ESTUDOS SOBRE A EXPECTATIVA DO PACIENTE DE CIRURGIA PLÁSTICA 1 Rosa Maria Carvalho da Silveira 2 Resumo:Este trabalho discute o significado da expectativa em dois níveis: consciente e inconsciente. O nível consciente leva em consideração o discurso manifesto, no qual o paciente expressa a sua expectativa em relação ao resultado do tratamento. O nível inconsciente leva em consideração o discurso latente, cuja interpretação, realizada pelo médico, revela o desejo que norteia a procura pelo tratamento.considera-se a relação médico-paciente do ponto de vista de um profissional que ouve o seu paciente, considerando a possibilidade de lidar com o discurso nos níveis consciente e inconsciente. Palavras chave: expectativa do paciente, expectativa, relação médico-paciente, resultados de tratamento Title: Studies on the expectations of patients undergoing plastic surgery Abstract: This paper discusses the meaning of the expectation on two levels: 1) the conscious level, taking into consideration verbal manifestation by the patient, in which the patient expresses his expectations of successful treatment; 2) the unconscious level, taking into consideration the latent speech, whose interpretation reveals the real desire that underlies the search for a treatment. The relationship between physician and patient is considered from a point of view showing a professional who listens to his patient, and pays attention to the conscious and unconscious speech structures. Key words: patient`s expectation, expectation; doctor-patient relationship; results of treatment ESTUDOS SOBRE A EXPECTATIVA DO PACIENTE DE CIRURGIA PLÁSTICA Este trabalho fundamenta-se em resultados de pesquisas realizadas na década de 90 em três hospitais-escola da cidade de São Paulo, nas quais observou-se a relação entre o profissional de saúde e seu paciente. Embora o universo pesquisado tenha sido restrito ao ambiente hospitalar, a peculiaridade da relação terapêutica permite que se utilize os dados em outros contextos. No tratamento clínico ou cirúrgico, a relação profissional-paciente constitui uma experiência emocional, que pode se tornar frustrante para ambos se o paciente considerar mau o resultado obtido. Esse fato suscita questões interdependentes e desperta uma série de pontos para reflexão que tentarei desenvolver a seguir. O que é considerado um mau resultado? Quais seriam as variáveis que estariam influenciando na aceitação ou não do resultado? Seriam muitas, certamente. A meu ver, uma das variáveis que estariam influenciando a aceitação ou não do resultado seria a expectativa. Justifico a escolha 1 Apresentado no II Congresso Brasileiro sobre Responsabilidade Civil e Penal Médico-Hospitalar, Odontológica, Enfermagem, Farmacêutica, Planos de Saúde e Laboratórios Farmacêuticos, realizado em Campos do Jordão (SP) de 14 a 18 de agosto de 2002. 2 Doutora em Psicologia Clínica pela IPUSP; Assistente de Coordenação e docente do Curso de Psicologia da Universidade Ibirapuera; Docente do Pós-Graduação da Universidade São Judas Tadeu.
a partir de minha experiência clínica, já que há mais de vinte anos venho atuando em serviços de psicologia ligados a clínicas-escola e em consultório particular. Assim, expectativa é um termo amplamente utilizado em Psicologia, porém inexiste no Vocabulário de Psicanálise (Laplanche e Pontalis, 2001), apesar de se encontrar em qualquer dicionário da língua portuguesa. Consultando o dicionário (Buarque de Holanda, 1995), verifiquei que a palavra expectativa vem do latim expectatu e traduz-se por esperado. Selecionei na definição dessas palavras o que foi considerado de importância para o tema. Expectativa significa esperança baseada em supostos direitos; promessas. Esperar significa estar à espera de; aguardar; confiar; contar com a realização de coisa desejada ou prometida. Dois desses significados pareceram particularmente interessantes: esperança baseada em supostos direitos e esperar a realização de algo desejado. Que algo desejado é este? Qual é o desejo implicado na expectativa? Para refletir sobre esta questão e fortalecer o meu pensamento, consultei a literatura psicológica constatando que a noção de desejo é nuclear em psicanálise: A concepção freudiana do desejo diz respeito por excelência ao desejo inconsciente, ligado a sinais infantis indestrutíveis (Laplanche e Pontalis, 2001, p.159). Focalizando o significado de expectativa como esperança baseada em supostos direitos, considerei as dimensões éticas e institucionais, que envolvem questões de cidadania, ou seja, direito à obtenção de um atendimento de qualidade que depende da aptidão profissional do médico. Neste sentido, busquei fazer um paralelo entre a conduta médica e o atendimento psicológico, em algumas de suas particularidades. Como em uma entrevista psicológica, a procura por um médico é busca de ajuda. Na entrevista psicológica, o psicoterapeuta procura investigar o motivo manifesto, a demanda ou queixa, e reconhecer o motivo latente. O