O GÊNERO POLICIAL EM SHAKESPEARE NÃO SERVE DE ÁLIBI: CRIME NA BELLE-ÉPOQUE CARIOCA ¹



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Transcrição:

O GÊNERO POLICIAL EM SHAKESPEARE NÃO SERVE DE ÁLIBI: CRIME NA BELLE-ÉPOQUE CARIOCA ¹ ROSS, Huanna Sperb²; FARIAS, Vera Elizabeth Prola³ Iniciação científica ¹ Trabalho de Pesquisa do Projeto PROBIC Perspectivas Literárias: Geografia, História e Ficção - UNIFRA ² Curso de Letras do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil ³ Profª. Drª. do curso de Letras do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: hukross@hotmail.com; vepfarias@bol.com.br RESUMO O presente estudo é um recorte do Projeto PROBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) Perspectivas Literárias: Geografia, História e Ficção, autoria de Huanna Ross, em desenvolvimento no Centro Universitário Franciscano. Objetiva-se apresentar o surgimento do gênero policial, bem como refletir acerca de uma análise da narrativa Shakespeare não serve de álibi: Crime na Belle-Époque Carioca, autoria de Licínio Rios. Para isso, foram realizadas as leituras teóricas e, posteriormente, a leitura do romance. Como resultados parciais têm se julgado, a partir de um subsídio teórico adequado, as características que singularizam a leitura dos romances policiais. Portanto, foi possível perceber que a narrativa em questão se encaixa perfeitamente nas características desse gênero e, portanto, é um romance policial, gênero esse tão lido nos dias de hoje. Palavras-chave: Gênero policial; Análise; Narrativa. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho é fruto do Projeto PROBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) Perspectivas Literárias: Geografia, História e Ficção, o qual se desenvolve no Centro Universitário Franciscano. A narrativa policial, gênero lido por muitas pessoas nos dias de hoje e muito conhecida através do detetive mais famoso do mundo, Sherlock Holmes, criação de Conan Doyle, apresenta, segundo Reimão (1983), um crime e alguém com o intuito de desvendá-lo. Entretanto, nem toda narrativa que contenha esses elementos, pode ser considerada como policial, visto que, além disso, é preciso uma determinada maneira de articular a narrativa, bem como de construir a relação do detetive com o crime e com a narração. 2. DESENVOLVIMENTO

A narrativa policial, a qual é comum no âmbito social e que, normalmente, é chamada de romance policial é, na verdade, a narrativa policial de detetive ou romance de enigma, denominação essa que, de acordo com Reimão (1983), parece ser perfeita, uma vez que esse gênero de policial parte de um enigma, o qual atua, então, como desencadeante da narrativa e a busca de sua solução, a elucidação, o explicar o enigma, o transformar o enigma em um não-enigma é o motor que impulsiona e mantém a narrativa; quando se esclarece o enigma, se encerra a narrativa (REIMÃO, 1983, p.11). Em Shakespeare não serve de álibi: Crime na Belle-Époque Carioca, romance policial de Licínio Rios, ocorre, no início da narrativa, o assassinato de uma famosa cortesã, lady Parsons sem aviso, ele saltou qual leopardo da poltrona ao récamier. Lavinia Parsons não pôde gritar porque a mão dele cortou-lhe o ar, sufocando-a, até que a lâmina começasse a abrir caminho na garganta dela. O corte foi preciso, cirúrgico, de orelha a orelha. Como faca na manteiga, o instrumento foi separando em dois todos os tecidos que encontrava, numa incisão terrível, pouco acima do camafeu de ouro e lápis-lazúli que lady Parsons usava. Era o predileto dela (RIOS, 1998, p.41). A narrativa se encerra após a descoberta do assassino, ou seja, do enigma, ainda que só quem sabe o nome do sujeito praticante do crime seja o leitor, uma vez que os suspeitos acabam sendo mortos e o segredo do criminoso não é desvendado para os demais personagens. O gênero em questão surgiu em 1841, com a publicação do conto Assassinatos na Rua Morgue, autoria de Edgar Allan Poe (1809-1849), considerado a primeira narrativa policial moderna, no qual Poe cria um detetive, Dupin. Poe, além de criador desse gênero, é, conforme Reimão (1983), o exemplo mais expressivo da narrativa de enigma. Isso porque ao criar o gênero policial, Poe dá margem a vários tipos de narrativas policiais que surgirão depois, ele próprio, em seus contos, escreve uma narrativa tipo policial de enigma ou romance de detetive. Poe é a narrativaenigma por excelência e, além disso, abriu a possibilidade do surgimento de outros tipos de narrativa policial (REIMÃO, 1983, p.11-12). Alguns fatores que estavam ocorrendo por volta de 1840 quando Poe cria o gênero, tiveram forte influência nessa criação. De acordo com Reimão (1983), as condições da época tiveram forte influência para que Poe criasse esse gênero, uma vez que os jornais, surgidos na Europa no século XIX, apresentavam algumas seções, as quais valorizavam os fatos cotidianos. Além disso, o desafio do mistério juntamente com certo prazer na desgraça alheia e ao sentimento de justiça violada que requer reparos são, basicamente, os elementos geradores da atração e do prazer na leitura deste tipo de narrativa. Outra questão de grande influência para o surgimento deste novo gênero foi a Revolução Industrial, com início no século XVIII, resultando nas chamadas cidades

