HABEAS CORPUS 132.788 ESPÍRITO SANTO RELATOR PACTE.(S) PACTE.(S) IMPTE.(S) COATOR(A/S)(ES) : MIN. ROBERTO BARROSO :JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES :LUIZ RENATO TOMMASI DOS SANTOS NEVES :ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRA :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DECISÃO: EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. PRESCRIÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. REGIME INICIAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, da Relatoria da Ministra Laurita Vaz, assim ementado: RECURSOS ESPECIAIS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL: GESTÃO FRAUDULENTA, APROPRIAÇÃO INDÉBITA FINANCEIRA, FALSA INFORMAÇÃO SOBRE OPERAÇÃO OU SITUAÇÃO FINANCEIRA. OUTROS FALSOS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. INSURGÊNCIAS CONTRA AS PENAS DE MULTA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 07/STJ. PENAS-BASE. REPARO DEVIDO. SUPOSTAS NULIDADES NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. INEXISTÊNCIA. ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. ARGUIDAS VIOLAÇÕES À AMPLA DEFESA E AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. ILICITUDE DAS PROVAS. INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE IMPUTAÇÃO DA CONDUTA A SÓCIO/GESTOR DE FATO. PRECEDENTE DO STF. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO AOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 5º, 6º, 10 EM RELAÇÃO AO ART. 4.º; E NO ART. 20 EM RELAÇÃO AO ART. 19, TODOS
DA LEI N.º 7.492/86, E TAMBÉM AOS DOS ARTS. 304, 297 E 298, TODOS DO CÓDIGO PENAL. I. Do recurso especial de (1.1) JOEL ANTONIO VAZZOLER e (1.2) DOMINGOS JOSE VESCOVI. [ ] II. Do recurso especial de (2.1) JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES e (2.2) LUIZ RENATO TOMMASI DOS SANTOS NEVES. (a) A despeito da impropriedade da consideração desfavorável dos motivos relacionados à ganância injustificável, fator manifestamente inapto a fundamentar a majoração da reprimenda, sobressaem como substancialmente idôneas tanto as circunstâncias quanto as consequências do delito, a justificar o aumento da pena-base, cabendo, no entanto, um pequeno reajuste. Os crimes foram perpetrados em momento de extrema fragilidade financeira do Banco Santos Neves, valendo-se os agentes de artifícios meticulosamente engendrados, acarretando, como constataram as instâncias ordinárias elevado prejuízo financeiro ao BNDES e abalo em suas finalidades de desenvolvimento social, situações fáticas insuscetíveis de serem revistas nos estreitos limites do recurso especial, a teor da Súmula n.º 07 desta Corte. Violação, em parte, do art. 59 do Código Penal. Penas-base readequadas. Quanto ao valor da multa, conforme já consignado supra (item I.a), a pretendida revisão da proporcionalidade da imposição da reprimenda esbarra no óbice da Súmula n.º 07 desta Corte. (b) Considerando a quantidade de pena imposta (mesmo com a revisão da dosimetria implementada no recurso especial), e diante da existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, a teor do art. 33, 3.º, do Código Penal, o regime prisional inicial deveria ser o fechado. Contudo, como não houve recurso do Ministério Púbico nesse sentido, fica mantido o regime inicial semiaberto fixado no acórdão recorrido. Ausência de violação ao art. 33 do Código Penal. 2
(c) Inexiste a pretensa nulidade de intimação, que já foi afastada na análise do recurso especial do corréu no item I.a. III. Do recurso especial (3.1) MARCELO DE ABREU E LIMA e (3.2) CARLOS GUILHERME DE ABREU LIMA. [ ] V. Do recurso especial do (5) MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Os crimes dos arts. 5.º ( Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio ), 6.º ( Induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente ) e 10 ( Fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos de valores mobiliários ") podem, eventualmente, ser perpetrados de forma autônoma e dissociada da conduta delituosa inserta no art. 4.º ( Gerir fraudulentamente instituição financeira ), todos da Lei n.º 7.492/86. Não obstante, no caso em apreço, a Corte Regional entendeu que as condutas capituladas nos arts. 5.º, 6.º e 10 da Lei n.º 7.492/86 estavam todas no mesmo contexto a partir do qual se concluiu pela existência do crime do art. 4.º da mesma lei (gestão fraudulenta) e, portanto, este deveria absorver aqueles. A prática do crime do art. 5.º pode significar, como no caso, um exaurimento do crime do art. 4.º, configurando uma ampliação da lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, a autorizar a incidência do princípio da consunção. O mesmo se diga em relação ao art. 6.º e ao art. 10. O tipo legal do art. 19 pressupõe a existência de fraude anterior, voltada para a finalidade de obtenção do 3
