumoral, a sobrevivência foi signiicativamente maior no grupo C (A- 20.2 meses, B-16.9 meses, C-21.9 meses, p=0.003). Figura 1. Curva de sobrevivência global (p<0.001) 123

Rodrigues AC, Custódio AS, Saleiro S, Lemos S, Frutuoso C, Freire-de-oliveira C Figura 2. Curva de sobrevivência após recorrência (p=0.003) DiSCuSSão As recorrências do cancro da mama podem surgir, desde poucos meses a muitas décadas, após o tratamento inicial, em função das características clínicas e anátomo-patológicas dos tumores primários. Nesta amostra, tal como na maioria das séries publicadas, as recorrências prevalecem nos primeiros cinco anos, no entanto cerca de 20% podem ter lugar após os 60 meses 3,4. As mulheres jovens e pré-menopáusicas têm maior taxa de recorrência tumoral. No entanto, Nishimura et al concluíram que o intervalo de tempo até aparecimento da recorrência foi independente da idade4. Quanto à inluência do estado hormonal no intervalo livre de doença, Yin et al constataram que o pico de recorrência foi aos 1,5 anos após o tratamento inicial nas mulheres pré-menopáusicas e aos 2,5 anos nas mulheres pós-menopáusicas 5. Na população estudada não foram encontradas diferenças com signiicado estatístico entre os três grupos quer para a idade quer para o estado hormonal. Em relação do estadiamento clínico, os resultados do presente estudo corroboram Yin et al e Brackstone et al, que nas suas publicações advogaram que os tumores em estádios mais avançados ao diagnóstico tendem a recorrer mais precocemente, enquanto que os tumores pequenos e sem evidência de metastização ganglionar recorrem mais frequentemente após os 5 anos 5,6. Já Nishimura et al concluíram que o tempo de recorrência não está dependente do status ganglionar 6. Mais de 80% dos carcinomas da mama são do tipo ductal invasivo 7. Também nos três grupos estudados, 124

Acta obstet Ginecol Port 2010;4(3):119-125 este foi o tipo histológico mais comum. No entanto, no grupo das recorrências após os 60 meses veriicou-se um maior número de formas histológicas raras (11.5%) que se caracterizam por progressão mais lenta e melhor prognóstico 7. Baixa actividade proliferativa e alta diferenciação tumoral foram identiicados por Nishimura et al como factores preditivos de recorrência local tardia 4. Na presente população, a maior percentagem de tumores nos três grupos era grau 2. Nishiumura et al concluíram que o tempo de recorrência não foi inluenciado pela presença de componente in situ extenso ou multifocalidade, o que está em concordância com os nossos resultados 4. Contudo, estes factores foram associados a maior recorrência local após cirurgia conservadora 8. Comparativamente aos tumores RE-negativos, os tumores RE-positivos tendem a recorrer mais tardiamente 4. No presente estudo, veriicou-se uma maior percentagem de tumores RE-negativos no grupo dos tumores com recorrência nos primeiros 24 meses. O uso de tamoxifeno ou de inibidores da aromatase é universalmente aceite por um período de cinco anos nos tumores RE-positivos. Nestes tumores, a maioria das mulheres sofre recorrência após os 5 anos de hormonoterapia, com taxas anuais de recorrência de 2% e 4% para os tumores N0 e N+, respectivamente 9. Na presente população, metade das mulheres do grupo C tratadas com hormonoterapia, apresentaram recorrência após o seu término. Deste modo e como demonstrado pelo estudo MA-17, algumas mulheres podem beneiciar de tratamentos com hormonoterapia mais longos. O uso letrozole após 5 anos de tamoxifeno provou diminuir signiicativamente o risco de recorrência em 42% no caso de tumores iniciais em mulheres pósmenopáusicas 10. Outro factor de prognóstico que parece inluenciar o intervalo livre de doença é o protooncogene her-2. Segundo Yin et al, os tumores her-2 positivos têm recorrências mais frequentes e precoces relativamente aos her-2 negativos 5. A introdução do transtuzumab permitiu reduzir as recorrências nos tumores her-2 positivos 11. No presente estudo, uma vez que na maioria dos casos não havia sido determinado, não izemos a análise estatística para este factor, no entanto considerando apenas os tumores em que foi analisado, nenhum apresentava positividade para o herb-2 no grupo C. Os dados obtidos também permitiram concluir que o tempo livre de doença inluenciou a sobrevivência global e após recorrência, corroborando Nishimura et al 4. Uma limitação deste trabalho resulta da diiculdade em distinguir entre verdadeiras recorrências e tumores primários de novo. Nishimura et al 4 constatou que o intervalo de tempo para o aparecimento de verdadeiras recorrências tende a ser mais curta (37 meses para as verdadeiras recorrências e 55 meses para os tumores de novo). Neste estudo, o intervalo livre de doença médio foi de 36.4 meses. REFERêNCiAS BiBLioGRáFiCAS 1. Jemal A, Siegel R, Ward E. Cancer Statistics. CA Cancer J Clin 2007; 57: 43-66. 2. Demicheli R, Abbattista A, Miceli R, Valagussa P, Bonadonna G. Time distribution of the recurrence risk for breast cancer patients undergoing mastectomy. Further support about the concept of tumour dormancy. Breast Cancer Res Treat 1996; 41: 177-85. 3. Crowel JP, Gordon Nh, Antunez AR, Shenk RR, hubay CA, Shuck JM. Local-regional breast cancer recurrence following mastectomy. Arch Surg 1991; 126: 429-32. 4. Nishimura R, Akizuki M, Tashima R, Ootao R. Investigation of factors related to ipsilateral breast tumor recurrence after breast-conserving surgery and measures for preventing recurrence in early breast cancer. Breast Cancer 2006; 13: 152-8. 5. Yin W, Di G, zhou L, Lu J, Liu G, Wu J et al. Time-varying pattern of recurrence risk for Chinese breast cancer patients. 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