FUNDAÇÃO OSWALDO ARANHA CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VOLTA REDONDA PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE MONICA VIEIRA PORTUGAL DE CARVALHO O DESENVOLVIMENTO MOTOR NORMAL DA CRIANÇA DE 0 À 1 ANO: ORIENTAÇÕES PARA PAIS E CUIDADORES VOLTA REDONDA 2011
FUNDAÇÃO OSWALDO ARANHA CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VOLTA REDONDA PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE O DESENVOLVIMENTO MOTOR NORMAL DA CRIANÇA DE 0 À 1 ANO: ORIENTAÇÕES PARA PAIS E CUIDADORES Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Ciências da Saúde e Meio Ambiente do UniFOA, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Aluna: Mônica Vieira Portugal de Carvalho Orientadora: Profª. Dra. Maria Auxiliadora Motta Barreto Volta Redonda 2011
Dedico essa Dissertação à minha família que me incentivou durante toda sua realização.
A todos os professores do Mestrado, principalmente à minha orientadora Profª. Dra. Maria Auxiliadora Motta Barreto, por sua competência durante toda pesquisa.
RESUMO O presente trabalho teve como objetivo fundamentar a elaboração de uma Cartilha sobre o Desenvolvimento Motor Normal da criança de zero a um ano de idade, e orientações de como identificar precocemente possíveis alterações, direcionada a pais e profissionais da saúde. Contém informações sobre o desenvolvimento motor normal e seu desenvolvimento. A partir do nascimento, o recém nascido é exposto a uma série de estímulos novos, como o roçar das roupas na pele, o frio e o calor, o desconforto da fome, das cólicas e a necessidade de manter uma postura que o leve a vencer a força da gravidade, por exemplo. Isto faz com que o individuo supere constantemente as dificuldades que se apresentam, e exige uma adaptação possibilitada pela maturação do sistema nervoso central. As etapas do desenvolvimento não são estáticas e a sequência das aquisições motoras são interligadas, sendo cada etapa preparatória das subsequentes. Com isso, pode-se afirmar que no primeiro ano de vida as aquisições nas áreas sensoriomotoras e psicoafetivas, são a base da relação da criança com o mundo e ocorrem de forma intensa neste período. A metodologia utilizada foi de revisão bibliográfica com captação de publicações através de bancos de dados científicos eletrônicos, além de livros voltados à área de pediatria e neuropediatria. O resultado deste estudo foi a produção da cartilha sobre o desenvolvimento motor normal, contendo informações sobre posturas saudáveis, ambiente favorável, e dicas para a percepção de possíveis alterações no desenvolvimento motor. Palavras-chave: Atividade motora. Desempenho psicomotor. Prevenção e controle. Relações professional/família.
ABSTRACT This study aimed to support the preparation of a booklet on the normal motor development of children from zero to one year of age, and guidelines for early identification of possible changes, aimed at parents and health professionals. Contains information on motor development and normal development. From birth, the newborn is exposed to a series of novel stimuli, such as the rubbing of clothing on the skin, cold and heat, the discomfort of hunger, colic and the need to maintain a posture that causes you to overcome the force of gravity, for example. This causes the individual to overcome the difficulties that are constantly present, and requires an adaptation made possible by the maturation of the central nervous system. The stages of development are not static and sequence of motor skills are interrelated, each of the subsequent preparatory stage. Thus, one can say that in the first year of life purchases psychoaffective and sensorimotor areas, are the basis of the child's relationship with the world and occur intensively during this period. The methodology used was to capture bibliographic publications through electronic scientific databases, and books focused on the area of pediatrics and neuropediatrics. The result of this study was the production of primer on the normal motor development, containing information about healthy attitudes, environment, and tips for the perception of possible changes in motor development Key words: Motor activity. Psychomotor performance. Prevention and control. Professional relationships/family.
