SBS XII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA



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SBS XII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA Grupo de Trabalho Religião e Sociedade Ações assistenciais promovidas pelas igrejas pentecostais e suas repercussões na política de assistência social de Londrina (PR) Claudia Neves da Silva

Ações assistenciais promovidas pelas igrejas pentecostais e suas repercussões na política de assistência social de Londrina (PR) Claudia Neves da Silva Pós - Graduação em História. UNESP/Assis Em dezembro de 1993, foi regulamentado o artigo 203 da Constituição Brasileira, através da Lei Orgânica da Assistência Social LOAS (Brasil: 1993), que passou a figurar como política pública e determinou o Estado como grande responsável pelo enfrentamento à pobreza e os usuários cidadãos de direito, não sendo mais alvos da caridade de voluntários da sociedade civil. Os artigos 1 e 2 da LOAS são claros quanto aos seus objetivos: Art. 1 - A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não-contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade para garantir o atendimento às necessidade básicas. Art. 2- A assistência social tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção a integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de 1 (hum) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Ainda em 1993, foi instituído o Conselho Nacional de Assistência Social, responsável, entre outras atribuições, pela Política Nacional de Assistência Social e pela proposta orçamentária para esta área, conforme determinação do Artigo 18 da LOAS, o qual conta com representantes do poder público (50 %) e da sociedade civil (50 %). Em Londrina, a lei Orgânica do Município, promulgada em 5 de abril de 1990, também garantiu o direito e o acesso a assistência social a todos que dela necessitassem, a qual seria coordenada, executada e supervisionada pelo Poder Executivo, conforme determinação do Artigo 152 1. (Londrina, 1990). Todavia, a Secretaria de Ação Social 2, 1 No Paraná, a Lei Orgânica da Assistência Social foi implementada somente em outubro de 1995, quando da realização da primeira Conferência Estadual de Assistência Social, em Curitiba. 2 Em julho de 2002, foi publicada a Lei nº 8834 que alterou sua denominação para Secretaria de Assistência Social.

estrutura que implementaria a política de assistência social, foi criada somente em janeiro de 1993, quando um prefeito comprometido politicamente com as organizações populares e com profissionais da área social tomou posse e honrou os compromissos assumidos com estes segmentos. Não obstante a existência de lei federal, estadual e municipal que determina serviços e programas voltados para população excluída, constatamos a presença de diversas ações voluntárias de membros da comunidade que se associam para solidarizarem-se com aqueles que se encontram à margem do mercado de trabalho, tendo em vista o fraco desempenho do poder público municipal na execução de projetos de enfrentamento à pobreza. A rede de solidariedade da sociedade civil substitui o Estado na proteção social aos excluídos do trabalho, do acesso aos bens, serviços e riquezas da sociedade. E esse laço de solidariedade que deveria fortalecer a união entre pessoas e grupos sociais, passou a ter uma nova utilização com a reorientação política e econômica pela qual o Estado brasileiro vem sofrendo ao longo das décadas de 1980 e 1990. Verificamos ao longo dos últimos 15 anos, o aumento da violência doméstica e urbana, do desemprego, das desigualdades sociais. Creditamos esta situação aos ajustes econômicos determinados pelo governo brasileiro desde o início da década de 1990, com uma defesa intransigente da liberdade econômica de teor neoliberal, e da não-intervenção do Estado na economia e na área social, já que para o modelo neoliberal a miséria, as desigualdades sociais, o desemprego são frutos de um processo natural, não obrigando os poderes públicos a resolvê-los. Podem, no máximo, ser alvo da caridade e da generosidade privadas, mas nunca matéria de direito, que exigem deveres cívicos em nome da justiça social. (PEREIRA, 2003:83). Portanto, no que se refere à área da assistência social, caberia à sociedade civil a construção de instituições de atendimento às famílias em situação de risco social, criança, adolescente, idosos, pessoa portadora de deficiência, estabelecendo parcerias com os governos municipais e estaduais. E as igrejas pentecostais se imiscuíram deste chamado, também respondendo com iniciativas sociais, como a criação de variadas entidades assistenciais e campanhas de solidariedade. Acreditamos, que além de buscar incentivar a solidariedade e a conseqüente minimização do sofrimento humano, estas iniciativas também têm por objetivo desenvolver

