Crescer com a Internet: Desafios e Riscos Neusa Baltazar 1



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Transcrição:

COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 427 Crescer com a Internet: Desafios e Riscos Neusa Baltazar 1 O Projecto Educaunet O projecto Educaunet é um programa de educação crítica para o uso da Internet que conta com a participação de sete países europeus: França, Bélgica, Reino Unido, Dinamarca, Áustria, Grécia e Portugal e tem como objectivo ensinar os jovens e os agentes envolvidos na sua educação a utilizar a Internet de uma forma consciente, responsável, autónoma e crítica. Para este fim, foi criado um conjunto de ferramentas pedagógicas que constitui o kit europeu. Este kit, também denominado maleta pedagógica, era, inicialmente, único para todos os países parceiros e os materiais encontravam-se em língua francesa. Após uma fase de validação das actividades existentes na maleta pedagógica, a equipa portuguesa traduziu os materiais e adaptou-os ao contexto nacional, seguindo-se a edição dos materiais Educaunet em cada uma das línguas dos países participantes, ou seja, num kit nacional. Após a primeira fase de validação dos materiais e após algumas adaptações, o número inicial de actividades contidas na primeira versão da maleta pedagógica foi reduzido para doze, existindo para cada uma das actividades um guião para o educador e outro para os jovens. Todas as actividades estão direccionadas para os diversos usos que fazemos da Internet (pesquisa, conversação, análise de sítios, análise de anúncios publicitários, etc.). Para além das actividades, existe ainda um guia do educador, que tem como principal objectivo familiarizar os pais, professores e educadores em geral com as actividades e, principalmente, propor uma metodologia a utilizar para ajudar os seus educandos. Pretende-se, desta forma, que as actividades sejam acessíveis para qualquer pessoa, não sendo necessário que esta tenha uma formação na área da informática ou das novas tecnologias. Aliás, essa é uma das mais valias do projecto: as actividades são exequíveis tanto em ambientes de alta tecnologia como em ambientes de baixa tecnologia. 2. Validação das Actividades Numa primeira fase do projecto, foram realizadas acções de validação das actividades inseridas no kit europeu. Estabelecemos colaborações com algumas escolas do concelho de Faro, no Algarve, que se mostraram bastante interessadas e receptivas e que tiveram um papel muito importante para o desenvolvimento do projecto. Uma das escolas envolvidas foi a Escola Básica de 1º Ciclo de Alto de Rodes, onde trabalhámos com uma turma de 4º ano de escolaridade. Nesta escola, as actividades foram adaptadas à realidade da escola e traduzidas para português pelos professores. Os alunos experimentaram as actividades no espaço da sala de aula, com o acompanhamento da professora e não demonstraram dificuldades. Uma das actividades validadas com estes alunos foi o Teupatoa, um jogo para jovens dos 8 aos 16 anos, em que os participantes entram numa sala de conversação usando uma identidade falsa e tentam adivinhar as identidades dos seus colegas. Devido à falta de algumas condições da escola, a nível de software e de falta de espaço, os alunos dirigiram-se à Universidade do Algarve a fim de adquirir a componente prática que lhes faltava. Foi realizado um chat, conversa online, com duração de cerca de uma hora em que os alunos entraram numa sala de conversação constituída apenas por elementos da turma, mas utilizando alcunhas. Uma vez que os alunos já tinham realizado a actividade na sala de aula e com o acompanhamento da professora, tinham conhecimentos sobre o sistema de funcionamento dos chats, e encontravam-se alertados para os possíveis perigos que podem advir deste tipo de

