Cadernos de Sociomuseologia- 5-2015 167. Recensão Critica

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Cadernos de Sociomuseologia- 5-2015 167 Recensão Critica Museus para o século XXI Josep Maria Montaner, Editorial Gustavo Gili, SA, Barcelona, 2003, tradução de Eliana Aguiar Sandra Coelho 1 Josep Maria Montaner, autor de Museos para el Siglo XXI, é arquitecto, escritor e professor na Faculdade de Barcelona, cidade onde nasceu em 1954. Leccionou, como professor convidado, em várias universidades europeias e latino-americanas. É autor de livros sobre arquitectura de museus, traduzidos em diversos países, e publica regularmente artigos em revistas de arquitectura e no jornal El País. Como reconhecimento da sua obra, ganhou importantes prémios, como o Prémio Construmat (1989), Prémio da Crítica de Serra d Or (1991), o da Critica de Arte (1992) e o Bonaplata de Difusión (1993). Destacamse, entre as suas publicações, Nuevos Museos. Espacios para el arte y la Cultura (1990), Museos para el siglo XX (1995) e Las Formas del Siglo XX (2002). 1 Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Lisboa Universidade Nova de Lisboa

168 Sandra Coelho O objectivo do seu último livro publicado, Museos para el siglo XXI, no original, é apresentar de forma sucinta o panorama contemporâneo da arquitectura de museus. Estruturado em oito partes essenciais, tantas quantas as actuais tipologias arquitectónicas na edificação de museus, a obra centra-se nos protótipos e relações do século XX que souberam transpor os limites do tempo e que continuarão, no século XXI, como referências essenciais. Segundo o autor, foi a partir da década de 1980 e até aos primeiros anos do século XXI que o museu se transformou num local de afluência de um público activo e consumista. A aproximação do museu aos locais habituais de consumo, como as lojas, foi um dos resultados desta transformação. O exemplo mais evidente, apresentado pelo autor, é o do Museu Hermitage-Guggenheim, em Las Vegas (2001) 1, projectado por Rem Koolhaas, e instalado no casino The Venetian. A sua instalação expositiva pode, à semelhança de qualquer loja comercial, ser desmontada e ficar, novamente, com os espaços do casino e hotel. 1-Rem Koolhaas, Museu Hermitage Guggenheim, Las Vegas, 2001. Esta aproximação museu-comércio verificou se também em sentido inverso, com as cadeias internacionais de lojas a apresentar os seus produtos de forma única e irrepetível como se de edições limitadas de um museu se tratassem. Por outro lado, cada vez mais, o museu assumiu o seu papel de elemento definidor dos espaços urbanos e de agregação de públicos em torno de si. À medida que vai enumerando e descrevendo as várias tipologias de arquitectura de museus, o autor vai estabelecendo, de igual modo, correspondências com o discurso museográfico a elas associado. No panorama da arquitectura de museus destaca-se, em primeiro lugar, 1

Cadernos de Sociomuseologia- 5-2015 169 o museu entendido como algo singular, extraordinário e irrepetível. Associado a contextos urbanos consolidados, teve o seu ponto de partida com o Museu Guggenheim de Nova Iorque (1943-1959) de Frank Lloyd Wright 2, numa resposta à arquitectura de arranha-céus escalonados e prismáticos. A inspiração em formas orgânicas, em estreita relação com o contexto urbano, era uma das características de ruptura com a anterior visão estática e fechada da arquitectura de museus. Esta tendência arquitectónica encontrou no arquitecto Frank Gehry o seu mais emblemático sucessor e no Guggenheim de Bilbao (1997) 3 a sua obra mais bem 2-Frank Lloyd Wright, Museu Guggenheim, Nova Iorque, 1959 sucedida. Às gigantescas formas orgânicas externas corresponde uma multiplicidade de espaços museográficos no interior, desde as tradicionais salas convencionais de exposição dos formatos habituais de arte moderna, à recriação do atelier do artista na sala em planta baixa, passando pelos espaços de altura dupla destinado a instalações ou exposições individuais. 3-Frank Gehry, Museu Guggenheim, Bilbao, 3-Frank Gehry, Museu Guggenheim, Bilbao, 1997 1997

