O Programa Cartão Alimentação (PCA) em Números: Balanço de sua Implementação e Contribuições para as Políticas Sociais 1



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Transcrição:

O Programa Cartão Alimentação (PCA) em Números: Balanço de sua Implementação e Contribuições para as Políticas Sociais 1 Otavio Valentim Balsadi 2 Mauro Eduardo Del Grossi 3 Maya Takagi 4 Resumo: O texto apresenta a evolução e os números do Cartão Alimentação (PCA), uma das principais ações emergenciais do Programa Fome Zero em 2003. O PCA foi regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 4.675, publicado no Diário Oficial de 17/04/03. A partir de janeiro de 2004 foi totalmente absorvido pelo Bolsa Família, programa unificado de transferência de renda, juntamente com o Bolsa Alimentação, o Bolsa Escola e o Auxílio Gás. Com o balanço do PCA em 2003 pretende-se: a) rebater a idéia geral formada e as críticas de lentidão do Programa; b) apontar as principais contribuições do PCA que ficam para as políticas sociais; c) reafirmar que o PCA era um instrumento dentro uma política mais ampla de segurança alimentar e nutricional. Palavras-chave: Programa Fome Zero, Cartão Alimentação, Políticas Sociais. Introdução Embora sejam conceitos distintos, há uma forte relação entre pobreza e fome, especialmente no Brasil e nos países subdesenvolvidos. Não há dúvidas que a dificuldade do acesso à alimentação está relacionada à falta de renda para adquiri-los, o que remete, também, para as causas estruturais da extrema concentração de renda e do elevado desemprego e subemprego. 1 Texto apresentado no XLII Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, realizado em Cuiabá MT no período de 25 a 28 de julho de 2004. 2 Engenheiro Agrônomo, Doutorando em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da Unicamp, Pesquisador da Embrapa cedido para a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. E-mail: balsadi@planalto.gov.br. 3 Engenheiro Agrônomo, Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Unicamp, Pesquisador do Iapar cedido para a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. E-mail: delgrossi@planalto.gov.br. 4 Engenheira Agrônoma, Doutoranda em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da Unicamp, Assessora da Presidência da Embrapa. E-mail: maya.takagi@embrapa.br.

82 No entanto, há componentes específicos que exigem um programa de garantia da segurança alimentar e nutricional. Em primeiro lugar, porque a alimentação é um direito básico de cidadania. O Estado deve garantir, no mínimo, condições para que as famílias se alimentem dignamente. Este é o compromisso com o Direito Humano à Alimentação. Outro aspecto fundamental é que a fome, além de ser uma conseqüência da pobreza, é também sua causa. Este aspecto foi fortemente defendido na Missão conjunta FAO, Banco Mundial e BID, em dezembro de 2002, para avaliar o Projeto Fome Zero e trazer contribuições para a formulação das ações de governo no combate à fome. Segundo o relatório final da Missão conjunta, políticas específicas de segurança alimentar e combate à fome são necessárias porque a fome tem um componente importante na manutenção do círculo vicioso da pobreza. A fome prejudica a capacidade de aprendizado das crianças, reduz a produtividade de adultos ativos, faz com que as pessoas fiquem mais suscetíveis a doenças e provoca a morte prematura, perpetuando a pobreza e a iniqüidade. A fome também passa de uma geração para outra, no momento em que mães desnutridas concebem filhos com peso abaixo do normal. Portanto, para romper com este círculo vicioso, é fundamental começar a partir da garantia de um direito básico, que é o direito à alimentação. Portanto, garantir a segurança alimentar e nutricional significa assegurar as condições para que todas as famílias tenham acesso a uma alimentação digna e de forma permanente, com quantidade e qualidade adequadas. Isto implica na ampliação do conceito da comprovação do estado de subnutrição, que pode ser o estado mais avançado da insegurança alimentar, mas que também está relacionado com cuidados sanitários e alimentares inadequados. Como o alcance da segurança alimentar e nutricional envolve a superação e emancipação da sua condição de vulnerabilidade, um programa de transferência de renda seria apenas a parte emergencial e inicial do Programa Fome Zero, e início do processo de desenvolvimento local a partir dos incentivos à produção de alimentos e à geração de emprego e renda, que também são objetivos indissociáveis da segurança alimentar e nutricional. Com base nessa visão mais holística, o Cartão Alimentação (PCA), uma das principais ações do Programa Fome Zero em 2003, foi regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 4.675, publicado no Diário Oficial de 17/04/03. Esse decreto definiu o valor e a duração do benefício: R$50,00 para cada família com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo, por seis meses, prorrogáveis por mais dois períodos de seis meses. O objetivo do Programa era que nesse prazo fossem implementadas ações

