PRODUÇÃO DE SUÍNOS EM CAMA SOBREPOSTA (DEEP BEDDING): ASPECTOS SANITÁRIOS Nelson Morés Méd. Vet. M. Sc., Embrapa Suínos e Aves 89700 000 Concórdia, SC. O uso cama sobreposta ( deep bedding ) para criação de suínos nas fases de crescimento e terminação, é uma tecnologia recente no Brasil, sendo que apenas últimos cinco anos é que alguns produtores começaram fazer uso dela. A Embrapa suínos e Aves iniciou as pesquisas com esse sistema em 1993, quando estudou diferentes tipos de substratos usados como leito (maravalha, serragem, sabugo de milho, palha e casca de arroz), com acompanhamento sanitário dos animais. O sistema de produção em cama sobreposta apresenta algumas vantagens e desvantagens em relação ao sistema convencional. As vantagens estão relacionadas, principalmente, ao menor custo de investimento em edificações e manejo de dejetos, melhor conforto e bem estar animal e melhor aproveitamento da cama como fertilizante agricola, devido a concentração de nutrientes e redução quase total da água contida nos dejetos. As desvantagens estão associadas ao maior consumo de água no verão, maior cuidado e necessidade de ventilação nas edificações, disponibilidade de maravalha, serragem ou outro tipo de substrato e, principalmente aspectos sanitários relacionados com a ocorrência de infecções por Mycobacterium avium-intracellulare (MAI). A linfadenite por micobactérias não provoca mortalidade nem atraso no crescimento dos suínos, mas, dependendo da gravidade das lesões nos gânglios, o serviço de inspeção de carnes pode determinar a condenação ou destino condicionado das carcaças afetadas, com prejuízos tanto para o produtor como para a indústria. O objetivo dessa palestra é expor os riscos sanitários que o sistema de produção em cama sobreposta pode trazer para os suínos. 1 Linfadenite por Mycobacterium avium-intracellulare De modo geral vários problemas são reduzidos com o uso da cama sobreposta, como é o caso do canibalismo caudal e dos problemas de cascos e das articulações. Entretanto, em alguns rebanhos tem sido observado um aumento na ocorrência de linfadenite provocada por Mycobacterium avium-intracellulare. Hoy & Stehmann (1994), em trabalho comparativo com suínos no crescimento-terminação, observaram a ocorrência de linfadenite por micobactérias em 29,8% dos suínos criados em cama de maravalha sobreposta e em 3,4% daqueles alojados piso metálico totalmente ripado. Alguns estudos (Songer et all., 1980; Charette et all., 1989) têm mostrado que a serragem ou maravalha usadas como cama pode ser uma fonte de infecção de micobactérias para os suínos. O Mycobacterium avium-intracellulare frequentemente é encontrado em amostras de serragem ou maravalha, onde pode sobreviver por longos períodos. As micobactérias podem se multiplicar sob condições adequadas 101
de umidade e temperatura o que pode explicar a ocorrência sazonal da doença em alguns rebanhos. Em estudo realizado na Embrapa Suínos e Aves (Corrêa, K.C., 1998), com três lotes consecutivos criados sobre a mesma cama de diferentes substratos, a ocorrência de linfadenite foi maior naqueles criados sobre cama de serragem e com maior freqüência no primeiro lote (Tabela 1). Isso pode indicar que os leitões quando alojados já estavam contaminados, uma vez que no terceiro lote alojado sobre a mesma cama nenhum animal foi afetado. Tabela 1 Freqüência de animais condenados por linfadenite no frigorífico criados sob diferentes tipos de piso: nas épocas 1, 2 e 3 são apresentados o número de suínos condenados por linfadenite. TRATAMENTO Número suínos Época Total condenados 1 2 3 Maravalha 120 0 0 Serragem 120 21 3 24 20 Sabugo de milho triturado 120 0 0 Casca de arroz 120 2 2 1,6 Concreto parcialmente 120 0 0 ripado *1: de