atividades que lhes garantam respeito e espaço político na sociedade brasileira, já que as igrejas tradicionais, como a Católica e as Protestantes históricas, desenvolvem atividades na área social, bem como divulgar sua doutrina entre os diferentes estratos sociais, garantindo sua penetração em toda a sociedade, com a conseqüente conquista de novos membros. Há que se destacar que muito de seus membros são usuários da assistência social também. Delimitamos como universo de nossa pesquisa, as igrejas pentecostais da 2ª onda do movimento pentecostal e as igrejas neopentecostais que deram origem a 3ª onda, tendo em vista que estas denominações religiosas voltaram sua atenção para o atendimento à população excluída de bens e serviços, principalmente a partir da década de 1970. Para analisarmos a concepção dos pentecostais sobre cura divina, milagres, fé, e mesmo sobre assistência social, é importante compreendermos como surge e cresce a Igreja Pentecostal no Brasil, cujas manifestações religiosas a cada dia tornam-se mais visíveis, dinâmicas e complexas, à medida que a sociedade na qual estão inseridas também transforma-se de forma dinâmica e complexa. Conforme Oro (1996: 19): O campo evangélico pentecostal é composto pelas igrejas resultantes do movimento pentecostal, derivado especialmente do metodismo, e que iniciou nos Estados Unidos em 1906, chegando ao Brasil em 1910 (com a Congregação Cristã no Brasil, em São Paulo) e em 1911 (com a Assembléia de Deus, em Belém do Pará). Além da centralidade dada a Bíblia, comum a todas as igrejas evangélicas, o pentecostalismo põe em evidência a atualização e contemporaneidade dos dons do Espírito Santo, a saber: dom de línguas (glossolalia), de interpretação (das ditas línguas), de evangelização, de cura, de profecia, de sabedoria, de discernimento dos espíritos e de milagres. A glossolalia é a marca distintiva do pentecostalismo. Trata-se de uma experiência emocional gratuita, um ato de louvor que se segue ou que revela o batismo no Espírito Santo, isto é, um encontro e um conhecimento imediato de Deus que revela um sinal de santificação. Freston (1996) apresenta como modelo explicativo para o surgimento e crescimento de uma diversidade de denominações religiosas no Brasil, a representação de ondas, a partir de um corte histórico-institucional. A primeira onda teve início em 1910, com a chegada em São Paulo da Congregação Cristã no Brasil (proveniente dos EUA) e com a fundação da Igreja Assembléia de Deus, uma dissidência da Igreja Batista (Belém do Pará). Após quarenta anos, o movimento evangélico toma novo impulso no país, mais especificamente em São Paulo. As décadas de 1950 e 1960 são marcadas por um intenso processo de industrialização e urbanização, com a conseqüente formação de uma sociedade de massas carente de novos valores morais e espirituais, possibilitando assim, o

crescimento pentecostal: nasce a segunda onda, quando pastores que já exerciam atividades em outras igrejas pentecostais ou protestantes históricas, saem destas e fundam novas organizações religiosas. Conforme Fonseca (1997: 25): Inicialmente é fundada a Igreja do Evangelho Quadrangular (1951) por intermédio de uma grande campanha denominada de Cruzada Nacional de Evangelização...Em 1955 é fundada a Igreja Evangélica O Brasil para Cristo, primeira igreja pentecostal a ser iniciada por um brasileiro, Manoel de Mello, que era membro da Assembléia de Deus. Também foi fundada por americanos... a Igreja do Nazareno. Outras igrejas dessa segunda onda são resultado de divisões na Igreja O Brasil para Cristo: primeiro David Miranda fundou em São Paulo, a Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962); e em 1964 Doriel de Oliveira iniciou em Belo Horizonte as atividades da Igreja Tabernáculo Evangélico de Jesus, mais conhecida como Casa da Bênção. A terceira onda tem início na década de 1970, fortalecendo-se nas décadas de 1980 e 1990. Período marcado pelo crescimento das desigualdades sociais decorrentes do milagre econômico e da modernização autoritária. O chamado milagre econômico brasileiro não ocorreu por obra divina, mas a partir de ações na área econômica, que assentaram as bases materiais para assegurar a supremacia da burguesia industrial e financeira. As grandes empresas multinacionais passaram a receber grandes financiamentos por parte do governo para aumentar a produção, as taxas de lucro e ampliar o mercado consumidor, através das facilidades no crédito para compra de bens de consumo, como carros, eletrodomésticos por parte da classe média, provocando desta forma, a oligopolização da economia brasileira, com o fechamento de pequenas e médias empresas nacionais, já que estas não obtiveram as mesmas facilidades, como financiamentos com juros baixos para produção e venda de seus produtos (OLIVEIRA, 1981). Esta terceira fase é denominada por sociólogos e historiadores como neopentecostalismo, porque renova e reforma características do pentecostalismo clássico. Mariano (1999: 36) elenca três característica fundamentais para reconhecer e distinguir uma igreja neopentecostal: 1 exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo e seu séquito de anjos; 2 pregação enfática da Teologia da Prosperidade; 3 liberalização dos esteriotipados usos e costumes de santidade...resulta destas características a ruptura com os tradicionais sectarismos e ascetismos pentecostais. Nos discursos e ações dos membros das igrejas, verificamos uma prática na qual há grande destaque aos ritos, como batismos, vigílias, jejuns, orações, unções, e que poderão