83 estruturais que transformassem a condição de vida das famílias, com a redução do risco de insegurança alimentar. O titular do Cartão Alimentação era a mulher responsável pela família. Atendendo as prioridades da Presidência da República, o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Nutricional (MESA) iniciou a implementação do Fome Zero, e do Programa Cartão Alimentação, em municípios do semi-árido brasileiro com menos de 75 mil habitantes e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) inferior à média nacional. As estatísticas nacionais disponíveis também apontavam o semi-árido como área prioritária para combate a pobreza, onde esta era mais aguda. Outro critério adotado pelo MESA para a definição de municípios beneficiados era a existência de algum tipo de organização da sociedade civil no município, como os Fóruns de Desenvolvimento Local Integrado (DLIS). As experiências mostravam que uma base social organizada era imprescindível para as ações imediatas e as estruturais no combate à fome. O PCA foi lançado nos municípios de Guaribas e Acauã, no Estado do Piauí, nos dias 03 e 04 de fevereiro de 2003, respectivamente. Inicialmente, atendeu a 910 famílias. No mês de dezembro de 2003, ao final de seu primeiro ano de implantação, o PCA beneficiou 1.901.288 famílias em 2.369 municípios brasileiros. O objetivo desse texto é apresentar a evolução e os números do PCA em 2003. Com esse balanço pretende-se: a) rebater a idéia geral formada e as críticas de lentidão do Programa; b) apontar as principais contribuições do PCA que ficam para as políticas sociais; c) reafirmar que o PCA era um instrumento dentro uma política mais ampla de segurança alimentar e nutricional. 1) O Processo de Implementação do PCA Para a implementação do PCA, e também das demais ações do Fome Zero, era indispensável a parceria do governo federal, por intermédio do MESA, com os governos estaduais e municipais. No nível estadual foram criadas as Coordenadorias Estaduais, subordinadas aos governadores, e os Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), enquanto no nível municipal foram instituídos os Comitês Gestores e estimulados os Conselhos Municipais de Segurança Alimentar e Nutricional. 1.1. Os Comitês Gestores do PCA Os Comitês Gestores locais foram fundamentais para a implementação do PCA. Além de serem o braço operacional nos municípios (seleção das famílias cadastradas, exclusão de famílias, acompa-