março a maio; 2: de julho a agosto e 3: setembro a novembro. Fonte: Corrêa, K.C., 1998. Entretanto, em dois estudos epidemiológicos do tipo caso-controle (Staal, A. & Eystein, S., 1993 e Morés et all., 2000) o uso de maravalha como cama para os suínos, não foi um fator de risco para ocorrência de linfadenite em suínos abatidos. A cama pode não ser a fonte primária de micobactérias, mas ela pode permitir o acúmulo e mesmo a multiplicação de micobactérias de outras fontes. A constante exposição de leitões para camas infectadas na maternidade ou creche pode levar a alta ocorrência de lesões no abates. Aves domésticas e selvagens podem contaminar as camas que são usadas para suínos e dar inicio a infecção no rebanho. Até o momento não se conhece com profundidade porque isso ocorre. A principal suspeita é que alguns leitões ao serem introduzidos no sistema de cama sobreposta já encontram-se infectados, provavelmente da maternidade ou creche. Mas como os leitões infectados podem eliminar as micobactérias nas fezes e o sistema de cama sobreposta facilita o contacto dos animais com os dejetos, suspeita-se que a maravalha ou serragem podem facilitar a contaminação de outros suínos durante a fase inicial de crescimento. Atualmente estamos desenvolvendo ações de pesquisa que visam esclarecer esses aspectos relacionados com a ocorrência de linfadenite. De qualquer forma, sugere-se que os produtores que desejam usar o sistema de cama sobreposta, é importante que o plantel de origem dos leitões seja livre dessa doença. A maioria dos produtores que já estão usando esse tipo de sistema de produção no Brasil são da região sul. Não são muitos, provavelmente, porque a pesquisa e as agroindústrias, em função da falta de informações conclusivas sobre os riscos de 102 %
ocorrência da linfadenite, têm alertado os produtores da possibilidade de aumento das condenações por essa doença. Entretanto, essa doença tem sido observada também em rebanhos que nunca usaram a maravalha. Por isso, acredita-se que a maravalha não seja a fonte principal de infecção, mas provavelmente um meio que facilita a disseminação da infecção entre os suínos mantidos na mesma baia, quando algum suíno introduzido no sistema já está infectado. Nesse aspecto, o risco é alto para produtores que compram leitões de várias origens, sem saber da condição sanitária dos rebanhos que produziram os leitões. Então, do ponto de vista sanitário, o principal cuidado que o produtor deve ter é que o rebanho de origem dos leitões seja livre da infecção por Mycobacterium avium-intracellulare e que a maravalha ou serragem a ser usada seja seca em secador comercial para tal finalidade e que não tenha ficado exposta ao tempo. Para saber se o rebanho está infectado deve-se fazer o teste de tuberculinização com PPD aviária, no plantel de porcas e machos. 2 Problemas respiratórios Em estudo realizado na Embrapa Suínos e Aves, embora as percentagens de tosse e espirro foram baixas em todos os tratamentos houve menor ocorrência de espirro e tosse nos suínos criados sobre cama de sabugo de milho triturado, mas não houve diferença entre os suínos criados nos demais substratos com aqueles criados sobre piso de concreto, com exceção para tosse nos suínos criados sobre casca de arroz que também foi inferior àqueles sobre concreto (Tabela 2). Os animais criados sobre cama de serragem foram os que apresentaram percentagem de espirro mais elevada, provavelmente devido a maior quantidade de partículas em suspensão no ar que exercem efeito físico sobre o aparelho respiratório superior. Quando esses mesmos animais foram avaliados no abate, quanto a presença de lesões de rinite atrófica e pneumonias, não houve diferença entre os suínos nos diferentes substratos usados como cama (Tabela 3.) Tabela 2 Resultados em porcentagem, das contagens de espirro e tosse e o número de contagens (N) em suínos alojados em diferentes tipos de piso. TRATAMENTO N Espirro Tosse Maravalha 28 2,8 ab 3,4 ab Serragem 28 3,3 a 3,2 ab Sabugo de milho triturado 28 1,3 b 2,2 b Casca de arroz 28 2,5 ab 2,9 b Concreto parcialmente ripado 28 2,6 ab 4,6 a Médias seguidas pela mesma letra na coluna, não diferem significativamente a 5% de probabilidade pelo teste de Tukey. Fonte: Corrêa, K.C., 1998. 103
