Telejornalismo e identidade em emissoras locais: a construção de contratos de pertencimento



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Transcrição:

Telejornalismo e identidade em emissoras locais: a construção de contratos de pertencimento Iluska Coutinho 1 Resumo: A proposta deste artigo é refletir sobre a produção dos contratos de afinidade, e da relação de pertencimento entre uma emissora e seu público, tendo como referência a identidade forjada nos telejornais locais. A experiência de Juiz de Fora/MG, e de uma de suas emissoras de televisão, é o foco central desse trabalho no qual compreende-se que a veiculação diária de produtos jornalísticos reforça a relação entre TV e município, conforme estruturada no modelo brasileiro de radio/teledifusão. Autores como Hall e Bauman oferecem suporte teórico para a discussão da Identidade e, na reflexão proposta, dialogam com pesquisadores que estudam a televisão, e especialmente seu material jornalístico. Palavras-chave: Telejornalismo local; Narrativa; Identidade; Dramaturgia. Em 1969 entrava no ar o Jornal Nacional e com ele o modelo de transmissões de programas em rede 2 e a perspectiva de integração nacional via telinha, instaurando no campo das telecomunicações a ideologia de segurança nacional. O acesso à tecnologia de transmissão, inclusive, foi viabilizado com a utilização de orçamento público, opção dos militares para garantir a difusão do sinal de televisão, e da ideologia de segurança nacional, por todo o território brasileiro: ( )a TV realizou o sonho de integração nacional, agindo como ponta-de-lança na implantação de uma mentalidade modernizadora do Brasil. (Gleiser, 1983, p. 19). A compreensão de modernização de acordo com o modelo implantado envolvia a transmissão simultânea dos mesmos conteúdos e das mesmas imagens por todo o país, 1 Professora adjunto II do Departamento de Jornalismo da FACOM/ UFJF. Jornalista, mestre em Comunicação e Cultura (UnB), doutora em Comunicação Social (Umesp) com estágio doutoral na Columbia University. Líder do Grupo de Pesquisa Comunicação, Identidade e Cidadania. 2 A interligação via rede terrestre de microondas não atingia todo o território nacional. Até a década de 80, com a chegada do satélite, apenas as regiões sul, sudeste e parte do nordeste brasileiro possuíam 1

o que envolvia a difusão também imediata de informações, noticiosas e/ou educativas, em um raciocínio claramente desenvolvimentista, perspectiva defendida pelos ideólogos do regime militar. Nessa linha se tornou célebre a afirmação atribuída ao então presidente Emílio Garrastazu Médici de que, após um dia extenuante de trabalho, se sentia tranquilo quando assistia todas as noites ao Jornal Nacional. Afinal, como salientou Ester Hamburguer à propósito das relações entre a TV e os telespectadores no Brasil, Enquanto a segregação social, econômica e cultural segmenta e divide a sociedade brasileira, a televisão acena a possibilidade de conexão, mesmo que virtual (1968, p.485). Mas, se por um lado a (re)união do país em rede nacional de TV atendia aos interesses do governo militar e também do ainda incipiente mercado publicitário, por outro esse modelo de teledifusão reduziu os sotaques e sabores regionais então presentes nas emissoras de televisão espalhadas pelo país. Organizadas em redes nacionais, as emissoras brasileiras desde então se reúnem por meio de contratos de afiliação. Nessa estrutura a significativa maioria dos conteúdos veiculados ao longo da programação é produzida pela chamada "cabeça de rede" e reproduzido pelas emissoras afiliadas, que estendem o sinal da rede por diversos estados e municípios, garantindo o alcance nacional. De acordo com esse modelo as emissoras de TV que tem contrato com determinada "Rede de TV" reproduzem simultaneamente a programação gerada, ocupando com sua produção (local ou regional), espaços que são determinados de acordo com o contrato de afiliação. A exigência de produção de material audiovisual local é prevista em lei, embora sua fiscalização em geral também fique apenas no papel. interligação. Não por acaso é nessa região que há maior concentração populacional e também da renda nacional. 2

Geralmente a produção realizada pelas emissoras afiliadas tem caráter jornalístico ou integraria a categoria informação, na classificação estabelecida por Souza (2004). Nessa perspectiva, a proposta nesse artigo é refletir sobre as possibilidades de veiculação e/ou construção de uma identidade de caráter regional em uma emissora de TV local, com destaque para seus telejornais. Localizada em Juiz de Fora, primeira cidade do interior a contar com uma estação de TV na América Latina, a pesquisa procurar refletir sobre a identidade que a emissora afiliada da Rede Globo de Televisão, TV Panorama, busca forjar em sua programação e ainda analisar os laços de pertencimento que são tecidos por meio de seu discurso jornalístico. Este estudo se insere na pesquisa macro Dramaturgia do Telejornalismo Regional: a estrutura narrativa das notícias em TV na qual são analisadas as produções de duas emissoras de TV instaladas em Juiz de Fora, município da Zona da Mata mineira em que a questão da identidade também merece reflexões. Mas, se nossa temática transita pelos aspectos de representação e identidade, cabe esclarecer qual a perspectiva ou pertencimento teórico, que oferece referências à análise proposta. Sobre Identidade e Diferença De acordo com Stuart Hall (1999) é possível falar em três ou concepções de identidade a partir de três formas de compreender o sujeito, e o mundo. Assim, haveria de acordo com o autor as visões de identidade correspondentes aos sujeitos: do iluminismo, sociológico e pós-moderno. O primeiro deles, o sujeito do Iluminismo seria marcado pela crença na racionalidade e na compreensão de indivíduos centrado, unificado (...) cujo centro consistia num núcleo interior (...)O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. (HALL: 1999, pp.10-11). Com a complexificação do mundo emergiria o 3