170 Sandra Coelho Esta visão da arquitectura de museus como uma escultura, inspirada no mundo natural ou no onírico do subconsciente, foi seguida, de igual modo, por arquitectos como Óscar Niemeyer, no Museu de Arte Contemporânea, em Niteroi (Rio de Janeiro-1996) 4 ou Bernard Tschumi, com o Centro de Arte Contemporânea, em França (1992-1997) 5, no qual as invocações surrealistas e as formas labirínticas e fluidas são marcantes. Simultaneamente, mas em direcção oposta, foi evoluindo a ideia do museu como caixa ou armário, como gabinete de coleccionador ou câmara das maravilhas até ao volume neutro, onde a flexibilidade e a tecnologia eram capazes de solucionar os problemas de transformação de certas colecções em constante crescimento. 4- Óscar Niemeyer, Museu de Arte Contemporânea, Niteroi, Rio de Janeiro, 1996. 5- Bernard Tschmen centro de Arte Contemporânea, Tourcoing, França, 1997 Do conceito inicial do museu como uma caixa fechada, opaca, à espera de ser aberta pelo visitante, evolui-se para o da caixa aberta ao crescimento e à transformação interna. Dois modelos contemporâneos contribuíram para esta alteração conceptual: o do museu rectilíneo de crescimento ilimitado do arquitecto Le Corbusier (1939) e o museu de planta livre de Mies van der Rohe (1942) 6. Procurava-se atingir, em ambos os modelos, formas de transparência, o predomínio dos elementos de circulação, a luz natural no espaço moderno, a extrema funcionalidade e o crescimento ilimitado do próprio edifício. O modelo courbesiano

Cadernos de Sociomuseologia- 5-2015 171 encontrou eco, em termos de discípulos, na arquitectura japonesa, com Junzo Sakakura (Museu de Arte Moderna, Japão, 1951) 7 e na francesa com a obra de Josep Lluís Sert, quer na Fundação Maeght (Saint-Paul-de- Vence, França, 1959-1964), quer na Fundação Joan Miro, em Barcelona (Espanha, 1972-1975), onde a concepção arquitectónica subjacente de crescimento ilimitado permitiu ampliações por duas vezes. Dos seguidores do modelo de planta livre consta João Villanova Artigas, que, ainda que não tenha desenhado museus, se inspirou para a Faculdade de Arquitectura e Urbanismo de São Paulo (Brasil, 1961) nos museus e pavilhões de Mies van der Rohe. 6- Mies van der Rohe, museu para uma Parque Ueno, Tóquio, 1959. pequena cidade,1942. 7- Junzo Sakakura, Museu de Arte Ocidental, Novas tipologias do museu-caixa foram surgindo e os museus norte-americanos foram pioneiros com a caixa vertical. Era a concepção do museu edificado na vertical, tomando os arranha-céus como referência na forma. O Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MOMA, 1939) 8 concebido por Philip L. Goodwin e Edward Durell Stone foi o primeiro exemplo desta nova tendência arquitectónica. Foi, igualmente, o primeiro a ser inteiramente dedicado à arte moderna. Nos anos 60, ainda nos Estados-Unidos, surgiu a tendência do museu como caixa de fluxos.

