EDUCAÇÃO INTEGRAL & TEMPO INTEGRAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA: DA LDB AO PDE Janaina S.S. Menezes 1 /UNIRIO janainamenezes@hotmail.com



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Transcrição:

1 EDUCAÇÃO INTEGRAL & TEMPO INTEGRAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA: DA LDB AO PDE Janaina S.S. Menezes 1 /UNIRIO janainamenezes@hotmail.com Primeiras palavras... As discussões sobre (1) educação integral, (2) educação em tempo integral/ampliado 2, e (3) educação integral em tempo integral/ampliado, vêm conquistando especial destaque no contexto nacional, instigando o direcionamento de estudos para estas temáticas. Embora Anísio Teixeira, já há sua época, percebesse que a educação pública de qualidade, configurada a partir de uma educação integral em tempo integral 3, constitui se, dentre outros aspectos, direito fundante da cidadania, assim como estratégia para a promoção de uma maior justiça social, foi especialmente a partir da criação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) 4, que esta concepção de educação ganhou destaque, tornando se, inclusive, referência para a implantação dos Centros de Atenção Integral à Criança (CAICs) 5, em âmbito nacional. Por sua vez, além das temáticas relacionadas à educação e ao tempo integral/ampliado 6, outra área vem, progressivamente, revelando sua importância para os pesquisadores: o estudo da legislação, enquanto poderoso recurso de análise das políticas educacionais. Partindo destas reflexões, este estudo tomando como ponto de partida a Constituição Federal de 1988 e, como ponto de chegada, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) tem por objetivo analisar a trajetória do ordenamento jurídico referente à educação integral e ao tempo integral na educação básica, bem como suas possíveis relações. 1 Professora do Departamento de Didática e do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), integrante do NEEPHI Núcleo de Estudos: Tempos, Espaços e Educação Integral. 2 Considera se tempo ampliado a jornada escolar superior a quatro horas diárias. Já a definição de tempo integral abarca uma jornada escolar igual ou superior a sete horas diárias (art. 4º, Decreto nº. 6.253/2007). Na prática, a definição de tempo ampliado, em termos quantitativos, inclui a de tempo integral. 3 Em acordo com Cavaliere (2007), embora a idéia de educação integral esteja presente em toda a obra de Anísio Teixeira, o autor não faz uso da expressão. 4 Os CIEPs, instituições públicas de ensino fundamental, foram idealizados por Darcy Ribeiro, na década de 1980, durante o primeiro governo de Leonel Brizola à frente do Estado do Rio de Janeiro (1983 1986). 5 Os CAICs, tiveram sua criação associada ao governo do presidente Fernando Collor de Mello (1990 1992). 6 Em função da maior familiaridade dos pesquisadores com a expressão tempo integral, a partir deste momento, faremos menção exclusivamente a ela.

2 Educação integral e tempo integral: o ordenamentojurídico No que tange ao ordenamento legal atual, observa se que, embora a Constituição Federal de 1988 não faça referência literal aos termos educação integral e/ou tempo integral, ao evidenciar (1) a educação como o primeiro dos dez direitos sociais (art. 6 ) e, conjugado a esta ordenação, apresentá la (2) como direito capaz de conduzir ao pleno desenvolvimento da pessoa, fundante da cidadania, além de possibilitar a preparação para o mundo do trabalho (art. 205) de forma subliminar, a partir da conjunção dos artigos anteriormente citados, permite que seja deduzida a concepção do direito de todos à educação integral. Vale ressaltar a priori que, embora existam diferentes concepções explicativas para o conceito de educação integral (GUARÁ, 2007), este estudo abarcará aquele que entende a educação integral como possibilidade de formação integral de indivíduos percebidos como multidimensionais (CAVALIERI, 2002; COELHO, 2007). Nesta perspectiva de análise a educação integral supõe o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, com equilíbrio entre os aspectos cognitivos, afetivos, psicomotores e sociais (GUARÁ, 2007, p. 01). Embora haja a predomínio de alguns aspectos sobre outros, por ser integral, o desenvolvimento pleno do homem decorre diretamente da conjugação de suas capacidades globais (Idem). Nesta perspectiva, esta concepção requer uma prática pedagógica globalmente compreensiva do ser humano em sua integralidade, em suas múltiplas relações, dimensões e saberes, reconhecendo o em sua singularidade e universalidade (Idem). Retornando ao contexto do ordenamento jurídico, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de n 9.394/96 ao determinar como princípio e fim da educação nacional o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 2 ), reitera o princípio do direito à educação integral disposto na Carta de 1988. Além disso, a LDB prevê, a critério dos estabelecimentos de ensino 7, a ampliação progressiva da jornada escolar do ensino fundamental para o regime de 7 Em acordo com a Constituição Federal de 1988 (art. 18), todos os entes integrantes da organização políticoadministrativa do País são autônomos entre si, motivo pelo qual a União não pode ordenar que as instâncias subnacionais implantem o regime de tempo integral nas suas escolas, a não ser que esta possível determinação seja acompanhada da devida destinação de recursos àquelas instâncias que comprovarem não apresentar condições de financiar esta política educacional.