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 11 2 REVISÃO DE LITERATURA... 13 2.1 DESENVOLVIMENTO MOTOR... 13 2.2 PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR... 18 2.2.1 O Recém-nascido e o lactente: 0 a 2 anos... 18 2.2.2 Maturação do SNC... 19 2.2.3 A coordenação dos Reflexos... 21 2.3 DESENVOLVIMENTO MOTOR NORMAL NO PRIMEIRO ANO DE VIDA. 35 2.3.1 O neonato de 0-10 dias... 37 2.3.2 Primeiro mês... 38 2.3.3 Segundo mês... 39 2.3.4 Terceiro mês... 40 2.3.5 Quarto mês... 41 2.3.6 Quinto mês... 43 2.3.7 Sexto mês... 44 2.3.8 Sétimo mês... 46 2.3.9 Oitavo mês... 47 2.3.10 Nono mês... 47 2.3.11 Décimo mês... 47 2.3.12 Décimo primeiro e Décimo segundo mês... 49 2.3.13 Sinais de possíveis atrasos: primeiro ano de vida... 50 3 METODOLOGIA... 53 4 O PRODUTO... 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 68 REFERÊNCIAS... 69
LISTA DE SIGLAS RN RTCA RTL RTCS SNC Recém Nascido Reflexo Tônico-Cervical Assimétrico Reflexo Tônico Labiríntico Reflexo Tônico Cervical Simétrico Sistema Nervoso Central
LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Reação de Moro... 22 FIGURA 2 Reflexo tônico-nucal assimétrico ou Magno de Kleijn... 24 FIGURA 3 Reflexo tônico-cervical inverso em decúbito ventral... 24 FIGURA 4 Retificação cefálica e extensão corporal... 26 FIGURA 5 Reflexo de Landau... 26 FIGURA 6 Reflexo mão-boca de Babkin: atitude inicial... 27 FIGURA 7 Reflexo mão-boca de Babkin: atitude inicial... 27 FIGURA 8 Reflexos de busca: atitude inicial e estimulação... 28 FIGURA 9 Reflexos de busca: resposta bucal e rotação cefálica... 28 FIGURA 10 Reflexos de busca: resposta bucal e extensão cefálica... 29 FIGURA 11 Reflexos de encurvamento do tronco... 29 FIGURA 12 Reflexos de encurvamento do tronco Reação de Galant... 30 FIGURA 13 Reflexos de preensão plantar... 30 FIGURA 14 Reflexo de preensão palmar... 31 FIGURA 15 Reflexo de Marcha... 31 FIGURA 16 Suporte positivo... 32 FIGURA 17 Reflexo postural labiríntico... 33 FIGURA 18 Reação postural cervical... 34 FIGURA 19 Reação automática.... 38 FIGURA 20 Levantar a criança da posição dorsal... 38 FIGURA 21 Posição ventral... 39 FIGURA 22 Posição ventral... 40 FIGURA 23 P quarto mês... 42 FIGURA 24 Conhecimento do corpo: palpação dos pés... 44 FIGURA 25 Conhecimento do corpo: o lactente leva os pés à boca... 44 FIGURA 26 O sexto mês... 45 FIGURA 27 Posição decúbito ventral (prono)... 46 FIGURA 28 Engatinhar... 48 FIGURA 29 Ficar em pé e andar... 50
LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Sinais de possíveis atrasos no desenvolvimento da criança... 51
1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento motor normal é acompanhado de processos de crescimento, maturação e aquisição da competência e reorganização psicológica. Esses processos permitem à criança adquirir novas habilidades no domínio motor grosseiro e fino, cognitivo e emocional. O desenvolvimento motor pode promover impacto no desenvolvimento social, emocional e cognitivo. Portanto, não devemos ficar surpresos ou confusos quando crianças desenvolverem habilidade motora em razões diferentes com modelos e movimento (ALEXANDRE E BOEHEME 1993, p.10). De acordo com Mafra e Pereira (2007) vários estudos apontam para a identificação precoce das alterações no desenvolvimento da criança e/ou indicadores de risco seja ela orgânica ou ambiental como forma de intervenção oportuna. A Política Nacional de Prevenção de Deficiências (BRASIL, 2010) descreve que prevenir implica em realizar ações que impeçam a ocorrência de fatos ou fenômenos prejudiciais à vida e à saúde e, caso ocorram, evitar a progressão de seus efeitos. Assim, quanto mais ações preventivas, menores as alterações no desenvolvimento natural e as chaves de risco biopsicossocial para a criança (PEREZ & PEREZ, 