A propaganda negativa como instrumento democrático



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Transcrição:

ISSN 2236-4781 [entrevista com Scott DESPOSATO] BORBA, Felipe Professor da Unirio e pesquisador do Iesp-Uerj. Doutor e mestre pelo Iesp-Uerj. <felipe.borba10@gmail.com> A propaganda negativa como instrumento democrático Revista Compolítica, n. 3, vol. 2, ed. jul-dez, ano 2013 CC 3.0 <BY>

entrevista com Scott DESPOSATO A propaganda negativa como instrumento democrático [Negative propaganda as a democratic instrument] BORBA, Felipe [entrevista com SCOTT DESPOSATO] S cott Deposato é professor associado de Ciência Política na Universidade da Califórnia, em San Diego. Ele integra o departamento desde 2005 e como pesquisador tem se dedicado a estudar diferentes áreas na ciência política, com foco predominante em instituições democráticas, eleições, campanha, comportamento eleitoral, comunicação política, poder Legislativo e metodologia de pesquisa. Desposato é um daqueles pesquisadores que pode ser considerado como brasilianista. Boa parte do seu trabalho busca entender e explicar o funcionamento da democracia no Brasil. O ponto de partida foi a sua tese de doutorado, defendida em 2001 na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), na qual investiga o processo político estadual brasileiro. De lá prá cá, publicou diferentes artigos sobre o sistema eleitoral brasileiro, o comportamento legislativo, o papel do federalismo e a influência das instituições no processo de construção de políticas públicas. 280 No Brasil, suas publicações podem ser encontradas em capítulos de livros e revistas acadêmicas. Uma das mais recentes é o texto Estratégia eleitoral com representação proporcional de lista aberta e distritos de um membro: subeleitorados e comunicação política, capítulo do livro Legislativo Brasileiro em Perspectiva Comparada, editado por Lucio Rennó e Magna Inácio, editora UFMG. Suas publicações também podem ser encontradas em diferentes revistas como Latin American Research Review, Journal of Politics in Latin America, Legislative Studies Quarterly, American Political Science Review, Comparative Political Studies, Journal of Politics e American Journal of Political Science, entre outras.

n. 3, vol. 2, ed. jul-dez, ano 2013 No momento, Desposato prepara livro sobre campanhas eleitorais na América Latina, cujo objetivo é entender as estratégias de campanha de partidos e candidatos com foco predominante na decisão de atacar o oponente ou promover a própria candidatura. A intenção é testar o impacto das instituições, das regras eleitorais e da estrutura competitiva na decisão dos candidatos de atacar ou não. O trabalho é de fôlego. Desposato coletou propaganda eleitoral de 14 países da América Latina durante o ciclo político formado entre 2005 e 2009. Os países incluídos no estudo foram Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. No total, foram analisados mais de 18 mil discursos (quando somadas as repetições). 281 A metodologia para a coleta de dados buscou gravar a propaganda veiculada nos principais canais de televisão durante os horários de maiores audiências. Para isso, contou com a colaboração de diferentes assistentes de pesquisa espalhados pelos 14 países para coleta e análise do material. Não faltaram percalços pelo caminho. Um assistente de pesquisa não entendeu perfeitamente o objetivo de capturar TODO o conteúdo no horário nobre. No Paraguai, um pobre assistente permaneceu em casa toda noite, durante dois meses, apertando record e stop no seu controle remoto toda vez que um comercial aparecia na televisão. Em outro país, o colaborador conseguiu extrair todas as mensagens veiculadas e me enviou um DVD com a propaganda, mas infelizmente não passou as informações com data, horário e a frequência das informações, lamenta. A pesquisa contou com atenção especial para o Brasil. Desposato analisou a campanha para governadores, senadores e deputados estaduais em cinco estados: Santa Catarina, Brasília, Pará, Pernambuco e Bahia. O objetivo, explica o pesquisador, foi investigar as estratégias de campanha em contextos subnacionais. No caso brasileiro, boa parte do material eram propagandas para deputados federais e estaduais que possuem amplo acesso à televisão quando comparado com outros países. Desposato não quis adiantar muitos resultados da sua pesquisa. Em certa passagem da entrevista, até brincou e disse que só revelaria se eu me