172 Sandra Coelho 8-Philip L. Goodwin e Edward Durell Stone, Museu de Arte Moderna (MOMA), Nova Iorque, 1939. Sob influência dos novos postulados de conservação preventiva, defensores da luz ténue e artificial, foram criados os museus-bunker, sem luz e sem janelas: são os casos, entre outros, do Whitney Museum of American Art de Marcel Breuer (1963-1966), do Museu de Arte Everson, em Siracusa, de I.M. Pei (1963-1968). Do museu como caixa de fluxos passouse, na década de 70, à caixa polifuncional e ao edifíciomassa de que o Centro Georges Pompidou em Paris (1972-1977) 9 de Renzo Pianno e de Richard Rogers é expoente máximo. Este centro de arte multifuncional e popular, idealizado pelo museólogo Pontus Hulten, tinha como referência a imagem da fábrica ou da refinaria de petróleo e enfatizava elementos de movimento, como as escadas rolantes e os elevadores. A Tate Modern, em Londres (1994-2001), de Herzog & De Meuron, representa a continuidade, em finais do século XX e início do XXI, desta tipologia, aproveitando a estrutura pré-existente da central eléctrica projectada por Giles Gilbert Scott em 1940. A par dos dois grandes espaços de acesso e de um incansável sistema de escadas, que lembra a estrutura do metropolitano, encontramos um espaço íntimo de salas de estrutura rígida na tradição clássica das salas em fileira. 9- Renzo Pianno e Richard Rogers, Centro Pompidou, 1977.

Cadernos de Sociomuseologia- 5-2015 173 Esta evolução da caixa opaca e fechada às megasestruturas e aos pavilhões transparentes irá conduzir a uma tipologia de arquitectura que Montaner designa de formas de desmaterialização. É o museu que procura diluirse, seja em caixa transparente e leve, seja em formas que se espalham pelo espaço urbano 10- Norman Foster, Le Carré d Art, Nimes, 1993. ou se escondem por detrás de outros edifícios. Esta tendência arquitectónica para a desmaterialização e niilismo foi fortemente influenciada pela arte contemporânea de Malevich, Moholy-Nagy ou Duchamp. Exemplos do museu entendido como uma caixa leve e cristalina são as obras de Norman Foster, Le Carré d Art, em Nimes (1993) 10, junto ao templo romano da Maison Carré; a Fundação Beyeler de Renzo Piano, na Basileia (Suiça, 1997) e a Kunsthaus, em Bregenz, do arquitecto Peter Zumthor (Áustria, 1997) 11 na qual a utilização da luz como material basilar se torna exemplar: de dia com a luz natural nos seus efeitos de transparência, e, à noite, com a luz artificial, o museu transformase numa lanterna radiante ou em uma obra de arte. O projecto mais ousado desta tendência, do arquitecto Rem Koolhaas (Centro de Arte e Tecnologia de Meios de Comunicação, em Karlsruhe, 1989), de transformar a caixa numa enorme tela electrónica, na qual seriam transmitidas imagens do artista, não se chegou, infelizmente, a concretizar. 11- Peter Zumthor, Kunsthaus, Bregenz, Áustria, 1997

174 Sandra Coelho Outro exemplo da suprema busca da transparência e da energia é a Fundação Cartier para a Arte Contemporâena (1991-1994) 12 de Jean Nouvel. Esta forma suspensa do edifício dissolve-se nas árvores do passeio e consegue, com a estrutura de aço leve, alcançar o esplendor na luz e na transparência. A museografia associada a esta tendência de arquitectura é, também ela, direccionada para a transparência e energia, sobretudo nos museus de ciências naturais. Entre estas duas principais e antagónicas tendências da arquitectura de museus, o orgânico e a caixa, encontramos outras que se foram desenvolvendo ao longo das últimas décadas do século XX. Próxima da tipologia da 12- Jean Nouvel, Fundação Cartier, Paris, 1994. caixa, encontramos o museu encarado numa perspectiva minimalista, ou seja, concentrado na procura do arquétipo do local sagrado, primitivo. A esta tipologia arquitectónica correspondia uma museografia também ela simples, estrita, influenciada pela corrente estética do minimalismo. A pirâmide de Cristal do Grand Louvre, projectada por I.M.Pei (1983-1989) representa o exemplo mais emblemático de intervenção minimalista, conseguindo com o mínimo de forma o máximo de transformação no edifício existente. Mais recentes são os projectos minimalistas de Norman Foster para o British Museum (2001) 13 e de Tadao Ando para o Museu de Arte Moderna em Fort Worth, (2002) 14.