1992). Segundo Willians & Aiello (2001) nos últimos anos, tem-se observado na literatura estrangeira, uma ênfase cada vez maior na importância do envolvimento da família para o reconhecimento do indivíduo. Formiga et al. (2004) destacam o papel exercido pela figura materna no ambiente familiar e no desenvolvimento da criança, atuando como facilitadora e promotora do desenvolvimento infantil, em especial nesse estudo, o motor. Nesse contexto é de fundamental importância que os pais e cuidadores tenham o conhecimento das etapas do desenvolvimento motor normal no primeiro ano de vida das crianças, com objetivo de acompanhar, estimular e perceber
12 precocemente qualquer alteração. É necessário que saibam que as etapas de evolução motora não são estáticas e a sequência das aquisições motoras são interligadas podendo melhorar e adequar a qualidade da movimentação que a criança já possui. A partir de tais considerações realizamos uma extensa pesquisa bibliográfica sobre o desenvolvimento motor normal da criança de zero a um ano de idade identificando as principais aquisições motoras dentro de cada mês e os sinais de alerta no seu desenvolvimento. Nessa investigação o objetivo geral foi construir uma cartilha contendo as etapas do desenvolvimento motor normal de crianças de 0 a 1 ano de idade. Para complementar, selecionaram-se como objetivos específicos: Descrever os elementos essenciais para a estimulação ambiental de crianças de 0 a 1 ano de idade; Apontar os sinais de alerta para o atraso no desenvolvimento motor e suas respectivas possibilidades de intervenção precoce. Desse modo, a elaboração do produto dessa investigação, a Cartilha, terá como público alvo pais e cuidadores; acadêmicos; profissionais da área da saúde; podendo também se estender para estabelecimentos como Creches; Escolas; Clínicas e Maternidades públicas e privadas, contribuindo para orientações importantes sobre o desenvolvimento motor normal e cuidados básicos com a criança.
13 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 DESENVOLVIMENTO MOTOR O desenvolvimento humano é um processo que ocorre durante toda vida e resulta de uma inter-relação complexa de fatores biológicos, psicológicos, culturais e ambientais. É definido como mudanças que acontecem na vida de um indivíduo desde a concepção até a morte (SHORT, 1988, p.8). Segundo Schwartzman (2007) o desenvolvimento físico normal é caracterizado pela maturação gradual do controle postural pelo desaparecimento dos reflexos primitivos, em torno de 4 a 6 meses de idade, como o reflexo de moro; o reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA); o reflexo de galant; os reflexos plantares; os reflexos orais e pela indução das reações posturais (retificação e equilíbrio). Em uma avaliação dos reflexos primitivos torna-se relevante observar que, mesmo quando presentes na idade esperada, deve-se avaliar se a sua intensidade é adequada para aquela fase. De modo geral, estes reflexos primitivos estarão presentes durante os primeiros seis meses de vida, e serão paulatinamente inibidos, na medida em que padrões de endireitamento e de equilíbrio forem surgindo. Haywood (1986) refere-se a desenvolvimento motor como processo gradativo de refinamento e integração das habilidades e dos princípios biomecânicos do movimento, de modo que o resultado seja um comportamento motor consistente e eficaz. A eficácia é alcançada na prática de um comportamento. Oliveira (2008), citando Willians e cols., afirma que algumas diferenças em relação ao desenvolvimento são devidas a características hereditárias, enquanto outras resultam de diferenças na maturação do sistema nervoso e fisiológico. As diferenças no desempenho dependem muitas vezes do nível e da eficiência dos sistemas de feedback sensitivo motor.