entrevista com Scott DESPOSATO comprometesse a comprar o seu livro. Entretanto, revelou alguns resultados bastante interessantes. O destaque é o baixo nível de propaganda negativa nas campanhas latino-americanas que não ultrapassa 20% nos países que elegem seus presidentes com maioria simples ou nas disputas em primeiro turno. A América Latina não gosta de propaganda negativa, mas ela deveria ter mais, comenta. Para Desposato, a propaganda negativa é recomendada por ser mais informativa e importante componente de prestação de contas. Com os ataques feitos pelos candidatos contra os seus adversários, argumenta, o eleitor decide o voto melhor informado sobre as opções políticas. Outra crítica é o baixo índice de debates sobre a criação de políticas públicas. Na sua visão, os candidatos tendem a focar em temáticas e resultados, mas não especificam como chegar a tais resultados. Outros achados de seu estudo confirmam o que a literatura que investiga modelos de campanha negativa já afirmava a respeito de outras realidades políticas. Líderes das pesquisas atacam menos, candidatos em segundo atacam mais e ambos decidem ignorar os demais candidatos como alvos de seus ataques. O candidato mais crítico é aquele que se encontra imediatamente abaixo do líder das pesquisas. 282 Desposato vive em San Diego, na Califórnia, mas pode ser encontrado facilmente no Brasil. Além de suas idas e vindas para pesquisa acadêmica, ele também é visto com frequência no curso de métodos quantitativos que a Associação Internacional de Ciências Políticas oferece no Brasil. O curso, geralmente sediado em São Paulo, acontece sempre em janeiro. Ele também se destaca por receber inúmeros brasileiros como pesquisadores na UCSD, que têm a chance de assistir aos cursos oferecidos pela universidade, bem como aprimorar suas pesquisas em trabalhos feitos diretamente com ele. Foi na última Joint Section do Consórcio Europeu de Pesquisa Política (ECPR, na sigla em inglês), realizado em março de 2013 em Mainz, na Alemanha, no GT sobre Propaganda Negativa, que tivemos a ideia de colocar em prática essa entrevista. Após a troca de alguns e-mails, os pontos mais interessantes da conversa podem ser vistos a seguir. Nela, o leitor encontrará opiniões do pesquisador sobre as campanhas eleitorais na

n. 3, vol. 2, ed. jul-dez, ano 2013 América Latina, o papel dos métodos qualitativos e quantitativos nos estudos sobre comunicação e política, a importância da ética na pesquisa e a sua visão sobre o sistema de mídia político brasileiro. Primeiro, gostaria que você se apresentasse e contasse um pouco sobre a sua trajetória como cientista político. 283 Tive a sorte de poder ter trabalhado com pessoas e instituições fantásticas nos Estados Unidos e no Brasil, e também a sorte de ter começado a trabalhar com a política brasileira logo após a transição democrática. Meus primeiros trabalhos abordavam principalmente instituições e elites políticas, englobando leis eleitorais, partidos e o comportamento do voto parlamentar no Congresso Nacional. De pronto ficou muito evidente que esta literatura se baseava em pressupostos muito firmes a respeito dos eleitores o que eles querem, o que eles sabem e o que eles pensam. Minha tese se debruçou sobre a política estadual no Brasil, comparando o comportamento distinto de instituições de acordo com contextos diferentes, adotando os casos do Rio Grande do Sul, São Paulo, Brasília, Bahia e Piauí. Continuo focado nessa interação entre instituições e contexto, embora agora faça isso por meio de um trabalho experimental. Tenho realizado experimentos internacionais com eleitores (um projeto em andamento engloba cinco países) e também experimentos lidando com a interação entre eleitores e políticos o que nos leva ao meu atual projeto sobre comunicação política em campanhas eleitorais. O seu envolvimento acadêmico com eleições e comunicação política começou de que maneira? Diria que dois fatores voltaram minha atenção para a comunicação política e campanhas eleitorais. O primeiro é o trabalho que desenvolvi sobre instituições e elites. Todas as teorias que temos no que diz respeito ao

