APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008485-93.2014.8.19.0001 APELANTE 1: TELMA REGINA MANHÃES SALLES DOS SANTOS APELANTE 2: SUL AMERICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS APELADOS: OS MESMOS RELATORA: DES. SANDRA SANTARÉM CARDINALI APELAÇÕES CÍVEIS. CONSUMIDOR. SEGURO DE VIDA. RECUSA AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. RÉ QUE ARGUMENTA A OCORRÊNCIA DE INCREMENTO NO RISCO POR NÃO POSSUIR O SEGURADO HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR MOTOCICLETA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE DOLO OU MÁ-FÉ NA CONDUTA DO SEGURADO. SEGURADORA QUE TRAZ EXTEMPORANEAMENTE, APENAS EM GRAU DE APELAÇÃO, A PROVA DE QUE O SEGURADO NÃO ERA HABILITADO PARA DIRIGIR MOTOCICLETA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA QUE O ACIDENTE OCORREU POR MOTIVO TECNICAMENTE INDETERMINADO. AUSÊNCIA DE PROVA DO DOLO DA VÍTIMA, OU DE QUE A FALTA DA HABILITAÇÃO TENHA CONCRETAMENTE CONTRIBUÍDO PARA O AGRAVAMENTO DO RISCO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. DEVER DE PAGAR A INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA CORRETAMENTE RECONHECIDO PELA SENTENÇA. TERMO A QUO DA INCIDÊNCIA DA CORREÇÃO MONETÁRIA ADEQUADAMENTE FIXADO DESDE A DATA DA NEGATIVA DO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. SENTENÇA QUE DETERMINOU, ALÉM DO PAGAMENTO DO CAPITAL SEGURADO, O PAGAMENTO DO PECÚLIO, INEXISTINDO INTERESSE RECURSAL DA AUTORA NESSE ASPECTO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos das apelações cíveis de referência, em que constam como partes as acima indicadas, ACORDAM os Desembargadores da Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor, por unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO aos recursos, nos termos do voto da Relatora. RELATÓRIO Trata-se de duas apelações cíveis, a primeira interposta pela autora, TELMA REGINA MANHÃES SALLES DOS SANTOS, e a segunda pela ré, SUL AMERICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS, à sentença da 48ª Vara Cível da Comarca da Capital que, nos autos da ação indenizatória, sob o rito 1
ordinário, movida por aquela em face desta, julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar a ré ao pagamento em favor da autora, do capital segurado de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) e do valor existente de pecúlio, corrigidos desde a negativa do pagamento e acrescidos de juros de mora de 1% a contar da citação. A sentença fundamentou-se no fato de não ter a ré logrado comprovar que o segurado não possuía carteira de habilitação para conduzir motocicleta; que este tenha agravado intencionalmente o risco; e que a falta de habilitação teria sido o fator preponderante para a ocorrência do evento morte, tendo reconhecido o direito da mãe da vítima de receber o pagamento da indenização prevista na apólice para o caso de morte acidental. Recorre a autora (fls. 353/367 indexador 00353), requerendo que a correção monetária sobre a indenização securitária incida desde a data da celebração do contrato de seguro, bem como seja a condenação acrescida do valor da previdência, no valor de R$ 89.956,00, corrigido monetariamente desde a contratação. A ré apela (fls. 370/386 indexador 00370), sustentando a incidência de cláusula excludente da responsabilidade, diante da prova do agravamento do risco por parte do segurado, que não possuía habilitação para conduzir motocicleta, tendo o acidente ocorrido devido à perda de controle do veículo por parte da vítima. Aduz que a inversão do ônus da prova não deve ser aplicada à hipótese e, ao final, prequestiona dispositivos legais, pugnando pelo provimento do recurso. As partes apresentaram contrarrazões às fls. 395/406 (indexador 00395) e 410/415 (indexador 00410). É o relatório. VOTO Inicialmente, cumpre assinalar que a relação existente entre os litigantes é de caráter consumerista, devendo, pois, a controvérsia ser dirimida sob a as diretrizes estabelecidas no Código de Proteção e de Defesa do Consumidor. O contrato de seguro tem o objetivo de garantir o pagamento de indenização para a hipótese de ocorrer a condição suspensiva, consubstanciada no evento danoso previsto contratualmente, sendo obrigação do segurado o pagamento do prêmio devido e a prestação das informações 2