3 tempo integral (art. 34, 2 e art. 87, 5 ), silenciando em relação aos outros níveis de ensino da educação básica. Embora a LDB contenha determinações tanto sobre a educação integral, quanto sobre a ampliação do tempo escolar (no caso, direcionado ao ensino fundamental), não se pode afirmar a ampliação do tempo nesta legislação esteja diretamente relacionado ao objetivo da formação integral do ser humano. O estabelecimento do progressivo aumento do tempo escolar pode estar associado a outros fatores, a citar, aqueles relacionados à proteção social da criança e do adolescente e aos direitos de pais e mães trabalhadores. No entanto, a ausência de uma maior clarificação desta relação na legislação, em acordo com os princípios do Direito, também não obstaculiza sua enunciação. Além de prever a ampliação do ensino fundamental para tempo integral, a Lei 9.394/96 admite e valoriza as experiências extra escolares (art. 3, inciso X), as quais podem ser desenvolvidas com instituições parceiras da escola. Em acordo com Guará (2007): Essas indicações legais respondem tanto às expectativas de ampliação do tempo de estudo, via sistema público de ensino, como ao crescente movimento de participação de outras organizações, nascidas em geral por iniciativa da própria comunidade, que trabalham na interface educaçãoproteção social (p. 02). Sem deixar de valorizar as ações de organizações que trabalham na articulação educação proteção social e que têm significativo valor especialmente nos países perpassados por imensas desigualdades sociais é importante ressaltar que quando a LDB abarca a questão do tempo integral ela o faz no artigo 34 que trata da jornada escolar, considerada como o período em que a criança e o adolescente estão sob a responsabilidade da escola, quer em atividades intra escolares, quer extra escolares. Desta forma a LDB reconhece que as instituições escolares, em última instância, detêm a centralidade do processo educativo pautado pela relação ensino aprendizagem. É importante ressaltar, ainda, que a participação destas organizações quer na busca por uma educação integral (em tempo integral, ou não), quer na direção de uma possível parceria com vistas à proteção social da criança e do adolescente, ou ambos exige que seus projetos e ações se constituam respostas a demandas da própria comunidade escolar e, nesta perspectiva, devem estar impressos no projeto político pedagógico da instituição de ensino. A convergência de objetivos e valores é essencial para o real sucesso desta parceria. O debate,

4 especialmente durante o processo de construção do projeto pedagógico, sobre as possíveis contribuições destas organizações na consecução dos objetivos da escola, contribuirá para a potencialização das suas ações, uma vez que não mais se constituirão algo estranho/estrangeiro à instituição educacional. Ao contrário, constituir se ão algo que vêm ao encontro dos seus objetivos e, como tal, serão acolhidos e, se necessário, (re)significados em função de suas especificidades/necessidades. Partindo das reflexões anteriores, observa se que a ampliação da jornada escolar faz se associar à concepção da centralidade da escola no que tange ao processo ensinoaprendizagem, centralidade esta que só faz sentido se tiver por fim reforçar a centralidade do aluno no sistema educacional. Dando continuidade ao estudo da legislação relacionada à educação integral e ao tempo integral, observa se que a Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), a exemplo da Constituição Federal de 1988 e da LDB, retoma e valoriza a educação integral, enquanto possibilidade de formação integral do homem. Ressalta se, contudo, que, conforme o Quadro 01, o PNE avança para além do texto da LDB ao apresentar a ampliação progressiva do tempo escolar dentre os objetivos e metas não apenas relacionadas ao ensino fundamental, mas, também, à educação infantil. Quadro 01 A ampliação do tempo escolar nos objetivos e metas do PNE/2001 Nível de ensino Educação infantil Objetivos e Metas dispostas no PNE 18. Adotar progressivamente o atendimento em tempo integral para as crianças de 0 a 6 anos. Ensino Fundamental 21. Ampliar, progressivamente a jornada escolar visando expandir a escola de tempo integral, que abranja um período de pelo menos sete horas diárias, com previsão de professores e funcionários em número suficiente. Fonte: PNE/2001 Além de estender o tempo integral para a educação infantil, o PNE delimita um quantitativo mínimo de sete horas diárias para a escola de tempo integral. No entanto, há que se ressaltar, que o PNE associa a progressiva ampliação do tempo escolar às crianças das camadas sociais mais necessitadas / às crianças de idades menores, das famílias de renda mais baixa, quando os pais trabalham fora de casa. Mesmo entendo que a necessidade de