entrevista com Scott DESPOSATO comportamento das elites estão calcadas em pressupostos sobre eleições as elites se comportam de certa maneira em democracias por causa das preferências de cidadãos e seus comportamentos eleitorais. Certamente legisladores podem também reagir de acordo com pressões partidárias, ou doadores [de campanha], ou outros interesses, mas em algum lugar nas teorias acerca do comportamento de políticos democráticos é possível encontrar algum pressuposto quanto aos eleitores e de que modo eles responsabilizam políticos por suas ações. Portanto, me pareceu natural aprender mais sobre eleitores e como e o que sabem sobre políticos. Em cima disso, sempre me interessei, em primeiro lugar, por questões da representação e como diferentes sistemas buscam oferecer formas adequadas de representação. Acredito que a comunicação política constitui um componente absolutamente essencial da democracia e da representação e necessita ser objeto de estudo trata-se do lugar mais importante de interação entre eleitores e elites, onde decisões chave são tomadas. Porém, a divisão da ciência política entre o estudo dos eleitores e o estudo das elites políticas cria uma barreira artificial entre ambos e, como resultado, não há gente suficiente estudando campanhas. 284 No momento, você está escrevendo um livro sobre campanhas eleitorais em 14 países da América Latina. De que se trata esse livro especificamente? A questão principal é se os sistemas políticos oferecem informações adequadas aos eleitores. As campanhas estão fornecendo informações úteis de modo a auxiliar eleitores a tomar a decisão de para quem votar? As campanhas estão validando nossa compreensão da democracia ou será que reforçam nossos piores medos e estereótipos? É possível adiantar algum resultado para nós?

n. 3, vol. 2, ed. jul-dez, ano 2013 Vou contar a conclusão, mas você tem que prometer que comprará o livro mesmo assim: os latino-americanos não gostam de campanha negativa mas eles precisam mais dela. Alinhado com outros trabalhos, cheguei à conclusão de que há mais propaganda negativa no segundo turno do que no primeiro turno ou em eleições de maioria simples. Nas eleições de maioria simples, apenas 16% das mensagens trazem críticas a adversários. Os resultados para eleições em primeiro turno são semelhantes, mas ligeiramente mais elevados: 19% das propagandas são negativas. Por fim, eleições de segundo turno normalmente envolvem dois candidatos competitivos, o contexto ideal para a maximização da negatividade. 285 Nessa modalidade, quase 40% das mensagens são críticas em algum grau aos adversários. Perceba que estes números são inferiores aos observados, por exemplo, nos Estados Unidos, mas não chega a surpreender tendo em vista o período mais curto de campanha eleitoral e sistemas partidários mais fracos, além do fato de que essa porcentagem leva em conta eleições subnacionais. Pela análise que você fez até o momento, essa seria então a característica principal da comunicação política e das campanhas eleitorais nos países da América Latina que você estudou? Trata-se de uma pergunta difícil sem ter outras regiões como referência e eu tenho pouca informação sobre, por exemplo, a África. No entanto, a partir das minhas observações posso dizer que muitas propagandas possuem níveis sofríveis de informação sobre propostas de políticas públicas. No mundo ideal, os candidatos deveriam discutir ações específicas que o governo tomaria sob sua liderança política é isso. Em vez disso, os candidatos tendem a falar sobre temáticas ou resultados eles falam sobre empregos, mas não especificam COMO eles serão criados. Esse padrão se difere muito do observado nas campanhas eleitorais feitas nos EUA atualmente?