levar, a partir da força da fé, à solução de problemas familiares, à cura de doenças, do alcoolismo, das drogas. Enfim, à libertação do maligno (expressão utilizada por um membro da Igreja Deus é Amor), haja vista que a cura da alma e do corpo estão intrinsecamente ligadas. Há uma forte ênfase teológica no dom da cura divina, do milagre. Segundo Oro (1996, 58): Na seqüência do ritual, os pastores identificam os demônios e mostram o seu poder sobre eles, (o poder do Bem), obrigando-os a revelar as suas intenções maléficas. Ato contínuo, submetem-nos, anulam-nos e expulsam-nos, sob aplausos efusivos dos fiéis, onde se vê a religião se dando em espetáculo. A libertação dos demônios, isto é, sua expulsão, graças a uma intervenção exterior, é condição da eficácia terapêutica. Esta afirmação é corroborada quando pastores dirigentes de instituições voltadas para atendimento a usuários de drogas afirmam que basta a oração para libertação das drogas e quando encontramos uma forte resistência em aceitar as determinações do Conselho Municipal de Assistência Social em contratar técnicos qualificados para o atendimento. Esta situação foi presenciada em reuniões do CMAS realizadas no mês de agosto de 2002. Outro exemplo citamos quando, em conversa com membros da Igreja Deus é Amor, estas afirmaram que a fé possibilita a cura porque expulsa o inimigo, isto é, o demônio, e impede que ele retorne. Segundo esta fiel, foi a fé quem fez com que ela se curasse da leucemia que se manifestava em seu corpo. É através da conversão individual, ou seja, da entrega a Jesus, que se terá forças para eliminar o mal (ORO, 1996). As igrejas respondem ao chamado do Estado De acordo com dados da Secretaria de Assistência Social do município de Londrina (2003) e de levantamento realizado pela professora Selma Frossard Costa (UEL, 2003), há 223 entidades assistenciais não-governamentais, sendo que 39 são de confissão evangélica, históricas e pentecostais; destas, 14 são cadastradas no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) e parceiras do poder público no desenvolvimento de ações assistenciais. Não estão incluídas as entidades que não são conveniadas por não terem atendido os critérios estabelecidos pelo CMAS e, portanto, não recebem recurso público. O cadastro no CMAS é o primeiro passo para o estabelecimento de parceria com o poder público e