5 ampliação do tempo escolar às classes menos privilegiadas se faz urgente (e prioritária) tanto pela necessidade de uma maior qualificação da educação pública, quanto pela perspectiva assistencial e de proteção à criança e ao adolescente, não se pode deixar de mencionar que as expressões contidas no PNE limitam o direito à educação em tempo integral às famílias de menor renda indo, em certa medida, de encontro à Carta de 1988, que determina que: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza... (art. 5 ). Vale evidenciar, ainda que, embora tenha partido de um diagnóstico que revela a problemática que envolve, de modo geral, toda a educação básica e superior nacional, o PNE teve a consecução dos seus objetivos e metas, em grande parte, obstaculizada pelo veto presidencial ao alicerce básico da sua estrutura de financiamento, a qual investimentos em educação a um percentual condizente do PIB nacional. A seguir o item vetado 8 : associava os Elevação, na década, através de esforço conjunto da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, do percentual de gastos públicos em relação ao PIB, aplicados em educação, para atingir o mínimo de 7%. Para tanto, os recursos devem ser ampliados, anualmente, à razão de 0,5% do PIB, nos quatro primeiros anos do Plano e de 0,6% no quinto ano (Item 13.1, subitem 1). Pode se afirmar a ampliação do tempo na escola foi especialmente prejudicada pelo veto presidencial, pois como reivindicar tal ampliação quando os recursos disponibilizados pelo PNE sequer contemplam as necessidades básicas (acesso, permanência e qualidade) da maioria dos níveis e modalidades de ensino da educação básica em tempo parcial? No caso, a redução dos recursos mencionados impede que a esfera pública, por uma questão de prioridades legais e orçamentárias, possibilite a ampliação do tempo escolar, inclusive para os alunos das classes sociais mais necessitadas, conforme disposto no próprio PNE. Por sua vez, vale ressaltar, que partindo da perspectiva de que o direito à educação, disposto no art. 205 da Constituição Federal de 1988, só se realiza de fato quando da sua associação a uma sólida estrutura de recursos, o Congresso Nacional, na última década, aprovou dois fundos direcionados ao financiamento da educação pública e cujos encaminhamentos se constituíram iniciativa do Poder Executivo. Inicialmente, foi criado o 8 A principal razão explicitada para o veto presidencial teve por base o fato de o PNE, ao estabelecer uma vinculação entre despesas públicas e PIB (a vigorar durante exercícios subseqüentes), contrariar o disposto na Lei Complementar n o 101/2000 (também denominada de Lei de Responsabilidade Fiscal), ao não indicar fonte de receita correspondente e não estar em conformidade com o Plano Plurianual.

6 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) 9 e, em substituição a este, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) 10. Abarcar se á aqui apenas o Fundeb, visto ser o único a apresentar destinação de recursos direcionada para o ensino em tempo integral, objeto desse estudo. O Quadro 02 evidencia que o Fundeb inovou em relação ao Fundef ao diferenciar os coeficientes de remuneração das matrículas, não apenas por nível, modalidade e etapa da educação básica, mas também pela extensão do turno na escola. Quadro 02 Coeficientes de distribuição dos recursos do Fundeb, por etapa, modalidade e tipos de estabelecimento de ensino da educação básica. Etapas/modalidades/tipo de estabelecimento de ensino Coeficientes de distribuição (1) 1 Ano Vigência Fundeb (2) 1. Creche pública em tempo integral 0,80 1,10 2. Creche pública em tempo parcial 0,80 0,80 3. Creche conveniada em tempo integral 0,80 0,95 4. Creche conveniada em tempo parcial 0,80 0,80 5. Pré escola em tempo integral 0,90 1,15 6. Pré escola em tempo parcial 0,90 0,90 7. Anos iniciais do ensino fundamental urbano 1,00 1,00 8. Anos iniciais do ensino fundamental no campo 1,05 1,05 9. Anos finais do ensino fundamental urbano 1,10 1,10 10. Anos finais do ensino fundamental no campo 1,15 1,15 2 Ano Vigência Fundeb 9 O Fundef, criado pela Emenda Constitucional n 14, de 12 de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n 9.424, de 24 de dezembro de 1996, constituiu se num fundo de natureza contábil, implantado automaticamente em todo o País, em 1998 (a exceção ocorreu no Estado do Pará, cuja implantação antecipada se deu em 1997). Partindo de objetivos estratégicos promover a justiça social, uma política nacional de eqüidade, a descentralização e, a melhoria da qualidade da educação e valorização do magistério, o Fundef, com duração de dez anos (1997 2006), teve seus recursos automaticamente redistribuídos no âmbito de um mesmo estado, em função do número de alunos matriculados no ensino fundamental regular público. À União, cabia complementar os recursos dos estados sempre que não atingissem a um valor mínimo por aluno ao ano definido para o âmbito nacional. Outro aspecto importante do Fundef diz respeito ao fato de destinar, no mínimo, 60% dos seus recursos para a remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício na educação fundamental (MENEZES e COELHO, 2007). 10 O Fundeb criado pela Emenda Constitucional n 53, de 19 de dezembro de 2006, inicialmente regulamentado pela Medida Provisória n 339, de 28 de dezembro de 2006 e, posteriormente, convertido na Lei n 11.494, de 20 de junho de 2007 é um fundo de natureza contábil, instituído no âmbito de cada estado, e, diferentemente do Fundef, deverá ter seus recursos destinados à educação básica pública, sendo que, pelo menos sessenta por cento do seu total anual deverá ser canalizado para o pagamento da remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública (art.22) (MENEZES e COELHO, 2007).