entrevista com Scott DESPOSATO Há um grau MUITO menor de negatividade em campanhas na América Latina do que nas campanhas feitas nos Estados Unidos, onde é também maior o número de ataques pessoais. Nos Estados Unidos encontramos, além disso, mais referências a políticas. Você criticou a falta de propaganda negativa entre os países da América Latina. Por que você sugere mais ataques? Essa pergunta é pertinente porque alguns autores americanos, como Ansolabehere e Iyengar, por exemplo, argumentam que os ataques são nocivos à democracia. Nos experimentos que conduziram, eles concluem que a propaganda negativa diminui a participação eleitoral. Você não acha que o aumento no número de ataques poderia trazer algum efeito negativo para esses países? A ausência de campanha negativa é um dado extremamente importante, pois ela é necessária para assegurar a accountability. Quem vai falar ao eleitor sobre os erros e defeitos de políticos? Certamente, os próprios políticos não estão interessados em lembrar eleitores de seus próprios erros. Sendo assim, num sistema sem campanha negativa, só ficaremos sabendo das vantagens de uma estratégia ou candidato não receberemos informações sobre suas desvantagens ou os possíveis prejuízos. 286 No caso do Brasil, isso fica muito claro no campo da corrupção. Um deputado com um histórico de pouca honestidade pode concorrer a um cargo de deputado sabendo que não será atacado com agressividade por nenhum de seus concorrentes ou que seus eleitores serão lembrados de suas transgressões. Em contraste, em sistemas distritais unitários, com apenas dois ou três candidatos, se um dos candidatos possui uma fraqueza, pode ter certeza que os outros candidatos aproveitarão toda oportunidade que tiveram para lembrá-la ao eleitor. Os países da América Latina possuem forte regulamentação sobre o conteúdo da propaganda eleitoral. No Brasil, por exemplo, o candidato que é alvo de ataques pode requerer o direito de resposta à

n. 3, vol. 2, ed. jul-dez, ano 2013 Justiça eleitoral. Você acredita que esse excesso de regulamentação interfere nas estratégias de comunicação dos candidatos e até mesmo no nível de ataques nas campanhas? 287 Minha tendência é ter uma forte crença na liberdade de expressão e de modo geral me oponho a qualquer regulação governamental sobre a comunicação política. É possível argumentar que ataques pessoais são maléficos e devem ser restringidos pelo governo, ou que candidatos deveriam apenas apresentar suas propostas e não criticar outros candidatos. No entanto, argumento que cabe ao eleitor decidir se um discurso ou propaganda é aceitável, útil ou inadequado. Se os eleitores não gostam de ataques pessoais que eles votem no candidato que não faz ataques pessoais. Se os eleitores querem ouvir mais sobre as propostas políticas dos candidatos, que votem nos candidatos com propostas políticas. Acredito essencialmente que o mercado eleitoral de comunicação política deve possuir uma boa medida de capitalismo eleitoral, por assim dizer. Uma consequência particularmente perigosa das restrições sobre a liberdade de expressão é que as regulações públicas podem ser enviesadas restringindo a capacidade de alguns grupos apresentarem seus pontos de vista. Por essas razões, sou firmemente contra a imposição de restrições sobre o conteúdo do discurso politico. No caso brasileiro, dou meu apoio ao Horário Eleitoral Gratuito como maneira de oferecer a todos os setores uma voz e plataforma para apresentarem seus pontos de vista, embora a internet vá tornar a comunicação televisiva menos importante no futuro. De modo geral, também sou a favor do direito de resposta, desde que não restrinjam as formas de comunicação oferecidas pelos candidatos, permitindo apenas que outros candidatos possam responder a ataques particularmente agressivos. Voltando ao livro, pela análise que fez até o momento, quais seriam as principais diferenças entre os países da América Latina?