posterior acesso aos recursos que este repassa às instituições prestadoras de serviços assistenciais. Em debates ocorridos nas reuniões do CMAS, observamos, em algumas ocasiões, a dificuldade e resistência daqueles que são membros destas igrejas pentecostais em apreender a política de assistência social enquanto um direito social garantido pela Constituição de 1988. Acreditamos que esta situação é em decorrência destes avaliarem os problemas pessoais, emocionais, de saúde, e mesmo sociais, a partir de uma abordagem individual e espiritual, e somente através desta perspectiva é que os problemas serão superados. O censo demográfico de 2000 revelou que os membros das Igrejas Evangélicas totalizam 26.184.941, sendo que as Igrejas Evangélicas de Missão registraram 6.939.765 de fiéis e as Igrejas Evangélicas Pentecostais totalizaram 17.617.307 de fiéis (IBGE, 2000). Estes números representam cerca de 15,4% do total da população brasileira, que é de 169.872.856 habitantes. Segundo a ONG Brasil2010 (www.brasil2010.org), o censo demográfico de 1980 registrava que 7.885.846 de habitantes se declaravam evangélicos, ou seja, 6,63% da população brasileira no período. Se comparados com os números atuais, verificaremos que triplicou os fiéis das igrejas evangélicas e, proporcionalmente, houve um declínio das pessoas que se declaram católicas. Ainda conforme esta ONG, o censo de 2000 revela que o Estado do Paraná tem 9.832.025 de habitantes, sendo que 1.766.848 se declaram evangélicos, ou seja, 18% do total da população paranaense. O crescimento, a partir da década de 1970, do número de homens e mulheres evangélicas, principalmente ligadas às igrejas pentecostais, repercute em todos os setores da sociedade, haja vista que seus valores religiosos e concepção de mundo diferem-se substancialmente dos valores e concepção de mundo da Igreja Católica. Citamos, apenas a título de exemplo, uma das normas de comportamento ditadas pela Igreja Congregação Cristã no Brasil e Deus é Amor: Sempre que a mulher orar ou profetizar deve estar com a cabeça coberta; é necessário estar atenta para em nenhum caso ofender a Palavra de Deus. (CCB, 2002: 24); É permitido à mulher usar presilhas no cabelo, desde que não haja exagero, também é permitido usar correntes para segurar o óculos, desde que haja necessidade. (Deus é Amor, 1962: 07)

No que se refere a área da assistência social, o crescimento dessa influência se faz notar com o aumento de entidades assistenciais, do número de voluntários e de funcionários nas mesmas, também com um discurso diferenciado do discurso católico. Enquanto para estes, as ações se fundamentam na idéia do amor ao próximo, da bondade e da compaixão com aquele que se encontra em situação desfavorável economicamente, para os evangélicos, as ações assistenciais teriam por objetivo divulgar a Palavra de Deus: junto com o alimento material também é oferecido o espiritual a essas almas sedentas, pois pregamos a Jesus, nosso Senhor e Salvador e muitos, ao ouvir o Evangelho de Cristo, têm a possibilidade de reconstruir suas vidas destroçadas (Fundação..., 1999: 45). Em nome da caridade foram, e ainda são, construídas entidades assistenciais que, alegando fundamentarem-se em valores como o altruísmo e a devoção, prestam assistência material àqueles que nada possuem. Muitas destas entidades institucionalizaram-se, formulando estatutos, adotando normas e critérios para o atendimento, em busca de recursos da comunidade e do Estado, como doações e isenções de impostos, para ampliarem seus serviços. Foi a partir desses questionamentos que consideramos necessário conhecer como os pastores das igrejas evangélicas pentecostais e seus membros percebem a assistência na perspectiva do direito ou ainda, mesclam a doutrina pentecostal com o movimento político, cultural e social da sociedade atual passa a ser, ao nosso ver, questão importante para o estudo da assistência como um direito. Consideramos importante e necessário desmistificar a idéia, largamente difundida em nossa sociedade, de que assistência à população carente de bens e serviços deve pautarse na concepção de caridade, a qual, inadvertidamente ou deliberadamente, é utilizada por diferentes atores sociais, subordinados ou não a uma instituição religiosa, obscurecendo desta forma, o princípio do direito, garantido no artigo 4º da Lei Orgânica da Assistência Social. Referência Bibliográfica: BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social. Lei n. 8.742 de 7 de dezembro de 1993.

FONSECA, Alexandre Brasil. Evangélicos e mídia no Brasil. Rio de Janeiro, 1997. 221p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade Federal do Rio de Janeiro. FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 67-130. Fundação Reviver Refúgio, vida verdadeira. IDE, nº 1. São Paulo: Publicação Oficial da Igreja Pentecostal Deus é Amor, dezembro de 1999. p.41-46 HTTP://www.brasil2010.org.br HTTP://www.ibge.gov.br/ HTTP://www.infobrasil.org/brasil/2002regioes.htm MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Ed. Loyola, 1999. OLIVEIRA, Francisco. A economia brasileira:crítica à razão dualista. CEBRAP, nº 1. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1976. ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica. Petrópolis: Vozes, 1996. PEREIRA, Potyara A P. A nova divisão social do bem-estar e o retorno do voluntariado. In: Revista Serviço Social e Sociedade, nº 73. São Paulo: Cortez, 2003. p. 75-100.