7 11. Ensino fundamental em tempo integral 1,25 1,25 12. Ensino médio urbano 1,20 1,20 13. Ensino médio no campo 1,25 1,25 14. Ensino médio em tempo integral 1,30 1,30 15. Ensino médio integrado à educação profissional 1,30 1,30 16. Educação especial 1,20 1,20 17. Educação indígena e quilombola 1,20 1,20 18. Educação de jovens e adultos com avaliação no processo 0,70 0,70 19. Educação de jovens e adultos integrada à educação profissional de nível médio, com avaliação no processo. 0,70 0,70 Fonte: Medida Provisória n 339, de 28 de dezembro 2006 e Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007 (Quadro adaptado de Menezes e Coelho (2007)). Notas: (1) Os valores destes coeficientes foram estipulados por uma comissão integrada por representantes do Ministério da Educação (MEC), do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). (2) A Medida Provisória n 339 apresentou os coeficientes 0,80 (oitenta centésimos) e 0,90 (noventa centésimos), respectivamente, para a creche e pré escola, sem mencionar o tempo integral. Já a Lei nº 11.494, determinou que, para o primeiro ano de vigência do Fundeb, A Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade fixará as ponderações referentes à creche e pré escola em tempo integral (art. 36, 1 o ), tendo atentado para, no segundo ano de vigência, apresentar coeficientes para outras possibilidades de oferta e tempos na creche e na pré escola. Considerando a inexistência de deliberação da referida Comissão, para o exercício de 2008, as ponderações foram fixadas pelo MEC. Por certo que as ponderações anteriormente evidenciadas são insuficientes para dar conta de uma educação integral realizada em tempo integral. No entanto, há que se ressaltar, que o Fundeb, além de considerar o tempo integral como possibilidade para toda a educação básica nacional, ainda faz associar a esta modalidade de ensino coeficientes de distribuição de recursos, evidenciando uma tentativa inicial de garantir o real direito à educação em tempo integral, uma vez que, conforme evidenciado anteriormente, o direito só se realiza de fato quando associado a fontes significativas e estáveis de recursos (MENEZES E COELHO, 2007). Conjugado a questão de um maior aporte de recursos para a educação em tempo integral, o Fundeb, dentre outros aspectos, vem se constituindo numa política propulsora da ampliação das discussões em torno das temáticas voltadas para a educação integral e para o tempo integral. Atenta à diversidade de entendimentos que envolve a educação em tempo integral tanto a Medida Provisória 339/2006, quanto Lei a 11.494/2007 determinaram que regulamento disporá sobre a educação básica em tempo integral (art. 10, 3, grifo meu), indicando que legislação decorrente deveria definir/legislar sobre aquela educação. Nesta perspectiva, o