necessárias para a avaliação do risco. Em contrapartida a seguradora deve informar as garantias dadas e pagar a indenização devida no lapso de tempo estipulado, à inteligência do art. 757 do Código Civil. Igualmente, é elemento essencial deste tipo de pacto a boa-fé, caracterizado pela sinceridade e lealdade nas informações prestadas pelas partes e cumprimento das obrigações avençadas, nos termos do art. 422 da atual legislação civil. Contudo, desonera-se a seguradora de satisfazer a obrigação assumida apenas na hipótese de ser comprovado o dolo ou má-fé do segurado para a implementação do risco e obtenção da referida indenização. Ou seja, somente se agravado intencionalmente incrementa o risco estipulado, ocorrerá o desequilíbrio da relação contratual, não bastando para tanto a mera negligência ou imprudência do segurado. A ré, no decorrer da instrução processual, deixou de comprovar a alegação de que o segurado não possuía habilitação para dirigir motocicleta, o fazendo extemporâneamente, apenas em grau de apelação, trazendo a informação em momento processual inadequado, não podendo, portanto, tal fato ser considerado neste momento, para fins de julgamento. Ainda que assim não fosse, tem-se que o fato de não possuir o segurado habilitação para conduzir motocicletas não é capaz de agravar, por si só, o risco da ocorrência do sinistro, mesmo porque, conduzir motocicleta sem a devida autorização legal não configura ato ilícito doloso e sim infração de trânsito. Conforme narrativa da dinâmica do evento, constante no laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, em que pese tenha o segurado perdido o controle da direção, tal fato ocorreu por causa indeterminada, senão vejamos (fls. 33/34 indexador 00032): (...) DINÂMICA DO EVENTO: tendo em vista os elementos assinalados, o perito é levado às seguintes considerações: que do sentido do Centro de Guaxindiba para Nova Guaxindiba, travegava o veículo Cruze, e no sentido contrário travegava a motocicleta. Quando ao atingir o trecho considerado, o condutor da motocicleta, por razão tecnicamente indeterminada, efetua um desvio direcional à esquerda, perdendo a direção, vindo colidir seu setor frontal esquerdo no setor lateral esquerdo do Cruze, que estava regularmente 3
em sua faixa de rolamento. Posteriormente, os veículos assumiram as posições de repouso nas quais foram encontrados. Seria ônus da ré, portanto, produzir prova efetiva de que, no caso concreto, a conduta do segurado teria implicado, concretamente, no efetivo agravamento do risco, decorrendo o fato de conduta dolosa do segurado. Não tendo a ré logrado produzir tal prova, não poderá eximir-se do pagamento da indenização, na forma do art. 6, VIII do CDC, aplicável à presente hipótese, por ser a parte autora vulnerável tecnicamente em relação à seguradora ré. Nesse sentido, refiram-se precedentes deste Tribunal 1, em hipóteses análogas: 0357492-49.2012.8.19.0001 APELACAO. DES. CUSTODIO TOSTES - Julgamento: 13/11/2013 - PRIMEIRA CAMARA CIVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. SEGURO COLETIVO DE ACIDENTES PESSOAIS. MORTE ACIDENTAL DO SEGURADO. NEGATIVA DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO CONTRATADA. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO VERIFICADO. NÃO SE TRATANDO DE SEGURO DE VEÍCULOS, MAS DE VIDA, É DESINFLUENTE SE A CATEGORIA DA CNH NÃO ERA PRÓPRIA PARA GUIAR MOTOCICLETAS, POIS HÁ AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO À AUTORIA DO ACIDENTE. OBSERVAÇÃO DOS ARTIGOS 113, 423, 765 E 768 DO CC/02 E 47 DO CDC. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DANOS MORAIS IN RE IPSA. VALOR ARBITRADO EM R$ 5.000,00. PRECEDENTES DO E. STJ. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. 