84 nhamento e orientação das famílias beneficiadas, etc) também eram a base do controle social do Programa. Ou seja, os Comitês Gestores eram responsáveis pelo acompanhamento e pela fiscalização das ações do Programa Cartão Alimentação. Os Comitês Gestores foram formados por até nove pessoas, com representantes da sociedade civil ( 2 / 3 do total) e do poder público estadual e municipal ( 1 / 3 do total). Para a organização dos Comitês Gestores, dois representantes de cada município foram selecionados para cursos de capacitação. Nesses cursos, eles foram orientados sobre como implantar e acompanhar o PCA, além de receberem noções de Segurança Alimentar e Nutricional. Esses representantes foram incentivados a elaborar um Plano de Desenvolvimento Local, a fomentar ações públicas e da sociedade civil e multiplicarem a formação no Comitê Gestor Local. Como foi amplamente constatado pelos gerentes regionais do MESA, responsáveis pelo acompanhamento do Fome Zero, no processo de formação dos Comitês Gestores as pessoas não só atenderam ao chamamento das associações comunitárias rurais e urbanas, sindicatos, organizações religiosas, conselhos comunitários, etc como acreditaram que estavam participando da construção de algo novo. E esse renascer de uma esperança e interesse de participação tem um sabor todo especial diante da realidade em que vivem, onde existe um sem número de conselhos comunitários nos quais, por terem sido fomentados por meras conveniências burocráticas, o que menos importava era a participação popular. E foi pela ação desses participantes voluntários dos Comitês Gestores que foram expostas as irregularidades contidas no Cadastro Único de cada município. Pela primeira vez na história, a sociedade local poderia saber quem eram e indicar as famílias a serem beneficiadas pelos programas sociais, como uma garantia básica de consolidação de uma política que se baseia na seriedade, transparência e dentro dos princípios de justiça social. É assim que foi incentivada a cidadania e a construção da participação popular. Foram milhares de pessoas humildes, homens e mulheres de bem que atenderam ao pedido do Presidente Lula para participar efetivamente do Programa Fome Zero. E participar não na doação de alimentos nem de dinheiro, até porque a difícil realidade que vivem não permite que isso seja feito. Mas participar na doação de informação, de cidadania, de esperança numa forma diferente de se fazer política pública neste país, com participação popular e visando atender aos mais pobres, que nunca tiveram a atenção necessária dos governantes. Uma política de segurança alimentar na qual o acesso à comida, ao pão de cada dia, à água e à educação para o desenvolvimento seja obtido de forma absolutamente digna, emancipatória e portadora de cidadania, e não como esmola.

85 Este inegável empoderamento local observado nos municípios onde o Fome Zero avançou em 2003, com exemplos claros de verdadeiros mutirões de cidadania, não pode ser desconsiderado na condução da política social, sob risco de repetirem-se os erros históricos e não criaremse as bases reais de uma sociedade mais justa e igualitária. Tabela 1 Municípios Capacitados e Comitês Gestores Formados em 2003 Brasil, Grandes Regiões e Estados. Comitês Estados e Regiões Municípios Gestores Capacitados Formados Alagoas 101 91 Bahia 396 358 Ceará 175 171 Maranhão 209 183 Paraíba 218 214 Pernambuco 172 170 Piauí 222 218 Rio Grande do Norte 164 156 Sergipe 72 72 Nordeste 1.729 1.633 Goiás 10 10 Mato Grosso 6 6 Mato Grosso do Sul 15 15 Centro-Oeste 31 31 Espírito Santo 10 10 Minas Gerais 170 168 São Paulo 24 22 Rio de Janeiro 14 12 Sudeste 218 212 Acre 21 21 Amazonas 60 48 Amapá 15 13 Pará 131 101 Rondônia 51 46 Roraima 14 8 Tocantins 138 112 Norte 430 349 Paraná 18 18 Rio Grande do Sul 25 25 Santa Catarina 17 17 Sul 60 60 Total Brasil 2.468 2.285