14 Segundo Ayres (1995) os movimentos dependem de feedback eficaz para serem eficientes. É importante ressaltar que, apesar de algumas respostas estarem presentes desde o nascimento, nem todos os indivíduos adquirem as mesmas habilidades motoras à mesma idade cronológica. Segundo Prado (2001) as etapas do desenvolvimento não são estáticas e a frequência das aquisições motoras são encadeadas, sendo cada uma preparatória das subsequentes. As idades em que são alcançados os marcos do desenvolvimento são utilizados como dados estatísticos e servem como guias para o reconhecimento dos desvios da normalidade. De acordo com Schwartzman (2007) o desenvolvimento refere-se ao conjunto de alterações mais ou menos contínuas na vida de um organismo. Obedece a uma certa sequência progressiva e irreversível, em condições normais, que pode ocorrer ao nível molecular, funcional ou comportamental. Essas modificações se dão em idades dependentes e consistem de alterações quantitativas e qualitativas, tendo características que permitem a identificação de certas etapas previsíveis para os organismos de certa espécie. Segundo Shepherd (2002) o crescimento e o desenvolvimento não dependem apenas dos processos de maturação determinados pelo código genético. São oriundos também, da experiência da criança e das suas oportunidades de interação com o meio ambiente, ficando evidente que uma das características do desenvolvimento motor normal é a sua grande variabilidade. Conforme descreve Béziers & Hunsinger (1994) através dos movimentos a criança percebe as diferentes sensações: motoras, orgânicas, sensoriais e afetivas. Desse modo, quando tiver percebido o movimento como um todo e quando for capaz de reproduzi-lo voluntariamente, a criança reviverá as sensações que experimentou e que percebeu anteriormente. A teoria maturacional do crescimento e desenvolvimento de Gessel (1997) enfatiza os componentes físicos e motores do comportamento humano. Joavigevest (1972, apud BURNS & MaC DONALD, 1999) consideram o desenvolvimento como uma interação entre forças biológicas, sociais e culturais,
15 pelos quais os indivíduos estão continuamente aumentando suas habilidades para funcionar efetivamente na sociedade. A teoria psicossocial de Erickson (1976) refere-se a experiências corporais que fornecem a base para um estado psicológico de confiança versus falta de confiança. O bebê aprende a confiar na mãe, em si mesmo e no ambiente, pela percepção materna de suas necessidades e exigências. A confiança mútua e o desejo de enfrentar as situações juntos, ficam estabelecidos entre a mãe e a criança. Nessa fase, o movimento é um relacionamento recíproco. O embalar rítmico, o ato de banhar e as brincadeiras gerais fornecem um meio natural, com movimento para estabelecer um sentimento de confiança. Já segundo Piaget (1975), anterior a Erickson e a Gessell, o desenvolvimento cognitivo ocorre pelo processo em que o indivíduo se ajusta às condições ambientais. Para ele a acomodação é a adaptação que a criança deve fazer ao meio ambiente quanto às informações novas e assimilação é a interpretação de novas informações. Se essas informações não puderem ser incorporadas, ocorrerá acomodação. O desenvolvimento da capacidade cognitiva se dá numa sequência fixa de estágios qualitativamente diferentes e inclui, também, o conceito de equilíbrio. O mecanismo de formação para o conhecimento se divide em assimilação e acomodação. Quando o desequilíbrio é produzido pela experiência nova, um novo equilíbrio é alcançado em nível mais alto de organização cognitiva. Nessa condição, o desequilíbrio é necessário para o desenvolvimento. Assim as novidades atraem as crianças, mas, se a dissonância cognitiva 1 for grande se sentirão frustradas e não alcançarão novo equilíbrio. A partir da análise das teorias do crescimento e desenvolvimento podemos determinar que o movimento baseia-se na percepção sensoriomotora. A senso motricidade pode ser compreendida como o sistema regulador do externo e percepção mediante conexões entre a pele (tátil), os tendões, os músculos, as articulações, os ossos e o aparelho vestibular. Todos estes sentidos externos têm relação com a estimulação ambiental e a criação que esta gera na criança. 1 Dissonância na aquisição do conhecimento.
16 Piaget (1975) fala da inteligência sensoriomotora condicionada pelo componente hereditário da criança e da inter-relação da carga genética com o ambiente da criança, pela utilização progressiva da experiência adquirida. Piaget sempre destaca que o desenvolvimento mental do lactente e da criança pequena, durante os primeiros 18 meses, depende da capacidade de mover-se normalmente. O desenvolvimento motor normal tem repercussões sobre o ambiente e o estímulo, e é dividido em períodos de acordo com o aparecimento das qualidades. Todos os indivíduos passam por estas fases ou períodos, porém, o início e o término de cada uma delas dependem das características biológicas e de fatores educacionais e sociais. A divisão dessas faixas serve como referência e não como norma rígida. Para Piaget (1975) no estágio sensório-motor, o bebê apresenta comportamento inteligente, percebendo o ambiente e agindo sobre ele. Segundo Saccani & Valentini (2010) as aquisições e o desenvolvimento de habilidades motoras ocorrem com ritmos diferenciados entre os indivíduos, observando-se grande variabilidade entre desempenhos ainda na primeira infância, a qual é decorrente da maturação neurológica, das especificidades da tarefa e oportunidades do ambiente. Lopes et al. (2010) complementam que esse estágio se subdivide cinco etapas: uso de reflexos; reação circular primária; reação circular secundária; coordenação de esquemas secundários; e reação circular terciária. A seguir, iremos descrever estas etapas de modo pormenorizado: Uso de Reflexos A criança exerce os reflexos durante o primeiro mês de vida. Depois ela coordena reflexos e reações, surgindo além dos reflexos instintivos, como por exemplo, a sucção, as primeiras tendências imitativas. Esse período tem duração do zero aos dois meses. Os reflexos motores e sensoriais inatos (sucção, preensão, acompanhamento visual) são utilizados para interagir e se acomodar com o mundo exterior.