entrevista com Scott DESPOSATO Provavelmente a maior diferença esteja entre países como o Brasil, em que o acesso à mídia é relativamente democrático, e países onde o estado domina a mídia. Os governos de Chavez e dos sandinistas usaram o poder estatal para maximizar sua presença na televisão para evitar o máximo possível a divulgação de outros pontos de vista. Você diria que o Brasil tem alguma característica própria? O Horário Eleitoral Gratuito representa uma democratização sem precedentes da comunicação política. Talvez haja propaganda demais, de um número muito elevado de candidatos. Quiçá mais um motivo para que o Brasil considere a utilização de distritos eleitorais menores para campanhas de deputado. O Brasil possui dois tipos distintos de propaganda: os spots de 30 segundos e a propaganda exibida nos blocos. Na sua opinião, quais são as vantagens e desvantagens de cada um desses modelos? 288 Os spots de 30 segundos possuem uma probabilidade maior de atingir um público mais amplo, pois aparecem de forma quase que aleatória no meio da programação. Esse formato abreviado força o candidato a focar nos aspectos essenciais de sua campanha e mensagem, sem apelos genéricos a tudo e a todos. Os blocos mais extensos dão uma voz a todos ainda que por apenas alguns segundos e o horário fixo facilita tanto a vida do eleitor interessado e do eleitor não interessado. Basta ligar ou desligar a televisão. Você está realizando experimentos no Brasil e em outros países. Por que cientistas políticos estão executando experimentos nesse momento? Experimentos serão cada vez mais utilizados no Brasil para estudar a ciência política. Os experimentos são ferramentas poderosas para medir o impacto de determinada causa num resultado. A desvantagem é que muitos

n. 3, vol. 2, ed. jul-dez, ano 2013 podem ser pouco realistas. Um desafio para a pesquisa no Brasil é que muitos pesquisadores aqui não estão cumprindo a lei brasileira que determina a obrigatoriedade de uma avaliação cuidadosa quantos aos aspectos éticos dos projetos experimentais com seres humanos por um Comitê de Ética e Pesquisa (CEP). Sei que a maioria dos experimentos na área de ciência política no Brasil não está sendo avaliada por um CEP, o que me causa grande preocupação. Qual é o motivo de sua preocupação especificamente? São duas preocupações gerais. A primeira tem a ver com respeito e legalidade. Pesquisadores no Brasil devem respeitar a lei brasileira regulando projetos experimentais com seres humanos. Cientistas brasileiros e estrangeiros estão ignorando a regra sem qualquer justificativa senão a preguiça. 289 A segunda preocupação tem a ver com impacto. Cientistas políticos estão realizando experimentos de campo que podem ter um grande impacto nas comunidades que pesquisam. Por exemplo, imagine um estudo em que um cientista político espalha centenas de milhares de propagandas eleitorais para observar se causam alguma mudança no comportamento eleitoral. Os cidadãos que receberam a propaganda não concordaram em participar do experimento, ou seja, não tiveram sua autonomia respeitada. Além disso, e se as propagandas mudarem o resultado das eleições? Será que cientistas sociais possuem o direito de afetar um resultado eleitoral numa democracia só para que possam escrever outro artigo sobre comportamento eleitoral? Acho que isso não é apropriado. Você é fervoroso defensor do rigor metodológico. Como os métodos quantitativos podem ser úteis para investigarmos campanhas eleitorais e seus efeitos sobre os eleitores? Métodos são como ferramentas não é o caso de dizer que as ferramentas quantitativas são sempre as melhores, mas que pesquisadores devem