industriais, muito presentes no romance policial, como, por exemplo, a capital carioca, Rio de Janeiro, no romance a ser analisado. O positivismo, que também influenciou as criações de Poe, foi, conforme Reimão (1983, p.14-15) um dos últimos movimentos filosóficos a obter grande divulgação, repercussão e aceitação fora do círculo dos especialistas, tinha como crença básica, como pressuposto fundamental, a afirmação de que os fenômenos são regidos por leis. Essas leis existiriam tanto ao nível do mundo natural quanto do orgânico e do universo humano. Uma das consequências dessas concepções positivistas é a crença de que o espírito humano está submetido a leis como qualquer outro fenômeno (REIMÃO, 1983, p.14-15). Além disso, a polícia que parece sempre ter existido, surgiu no século XIX. No início desse século, os policiais franceses eram recrutados entre os ex-condenados e um de seus chefes era o ex-condenado mais famoso de todos Vidocq (1775-1857) -, que em 1828 lança suas memórias. (REIMÃO, 1983, p.13-14) Sendo assim, Vidocq, ex-contraventor, conhece o mundo do crime a fundo, o que facilita suas investigações, pois é através da convivência com os criminosos e de suas próprias experiências que ele consegue desvendar os crimes que lhe são apresentados. É em oposição a esse tipo de detetive que Poe cria Dupin. Entretanto, isso deixou a população intrigada, conforme Reimão (1983, p.14), afirma: Se num primeiro momento há uma aceitação e até uma certa louvação da polícia, logo a população das novas cidades industriais ficará desconfiada e insatisfeita, com esta nova instituição. Para as novas, instáveis e perplexas classes médias, era tênue demais o limite entre um contraventor e um excontraventor (REIMÃO, 1983, p.14). Talvez, por esse motivo, todos os primeiros grandes detetives, da ficção, foram investigadores que não pertenceram à polícia como instituição. Este é o caso de Jofre Amat, protagonista do romance de Licínio Rios, que é um historiador e conhecedor da cidade, inclusive o romance é repleto de citações de sua obra, também fictícia, como historiador urbano. Até a Idade Média, o ato criminal podia ser negociado entre os indivíduos lesados, porém, com o surgimento do poder judiciário, o crime passou a ser visto como uma infração às leis do Estado e, com isso, o criminoso era considerado um inimigo público, isto é, um perigo para toda a sociedade. Ao lado dessa concepção de criminoso, há também a questão patológica, ou seja O criminoso é um doente mental. Sua razão é, às vezes, quase tão perfeita quanto a normal. Sua falha está nos sentimentos éticos e morais que, nele, estão deteriorados. Daí encontrarmos, às vezes, na narrativa policial, a ideia de gênio do crime, em oposição ao gênio da justiça (o detetive), como, por exemplo, Sherlock Holmes versus Moriarty (REIMÃO, 1983, p.16).

Segundo Reimão (1983) para se pensar a narrativa policial é necessário a substituir a intuição e o acaso pela precisão e pela lógica, pois de acordo com o pensamento de Poe, nada, no ato de criar literatura, pode ser atribuído ao acaso, mas tudo se encaminha, rigorosamente, para a solução desejada. Juntamente com isso, é preciso que a história seja escrita ao contrário, ou seja, de trás para frente, para que então todos os incidentes convirjam para o final desejado. No romance de enigma, tanto o trabalho do detetive perante o crime quanto a narração de suas deduções, ocorrem após o crime ter acontecido. Na narrativa policial de Licínios Rios, essa regra básica fica bem clara, uma vez que inicialmente há o assassinato de Lavinia Parsons, logo após os passos da investigação de Jofre Amat para então, finalmente, ocorrer o desfecho do caso. Poe juntamente com seus seguidores Conan Doyle e Agatha Christie, a dama do crime e criadora do detetive belga Hercule Poirot e da fascinante Miss Jane Marple, forma a chamada trinca de ouro do romance enigma, no qual o tema verdadeiro não é o crime, mas o esforço para solucioná-lo. Para esse trio, o detetive desse tipo de romance, ou seja, o romance de enigma é uma mente dedutiva, uma máquina de pensar, que, através de vestígios, pistas, indícios, consegue reconstruir uma história, um fato passado, e assim descobrir o (s) culpado (s). Conforme Reimão (1983, p.32), o narrador do romance não pode ser o próprio detetive, assim como o narrador onisciente está descartado. A partir disso, o que resta é o narrador impessoal e não onisciente, como é o caso do narrador em terceira pessoa presente em Shakespeare não serve de álibi: Crime na Belle-Époque Carioca. Esse narrador apenas retrata para os leitores o que ele enxergou, não transpondo para a sua narração seu ponto de vista acerca dos acontecimentos. Na literatura policial, os textos podem ser: policial de detetive, também conhecido como romance de enigma ou policial noir, o romance negro. Segundo Reimão (2005) O romance policial noir, também denominado policial americano, é um desdobramento do policial enigma clássico e tem em Dashiell Hammett e Raymond Chandler seus fundadores e seus nomes mais expressivos. Sua narrativa é construída no presente, acompanha o correr dos fatos, segue as investigações, ou seja, se dá no mesmo tempo da ação, e não em forma de memória como no policial enigma (REIMÃO, 2005). Os detetives desses romances deixam a cargo do leitor as deduções construídas a partir dos dados apresentados, ou seja, cabe ao leitor deduzir o caráter, a personalidade e os sentimentos dos personagens a partir das descrições fornecidas pelo narrador. Além disso, a violência presente no romance em questão não é apenas um elemento a mais, mas sim, um reflexo da época em que ele surgiu, isto é, uma época pós-guerra, na qual existiam

