As condições do Trabalho Docente na Universidade Aberta do Brasil: As exigências de formação profissional e as relações de trabalho

Transcrição

1 1 As condições do Trabalho Docente na Universidade Aberta do Brasil: As exigências de formação profissional e as relações de trabalho Tânia Barbosa Martins Orientador: Dr. João dos Reis Silva Júnior Doutorado Linha de Pesquisa: Estado, Política e Formação Humana Resumo O presente projeto de pesquisa tem como objetivo analisar as condições do trabalho docente na Universidade Aberta do Brasil (UAB) tendo como base empírica a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), considerando a especificidade da modalidade de educação a distância (EaD) no que se refere às novas exigências de formação profissional e às mudanças nas relações de trabalho. O movimento de reforma das instituições republicanas com origem no Estado induziram mudanças nas Instituições Federais de Educação Superior com implicações no trabalho docente. Propõem-se investigar as repercussões no trabalho dos professores e tutores no cotidiano da UAB. Toma-se como referencial teórico-metodológico Georgy Luckács e Agnes Heller que oferecem um arcabouço para compreender a complexidade da prática institucional no cotidiano. O plano de trabalho incluirá análise dos documentos oficiais relacionados à UAB e às condições da profissão docente, e entrevistas com os professores e tutores virtuais e presenciais. Palavras Chaves: Condições do Trabalho Docente, Universidade Aberta do Brasil, Instituições Federais de Ensino Superior.

2 2 A educação a distância (EaD) a partir da década de 1990 adquire um novo tratamento, apresentando-se como um dos principais eixos das políticas educacionais. As condições para a elevação da EaD a um novo patamar de reconhecimento relaciona-se diretamente a reorganização do Estado na atual fase de mundialização e financeirização do capital. O cenário de mudanças no país que tem como marco a Reforma do Estado na década de 1990 trouxe mudanças expressivas na esfera pública organizada segundo a lógica de valorização do capital. O Estado com base no receituário neoliberal definido pelo Consenso de Washington altera a natureza das instituições públicas ao centrar-se em estratégias de desregulamentações e pelos princípios empresariais na gestão (SILVA JÚNIOR e SGUISSARDI, 2001). Nesse contexto, observa-se um processo de expansão das instituições de educação superior pública que flexibilizaram a estrutura da educação superior no país, rompendo com a garantia do princípio da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão como parâmetros básicos da educação superior. Nesse processo, as políticas governamentais segmentaram a educação superior por meio do estímulo à expansão das matrículas e à diversificação das instituições de educação superior, naturalizando esse nível de ensino como serviço e restringindo a educação superior à função de ensino. Tal processo provoca mudanças na identidade e função social da universidade, com implicações para o trabalho docente (SILVA JÚNIOR e SGUISSARDI, 2001). É nessa conjuntura de reforma das instituições republicanas desencadeadas pelos processos de reestruturação produtiva que o ensino a distância com base num aparato jurídico consolida-se, resultando na criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB): Uma instituição com novo modelo de gestão e novas exigências profissionais e de relações de trabalho colocadas com o uso das novas tecnologias de comunicação e informação (TICs) e com uma nova cultura institucional ligada à racionalidade do Estado. As mudanças trazidas com a UAB têm reflexos nos processos de trabalho do professor nas suas dimensões subjetivas, pedagógicas, trabalhistas, organizacionais e de gestão. Desse modo, com base na literatura de que o trabalho é considerado essencial para a formação do homem, não apenas um valor econômico, nesse projeto de pesquisa propõe-se analisar as condições do trabalho docente na Universidade Aberta do Brasil (UAB) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) considerando a especificidade da modalidade EAD no que se refere às novas exigências de formação profissional e as relações de trabalho. A análise do

3 3 trabalho docente viabiliza conhecer mais sobre o processo de expansão do ensino a distância na UAB e a natureza do trabalho dos professores e tutores presenciais e virtuais num processo de trabalho que tem como centralidade a utilização das TICs. O problema de investigação situa-se no debate e nas produções que avaliam a complexidade da prática social por meio da categoria trabalho e os efeitos sócioeconômicos produzidos pela Reforma do Estado a partir da década de Desse modo, o referencial teórico apoia-se nas pesquisas de Agnes Heller, Georgy Luckács e em pesquisas realizadas recentemente por Valdemar Sguissardi e João dos Reis Silva Júnior. A investigação constitui-se, num primeiro momento, pelo aprofundamento teórico da literatura base e áreas afins, em documentos oficiais do Ministério da Educação e sobre a Universidade Aberta do Brasil e a profissão docente. No segundo momento realizam-se entrevistas semi-estruturas com professores e tutores presenciais e virtuais além de alunos dos cursos de formação de professores (Pedagogia). O objetivo das entrevistas é levantar elementos para se compreender as condições de trabalho do professor e do tutor, as relações trabalhistas e as novas exigências de formação profissional que se impõe com essa modalidade de educação. Pretende-se elaborar o roteiro de entrevistas contemplando questões sobre o cotidiano do professor e do tutor, seus tempos e espaços, o uso das TICs, as conseqüências do trabalho virtual no lazer e na convivência familiar; demais atribuições do trabalho docente (aspectos administrativos, pedagógicos, etc.); as relações trabalhistas flexibilizadas (regimes de trabalho, planos de carreira, etc.); a atuação dos sindicatos corporativos vinculados às UAB; e as exigências ou competências que identifica o professor e tutor da modalidade EAD na UAB. A pesquisa será desenvolvida em 3 polos com os professores e tutores do curso de Pedagogia. O critério de escolha da UAB da UFOP é por ela ser uma das instituições mais antiga no país a oferecer cursos de educação a distância. Seus primeiros cursos a distância são do ano de 2000, antes mesmo da UAB ser idealizada pelo Fórum das Estatais pela Educação em A pesquisa será realizada com professores e tutores dos cursos de formação de professores, por serem esses cursos no Brasil, diferentemente de outros países, o foco da UAB. A amostra, em face do objetivo da pesquisa, será constituída de 70% dos professores responsáveis pela elaboração dos cursos de formação de professores de todos os polos, num total aproximado de 9 professores; de 4 tutores, 1 virtual e 3 presenciais, responsáveis pelos cursos de formação de professores nos três polos; e de 10% dos alunos, num total aproximado