17 Reação Circular Primária A criança coordena as atividades do próprio corpo e dos cinco sentidos, como sugar o dedo, brincar com a língua etc. A realidade permanece subjetiva; não procura estímulos fora do ambiente; mostra curiosidade e imitação. Esse período se inicia com poucas semanas de vida e vai até o quarto mês. Nessa etapa acontece a assimilação. O fato primitivo geralmente é admitido como o mais elementar da vida psíquica: a repetição. O bebê tende a repetir, quando algum comportamento tem resultado interessante. Inicia-se a organização da visualização, na qual a criança segue com os olhos os objetos que passam por ela. A fonação e a audição manifestam-se desde o nascimento. Os sons percebidos e produzidos apresentam uma organização interna. Tal como a boca, o olho e o ouvido, a mão é um dos instrumentos mais essenciais de que se vai servir a inteligência uma vez constituída. A conquista definitiva dos mecanismos de preensão marca o início das condutas complexas que caracterizam as formas de ação intencional. Reação Circular Secundária O bebê procura por novos estímulos no ambiente; começa a prever as conseqüências do próprio comportamento, agindo propositadamente a fim de modificar o mesmo; início do comportamento intencional. Os movimentos centram-se num resultado produzido no meio exterior e a ação tem como objetivo manter esse resultado. A originalidade das reações circulares do presente estágio é que constituem as manifestações intelectuais mais avançadas de que a criança é capaz, depois passarão a ter uma posição cada vez mais derivada. A duração desse estágio é do quarto ao sexto mês. Coordenação de Esquemas Secundários Esse estágio tem duração do sétimo ao décimo segundo mês. A criança mostra os sinais preliminares da constância de objeto; possui uma vaga idéia de que
18 os objetos têm uma existência independentemente dele próprio; e imita comportamentos novos. Reação Circular Terciária O bebê procura novas experiências e produz novos conhecimentos. A descoberta de novos meios por experimentação ativa é utilizada pela criança para a solução de novos problemas. Ela começa a experimentar ao invés de repetir as experiências; diferencia o eu e o objeto, e esse de um ato ou ação. Há a formação de estruturas através de deslocamento de objetos, de posições e de relações causais ligados à ação. 2.2 PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR 2.2.1 O Recém-nascido e o lactente: 0 a 2 anos Neste período, a criança conquista, através da percepção e dos movimentos, todo o universo que a cerca. No recém nascido (RN) a vida mental reduz-se ao exercício dos aparelhos reflexos, de caráter hereditário, como a sucção. Esses reflexos, apesar de inatos, melhoram com o treino: o bebê mama melhor no 10º dia de vida do que no 2º, por exemplo. Por volta dos 5 meses, a criança consegue coordenar os movimentos das mãos e olhos, e pegar objetos. No final do período, a criança é capaz de usar um instrumento como meio para atingir um objeto. Descobre que se puxar a toalha, o biscoito ficará mais próximo para pegar, utilizando a inteligência prática, ou sensório-motora que envolve a percepção e vários movimentos. Fica evidente que o desenvolvimento ósseo, muscular e neurológico permite a emergência de novas habilidades, como sentar-se e andar. Ocorre uma
19 diferenciação entre o eu e o mundo exterior, que até então era continuação do próprio corpo. Isto permite que a criança, por volta de 12 meses, admita que um objeto, mesmo que não esteja no seu campo visual, continue a existir. Segundo Vigotski (1984, apud BOCK et al., 1993) por volta dos 24 meses, a criança evolui de uma atitude passiva em relação ao ambiente e pessoas, para uma atitude ativa e participativa. Nessa ótica o desenvolvimento infantil é visto sob três aspectos: instrumental, cultural e histórico. O instrumental aponta que o ser humano não responde apenas ao estímulo apresentado no ambiente, mas a altera e usa suas modificações como um instrumento do comportamento. O cultural envolve os meios socialmente estruturados, pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança em crescimento enfrenta. O elemento histórico funde-se com o cultural, pois os instrumentos que o homem usa para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento foram criados e modificados, ao longo da história. O desenvolvimento das crianças está alicerçado sobre o plano das interações. Desde o seu nascimento, os adultos procuram incorporá-las à suas relações e culturas. Segundo Vigotski (1984, apud BOCK et al., 1993) o gesto da criança é criado justamente na interação, pois todos os movimentos e expressões verbais no início da vida afetam o adulto, que os interpreta e devolve à criança, com ação e ou com a fala. 2.2.2 Maturação do SNC maturação: Segundo Nuessen (1978, apud BARROS, 1997) entende-se por (...) o desenvolvimento do organismo como função do tempo ou da idade; refere-se a transformações neurofisiológicas e bioquímicas que tem lugar desde a concepção até à morte (p.27).