0004458-25.2010.8.19.0028 APELACAO. DES. MONICA COSTA DI PIERO - Julgamento: 29/04/2013 - OITAVA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO PARA CONDUZIR MOTOCICLETA.AGRAVAMENTO DE RISCO NÃO VERIFICADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. Cuida-se de ação de cobrança de indenização decorrente de contrato de seguro de vida, do qual o autor é beneficiário, em decorrência da morte de seu pai em acidente de trânsito. Sentença de improcedência. Insurgência do autor. 2. A falta de habilitação para conduzir moto, por si só, não é suficiente para a negativa de pagamento da indenização pela Seguradora. Precedentes desta Corte e do 1 Súmula n 234 TJRJ: "Não exclui a indenização securitária a informação errônea prestada pelo segurado que não importe em agravamento de risco." 4
STJ. 3. Nessária a comprovação de que o segurado, de algum modo, contribuiu para o evento danoso, para eximir a seguradora de sua obrigação. Em não o fazendo, não há como se configurar o agravamento de risco alegado. Pagamento devido. 4.Dano moral não configurado. Sucumbência recíproca. 5. Recurso parcialmente provido. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. NEGATIVA DE COBERTURA. MORTE ACIDENTAL. FALTA DE HABILITAÇÃO. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO CONFIGURADO. RISCO COBERTO. DEVER DE INDENIZAR. A condução de veículo sem carteira de habilitação, não é causa, por si só, para a negativa de cobertura do seguro. Necessidade da prova de que a conduta do segurado na direção do veículo automotor, tenha resultado perigo concreto de dano. Ônus do qual não se desincumbiu a seguradora. Conhecimento e desprovimento do recurso. (0039464-14.2009.8.19.0001 - APELACAO - DES. ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA - Julgamento: 23/02/2010 - NONA CAMARA CIVEL) E o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, verbis: SEGURO DE VIDA. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. SEGURADO NÃO HABILITADO PARA CONDUZIR MOTOCICLETA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO CONFIGURADO. 1. A falta de habilitação para dirigir motocicleta constitui mera infração administrativa que não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado apto a afastar a obrigação de indenização da seguradora. 2. Recurso especial provido. (REsp 1230754/PI, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 04/02/2013). Fixada a obrigação da ré em pagar a devida indenização securitária, e tendo a sentença determinado, ainda, a condenação da ré ao pagamento do pecúlio, não há interesse recursal da apelante em pleitear seja a condenação acrescida do valor da previdência, no valor de R$ 89.956,00, corrigido monetariamente desde a contratação, este correspondente ao pecúlio, conforme se vê de fl. 06 da inicial (indexador 00003): Do pecúlio A seguradora ré em carta ao segurado (doc. 8) expõe o valor do beneficio atualizado do pecúlio que em 31/12/2012 era de R$ 89.956,00 (oitenta e nove mil, novecentos cinquenta e seis reais). A respeito do termo a quo da correção monetária incidente sobre o pagamento das verbas indenizatórias, andou bem a sentença ao determinar 5
que a mesma incidisse desde e a negativa de pagamento, uma vez que a ré deveria ter cumprido a obrigação naquela data, o que não ocorreu. Não há embasamento legal para fixação da correção monetária desde a data da celebração do contrato de seguro, pois foi com a negativa do pagamento do sinistro que surgiu para a parte autora a sua pretensão indenizatória. Sobre o tema, veja-se precedente desta Corte: ACÓRDÃO. 0020031-18.2012.8.19.0066 APELACAO. JDS. DES. JOÃO BATISTA DAMASCENO - VIGESIMA SETIMA CAMARA CIVEL CONSUMIDOR. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA C/C INDENIZATÓRIA. SEGURO DE VIDA. COLISÃO DE VEÍCULO QUE CEIFOU A VIDA DO SEGURADO. RECUSA NO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. ESTADO DE EMBRIAGUEZ NÃO COMPROVADO. DANO MORAL CONFIGURADO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Apelação do réu, reiterando o agravo retido contra decisão que deferiu a inversão do ônus da prova em favor dos autores. Inversão do ônus da prova que constitui direito básico do consumidor e, no caso, corretamente aplicada. Rejeição do agravo retido. Jurisprudência deste Tribunal no sentido de que a embriaguez do segurado, por si só, não enseja a exclusão da responsabilidade da seguradora, vez que a perda da cobertura pressupõe a efetiva verificação de que o agravamento do risco foi determinante para a ocorrência do sinistro. Seguradora que não se desincumbiu do ônus de comprovar existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Dano moral configurado. Indenização razoavelmente fixada em R$ 10.000,00. Quanto à correção monetária e juros da indenização securitária, o juízo entendeu, com acerto, que deverão incidir a partir da negativa de pagamento pela seguradora. Por fim, os honorários advocatícios foram fixados em percentual compatível com a complexidade da causa e trabalho realizado pelo advogado. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 0012690-14.2007.8.19.0066 APELACAO. MARIO ASSIS GONCALVES - TERCEIRA CAMARA CIVEL Embargos de declaração. Apelação cível. Contrato de seguro de vida. Declarações. Princípio da veracidade, boafé e transparência. Infringência. Inocorrência. Doença preexistente. Recusa ao pagamento do seguro. Exame prévio. Ausência. Acórdão que reformou a sentença de improcedência da ação não encampando a tese de má-fé da segurada, a qual teria se omitido quanto à doença preexistente, tornando justa a recusa do pagamento do seguro. Discussão sobre se o contrato seria original ou se seria renovação. Síntese da ementa. Da prova existente se colheu que o contrato dataria de antes da data alegada pela seguradora, bastando a mera leitura da correspondência por ela própria remetida a qual confirmaria estar-se tratando da renovação do seguro em questão (fl. 89). Se a segurada veio a falecer três ou quatro 6
meses depois de firmar o contrato original ou mesmo se depois de uma ou mais renovações anuais do mesmo seguro, impõe-se considerar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual basta a seguradora não haver realizado exames clínicos prévios para que permaneça a obrigação securitária contratada. Não há que se falar em omissão, por parte da segurada, quanto ao seu estado de saúde, ainda mais quando esta nem preencheu formulários nesse sentido. A toda evidência o segurado que emite declarações falsas, ou omite a existência de questões relevantes para a aceitação da proposta ou fixação do prêmio, perde direito à cobertura (art. 766 do Código Civil). Cabe, no entanto, à companhia seguradora averiguar o real estado de saúde do segurado antes da celebração do contrato, não podendo vir depois tentar se eximir dopagamento da indenização, após receber as devidas contraprestações, sob o fundamento de preexistência da moléstia. Sentença reformada para julgar o pedido procedente e condenar o réu a pagar a indenização contratada, assim como a assistência funeral prevista. O valor da indenização deve corresponder ao capital segurado à data do óbito. Correção monetária a contar da data da recusa ao pagamento, considerado o requerimento administrativo do beneficiário, ocasião em que o seguro deveria ter sido pago, e com juros de mora a contar da data da citação. Embargos visando obtenção de efeito de prequestionamento. Os embargos de declaração visam expungir da decisão obscuridades ou contradições, permitindo o esclarecimento da mesma, bem como suprir omissão sobre tema de pronunciamento obrigatório sobre o qual não tenha se manifestado o órgão julgador (Art. 535 do CPC). Certo que em inexistindo omissão, contradição ou obscuridade, nada haverá por reparar. Embargos de declaração rejeitados. Diante do exposto, voto no sentido do DESPROVIMENTO dos recursos, mantida integralmente a sentença. Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2015. DES. SANDRA SANTARÉM CARDINALI Relatora 7