motivo latente está encoberto por trás da demanda, ou seja, são os motivos subjetivos e inconscientes que levam o paciente a nos procurar. O motivo manifesto, a queixa, é o sinal de alarme que conduz o paciente à consulta. Isto é, algo o preocupa, provoca sofrimento psíquico, e o faz pedir ajuda. Além disso, o motivo latente, relevante e desconhecido, é capaz de expressar-se através do manifesto. O papel do psicoterapeuta, em função de uma escuta especializada e sem fazer colocações precipitadas, é revelar o significado do motivo latente no discurso do paciente. É desvelando o sentido da palavra que o psicoterapeuta se coloca frente ao subjetivo e inconsciente e traz à luz a verdade interior do paciente. De maneira similar, quando um paciente procura um médico, traz consigo uma expectativa, na qual se articulam a demanda consciente e o desejo inconsciente, que, se convenientemente compreendidos pelo médico e elaborados pelo paciente, contribuirão para o sucesso do tratamento. Nas proposições iniciais apontamos o significado da expectativa em dois níveis: manifesto e latente. É sempre bom lembrar que o conteúdo latente, o desconhecido, é desvendado pelo médico através do discurso do paciente. Para tanto, o médico precisa ter noções de Psicologia (Psicanálise), teoria e técnica, para poder realizar uma entrevista, abordando aspectos da história pessoal do paciente, suas necessidades e fantasias a respeito do tratamento a que vai ser submetido. Portanto, o médico precisa estar atento, a
todo instante, a esses dois níveis, na verdade interdependentes. Deve avaliar as suas possibilidades reais para atender a essas expectativas. Na prática médica é extremamente útil levar em conta os conhecimentos da técnica da entrevista e tudo o que se refere a interrelação interpessoal. Isso conduz à possibilidade de realizar a entrevista em condições metodológicas mais restritas, convertendo-a em instrumento científico utilizando o método clínico - (Bleger,2001,p.13). Na anamnese, trabalha-se com a suposição de que o paciente conhece a sua vida e pode fornecer dados sobre ela. A entrevista parte da hipótese de que cada pessoa tem uma história de vida e um esquema do presente, e desta história e deste esquema tem-se que deduzir o que ela não sabe. Aquilo que o paciente não pode fornecer como conhecimento explícito emerge através do que está implícito em seu discurso ou no seu comportamento não verbal. Prosseguindo com o tema, constatei que os primeiros trabalhos focalizando aspectos psicológicos ligados à conduta médica surgiram na área da Psicologia Hospitalar e da Psicologia Social (Bleger, 1984). Este assunto pode ganhar amplitude e profundidade a partir de uma análise que inclua a relação transferencial médico-paciente 3. Assim, um outro ponto a ser discutido refere-se a possíveis promessas de resultado favorável aludido não intencionalmente (ou intencionalmente) pelo médico. Além da questão ética e civil, tais promessas criam no paciente a expectativa de sucesso que nem sempre pode ser cumprido pelo médico. Isso pode ocasionar sentimentos de frustração e perda, levando o paciente a apresentar transtornos psicológicos, o que vai depender também da característica de sua personalidade. Partindo do ponto de vista de que toda relação humana, em particular a relação médico-paciente, se estrutura sobre uma relação de poder (Silveira, 1990,p.17), a palavra do médico pode induzir a expectativa de sucesso no tratamento porque é revestida por seu paciente de importância especial, derivada da transferência. Utilizando diferentes referenciais teóricos, as pesquisas realizadas em nosso meio (Amaro, 1985; Fonseca, 1985; Silveira, 1990, 1998, 2000; Faragó, 1992; e Poltronieri, 1995) no campo da cirurgia plástica, evidenciam o peso da opressão social em relação à boa aparência e juventude, como determinantes do pedido da cirurgia plástica. Os pacientes atribuem a uma parte do corpo a responsabilidade por sua problemática conflitiva e procuram, através da cirurgia plástica, condições sociais mais favoráveis. Amaro (1985) refere-se à possível cumplicidade entre o cirurgião e os desejos da paciente. Poltronieri (1995) entrevistou candidatos à cirurgia plástica, encontrando expectativas irreais subjacentes ao pedido de cirurgia, tais como: aumento de vitalidade através do rejuvenescimento facial, sucesso nos relacionamentos interpessoais, conquistas amorosas, realização profissional e planos imediatos de mudança de vida após a cirurgia. 3 O conceito freudiano de transferência, revelado no campo específico da relação médico-paciente, considera que toda uma série de acontecimentos psíquicos ganha vida novamente, agora não mais como passado, mas como relação atual com a pessoa do médico, e o que se transfere são as experiências vividas primitivamente com os pais na tenra infância. Freud constatou, contudo, que a transferência se manifestava nas diferentes relações estabelecidas pelo indivíduo no decorrer de sua vida (Freud, 1912).