20 De acordo com Piaget (1975), a maturação do SNC é (...) a expansão do esquema reflexo pela incorporação de um novo elemento que determina a formação de um esquema de ordem superior, o hábito, no qual se integra o esquema inferior, o reflexo. A assimilação de um novo elemento a um esquema anterior implica consequentemente na integração deste ultimo ao esquema superior (p. 87). Shepherd (2002) achava que o marco do desenvolvimento motor ocorria dentro de uma sequência invariável do desenvolvimento neurológico. O padrão de desenvolvimento era quase o mesmo em todo bebê, mas existia diferença individual na velocidade da maturação, ou seja, a ordem em que as crianças passam de um estágio ao outro é semelhante, mas varia a idade em que alcançam os estágios. Segundo Roberton (1978 apud Shepherd, 2002) embora a capacidade de executar determinados movimentos surja devido à maturação do sistema, não significa obrigatoriamente que um ato precoce favorece, de alguma maneira, a aquisição de outro ato motor. No desenvolvimento motor, a maturação tanto na vida pré-natal quanto após o nascimento, segue duas tendências ou direções: direção céfalo-caudal ou craniocaudal, onde o controle da cabeça precederia ao do tronco e direção próximo distal, onde o desenvolvimento se processa de dentro para fora. Ou seja, as partes centrais do corpo amadurecem mais cedo (tronco e ombro) antes dos braços e pés (periferia) e, por último, há controle das mãos e dedos. Isso revela que os primeiros movimentos dos bebês são globais (movimentos grosseiros) e indiferenciados. Só mais tarde realizam movimentos com habilidades finas. Segundo Brodley (1990, apud SHEPHERD, 2002) o indivíduo é capaz de iniciar um movimento complicado antes da época prevista desde que preenchidas determinadas condições que abrangem desde a maneira de criar o bebê a seu manuseio. A concepção de desenvolvimento motor, atualmente, focaliza a biomecânica nos diversos grupos etários e em circunstâncias diferentes (ZENICHE & SCHERIDER, 1993). Os reflexos neonatais são considerados como uma forma imatura de comportamento motor, a qual irá se aperfeiçoar à medida em que a
21 criança se locomove e interage com o meio ambiente. Antes era de opinião comum que os reflexos neonatais (primitivos) deveriam sofrer inibição, para o comportamento moderno acontecer. Todo desenvolvimento motor realiza-se sempre sob uma ideal adaptação aos estímulos externos. O organismo e meio ambiente são dependentes um do outro. Para Schilling (1970) a capacidade motora ou o estado motor evolutivo é sempre ambiente dependente. 2.2.3 A coordenação dos Reflexos Os reflexos são as primeiras formas do desenvolvimento humano, e nos esclarecem a diferenciação entre o processo de desenvolvimento motor normal e anormal. Os reflexos são reações automáticas desencadeadas por estímulos, que tendem a favorecer a adequação do individuo ao ambiente. As respostas reflexas dependem das necessidades fisiológicas, do momento em que são solicitadas, do estado emocional da criança e do contexto ambiental (BARROS, 1997). As reações involuntárias resultam de alterações na pressão, visão, sons e estímulo tátil. Tais estímulos formam uma base para o estágio de reunião para informações, ou estágio de codificação. Nesse estágio da vida da criança, os reflexos servem como equipamento primário para reunião de informações, que são armazenadas no córtex em desenvolvimento. Os comportamentos reflexos infantis atuam como fonte primária de informações no período neonatal, tendo como funções principais de sobrevivência a busca de alimentação e de proteção. É comum suspeitar-se de disfunção neurológica quando um reflexo estiver ausente, irregular ou desigual em força. A ausência de movimentos reflexivos normais ou a continuação prolongada de vários reflexos podem sugerir dano neurológico. No entanto, um reflexo que perdure por tempo demasiado é de grande