4 4 de 12 alunos. Os polos investigados serão: Ouro Preto, João Molevade e Ipatinga no Estado de Minas Gerais. Com base nos Censos da Educação Superior e nos autores (BARRETO, 2010, MILL, 2006, SEGENREICH, 2009, TONEGUTTI, 2010) constata-se que a EaD passa por uma expansão expressiva acompanha de um processo de descaracterização da natureza da universidade pública brasileira e do trabalho docente. Conforme dados do Censo da Educação Superior, o número de matrículas presenciais aumentou de , em 1995, para , em 2009, com um crescimento, portanto, da ordem de 238,35%. O ensino a distância também é chamado a participar dessa expansão e as estatísticas oficiais o confirmam. Nos primeiros anos do recorte histórico aqui considerado, o número de matrículas no ensino a distância era mínimo que sequer foi divulgado oficialmente. Os primeiros dados sobre essa modalidade só passam a fazer parte das estatísticas oficiais do INEP em Como exposto na fig. 1, o ensino a distância não parou de crescer desde então, chegando-se em 2009 a um total de matrículas. Os Censos da Educação Superior sobre o ensino a distância demonstram os esforços por parte do governo para expandir o acesso ao ensino superior. Conforme fig. 1, o número de vagas aumentou de em 2002 para em 2009, com um crescimento na ordem de 6.403%; o número de inscritos também segue a tendência de expansão. Em 2002, o número de inscritos correspondia a , em 2009 alcança , com crescimento de 2.241%; no número de ingressos o aumento foi de 1.607% do número de ingressos. Em 2002, o número de ingressos é de , em 2009 atinge ; As matrículas também apresentam um crescimento, de em 2002 para matrículas em 2009, com um crescimento de 2.058%.

5 Evolução do número de vagas, inscritos, ingressos e matrículas no Ensino a Distância Figura 1 Evolução Vagas do número de Inscritos vagas, inscritos, Ingressos ingressos e matrículas Matrículas na graduação a distância. Fonte: BRASIL. INEP. Sinopses estatísticas do Censo da Educação Superior: Brasília: MEC. As vagas, inscritos, ingressos e matrículas de 2002 a 2009 revela que uma das vias de expansão do ensino superior no Brasil ocorre de fato por meio do ensino a distância. Em geral, houve um crescimento continuo e elevado em todo o conjunto dos elementos que caracterizam o ensino a distância. Os dados do Censo da Educação Superior confirmam que o ensino a distância no âmbito das políticas educacionais brasileiras adquire uma relevância na expansão do ensino superior. Cabe destacar que a expansão do ensino superior a distância tem como prioridade os cursos da área de educação. O número de vagas oferecidas, de inscritos e de ingressos da área de educação representam 58,16%, 62,38%, 63,45%, respectivamente, em relação ao conjunto das demais áreas. Tabela 1: Número de Vagas oferecidas, candidatos inscritos e ingressos por área na educação a distância Graduação Brasil 2009 Área Vagas oferecidas Candidatos inscritos Ingressos Educação Humanidades e Artes Ciências Sociais, Negócios e Direito Ciências Matemáticas e Computação Engenharia/Produção Agricultura e veterinária Saúde/bem estar social Serviços Fonte: BRASIL. INEP. Sinopses estatísticas do Censo da Educação Superior: Brasília: MEC