financiamento em instituição financeira. Já o tipo inserido no art. 20 pressupõe a regular obtenção de financiamento, mas com desvio de finalidade na sua aplicação. Assim, eventualmente, pode-se admitir a absorção do art. 20 pelo art. 19, como vislumbrou a Corte Regional, quando, dentro de um mesmo contexto fático, o desvio de finalidade se apresenta como um exaurimento da conduta delituosa de fraudar a obtenção do financiamento. Ou seja: mais uma vez se está diante de uma ampliação da lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, a ensejar a incidência da consunção. VI. DISPOSITIVO Ante todo o exposto, em relação a (1.1) JOEL ANTONIO VAZZOLER e (1.2) DOMINGOS JOSE VESCOVI, recurso especial PARCIALMENTE CONHECIDO e, nessa extensão, DESPROVIDO; Em relação a (2.1) JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS NEVES e (2.2) LUIZ RENATO TOMMASI DOS SANTOS NEVES, recurso especial PARCIALMENTE CONHECIDO e, nessa extensão, PARCIALMENTE PROVIDO, a fim de fixar para cada um dos Recorrentes as penas de 5 (cinco) anos de reclusão, mantidos o regime inicial semiaberto e os 300 (trezentos) dias-multa, no valor unitário de 5 (cinco) salários mínimos, como incursos no art. 4.º da Lei n.º 7.492/86. [ ] E, por fim, recurso especial do (5) MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NÃO CONHECIDO. 2. Extrai-se dos autos que os pacientes foram condenados à pena de 27 (vinte e sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, na forma dos artigos 4º, caput, 19, caput e parágrafo único, e 20 da Lei nº 7.492/86; no artigo 1º, VI e 4º, da Lei nº 9.613/98 e nos artigos 288 e 304 do Código Penal. 3. Da sentença, defesa e acusação interpuseram recurso de apelação. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou provimento ao apelo do Ministério Público e deu parcial provimento ao recurso da 4
defesa para manter a condenação dos pacientes apenas pelo crime previsto no artigo 4º da Lei º 7.492/6, fixando a pena em 6 (seis) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto. 4. Em seguida, o Ministério Público e a defesa interpuseram recursos especiais. O Superior Tribunal de Justiça não conheceu do recurso do Ministério Público e deu parcial provimento ao recurso da defesa a fim de reduzir a pena para 5 (cinco) anos de reclusão, mantido o regime inicial semiaberto. 5. Na sequência, foram opostos embargos declaratórios, rejeitados. 6. Nesta impetração, a parte impetrante sustenta: i) a prescrição da pretensão punitiva do Estado, com relação ao paciente Luiz Renato, na forma do art. 115 do Código Penal; ii) a ausência de fundamentação idônea para a imposição da pena em patamar acima do mínimo legal; e iii) a possibilidade, no caso, da fixação de regime inicial mais brando. 7. Com essa argumentação, requer a concessão da ordem a fim de julgar extinta a punibilidade do paciente Luiz Renato ou, subsidiariamente, a fim fixar a pena de ambos os pacientes no mínimo legal e impor o regime aberto para o início do cumprimento da reprimenda. Decido. 8. O habeas corpus não deve ser deferido. 9. Inicialmente, verifico que a alegação de prescrição da pretensão punitiva com relação ao paciente Luiz Renato não foi submetida à apreciação do Tribunal Regional Federal nem do Superior 5
Tribunal de Justiça. De modo que o imediato conhecimento da matéria por esta Corte acarretaria uma dupla supressão de instância. 10. Ainda que assim não fosse, das peças que instruem a impetração, observo que o paciente Luiz Renato, nascido em 17.03.1939, contava com 68 anos quando da prolação da sentença condenatória, em 14.11.2007. De modo que, aplicável, no caso, a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, Se o agente, na data da sentença penal condenatória, não havia completado setenta anos, não há como se aplicar a causa de redução do prazo prescricional a que se refere o art. 115 do Código Penal. Até porque a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que tal redução não opera quando, no julgamento de apelação, o Tribunal confirma a condenação (HC 107.498, Rel. Min. Ayres Britto). 11. Não bastasse isso, é certo que a dosimetria da pena é questão relativa ao mérito da ação penal, estando necessariamente vinculada ao conjunto fático probatório, não sendo possível às instâncias extraordinárias analisar os dados fáticos da causa para redimensionar a pena finalmente aplicada. Nesse sentido, a discussão a respeito da dosimetria da pena cinge-se ao controle da legalidade dos critérios utilizados, restringindo-se, portanto, ao exame da motivação [formalmente idônea] de mérito e à congruência lógico-jurídica entre os motivos declarados e a conclusão (HC 69.419, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). 12. Ademais, com relação ao regime inicial, observo que o Superior Tribunal de Justiça reduziu a pena imposta aos pacientes para 5 (cinco) anos de reclusão, fixando o regime inicial semiaberto. Nessas condições, o acórdão impugnado alinha-se à orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal no sentido de que O artigo 33, 2º, alínea b, do Código Penal determina que o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto (HC 117.774, Rel. Min. Luiz Fux). 6
13. Diante do exposto, com base no art. 21, 1º, do RI/STF, nego seguimento ao habeas corpus. Publique-se. Brasília, 30 de maio de 2016. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO Relator Documento assinado digitalmente 7