22 importância, se comparado à sua ausência completa. Outra evidência que pode sugerir lesão é um reflexo exacerbado ou fraco demais; um reflexo que provoque uma forte reação na metade do corpo em relação ao outro, também pode indicar uma disfunção no sistema nervoso central (GALLAHUE & OZMUN, 2003). Sobre o gerenciamento dos estímulos do SNC, Bobath & Bobath (1989) ressaltam que, (...) ele age como um órgão coordenador para a grande maioria dos estímulos sensoriais recebidos, produzindo respostas motoras integradas, adequadas às necessidades do meio ambiente. Os músculos estão agrupados em padrões de ações coordenadas, alguns contraindo e outros relaxando (p.07) Gallahue & Ozmun (2003) classificaram os reflexos como primitivos e posturais. Os reflexos primitivos estão intimamente associados à obtenção de alimento e à proteção do bebê, aparecendo primeiramente na vida fetal e persistindo durante todo o primeiro ano de vida. Já os reflexos posturais fazem lembrar movimentos voluntários posteriores, pois fornecem automaticamente a manutenção de uma posição ereta para um indivíduo em relação ao seu ambiente, sendo encontrados em todos os bebês normais nos primeiros meses pós-natais, podendo, em alguns casos, persistir no primeiro ano de vida. Tipos mais comuns de reflexos humanos: a) Reflexo de Moro: É uma reação corporal maciça, que tem a particularidade de induzir uma brusca extensão da cabeça, alterando sua relação com o tronco. Consiste na extensão, abdução e elevação de ambos os membros superiores, seguida de retorno à habitual atitude flexora em adução. Foi descrito por André Thomas como reflexo de braços em cruz (Figura 1). Figura 1 Reação de Moro. Fonte: Flehmig (2002, p.28).
23 A literatura indica o decurso do quarto mês como a idade habitual de sua extinção; o Moro inferior persiste algumas semanas após a extinção do Moro superior, o que constitui mais um dado aos exemplos que assinalam o sentido céfalo-caudal da maturação. Nas crianças que crescem em ambientes estimulantes, seu desaparecimento se acelera. Enquanto persiste durante longos meses quando a exercitação postural é escassa, como aponta Alvarez (CORIAT, 2001). Segundo Coriat (2001) o reflexo de Moro desencadeia-se sempre no decurso de um sobressalto, de uma reação tônica brusca, consecutiva a um estímulo nociceptivo 2. Pode ser considerado uma reação defensiva que tende para uma melhor adequação do corpo no espaço, assim que se altere o equilíbrio numa posição determinada. b) Reflexo Tônico-Cervical Assimétrico (RTCA): Trata-se de um reflexo postural desencadeado por mudanças na posição da cabeça em relação ao tronco, de grande importância para o desenvolvimento do conhecimento corporal e sua situação no espaço. O RTCA resulta da tendência em manter a cabeça voltada para um dos lados no decúbito ventral ou dorsal. A assimetria postural cefálica provoca mudanças tônicas assimétricas nos músculos do pescoço, que são percebidas pelas terminações proprioceptivas correspondentes às raízes posteriores dos três primeiros nervos cervicais. Deles parte a via aferente até centros subcorticais ligados ao labirinto. A resposta motora que fecha o arco reflexo determina a extensão dos membros para os quais se orienta a face, membros mandibulares, e a reflexão dos opostos, membros nucais (Figura 2), sendo normal do primeiro ao terceiro mês de vida (FLEMIGH, 2002). Esse reflexo é uma resposta ligada a atividades extensoras da cervical e cintura escapular, portanto sua persistência pode dificultar o uso das mãos na linha média, entre outras dificuldades de movimentação, sendo comum em pacientes neuropatas, hipertônicos e de tônus flutuante (MAFRA & PEREIRA, 2007). 2 Reflexos que provém de estímulos dolorosos.