8 decreto n 6.253/2007, que regulamentou o Fundeb, complementando o que já havia sido apresentado no Plano Nacional de Educação, estabeleceu que: Considera se educação básica em tempo integral a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total que um mesmo aluno permanece na escola ou em atividades escolares, observado o disposto no art. 20 deste Decreto 11 (art. 4 ). Tendo em vista que um regulamento consiste na disposição oficial de explicar/detalhar a execução/implementação de um ato normativo, observa se que o artigo anteriormente reproduzido, embora de grande importância, revela se insuficiente para este fim. A distribuição de um percentual maior de recursos para a educação integral, possibilitada pelo Fundeb, associada à ausência de um regulamento detalhado sobre a educação básica em tempo integral, poderá possibilitar a realização de toda a sorte de atividades, enquanto alternativa para a ampliação da jornada escolar. Atividades estas, algumas vezes, desconectadas dos projetos político pedagógicos das escolas, quiçá propostas por organizações que buscam, principalmente, direcionar para seus próprios cofres a verba pública... No decorrer deste estudo veremos que o Programa Mais Educação se constitui nova proposição para dar consecução à educação básica em tempo integral. Vale evidenciar que a Medida Provisória que instituiu o Fundeb no contexto nacional foi convertida em lei no dia 20 de junho de 2007, logo após lançamento nacional do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), ocorrido em 25 de abril de 2007, o qual imbrica ações para os diferentes níveis, modalidades e etapas da educação nacional, visando constituir, o que foi denominado pelo MEC, de visão sistêmica da educação. Em acordo com a publicação intitulada Plano de Desenvolvimento da Educação: Razões, Princípios e Programas 12, lançado só no mês de outubro pelo MEC, o PDE parte do 11 O art. 20 do decreto determinava que, para o ano de 2007, seria considerada educação básica em tempo integral a jornada correspondente a um período de tempo maior ou igual a seis horas diárias em que o aluno permanecia na escola ou em atividades escolares. 12 Na verdade, a elaboração da referida publicação constitui se decorrência de questionamentos advindos especialmente da comunidade acadêmica, que não entendia o PDE como plano, já que um plano educacional deve abrigar, no mínimo, cinco pontos fundamentais: diagnóstico, diretrizes, objetivos, metas e estrutura de financiamento. O PDE, ao ser lançado, carecia de fundamentação teórico estrutural. Nada mais era do que a reunião de um conjunto de atos normativos, cuja razão de ser, princípios, conjunções e interpretações ficava a cargo do leitor.

9 Plano Nacional de Educação (PNE) e avança nas ações a serem tomadas com vistas à qualidade da educação. Segundo o MEC, o PDE também pode ser apresentado como plano executivo, como conjunto de programas que visam dar conseqüência às metas quantitativas estabelecidas naquele diploma legal (PNE) (p. 07). Composto por mais de 40 (quarenta) programas/ações, o PDE está disposto em torno de quatro eixos norteadores: educação básica, educação superior, educação profissional e alfabetização. No caso específico deste estudo, analisar se á as ações específicas voltadas para a ampliação do tempo na educação básica. Neste sentido, vale ressaltar que as ações do PDE endereçadas a esta etapa da educação nacional têm por alicerce jurídico o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação 13, instituído pelo Decreto n 6.094, de 24 de abril de 2007, o qual tem por objetivo conjugar esforços da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, famílias e comunidade, em prol da melhoria da qualidade da educação básica. Partindo do pressuposto de que a participação se constitui instrumento de envolvimento dos indivíduos e, como tal, de (auto)responsabilização dos mesmos, o Decreto, ao invocar a participação da comunidade e das famílias, torna as co responsáveis pelos resultados desta política pública educacional. Como o Compromisso Todos pela Educação tem no Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB) o seu principal instrumento direcionado para a conquista da qualidade da educação, infere se que os demais envolvidos no processo educacional (afora os profissionais da educação e alunos) a citar, comunidade, famílias, organizações, parceiros da escola, dentre outros além de participarem do planejamento das diretrizes e metas educacionais e, por conseguinte das estratégias voltadas para a sua implementação e consecução, serão envolvidos no processo de acompanhamento, controle e avaliação dos resultados destas metas. 13 A idéia básica do Plano de Metas Compromisso todos pela Educação consiste em, a partir de um diagnóstico da situação educacional de um determinado município, estado ou do Distrito Federal, estabelecer um conjunto de diretrizes a serem adotadas na gestão de suas redes de escolas e nas práticas pedagógicas, com vistas ao cumprimento de metas estabelecidas em relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Nesta perspectiva, a qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB, calculado e divulgado periodicamente pelo INEP, a partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica SAEB, composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica ANEB e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil) (art. 3, do Decreto 6.094/2007).