Analisa os relatos de pacientes que se submeteram a rinoplastia, observando que a correção do traço físico indicava conflitos ligados à identificação com seus pais. Há um consenso entre os autores em relação ao dever do médico de esclarecer seu paciente sobre a parcela de risco cirúrgico e anestésico, cicatrizes, viabilidade financeira e técnica cirúrgica. As alterações previamente efetuadas no vídeo do computador nem sempre são possíveis de execução, na prática. Os autores acima mencionados sugerem uma avaliação psicológica como critério para seleção de pacientes, principalmente nos casos em que haja suspeita de psicopatologia, atuações psicopáticas, depressão latente e dismorfofobia. Discutem até que ponto a psicoterapia seria mais benéfica ao paciente do que a cirurgia plástica. Se ainda restarem incertezas quanto à pertinência ou não da cirurgia plástica, o médico deve apoiar-se numa equipe multiprofissional, da qual faça parte também um psicólogo, que procurará esclarecer todas as dúvidas, sugerindo o momento mais oportuno para a realização do procedimento. Essas pesquisas procuram confirmar a existência de uma motivação latente escondida no pedido de cirurgia plástica. Assim, o paciente, de certa forma, incorpora a sua história de vida ao seu discurso e é pela sua palavra que se manifesta o seu desejo. O médico deve ajudar o paciente a articular a sua demanda, a entender o que pede no contexto de sua história pessoal e decidir finalmente pela realização ou não do tratamento. Antes de concluir, algumas palavras sobre a importância da formação do médico. Além da especialização que lhe dê condições e mais segurança no exercício profissional, recomendo voltar seu olhar para dentro de si próprio, entrando em contato com suas emoções. A disponibilidade pessoal do médico é que lhe permite ouvir e ser depositário da emoção do seu paciente..instrumentalizar suas emoções é o ponto de partida para o entendimento da expectativa de seu paciente. O manejo desta transferência é fundamental e pode garantir a realização de um bom trabalho em sua profissão. Neste texto, apontei o significado da expectativa, em dois níveis: consciente e inconsciente. O nível consciente, considerando-se o discurso manifesto, no qual o paciente expressa a sua expectativa de um tratamento bem sucedido e o nível inconsciente, considerando-se o discurso latente, cuja interpretação revela o desejo que norteou a busca do tratamento. Deste modo, considerei que a expectativa do paciente em relação ao tratamento deriva diretamente de suas necessidades emocionais que se manifestam nos níveis objetivo e subjetivo. Refleti sobre a relação médico-paciente, falando-se de um outro lugar, do lugar do profissional que ouve o seu paciente, considerando a possibilidade de lidar com a estruturação do discurso em dimensões consciente e inconsciente. Portanto, norteie o meu pensamento recorrendo à psicanálise para compreensão dos fenômenos humanos envolvidos. Referências Bibliográficas AMARO, J. (1985) Aspectos Psicológicos e Psicossociais da Cirurgia Reparadora. S. Paulo, Remas, n.º 28-29
BLEGER, J.(1984) Psico-higiene e a Psicologia Institucional. Porto Alegre, Artes Médicas BLEGER, J. (2001) Temas de Psicologia Entrevista e Grupos. S. Paulo, Martins Fontes BUARQUE DE HOLANDA, Aurélio (1995) Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira FARAGÓ, S. E COL. (1992) Auto Imagem e Expectativas: reflexões sobre o aspecto da personalidade e motivações para a mamoplastia. S. Paulo, Pioneira FONSECA, A (1985) Reflexões sobre o Conceito de Imagem do Corpo in Psicologia, teoria e pesquisa, 1(2) FREUD, S. (1973) A Dinâmica da Transferência (1912). in Obras Completas. Madrid, Biblioteca Nueva LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J.B. (2001) Vocabulário de Psicanálise. São Paulo, Martins Fontes POLTRONIERI, W.V. (1995) A Procura pela Rinoplastia Estética: estudo exploratório à luz dos processos de atribuição. S.Paulo, Dissertação de Mestrado, IPUSP SILVEIRA, R.M.C. (1990) Atendimento Psicológico em Hospital-Escola: análise da expectativa de um grupo de pacientes de Clínica Ginecológica. S.Paulo, tese de Doutorado, IPUSP SILVEIRA, R.M.C. (1998) Expectativa da paciente em relação ao resultado da cirurgia plástica. São Paulo, Revista UNIB, n.º6, 62-66 SILVEIRA, R.M..C. (2000) Expectativa de resultados em relação à cirurgia plástica. São Paulo, ANAIS da VII Semana de Psicologia da UNIb, 75-83 Tema relatado no II.º Congresso Brasileiro sobre responsabilidade civil e penal médico-hospitalar, odontológica, enfermagem, farmacêutica, planos de saúde e laboratórios clínicos e farmacêuticos. Campos de Jordão, 14/08 a 18/08 de 2002. Publicado no periódico INTEGRAÇÃO ensino-pesquisa-extensão v.x, n.36, 2004, p.73-76. http//www.usjt.br/prppg/