por todos os lados crime organizado, gangues e corrupção policial. Há nesse tipo de narrativa policial a exploração das ações violentas, brutas, bem como das situações angustiantes nas quais o homem é capaz de se envolver e de todos os tipos de sentimentos, sejam eles ignóbeis ou não. Sendo assim, a gíria e os palavrões são admitidos e, consequentemente, a linguagem coloquial do dia-a-dia também. o leitor habituado a narrativas de enigma se defronta com outro tipo de leitura. Um protagonista que se opõe ao detetive clássico. Um detetive que convive e faz com que o leitor conviva, frequentemente, sem que a linguagem tente amenizar, com violência, com agressão, com frequentes descrições de lutas e violações corporais, e envolva-se, vivencie toda essa emoção da bestialidade (REIMÃO, 1983, p.63). No romance negro, as oposições ao romance de enigma são várias, como, por exemplo, o otimismo, a moralidade convencional, o espírito conformista a um detetive que sempre resolve os mistérios. A partir disso, Reimão (1983, p.51-52) cita as palavras de Marcel Duhamell, criador e diretor da coleção Série Noire : o leitor desprevenido que se acautele: os volumes da Série Noire não podem, sem perigo, estar em todas as mãos. O amante de enigmas a Sherlock Holmes aí não encontrará nada a seu gosto. [...] Aí vemos policiais mais corrompidos do que os malfeitores que perseguem. O detetive simpático não resolve sempre o mistério. Algumas vezes nem há mistério. E até mesmo, outras vezes, nem detetive. E então? Então resta a ação, a angústia, a violência, - sob todas as formas especialmente as mais vis -, a pancadaria é o massacre. [...] Há ainda o amor, de preferência bestial, a paixão desordenada, o ódio sem perdão, todos os sentimentos que numa sociedade policiada só devem ser encontrados raramente, mas que aqui são moeda corrente, e são, algumas vezes, expressos numa linguagem bem pouco acadêmica, mas onde domina sempre, rosa ou negro, o humor (DUHAMELL apud REIMÃO, 1983, p.51-52). Diferentemente do romance de enigma, no qual o crime acontecia anteriormente ao momento na narrativa, no romance negro a narrativa coincide com os acontecimentos, ou seja, os fatos ocorrem no presente e o leitor tem a possibilidade de acompanhar as investigações. Segundo Reimão (1983, p.56) não se trata de reconstituir um crime passado e seu desvendamento, mas de atuar lado a lado com o (s) criminoso (s) e tentar adiantar-se a ele (s). Sendo assim, o leitor é capaz de acompanhar os erros e enganos do detetive, uma vez que este é passível de cometer infrações, conforme Reimão (1983, p.63) o leitor habituado ao romance enigma, acostumado, pois, à palavra final do detetive clássico, que consegue encaixar numa versão lógica e inquestionável as pistas aparentemente mais dispersas possíveis, passa a acompanhar, em pé de igualdade, os tropeços e os enganos deste novo detetive, cuja palavra final não é inquestionável nem acima de qualquer suspeita (REIMÃO, 1983, p.63). O detetive, que era imune a qualquer tipo de violência no romance de enigma, está sujeito a perigos, pois não possui garantia da imunidade física. Em 1920, 79 anos após a estreia de Dupin e 33 anos depois do nascimento de Sherlock Holmes, apresentado por Conan Doyle,, surge no Brasil a publicação da primeira

narrativa policial brasileira, O mistério, escrita por Coelho Neto, Afrânio Peixoto, Medeiros e Albuquerque e Viriato Corrêa. 3. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS Visto que o presente trabalho encontra-se, ainda, em desenvolvimento, não foi possível obter nenhum conclusão até o momento. Entretanto, foi feita uma retrospectiva histórica, com base em textos teóricos de Sandra Lúcia Reimão, para entender o surgimento do romance policial, gênero muito lido atualmente, e sua evolução, bem como a criação de seus detetives. Além disso, observaram-se características desse gênero dentro do romance policial de Licínio Rios, Shakespeare não serve de álibi. 4. REFERÊNCIAS REIMÃO, Sandra Lúcia. O que é romance policial. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983. REIMÃO, Sandra Lúcia. Literatura policial brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. RIOS, Licínio. Shakespeare não serve de álibi: Crime na Belle-Époque Carioca. São Paulo: Ed. 34, 1998.