10 O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação apresenta 28 diretrizes voltadas para a melhoria da qualidade da educação básica. Replicam se aqui aquelas direcionadas para a educação integral e/ou para ampliação do tempo na escola: IV Combater a repetência, dadas as especificidades de cada rede, pela adoção de práticas como aulas de reforço no contra turno, estudos de recuperação e progressão parcial; [...] VII Ampliar as possibilidades de permanência do educando sob a responsabilidade da escola para além da jornada regular; VIII valorizar a formação ética, artística e a educação física; [...] XXIV integrar os programas da área da educação com os de outras áreas como saúde, esporte, assistência social, cultura, dentre outras, com vista ao fortalecimento da identidade do educando com sua escola; XXV fomentar e apoiar os conselhos escolares, envolvendo as famílias dos educandos, com as atribuições, dentre outras, de zelar pela manutenção da escola e pelo monitoramento das ações e consecução das metas do compromisso; XXVI transformar a escola num espaço comunitário e manter ou recuperar aqueles espaços e equipamentos públicos da cidade que possam ser utilizados pela comunidade escolar; XXVII firmar parcerias externas à comunidade escolar, visando a melhoria da infra estrutura da escola ou a promoção de projetos socioculturais e ações educativas (art. 2, grifos meus). No que tange às diretrizes apresentadas, tem se três aspectos a considerar. O primeiro diz respeito ao fato de o Decreto (inciso VII), a exemplo do art. 34 da LDB, associar a ampliação do tempo a uma maior responsabilidade da escola, remetendo à sua necessária centralidade nos processos pedagógicos que objetivem relações de ensino aprendizagem. O segundo relaciona se à ampliação do conceito de educação integral, que tem por fim formação integral do indivíduo em seus aspectos multidimensionais, e como tal, valoriza e requer sua formação ética, cultural, artística, física (incisos VIII, XXVI), dentre outras, além da cognitiva. O terceiro aspecto a ser considerado refere se ao fato de, sob a ótica do Compromisso Todos pela Educação (incisos XXIV, XXVI e XXVII), a educação integral se fazer associar também à perspectiva da integração, por meio da qual os estudantes têm acesso a novas possibilidades de aprendizagens (intra ou extra escolares) enriquecedoras do seu desenvolvimento global e que a escola, por si só, não apresenta condições de oferecer. A

11 educação integral integrada 14 tanto possibilita com que a escola avance para além de seus muros, quanto busca trazer a sociedade civil para dentro do seu contexto, ampliando seus espaços e tempos. Ou seja, na perspectiva integrada, a educação integral valoriza a formação de parcerias 15, que compartilhem concepções acerca do processo ensino aprendizagem, característico da escolarização formal, e que tenham por fim o desenvolvimento de experiências com valor educativo dispostas no projeto político pedagógico da escola. Estas experiências devem avançar na direção da participação em projetos sócio culturais e ações educativas que visem dar conta das múltiplas possibilidades e dimensões sociais de outros espaços, diferentes do intra escolar. No entanto, há que se ressaltar que a educação integral integrada vai além das parcerias, para abarcar a integração das disciplinas dentro do currículo escolar tanto pela perspectiva da transversalidade de temas a citar, direitos humanos, educação ambiental, educação fiscal, educação sexual, dentre outros, como pela ótica do desenvolvimento de outras habilidades/inteligências que auxiliem o aluno na compreensão dos conteúdos de sala de aula (GARDNER, 1995) por exemplo, por meio da construção de pipas o aluno pode apreender conceitos de geometria; já o esporte pode contribuir para a socialização, para a compreensão de regras de convivência, para a organização do tempo. Música, teatro, dança, esportes, informática, artes plásticas, visitas a exposições/museus/livrarias/cinemas, dentre outros, podem (e devem) estar associados aos conteúdos do currículo formal. Neste sentido, importante se faz que tanto a comunidade escolar, quanto a sociedade percebam, reflitam e discutam sobre o caráter educativo destas atividades. Nesta perspectiva, o aumento do tempo escolar deve necessariamente se fazer associar a uma ampliação do espaço escolar. A ampliação da jornada, quando limitada exclusivamente ao espaço físico intra escolar, impede que os estudantes tenham acesso a oportunidades de convivência com outros ambientes sócio culturais enriquecedores. 14 Na prática, bastaria evidenciar aqui a expressão educação integral, uma vez que as características da educação integral avançaram para a compreensão da necessidade de ser realizada de forma integrada. No entanto, com o objetivo de reforçar esta relação (integral integrada), o texto, muitas vezes, reiterará esta expressão. 15 O Plano Nacional de Educação, ao tratar da educação de jovens e adultos, da educação profissional, da educação indígena e da educação especial, foi enfático no que tange à questão das parcerias. Ao mesmo tempo em que o PNE evidencia que o financiamento das ações pelos poderes públicos é decisivo na formulação e condução de estratégias necessárias para enfrentar o problema dos déficits educacionais nestas modalidades de ensino, ressalta que, sem uma efetiva contribuição da sociedade civil, dificilmente tal objetivo será alcançado.