86 Para dar a magnitude da participação da sociedade na implementação do Programa Cartão Alimentação, são apresentados os dados relativos aos municípios capacitados e aos municípios onde haviam sido instalados Comitês Gestores até dezembro de 2003. No total, foram 2.468 municípios capacitados pelas equipes do MESA, dos quais 2.285 possuíam Comitês Gestores do PCA instalados. Como cada Comitê Gestor foi formado com nove pessoas, havia um total de 20.565 voluntários nos mais diferentes pontos do país levando alguma informação sobre o PCA e o Fome Zero à população. Pela prioridade dada ao semi-árido brasileiro em 2003, observa-se que o maior número de Comitês Gestores formados está na região Nordeste. 1.2. O PCA em Números A seguir serão apresentados os principais resultados da implementação do Programa Cartão Alimentação em 2003. Os dados referem-se ao número de municípios atendidos, famílias beneficiadas, população atendida e evolução dos gastos. Dada a maior participação do Nordeste, os dados serão mais detalhados apenas para essa região. Os dados são muito claros para que se refute a idéia disseminada sobre a lentidão do Programa. Passados os meses iniciais de formatação e ajustes, que são comuns a qualquer programa novo, o PCA adquiriu um ritmo de implementação muito satisfatório. A comparação com outros programas de transferência de renda que será feita a seguir reforça essa constatação. O primeiro pagamento do PCA iniciou-se em fins de fevereiro e começo de março de 2003 em dois municípios: Guaribas e Acauã, no Piauí. Beneficiou, inicialmente, 910 famílias (ou 4.550 pessoas) e teve um desembolso de R$45.500,00. No final de 2003, o PCA já estava presente em 2.369 municípios, beneficiando 1.901.288 famílias (9.983.716 pessoas). O gasto acumulado somente com o PCA chegou a R$281.454.950,00 em dezembro de 2003.

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91 1.3. Comparativo com Outros Programas de Transferência de Renda O objetivo deste item é reforçar a idéia de que o ritmo de expansão do PCA foi bastante satisfatório. Além dos dados apresentados nos gráficos anteriores, vale a pena comparar a evolução do PCA com outros programas de transferência de renda implantados pelo Governo Federal nos últimos anos. 1.3.1. Comparativo PCA & Bolsa Alimentação O Bolsa Alimentação teve o seu início de pagamento em setembro de 2001. Os dados selecionados para comparação dizem respeito ao número de municípios com pagamento, famílias atendidas e valor mensal gasto com os benéficos. A base de comparação foi feita com os onze primeiros meses de implementação de cada Programa. Isso porque esse é o tempo de pagamento do PCA (de fevereiro a dezembro de 2003). Os dados comparativos apresentados evidenciam que não se deve aceitar a crítica de que foi muito lenta a implementação do PCA nas regiões definidas como prioritárias para o ano de 2003. Vis-a-vis a evolução de outros programas federais de transferência de renda, o processo de implementação do PCA teve um ritmo de expansão muito satisfatório. Pode-se argumentar que o PCA não chegou nas grandes cidades (onde, diga-se de passagem, não havia cadastros de boa qualidade), que ainda havia um pequeno contingente de famílias que recebiam o benefício em alguns municípios e não eram as prioritárias (portanto, deveriam ser excluídas do Programa), etc. Mas a crítica, feita de forma superficial, sobre a lentidão de implementação deve ser refutada. Os gráficos a seguir ajudam a visualizar melhor a evolução dos dois programas de transferência de renda.

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93 1.3.2. Comparativo PCA & Bolsa Renda O programa Bolsa Renda iniciou suas atividades no segundo semestre de 2002, mais efetivamente a partir do mês de setembro, e visava atender os agricultores atingidos pela seca daquele ano. Após quatro meses, o programa Bolsa Renda já atendia quase 1,7 milhões de famílias em 809 municípios, transferindo diretamente a cada uma delas a importância de R$30,00. Tomando-se apenas os municípios do semi-árido atendidos pelo PCA, a cobertura do Cartão Alimentação já atendia a totalidade dos municípios dessa região (Gráfico 12), revelando que o Governo Federal agiu preventivamente à seca em 2003. O Bolsa Renda atingiu o seu ápice de atendimento em dezembro de 2002, atendendo a quase 1,7 milhão de famílias. Nesse mesmo mês, só que em 2003, o PCA já atendia a 1,4 milhão de famílias somente no semi-árido brasileiro. Acrescentando-se as famílias que recebem o piso do Programa Bolsa Família (os R$50,00 herdados do PCA), a cobertura em dezembro de 2003 atingiu a 1,6 milhão de famílias (Gráfico 13).