Tabela 3 Médias das contagens das lesões nos cornetos nasais, estômagos e pulmão em suínos alojados em diferentes tipos de piso (tratamentos). TRATAMENTO Cornetos Estômagos Pulmão Maravalha 0,52 0,81 0,46 Serragem 0,57 0,88 0,44 Sabugo de milho triturado 0,47 0,83 0,47 Casca de arroz 0,57 0,83 0,48 Concreto parcialmente ripado 0,47 0,98 0,53 Médias não diferentes (P>0,05) estatisticamente pelo teste de Tukey. Fonte: Corrêa, K.C., 1998. Em trabalho realizado na França, Oliveira (1999) verificou que os suínos criados em piso totalmente ripado apresentaram maior freqüência de lesões pulmonares do que aqueles criados em cama de serragem sobreposta (Tabela 4). Nesse mesmo estudo a ocorrência de rinite atrófica, também foi menor nos suínos criados em cama sobreposta (Tabela 5). Por outro lado, Hoy & Stehmann (1994), Observaram maior ocorrência de pleurite e pleuropneumonia e menor de pneumonia catarral nos suínos criados sobre cama de maravalha sobreposta, em comparação com aqueles em piso metálico totalmente ripado. Tabela 4 Comparação das lesões pulmonares em suínos criados em cama de maravalha sobreposta em um piso totalmente ripado(freqüência em % em cada graduação). Graduação das lesões Experimentos ano 1 Experimentos ano 2 pulmonares Ripado Cama Ripado Cama 0 (ausência) 50,0 58,4 30,0 50,0 1 33,4 33,3 30,0 33,4 2 8,3 8,3 20,0 8,3 3 8,3 0 10,0 8,3 4 (severa) 0 0 10,0 0 Fonte: de Oliveira. P.A.V. (1999). 104
Tabela 5 Comparação das lesões de rinite atrófica em suínos criados em cama de maravalha sobreposta e em piso totalmente ripado (freqüência em % em cada graduação). Graduação das lesões Experimentos ano 1 Experimentos ano 2 Ripado Cama Ripado Cama 0 (ausência) 33,3 66,7 0 50,0 1 (leve atrofia) 67,7 33,3 66,7 16,7 2 (atrofia importante 0 0 33,3 33,3 Fonte: de Oliveira, P.A.V. (1999). 3 Lesões de estômago e fígado A ocorrência de lesões ulcerativas ou pré-ulcerativas na Pars Oesophagea do estômago têm sido avaliados em alguns trabalhos executados com suínos criados em cama sobreposta. Em estudo realizado por Oliveira (1999) foi observado menor freqüência de lesões no estômago nos suínos criados em cama sobreposta, em comparação com aqueles criados em piso totalmente ripado (Tabela 6). Corrêa (1998), não encontrou diferença na ocorrência de úlcera estomacal, entre os animais criados em cama sobreposta, usando-se diferentes substratos, e com aqueles mantidos em piso parcialmente ripado (Tabela 3), mas neste estudo não foi investigado a ocorrência de lesões pré-ulcerativas de hiperqueratose. Tabela 6 Comparação das lesões de úlcera no estômago de suínos criados em cama sobreposta e em piso totalmente ripado (freqüência em % em cada graduação). Graduação das lesões Experimentos ano 1 Experimentos ano 2 no estômago Ripado Cama Ripado Cama 0 (normal) 33,3 75,0 20,0 66,7 1 (hiperqueratose+) 8,3 25,0 10,0 33,3 2 (hiperqueratose++) 41,7 0 40,0 0 3 (hiperqueratose+++) 8,4 0 20,0 0 4 (úlcera) 8,3 0 10,0 0 Fonte: de Oliveira, P.A.V. (1999). Segundo Hoy & Stehmann (1994), a criação de vários lotes de suínos sobre a mesma cama pode trazer riscos sanitários para os animais. Em estudo realizado por estes autores, a percentagem de hepatite parasitária aumentou de 15,8% no primeiro lote para 72,2% no quarto lote nos suínos criados em cama de maravalha sobreposta, enquanto que nos controle mantidos em piso metálico ripado, a incidência de lesões permaneceu estável, com prevalência ao redor de 15,3%. Então, os programas de controle de helmintos devem ser rigorosos nos sistemas de criação de suínos sobre cama, principalmente, quando mais de um lote são produzidos sobre a mesma cama. 105