Cadernos de Sociomuseologia- 5-2015 175 13- Norman Foster, British Museum, Londres, 2001 14-Tadao Ando, Museu de Arte Moderna, Fort Worth, 2002. A crítica tipológica dos anos 70 trouxe, no que à arquitectura de museus concerne, a tendência museu-museu. Caracterizada pelos valores históricos de cada disciplina, a critica tipológica manifestouse nos museus através da redefinição e valorização dos elementos essenciais da tradição. Importava manter a memória do próprio edifício. Incluem-se nesta categoria os museus que se transformam internamente, num respeito pela estrutura interna, como aqueles que se adaptam à morfologia externa existente. O arquitecto Rafael Moneo foi um dos mais capazes executantes desta tendência com o Museu de arte Romana, inserido no conjunto 15 Rafael Moneo, Museu de arte Romana, Mérida arqueológico de Mérida, em Espanha (1980-1986) 15. Entre esta concepção do museu que se desenvolve dentro de uma tradição tipológica e a do que surge de forma livre, existe a perspectiva do museu introspectivo, que se fecha em si mesmo, encerrado em torno das suas colecções. O momento de consolidação desta tendência verificou-se no pós-2ª guerra mundial, nos museus italianos. A maioria das intervenções era feita em edifícios com elevado histórico e, normalmente, com colecções fechadas. Existia, igualmente, e na sequência da nova museologia didáctica defendida por Georges Henri Rivière, uma enorme

176 Sandra Coelho preocupação com os espaços do museu relativos à sua função social e didáctica. O Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela (1988-1993), a Fundação Serralves, no Porto, Portugal (1991-1999) e a Fundação Iberê Camargo, nos arredores de Porto Alegre, Brasil (1998) 16 são três dos mais emblemáticos exemplos do museu que se desdobra em si mesmo, sem deixar, no entanto, de se envolver no meio que o rodeia. 16- Álvaro Siza, Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, 1998. Outro brilhante representante desta tendência é o arquitecto Daniel Libeskind que conseguiu no Museu Judaico, em Berlim (1999) 17 criar uma tensão no interior do museu a partir do qual o mesmo se desenvolve. As formas violentas, associadas ao tema e ao conceito do museu, traduzem bem o que significava o museu enlaçado em si mesmo. 17- Daniel Libeskind, Museu Judaico, Berlim, 1999. Na década de 80, como expressão da cultura de massas, assistimos a uma nova tipologia na arquitectura de museus e, sobretudo, ao ressurgimento do papel do museu como impulsor social e urbano. É

Cadernos de Sociomuseologia- 5-2015 177 a tendência do museu colagem, onde, num mesmo edifício, múltiplas linguagens arquitectónicas se fundem. Dois dos melhores exemplos desta percepção do museu como fragmento, onde em termos museográficos, nenhum percurso se sobrepõe aos outros, são o Museu de Arquitectura, projectado por Alessandro Mendini, Groningen (1995) 18 e a obra de Arata Isozaki no Museum of Contemporary Art, Los Angeles (1996). Esta tendência desenvolveu-se, sobretudo, nos Museus de Arte. Na linha mais vanguardista encontramos o anti-museu. Incluídos nesta tendência estão os museus virtuais, o museu imaginário de André Malraux (1951) e as peças que Marcel Duchamp transformava em museus portáteis (Boîte en Valise, 1941) 19. 18- Alessandro Mendini, Museu de Arquitectura, Groningen, 1995. 19- Marcel Duchamp, Boîte en Valise ou museu portátil, 1941. Na década de 70 assistiu-se à instalação de museus em locais totalmente desprovidos de luxos, como fábricas, hospitais, depósitos ou prisões e a recente remodelação do Palais de Tokio 20, de Paris, entre 1991-2001, mostra-nos que esta corrente arquitectónica foi subsistindo e acolhendo seguidores. Da autoria dos arquitectos Anne Lacaton e Jean Philippe Vassal, da remodelação surgiu um Centro de Criação Contemporânea, numa enorme praça pública voltada para as experiências artísticas mais inovadoras e para o debate estético aberto. Termina assim, com as tendências mais vanguardistas, este percurso pela obra de Montaner. Cumpriu o seu propósito de apresentar de maneira resumida o panorama e as condições da arquitectura de museus, mas aspectos há que poderiam ter sido mais aprofundados.