428 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO Volume IV comunicação on-line. Os alunos mostraram uma grande capacidade de aprendizagem e um grande entusiasmo, sendo fortemente movidos pela curiosidade de saber quem se encontrava atrás de cada alcunha e mantendo várias conversações em simultâneo. Quando foi proposto um tema único de conversação no espaço comum verificou-se uma maior concentração por parte dos alunos, pois o facto de falar com várias pessoas sobre vários assuntos ao mesmo tempo havia gerado alguma dispersão. No entanto, os alunos mostraram-se mais interessados em falar em salas privadas, onde podiam desenvolver conversas só com um elemento, ou seja, conversas de carácter mais privado, onde questionavam os colegas sobre a sua identidade de forma a tentarem descobrir com quem estavam a falar. A curiosidade foi o fio condutor destas conversas, sendo o objectivo descobrir quem era o outro. No contexto em que o chat foi realizado (a conversação estava restringida a elementos de uma mesma turma) não existiam os mesmos riscos com que as crianças se podem deparar num chat real em que possam comunicar com desconhecidos. Todavia, os alunos foram alertados para os riscos que existem quando se fala com estranhos, quer na Internet, quer na vida real, nomeadamente, quanto aos cuidados que se devem ter relativamente ao fornecimento de dados pessoais de identificação directa. Nesta mesma escola, os alunos de 2º e 3º ano, pertencentes a um grupo etário entre os 7 e os 8 anos de idade, tiveram acesso a outras actividades Educaunet e mostraramse muito interessados, conseguindo perceber as regras e os objectivos sem dificuldades. A grande maioria dos alunos mostrou interesse não só pelos jogos mas também por conhecer os perigos existentes na Internet. Na escola EB 2, 3 D.Afonso III desenvolvemos trabalho com alunos do 7º ano de escolaridade no âmbito da disciplina de francês. Desta forma, criou-se uma interdisciplinaridade que permitiu aos alunos aprender francês, adquirindo simultaneamente conhecimentos sobre a Internet. Os alunos tiveram acesso aos materiais Educaunet e experimentaram, numa primeira fase, alguns jogos da maleta pedagógica. Apesar de esta ter sido apenas uma primeira experiência em que os alunos jogaram com limitação de tempo, os relatórios que elaboraram sobre as actividades demonstram que estas são, na sua maioria, muito apelativas e interessantes para os jovens. Demonstraram um grande interesse e curiosidade pela Internet, não apenas no que diz respeito à componente mais lúdica das actividades mas a um nível mais aprofundado, mostrando dúvidas e colocando questões sobre o tipo de páginas que existem e sobre os perigos a que estão expostos. Tendo em consideração os relatórios elaborados pelos alunos, podemos concluir que existe um forte interesse pelas actividades realizadas em grupo, o que demonstra que a Internet não é apenas um local de isolamento, como muitas vezes é afirmado, mas sim um local que privilegia a comunicação e fomenta o trabalho de colaboração. Numa segunda fase de validação das actividades contidas na maleta pedagógica final, contámos com a colaboração da Escola de 1º Ciclo de Alto de Rodes, da Escola de 1º e 2º Ciclos D. Afonso III, da Escola de 1º e 2º Ciclos Nº 4, da Escola Secundária de Pinheiro e Rosa e da Escola Secundária de Loulé. Em todas estas escolas a colaboração e o interesse dos professores foi muito importante para a realização das actividades no espaço da sala de aula e para a discussão sobre a Internet (quais os seus riscos, quais os seus benefícios). A nível geral, todos os alunos manifestaram um grande interesse pelo uso da Internet, sendo a grande maioria utilizadores habituais deste media. Uma das actividades que validámos foi a Pesquisa na Rede, uma actividade de pesquisa para jovens dos 12 aos 18 anos, que tem como objectivo desenvolver capacidades críticas para avaliar a informação recolhida da Internet. Esta actividade foi realizada com duas turmas de 11º ano (faixa etária de 17 anos) em duas escolas diferentes e os resultados obtidos foram bastante desiguais. Na Escola Secundária de Loulé, a grande maioria dos alunos não tinha computador com ligação à Internet em casa e nunca tinha efectuado uma pesquisa on-line, mostrando, por isso, muitas dúvidas e questões. Na Escola Secundaria de Pinheiro e Rosa de Faro, todos os alunos tinham computadores com ligação

COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 429 à Internet em casa e já tinham realizado pesquisas on-line por interesses pessoais ou escolares e não mostraram qualquer tipo de dificuldades. Partindo da análise destes dois exemplos, e tendo em conta que o contexto tecnológico português é muito variado, podemos concluir que existiu um processo de descoberta e aprendizagem no caso da primeira turma e um processo de aprofundamento de conhecimentos no caso da segunda. A nível geral, pudemos observar que grande parte dos jovens, apesar de estar familiarizado com a Internet e habituado a fazer uma utilização quotidiana deste meio de comunicação, tem tendência a ignorar e minimizar os riscos a que está exposta quando utiliza este media. Outra das actividades realizadas, o Comércio Electrónico, destinada a jovens dos 14 aos 16 anos, que tem como objectivo desenvolver as suas capacidades para se tornarem consumidores críticos na Internet, ilustrou claramente as incertezas que a maior parte dos utilizadores sente relativamente a esta prática, cada vez mais importante nos nossos dias. A grande maioria dos jovens nunca tinha feito compras através da Internet e todos consideravam que, apesar de esta actividade ser muito prática e as suas mais valias serem reconhecidas, os riscos que lhe estão associados são muito grandes (por exemplo, as fraudes relacionadas com os cartões de crédito). Observámos que existia uma grande falta de informação e, consequentemente, uma incapacidade de analisar de forma crítica uma página de comércio electrónico. Num outro tipo de abordagem, os alunos do 3º ano do curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Algarve realizaram também um estudo no âmbito da disciplina de Estudos Culturais que se encontrou de alguma forma ligado ao projecto Educaunet. O objectivo deste estudo relacionava-se com a pesquisa e organização da informação disponível na Internet. A disciplina aborda temas de identidades culturais diferentes e distantes da identidade cultural dos alunos. O caso de estudo foi a cantora Catherine Ribeiro, uma luso-descendente que nasceu e vive em França onde se notabilizou como autora e intérprete da canção francesa de intervenção. Este estudo relacionava-se com o projecto Educaunet na medida em que estes jovens estavam a estudar também os riscos da Internet, nomeadamente no que diz respeito à credibilidade da informação e à contextualização adequada dessa informação. Um dos problemas da sociedade de informação é precisamente o da credibilidade da informação, e das suas fontes, que encontramos disponível na Internet. A quantidade de informação on-line é tão vasta que se torna, muitas vezes, um problema seleccionar a informação que nos interessa e que tem fundamento. Como em muitos outros casos, a fonte é de grande importância para podermos confiar ou não num sítio. Há sítios de referência que já nos habituaram à sua qualidade e já deram provas da sua credibilidade. No entanto, nem sempre encontramos toda a informação que precisamos nos sítios que já conhecemos como credíveis. A informação que encontramos na Internet é muito vasta e, na maior parte dos casos, a quantidade ganha em relação à qualidade. O mais importante é que o utilizador esteja atento e consciente e tenha um espírito crítico, preocupando-se em averiguar a qualidade dos conteúdos e não aceitando toda a informação que lhe surge, especialmente quando tem dificuldades de contextualização dessa mesma informação. O tema da credibilidade da informação online é alvo de alguma controvérsia e tema de muitos debates recentes, como por exemplo, durante as primeiras Jornadas da Comunicação da Universidade do Algarve, que contaram com a presença de Thierry de Smedt e Vitor Reia- Baptista, que apresentaram o Projecto Educaunet, e José Pedro Castanheira, jornalista do Expresso que chamou a atenção para os problemas de credibilidade do jornalismo online e de outras formas electrónicas de informação e de opinião, tais como os comentários aos artigos publicados em directo. Para além das escolas, o projecto Educaunet conta também com a colaboração da Associação de Pais, a FAPEEFA, que se disponibilizou e mostrou um grande interesse por esta iniciativa, tendo sido realizadas algumas acções de formação com a Associação de Pais de Faro e com a Associação de Pais de Lagos, no Algarve. Neste contexto, as técnicas da Equipa de Animação do Sector Infanto-Juvenil da Biblioteca Municipal de Faro, analisaram as

430 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO Volume IV actividades da maleta pedagógica e classificaram-nas como lúdicas e pedagógicas, na medida em que permitem que o acesso à informação e a aprendizagem se realizem de forma divertida. No entanto, os pais que participaram na análise da maleta pedagógica não tiveram uma opinião tão positiva como a das técnicas da Equipa de Animação. Segundo os pais, o objectivo do programa e a metodologia são muito importantes, na medida em que existe uma preocupação por preparar os jovens para os riscos que existem, tanto na Internet como no mundo real. Contudo, sentem alguma renitência, pois consideram que a curiosidade move os jovens e estes facilmente esquecerão o que lhes foi ensinado. 3. O papel do educador Se tivermos em consideração que os jovens passam a maior parte do seu tempo com os educadores e com os pais, o empenho destes deve ser encarado como uma parte fundamental no apoio ao ensino para o uso da Internet. De acordo com um estudo sobre os jovens e as novas tecnologias, realizado por Paulo Ferreira, Ricardo Mendes e Inês Pereira (2001), é em casa e na escola que os jovens mais consultam e utilizam as novas tecnologias, nomeadamente a Internet, o que reforça a ideia de que os pais e os professores têm um papel fulcral no auxílio e na educação dos jovens para uma utilização mais correcta deste meio de comunicação. O facto de existir um adulto presente que possa ajudar, explicar e alertar é fundamental e pode marcar a diferença. O facto é que, muitas vezes os pais não se sentem tão à vontade na Internet como os seus filhos pois não estão familiarizados com esta, enquanto as crianças rapidamente se adaptam e aprendem a trabalhar com as novas tecnologias. Como defende Seymour Papert (1997), a maioria dos pais sente-se muito orgulhosa em relação à facilidade de aprendizagem dos seus filhos face à Internet, mas muitos sentemse também alienados dessa realidade que eles próprios desconhecem. No entanto, o facto de as crianças mostrarem uma tão grande facilidade de aprendizagem no que respeita às novas tecnologias não significa que estas estejam conscientes dos perigos que existem na Internet e dos riscos que correm. Aliás, elas podem muitas vezes estar expostas aos perigos sem os reconhecerem. De acordo com Thierry De Smedt (2003), os jovens têm tendência a não atribuir importância aos riscos, considerando-os sempre afastados da sua própria realidade. O facto de os utilizadores da Internet se encontrarem, muitas vezes, num contexto familiar (em casa ou na escola) enquanto navegam na Internet, faz com que tenham tendência a sentir-se confortáveis, protegidos e despreocupados. Por isso, os educadores têm um papel central: aconselhar, alertar e, especialmente, dialogar com os jovens sobre os perigos que existem na Internet, tal como os devem aconselhar sobre os perigos que existem nas suas vidas quotidianas e que devem evitar. A própria partilha de experiências pode permitir aos utilizadores mais experientes ajudar os menos experientes. O que acontece grande parte das vezes é que os utilizadores mais experientes não são os pais ou professores mas sim os mais jovens. Todavia, os educadores não deveriam sentir-se inibidos por este facto, pois ele não significa que não possam ajudar os mais jovens. Antes pelo contrário, visto que grande parte dos jovens não tem consciência dos riscos a que está exposto quando navega na Internet. As tecnologias de filtro e/ou a proibição de aceder à Internet não será a solução para os problemas que se colocam. De acordo com Núria Quintana (2001), os educadores devem familiarizar-se com a Internet e acompanhar os jovens nas suas navegações, falando abertamente com eles e dando-lhes conselhos. É essencial que os utilizadores aprendam as regras básicas de utilização da Internet, que estejam elucidados quanto ao tipo de páginas existentes e à funcionalidade destas, de forma a conseguirem identificar sozinhos o que lhes interessa e o que não lhes interessa. Visto que os jovens aprendem facilmente a trabalhar com a Internet, a melhor opção é falar abertamente com eles sobre o que existe na rede e o que poderão encontrar. É importante educar para uma utilização positiva da Internet e criar uma consciência dos riscos que existem para que estes possam ser evitados. A prevenção deve ser uma aposta

COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO 431 dos educadores. De acordo com Seymour Papert (1997) as novas tecnologias podem ter um papel positivo ou negativo, dependendo da forma como são utilizadas. Assim, um utilizador consciente que conheça os riscos terá muitas mais hipóteses de fazer uma utilização positiva da Internet. É com este objectivo que se pretende ensinar os jovens a ler os media de forma crítica. Só assim conseguirão aproveitar todas as potencialidades disponibilizadas pela Internet, evitando ao mesmo tempo os seus perigos. A Internet é um meio de comunicação em constante expansão e transformação, cujo futuro é difícil de prever. É fundamental apostar na educação para uma utilização consciente, autónoma e crítica deste media, pois só assim conseguiremos aproveitar todos os recursos que esta nos disponibiliza de uma forma mais benéfica.

432 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO Volume IV Bibliografia Bevort, E. & Bréda, I. (2001) Les Jeunes et Internet, Paris. Clemi. Cuthell, J. P. (2001), Virtual Learning, Hampshire, Ashgate. De Smedt, T. (2003), Internet Education: Research and Evaluation in EPA Info Bulletin, Spring 2003, 28. Ferreira, P.; Mendes, R.; Pereira, I.; Costa, A. F. (orient.)(2001), Sobre a Leitura vol. II. Jovens, Leitura e Novas Tecnologias de Informação: A Biblioteca Afonso Lopes Vieira, Lisboa, Instituto Português do Livro e das Bibliotecas; Observatório das Actividades Culturais. Jones, S. (1999), Doing Internet Research, London, Sage. Lévy, P. (1997), Cibercultura, Lisboa, Instituto Piaget (ed. 2000). Mann, C. & Stewart, F. (2000), Internet Communication and Qualitative Research, London, Sage Publ.. Papert, S.(1997), A Família em Rede, Lisboa, Relógio de Água. Quintana, N. (2001), Internet and minors: Toward a safer use of the net in Context nº 25; 9-18. Reia-Baptista, V. (1994) The Training of Teachers for the Age of Filmic Multimedia and Virtual Reality, Wolverhampton, E. R. U., University of Wolverhampton. Reia-Baptista, V. (1995), Contributos para uma Pedagogia da Comunicação, em Tecnologias de Informação e Comunicação na Aprendizagem, Lisboa, I. I. E., (ed. 1997). Reia-Baptista, V. & Baltazar, N. (2003), Crescer com a Internet: riscos e desafios, Huelva, Grupo Comunicar; Colectivo Andaluz para la Educatión en Médios de Comunicatión. Sousa, Ivo D. (1999), O Lado Negro da Internet, Lisboa, FCA-Editora. Wolton, D. (1999), E Depois da Internet?, Lisboa, Difel. 1 Universidade do Algarve.