12 Dentre as ações do PDE, é do interesse deste estudo analisar o Programa Mais Educação instituído pela Portaria Normativa Interministerial n 17, de 24 de abril de 2007, que tem por objetivo fomentar a educação integral por meio do apoio a atividades sócioeducativas no contraturno escolar. O Programa Mais Educação literalmente apresenta a educação integral, enquanto possibilidade de formação integral do ser humano. Art. 1 Instituir o Programa Mais Educação, com o objetivo de contribuir para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal e suas contribuições às propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de ensino e das escolas, alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos. Além de a portaria interministerial apresentar a educação integral sob a perspectiva da articulação de ações 16, orienta que a ampliação do tempo escolar seja direcionada à formação integral do indivíduo, reiterada em outro artigo do Programa Mais Educação: Art. 6 O Programa Mais Educação visa fomentar, por meio de sensibilização, incentivo e apoio, projetos ou ações de articulação de políticas sociais e implementação de ações sócio educativas oferecidas gratuitamente a crianças, adolescentes e jovens e que considerem as seguintes orientações: I contemplar a ampliação do tempo e do espaço educativo de suas redes e escolas, pautada pela noção de formação integral e emancipadora (grifos meus); Aspectos pertinentes à formação integral emancipadora vêm sendo discutidos, especialmente, a partir da publicação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, o qual afirma que nas sociedades contemporâneas a escola é local de estruturação de concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de constituição de direitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas (2007, p. 23) Sob a perspectiva da política educacional 17, a educação integral e o tempo integral caso não ampliem o mesmo que vem sendo posto em termos de prática escolar podem 16 O Programa Mais Educação congrega ações conjuntas dos Ministérios da Educação (MEC), Cultura (MinC), Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Esporte (ME) e da Presidência da República (PR).

13 contribuir para que a escola se torne mais atrativa, uma vez que permitem ampliar seus espaços, tempos e conteúdos, integrando e aumentando a cobertura de suas ações educacionais e sociais. A educação integral integrada pode (e deve) contar com contribuições de outras áreas sociais e organizações da sociedade civil. No entanto, conforme evidenciado anteriormente, tais ações devem constituir se resultado de um amplo debate da comunidade escolar, cujas resoluções devem se apresentar literalmente dispostas no projeto político pedagógico da instituição educacional. Determinação esta disposta na Resolução Interministerial n 17/2008. 2º O Programa Mais Educação poderá contar com a participação de ações promovidas pelos Estados, Distrito Federal, Municípios e por outras instituições públicas e privadas, desde que as atividades sejam oferecidas gratuitamente a crianças, adolescentes e jovens e que estejam integradas ao projeto político pedagógico das redes e escolas participantes (art. 4, grifos meus). Embora a legislação não contemple, além do Fundeb, aspectos diretamente relacionados às formas de financiamento das ações do PDE 18, a publicação do MEC intitulada Plano de Desenvolvimento da Educação: Razões, Princípios e Programas que, vale ressaltar, não tem força de lei, indo ao encontro do PNE, defende a elevação dos recursos destinados à educação de 4% para 6 a 7% do PIB: Estudiosos da educação, em especial economistas, têm defendido a tese de que o Brasil não precisa ampliar os investimentos em Educação como proporção do Produto Interno Bruto. Alegam que o patamar atual, de 4%, aproxima se da média dos países desenvolvidos, o mesmo valendo para a relação entre o investimento na educação básica e o investimento na educação superior, de cerca de quatro para um. Esta abordagem, contudo, perde de vista dois aspectos: nosso baixo PIB per capita e nossa elevada dívida educacional. Se quisermos acelerar o passo e superar um século de atraso no prazo de uma geração, não há como fazê lo sem investimentos na educação da ordem de 6% a 7% do PIB. Neste esforço, que deve ser nacional, o PDE, considerada a complementação da União ao FUNDEB, acrescenta, a partir do quarto ano de seu lançamento, R$ 19 bilhões anuais ao orçamento do Ministério da Educação, ou 0,7% do PIB, apenas como contrapartida federal (p. 39 40, grifos meus). 17 Outros aspectos, de grande importância, relacionados à educação integral e ao tempo integral devem constituirse temática de discussões, a citar, a articulação de ações entre os Ministérios da Educação, Assistência Social e Combate à Fome, Cultura e Esporte poderão constituir se marco estratégico para a prevenção e proteção social de crianças e adolescentes em situação de risco. 18 Os ministérios parceiros, em certa medida, colaboram financeiramente com as ações do PDE, incrementando, de forma indireta, os recursos destinados à Educação.