178 Sandra Coelho Evidentemente que o objecto de estudo teria de ser alterado, uma vez que, numa síntese não cabe uma análise exaustiva, mas a ligação entre a arquitectura e as concepções museográficas poderia ter sido abordada de forma mais desenvolvida. A própria estrutura da obra, dividida em tipologias arquitectónicas, muito útil em termos de sistematização, mistura um pouco o contexto cronológico no interior de cada capítulo. Ou seja, nem sempre se consegue decifrar a continuidade temporal na evolução das tendências arquitectónicas. Por fim, não é muito perceptível a ideia do autor de que só a partir dos anos 80 se dá a verdadeira explosão e interesse pelos museus. Entende-se que o seu papel e a sua ligação com o meio e sociedade se tenha transformado consideravelmente, mas o interesse pela arquitectura de museus, que importa aqui analisar, é muito anterior. Das duas principais correntes arquitectónicas dos finais dos anos 30 e início dos 40, surgiram todas as outras experimentações e derivações. São as correntes do museu entendido, por um lado, como elemento extraordinário e irrepetível e, por outro, como caixa com possibilidades de crescimento ilimitado/livre, que estão na origem da multiplicidade de formas e tipos actualmente existentes. 20- Anne Lacaton e Jean Philippe Vassal, Centro de Criação Contemporânea, Palais de de Tokyo, Paris, 2001 Apesar do autor defender inicialmente que são quatro os modelos concretizadores da ideia moderna de museu - o museu de crescimento ilimitado de Le Corbusier, o da planta livre de Mies van der Rohe, o da forma orgânica e singular de Frank Lloyd Wright e da

Cadernos de Sociomuseologia- 5-2015 179 desmaterialização de influência surrealista de Marcel Duchamp - na prática existem apenas dois modelos essenciais, a partir dos quais todos os outros se desenvolvem e influenciam. É o exemplo do museu caixa que evoluiu, sob influência minimalista e surrealista, para a caixa cristalina, leve, numa ode à transparência. A obra Museus para o século XXI, sintetizando as tipologias de arquitectura de museus do século XX e dos primeiros anos do XXI, dá um importante contributo para o estudo, cada vez mais pertinente e interessante, do museu na sua perspectiva edificada. O museu-edíficio pode ser, actualmente, pólo de interesse mediático, a par - ou até mais - das colecções que alberga no seu interior. As fotografias que amplamente ilustram a obra são disso exemplo. 1 Imagem nº 1- pág. 149 2 Imagem nº 2- pág. 13 3 Imagem nº 3- pág. 17 4 Imagem nº 4- pág. 23 5 Imagem nº 5, pág. 27 6 Imagem nº 6, pág. 30 7 Imagem nº 7, pág. 33 8 Imagem nº 8- pág. 38 9 Imagem nº 9- pág. 41 10 Imagem nº 10 - pp.138-139 11 Imagem nº 11 - pág. 140 12 Imagem nº 12 - pág. 143 13 Imagem nº 13 pág. 57 14 Imagem nº 14 pág. 49 15 Imagem nº 15 pp. 66-67 16 Imagem nº 16 pág. 83 17 Imagem nº 17 pp. 86-87 18 Imagem nº 18 pp. 102-103 19 Imagem nº 19 pág. 111 20 Imagem nº 20 pág. 120-121 - Todas as imagens foram retiradas da obra aqui recenseada: Museus para o Século XXI