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95 Em termos de valores gastos, a cobertura do PCA no semi-árido dispendia um montante de R$68 milhões. Considerando-se também o piso do Bolsa Família, o governo federal gastou R$79 milhões em dezembro de 2003. No mesmo mês, só que em 2002, no ápice do Bolsa Renda o governo anterior dispendeu R$51,8 milhões, revelando uma cobertura menor do que o PCA e o Bolsa Família. Os dados comparativos apresentados evidenciam que, vis-a-vis a evolução de outros programas federais de transferência de renda, a cobertura do PCA foi muito satisfatória em 2003. 2) Contribuições do PCA para as Políticas Sociais Com a criação do Bolsa Família, em outubro de 2003, vários programas de transferência de renda existentes foram unificados. Entre eles está o Cartão Alimentação, além do Bolsa Escola, do Bolsa Alimentação e do Auxílio Gás. Como, a partir de janeiro de 2004, o PCA passou integralmente para o Bolsa Família, é fundamental não se perder de vista algumas contribuições muito significativas desse Programa do MESA para o futuro das políticas sociais. Entre elas, podem ser citadas, sem ordem de importância:

96 - o componente Segurança Alimentar e Nutricional deve ser parte fundamental das políticas sociais; - os R$50,00 do PCA são o piso para o Bolsa Família com isso, foi possível um aumento significativo do repasse médio por família (de uma média nacional situada entre R$20,00 e R$25,00 anteriormente para uma média situada entre R$70,00 e R$75,00 com o Bolsa Família); - a transferência de 1,9 milhão de famílias para o Bolsa Família; - a importante experiência de controle social e participação popular, com a implantação dos Comitês Gestores; - a sedimentação da idéia de que as transferências de renda devem ser indutoras da dinamização das economias locais compra de alimentos aumentando os gastos no comércio local; - a redução dos efeitos perversos da seca em 2003 o PCA associado com as cestas básicas emergenciais para as comunidades específicas (acampados, indígenas e quilombolas) e com o PCA Emergencial para os agricultores familiares (cerca de 60,6 mil agricultores atendidos em 8 Estados) foi fundamental para minimizar os problemas da seca no semi-árido brasileiro; 3) Considerações Finais O texto procurou apresentar os principais resultados da implementação do PCA em 2003, objetivando rebater a idéia geral formada de lentidão do Programa, apontar as principais contribuições que ficam para as políticas sociais e reafirmar que o PCA era um instrumento dentro uma política mais ampla de segurança alimentar e nutricional. Buscou-se, em última instância, deixar um registro relativamente detalhado de um programa que consumiu muitas forças do MESA em 2003 na busca pela implementação de uma política de segurança alimentar e nutricional, em sua vertente de atendimento emergencial para aqueles que têm fome e por isso têm muita pressa em serem atendidos pelas políticas públicas. 4) Bibliografia Consultada Belik, W.; Del Grossi, M.E. O Programa Fome Zero no Contexto das Políticas Sociais no Brasil. 2003, 34 p. Texto disponível para download em www.fomezero.gov.br, em publicações.

97 FAO/BID/BIRD/Equipe de Transição. Brasil: Projeto Fome Zero - Relatório do Grupo de Trabalho Conjunto FAO/BID/ BIRD/Equipe de Transição. Brasília, Dezembro de 2002, 22 p. (mimeo). Graziano da Silva, J. Segurança Alimentar: uma agenda republicana. Estudos Avançados, São Paulo, v.17, n o.48, maio/agosto de 2003, p:45-51. Graziano da Silva, J.; Belik, W.; Takagi, M. (coordenadores). Projeto Fome Zero: uma Proposta de Política de Segurança Alimentar para o Brasil. Instituto Cidadania, São Paulo, Outubro de 2001, 118 p. Graziano da Silva, J.; Belik, W.; Takagi, M. O que o Brasil Pode Fazer para Combater a Fome. In: Takagi, M.; Graziano da Silva, J.; Belik, W. (organizadores). Combate à Fome e à Pobreza Rural, São Paulo, Instituto Cidadania, 2002, p:131-152.