14 O texto evidencia que, a partir do quarto ano de existência do Fundeb, caso as fontes de recursos mantenham comportamento estável, os recursos destinados à Educação incorporada a complementação do governo federal ao Fundo contemplarão, aproximadamente, 4,7% do PIB. Mesmo com o aumento do aporte de recursos destinados à educação, o déficit do investimento educacional, em relação ao PIB, persiste. Quando o País atingirá os 7% (defendidos no PNE, de 2001, e no PDE, de 2007) de modo a acelerarmos o passo e superar um século de atraso no prazo de uma geração? Foi, dentre outros motivos, talvez por temer a existência da lacuna legal pertinente ao financiamento do PDE, que o texto do MEC, anteriormente mencionado, evidencia como dimensões indispensáveis para o sucesso do Plano a responsabilização (sobretudo da classe política) e a mobilização da sociedade. Por outro lado, há que se evidenciar que a importância da efetivação de uma educação integral integrada em tempo ampliado/integral, especialmente nos últimos tempos, vem se expressando por meio da profusão de legislação específica. Entende se, no entanto, que há um longo caminho a percorrer para transformar o legal em real, o qual depende, dentre outros aspectos, da vontade política, do financiamento público, da participação e mobilização da sociedade e da assistência técnica e financeira, por parte da União, às instâncias subnacionais com maiores dificuldades financeiras. Ainda... Por fim, é importante ressaltar que este estudo defende a educação integral, enquanto possibilidade de formação integral do homem, percebido em seus aspectos multidimensionais, que tem na escola a centralidade do processo educativo pautado na relação ensinoaprendizagem. Educação esta que pode (e deve) ser enriquecida pela integração com outros setores da sociedade, a citar, a saúde, a cultura e o esporte, além de organizações que trabalham na articulação educação proteção social. Mais especificamente, este estudo evidencia a importância de a educação integral ocorrer de forma integrada. Incentiva e valoriza, em função das possibilidades de enriquecimento cognitivo, cultural e social, dentre outros, o fato de a escola oferecer à criança e ao adolescente outras possibilidades e dimensões

15 educacionais e sociais relacionadas ao território e à cidade. Neste sentido, reiteram se dois pontos em relação ao estudo aqui realizado: O aumento do tempo com vistas à formação integral do indivíduo deve constituir se na ampliação do tempo escolar, aqui considerado como o tempo que a criança está sob a responsabilidade da escola, em atividades que podem ocorrer de forma intra ou extraescolar. Aspectos estes que evidenciam a centralidade da escola no processo ensinoaprendizagem. A educação integral tem com um de seus alicerces sua desejável integração com outras instituições/esferas da sociedade. No entanto, toda e qualquer atividade, que tenha por finalidade contribuir para com a formação integral de crianças e adolescentes, deve constituir se resultado de um estudo da real demanda da escola e, como tal, deve estar registrada no seu projeto político pedagógico. O Fundeb ao distribuir recursos par aluno matriculado na educação básica em tempo integral (re)colocou esta temática nas arenas de discussões das instâncias subnacionais. No entanto, a ausência de uma legislação detalhada sobre educação em tempo integral, poderá contribuir para que crianças e jovens se constituam foco de uma multiplicidade de experiências na área, as quais poderão colocar em risco o futuro da educação em tempo integral no país. 6. BIBLIOGRAFIA BAUER, Martin e GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.. Lei Complementar n 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 mai. 2000.. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001: Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2001.

16. Medida Provisória n 339, de 28 de dezembro 2006: Regulamenta o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 dez. 2006.. Decreto n 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 abr. 2007.. Decreto, nº. 6.253, de 13 de novembro de 2007, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEB, regulamenta a Lei n o 11.494, de 20 de junho de 2007, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 nov. 2007.. Portaria Normativa Interministerial n 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação que visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio educativas no contraturno escolar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2007.. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei n o 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis n os 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jun. 2007.. MEC. Plano de Desenvolvimento da Educação: Razões, Princípios e Programas. Brasília, DF, 2007.. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos / Comitê Nacional de educação Em Direitos Humanos Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. CAVALIERI. Ana Maria V. Educação integral: Uma nova identidade para a escola brasileira? Educação e Sociedade, Campinas, v.23, dec. 2002.. A educação integral na obra de Anísio Teixeira. Disponível em: < http://www.unirio.br/cch/neephi/arquivos/educinteganisio.doc>. Acesso em: 10 out. 2007. GUARÁ, Isa Maria F. Rosa. Educação Integral Articulação de projetos e espaços de aprendizagem. Disponível em: <http://www.cenpec.org.br/modules/xt_conteudo/index.php?id=46>. Acessado em: 12 Out. 2007.

17 COELHO, Lígia Martha C. da Costa. Tempo em uma instituição moderna: a escola. In :SCHWARTZ, Cleonara et allii. Desafios da educação básica a pesquisa em educação". Vitória: EDUFES, 2007. COELHO, Lígia Martha C. da Costa. Exclusão: reflexões sobre a violência do nâo acesso à educação integral de tempo integral. Palestra proferida durante o II Colóquio Educação, cidadania e exclusão etnografia em educação. Rio de Janeiro, UERJ, 2007. GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. MENEZES, Janaina S.S. e COELHO, L.M. Tempo integral no ensino fundamental: ordenamento constitucional legal em discussão. In: 30ª Reunião Anual da ANPED, 2007, Caxambu. Caxambu, Tempo integral no ensino fundamental: ordenamento constitucionallegal em discussão.pernambuco: Anais da Anped, 2007. p. 01 16.