4 Problemas locomotores Na Inglaterra (Smith & Morgan, 1997) em um acompanhamento de suínos criados em cama sobreposta de palha, comparativamente a outros de mesma origem criados em piso ripado, foi observado maior ocorrência de artrite no abate naqueles criados sobre a cama. De um lote de 190 suínos alojados na cama, 83 (43,7%) apresentaram artrite identificada pelo serviço de inspeção, enquanto que dos 178 leitões da mesma origem, mas alojados em piso ripado e abatidos no mesmo dia, apenas cinco apresentaram lesões de artrite. Em outra granja, 18,5% dos leitões machos criados em cama de palha sobreposta tinham lesões de artrite no abate, enquanto que as fêmeas do mesmo lote alojadas em piso ripado somente 4,3% estavam afetadas. Nessas duas granjas as lesões de artrite foram associadas à infecção por Mycoplasma hyosynoviae. 5 Conclusão De modo geral, existem poucas informações sobre acompanhamentos sanitários de suínos criados em sistema de cama sobreposta, especialmente no Brasil. O problema mais importante e que parece ter limitado a expansão dessa tecnologia no Brasil, é a ocorrência de linfadenite, provocada por micobactérias não tuberculosas. Mais pesquisas são necessárias para explicar se os animais se infectam e desenvolvem a doença durante a fase de crescimento, quando alojados sobre a cama ou se já estão contaminados no momento do alojamento (durante as fases de maternidade e creche). Atualmente é possível obter serragem ou maravalha que tenham sido submetidas a um processo de esterilização pelo calor, eliminando, com isso, essa fonte de infecção. É importante também esclarecer se a cama, uma vez contaminada por alguma fonte de infecção, que podem ser diversas (leitão infectado, pássaros, galinhas, etc), favorece a multiplicação das micobactérias e, com isso, possa servir de fonte de infecção para os suínos. Entretanto, com relação a problemas respiratórios e lesões ulcerativas no estômago, o sistema de criação em cama sobreposta parece oferecer vantagem em relação ao sistema tradicional. 6 Referências bibliográficas Charette, R.; Martineau, G. P.; Pigeon, C. et all. Na outbreak of granulomatous lynfhadenitis due to Mycobacterium avium in swine. Ca. Vet. J., v.30 p.675 678, 1989. Corrêa, É.K. Avaliação de diferentes tipos de cama na criação de suínos em crescimewnto e terminação., Pelotas, RS: UFPel, 1998. 105p. Dissertação de Mestrado. Hoy, St. & Stehmann R. Hygienische aspekte der tiefstreuhaltung von mastschweinen mit mikrobiell enzymatischer einstreubehandlung. Der Praktische Tierarzt, n.6, p.495 504, 1994. 106
Morés,N.; Silva, V.S.; Dutra, V. et all. Controle da micobacteriose suína no sul do Brasil: identificação e correção dos fatores de risco. Concórdia: Embrapa CNPSA, 2000. 4p. (Embrapa-CNPSA. Comunicado Técnico, 249). Oliveira, P.A.V. de. Comparaison des systèmes d élevage des porcs sur litière de sciure ou caillebotis intégral., RENNES: ENSA, 1999. 263p. Thèse de Docteur. Smith, W.J. & Morgan, M. Pig Journal, v.40, p.9 27, 1997. Staal, A. & Eystein, S. Nn abatttoir-based case control study of risk factors for mycobacteriosis in Norwegian swine. Prev. Vet. Med., v.15, p.253 259, 1993. Songer J.G.; Bicknell, E.J., Thoen, C.O. Epidemiological investigation of swine tuberculosis in Arizona. Can. J. Comp.Med. v.44, p.115 120, 1980. 107