6 6 Ainda que recente a expansão da EaD no ensino superior é uma realidade que se associa às políticas educacionais de acesso ao ensino superior. No âmbito das Instituições de Ensino Superior (IES) pública/estatal a EaD é representada pela Universidade Aberta do Brasil (UAB). A UAB criada pelo Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006, visa o desenvolvimento da modalidade de educação a distância. Foi idealizada no âmbito do Fórum das Estatais pela Educação em É um programa da Diretoria de Educação a Distância (DED) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) em parceria com a Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (MEC). O Fórum foi coordenado pelo ministro chefe da casa civil, José Dirceu de Oliveira e Silva, com a participação de vários ministérios; de organizações científicas, acadêmicas, etc.; da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) e de empresas estatais brasileiras, etc. Conforme o Fórum a proposta foi fortalecer as universidades públicas e, simultaneamente, atender às necessidades das empresas estatais, enfatizando o papel da educação no desenvolvimento econômico brasileiro (FÓRUM DAS ESTATAIS PELA EDUCAÇÃO, 2009). A UAB é um programa de convênios e parceiras entre as esferas de governos (União, Estados e Municipios) com Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e Instituições Estaduais de Ensino Superior (IEES). Conforme (BARRETO, 2010, MILL, 2006, SEGENREICH, 2009, TONEGUTTI, 2010) observou-se que a EaD ofertada pela Universidade Aberta do Brasil (UAB) apresenta várias contradições em relação a organização, a infraestrutura, a valorização do trabalho dos docentes e a legislação. Abaixo apresentamos alguns pontos baseados que contribuem para descaracterizar a natureza da universidade pública brasileira e do trabalho docente: I) As universidades oferecem cursos a um número enormes de polos, que de modo geral, não dispõem de condições de infraestrutura adequada e desmantela a ideia de universidade ou seja, as universidades como instituições educativas deixam de ser o centro de referência diante da existência de inúmeros polos espalhados pelo território; II) Os municípios parceiros das IES públicas são responsáveis pela disponibilidade física, bibliotecas, laboratórios, serviços de comunicação. Em geral, não dispõem de condições para organizar os polos com a qualidade necessária;

7 7 III) IV) O trabalho dos tutores emerge de modo intensificado. Os tutores devem acompanhar a aprendizagem de inúmeros alunos, trabalhando com uma carga horária alta, realizada em segunda jornada de trabalho; O trabalho emerge de modo precarizado. Em muitos casos os tutores não dispõem de qualificação necessária em termos de formação científica, titulação e produção acadêmica. Seu corpo docente trabalha por intermédio de bolsas a professores e a tutores. Em geral, destaca-se grande rotatividade dos professores e tutores, os quais exercem o trabalho de modo casual, pois os ganhos salariais são, em média, baixos demais para garantir a principal fonte de renda da família, particularmente, no caso dos tutores. Os contratos de trabalho são temporários, de tempo parcial e em forma de bolsa; V) Há falta de uma legislação trabalhista que contemple pelo menos dois aspectos: os direitos autorais dos materiais didáticos utilizados ou produzidos pelos professores e a regulamentação do trabalho docente. Com base no que se expôs pode-se dizer que a reorganização do Estado nos moldes neoliberais altera profundamente a natureza das instituições públicas e o processo de trabalho do professor. Tal situação tem como manifestação a expansão da EaD nas últimas décadas no Brasil. O crescimento da EaD via UAB é acompanhado de limites jurídico-institucionais na concretização plena do trabalho docente, além de apresentar sérias fragilidades relacionadas à valorização do docente. Destaca-se que o seu trabalho emerge de modo intensificado e precário. São inúmeras, complexas e diversas as atividades demandadas, principalmente, em relação ao trabalho dos tutores, extrapolando suas inerentes prerrogativas profissionais e os limites de tempo e espaço adequados ao trabalho com qualidade, além de não serem os tutores reconhecidos como professores. Instauram-se contratos de trabalho flexíveis na universidade pública estatal que se relacionam diretamente aos mesmos processos produtivos que exigem trabalhadores flexíveis e passíveis diante da perda dos benefícios conquistados historicamente.

8 8 Referências Bibliográficas BARRETO, R. G. Formação de professores a distância como estratégia de expansão do ensino superior. Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 113, p , out./dez BRASIL. INEP. Sinopses estatísticas do Censo da Educação Superior: 1995 a Brasília, 1995/2010. Disponível em: < sinopse/default.asp>. Acesso em: 10 fev FÓRUM DAS ESTATAIS PELA EDUCAÇÃO - Diálogo para a Cidadania e Inclusão. Disponível em: acesso em 30 de março de MILL, Daniel. Educação a distância e trabalho docente virtual: sobre tecnologia, espaços, tempos, coletividade e relações sociais de sexo na Idade Mídia (tese de doutorado). Belo Horizonte: UFMG, REFERENCIAIS DE QUALIDADE PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR À DISTÂNCIA. Brasília, agosto de 2007, disponível em: acesso em 4 de abril de 2009., SGUISSARDI, Valdemar. Novas Faces da Educação Superior no Brasil. SP: Xamã, 2001., SGUISSARDI, Valdemar. Trabalho Intensificado nas federais: Pósgraduação e produtivismo acadêmico. SP: Xamã, SEGENREICH, S. C. D. ProUni e UAB como estratégias de EaD na expansão do ensino superior. Pro-Posições, Campinas, v. 20, n. 2 (59), p , maio/ago TONEGUTTI, Claúdio Antônio. Ensino à Distância no Brasil: aspectos da realidade para estudantes e docentes. In: Universidade e Sociedade. Ano XIX, n. 45. Jan