entrevista com Scott DESPOSATO encontrar a ferramenta certa para toda pesquisa. Dito isso, sim, eu prefiro ferramentas quantitativas. Aqui estão algumas coisas que eu gosto: em primeiro lugar, elas podem ser usada para examinar quantidades enormes de informação por exemplo, milhares e milhares de propagandas eleitorais, o que seria impossível com ferramentas qualitativas; em segundo lugar, minha preferência advém do fato de que elas podem ser muito objetivas medidas e métodos são claramente definidos, replicáveis e compreensíveis. São essencialmente uma linguagem das ciências que facilita a compreensão e a troca de conhecimento. Em contraste, a análise qualitativa carece desse rigor. Outra vantagem é o bem compreendido e largamente aceito modelo de teste de hipótese e inferência estatística. Apesar dessas vantagens, tais ferramentas são valiosas apenas quando adequadamente usadas, o que nem sempre é o caso. E os métodos qualitativos? Como entram nessa discussão? Para mim, a análise qualitativa é uma companhia valiosa para a análise quantitativa na geração de hipótese e para a verificação de mecanismos subjacentes. O conhecimento profundo de casos pode gerar hipóteses que podem ser testadas com bancos de dados mais abrangentes. Além disso, dado determinado resultado estatístico, estudos de caso podem nos ajudar a verificar quais mecanismos estão direcionando a relação. 290 Para encerrar, gostaria de ouvir o seu comentário sobre a importância das campanhas na decisão do voto. Esse tópico é bastante controverso. Enquanto alguns autores atribuem grande importância às campanhas, outros são mais conservadores em suas análises. De que lado você se inclui nesse debate? Aqui nos Estados Unidos é relativamente fácil prever os resultados da eleição presidencial com até seis meses de antecedência às vezes até mesmo antes de saber quem serão os candidatos. O ano de 2012 não foi de fato uma exceção a essa regra. Nossas simples teorias previram uma eleição apertada, mas métodos mais complexos já deram Obama como vencedor

n. 3, vol. 2, ed. jul-dez, ano 2013 em Maio de 2012. Consequentemente, muitos pesquisadores nos Estados Unidos não estão interessados em eleições. Eu irei defender aqui o estudo de eleições por vários motivos, mas como nosso tempo é limitado mencionarei apenas os três mais importantes. Em primeiro lugar, em muitos países os resultados eleitorais não são nem de longe estáveis, e por isso pouco previsíveis. As campanhas importam mais e eventos isolados podem levar ao crescimento repentino de um candidato ou ao fracasso de outro. 291 Em segundo lugar, até mesmo em países onde as eleições presidenciais são razoavelmente previsíveis, muitas outras disputas são concorridas e os resultados incertos eleições para governador, legislativo e cargos municipais. Em muitos casos, estas disputas são as eleições mais importantes. Em terceiro lugar, campanhas são o momento chave em que eleitores e políticos interagem, quando os políticos são avaliados e responsabilizados por suas ações, e quando os eleitores detêm a escolha eles são a essência da democracia e por isso devemos prestar mais atenção neles. A Revista Compolítica é uma revista eletrônica da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política. Com periodicidade semestral, sua proposta é difundir a produção acadêmica relacionada às interfaces desses campos de estudo. Presidente: Alessandra Aldé (UERJ) Vice-Presidente: Luis Felipe Miguel (UnB) Secretário Executivo: Francisco Jamil Marques (UFC) Editora-Chefe: Alessandra Aldé (UERJ) Editores Executivos: Edna Miola (UFS) e Viktor Chagas (UFF) Ao citar este artigo, utilize a seguinte referência bibliográfica BORBA, Felipe. A propaganda negativa como instrumento democrático. (Entrevista com Scott Desposato.) In: Revista Compolítica, n. 3, vol. 2, ed. julho-dezembro, ano 2013. Rio de Janeiro: Compolítica, 2013. Editores Assistentes: Eleonora Magalhães (UFF) e Fernanda Sanglard (UERJ) Revisor: Pedro Sangirardi (UERJ) <http://compolitica.org/revista>

ISSN 2236-4781 [entrevista com Scott DESPOSATO] BORBA, Felipe Professor da Unirio e pesquisador do Iesp-Uerj. Doutor e mestre pelo Iesp-Uerj. <felipe.borba10@gmail.com> A propaganda negativa como instrumento democrático Revista Compolítica, n. 3, vol. 2, ed. jul-dez, ano 2013 CC 3.0 <BY>