sujeito sociológico, marcado pela perda de autonomia do indivíduo, frente ao mundo social. O sujeito e sua identidade seriam constituídos na relação com o outro, na mediação social de valores, sentidos e símbolos, nas trocas culturais. Caberia a identidade, de acordo com essa concepção, o papel de preencher o espaço entre os mundos pessoal e público ou entre interior e exterior, a costura ou sutura ao sujeito à estrutura social e cultural na qual sua vida se insere. Finalmente o sujeito pós-moderno ou contemporâneo, como talvez prefiram alguns, tem como característica de destaque sua fragmentação, sendo sua(s) identidade(s) mais fluída, algumas vezes contraditória...multimídia, para fazer uma brincadeira com a questão dos suportes, e de seus usos em tempos de convergência midiática. Ao invés de ser determinada de forma biológica ou social a identidade desse sujeito é estabelecida historicamente, sendo possível assumir diferentes identidades ao longo do tempo. A identidade torna-se uma celebração móvel, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (...) à medida que os sistemas de significação se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiantes de identidades possíveis (HALL: 1999, p.13). O autor destaca o caráter de simplificação na tipologia proposta e se detém na questão da identidade cultural do sujeito fragmentado e em especial na análise da identidade nacional. As culturas nacionais seriam fontes de identidade cultural para os indivíduos na contemporaneidade, e uma das formas destes se definirem em relação aos outros. Hall ainda coloca em relevo a questão da representação, a partir da(s) qual(is) se construiriam os significados e valores, a própria idéia de nação. E, ainda que se constituindo de acordo com Benedict Anderson como uma comunidade imaginada, a identidade nacional subordinaria as diferenças regionais e étnicas. No Brasil essa narrativa da nação seria construída especialmente a partir das emissões diárias das Redes de Televisão, de suas telenovelas e também telejornais. Na 4

telinha os brasileiros além celebrar as memórias do passado, de perpetuarem sua herança (cultural) também reforçariam seu desejo de viver em conjunto, ainda que via laço social feito à distância, para tomar emprestada imagem construída por Dominique Wolton ao propor uma teoria crítica da televisão (1996). Nesse sentido a programação das emissoras de televisão distribuídas por todo o Brasil, ao compartilhar simultaneamente os mesmos sons e imagens, acabaria por se constituir no dispositivo discursivo descrito por Hall que representa a diferença como unidade ou identidade (1999, p.62). O caráter de construção da identidade também é reforçado por Zygmunt Bauman segundo quem sua idéia não seria natural nem partiria apenas da experiência humana. Para o autor a identidade, especialmente em sua vertente versão nacional, teria surgido como ficção, e se consolidado via coerção e convencimento, para o qual concorreriam as emissões das emissoras de TV, mensageiras da ordem no modelo brasileiro de radiodifusão. Mas se nascida da crise do pertencimento a identidade nacional poderia ser entendida como um grito de guerra, por outro lado, Uma comunidade nacional coesa sobrepondo-se ao agregado de indivíduos do Estado estava destinada a permanecer incompleta, mas eternamente precária um projeto a exigir uma vigilância contínua, um esforço gigantesco e o emprego de boa dose de força a fim de assegurar que a exigência fosse ouvida e obedecida (BAUMAN: 2005, p.27). A relação entre a (con) formação da identidade e sua relação com a utilização de regras e sanções será retomada posteriormente nesse artigo, quando da análise da questão juizforana. Assim como Hall, Bauman localiza na crise do identidade, ou de seu modelo unitário e/ou uniforme, a razão para suas buscas, em termos teóricos e práticos, na contemporaneidade. Sem as âncoras sociais que garantiriam sua naturalidade, a identificação ganharia importância para os indivíduos que passariam a buscá-la de 5

forma desesperada. Essa buscas seriam significativamente mediadas, acrescente-se, quer seja por meio das imagens e representados veiculados pela grande mídia, com destaque para o conteúdo jornalístico, quer pela criação de novos grupos e/ou espaços de circulação de mensagens customizadas no ciberespaço. Bauman destaca os riscos do caráter mediado dessa localização ou identificação: (...) os grupos que os indivíduos destituídos pelas estruturas de referências ortodoxas tentam encontrar ou estabelecer hoje em dia tendem a ser eletronicamente mediados, frágeis totalidades virtuais, em que é fácil entrar e ser abandonados. (...) Não podem ser um substituto válido de sentar-se a uma mesa, olhar o rosto das pessoas e ter uma conversa real. Tampouco podem essas comunidades virtuais dar substância à identidade pessoal a razão básica para procurá-las. (BAUMAN: 2005, p.31). O certo, de acordo com o autor é que em um mundo marcado pela velocidade, pela fragilidade da segurança e das oportunidades, denominado por ele de modernidade líquida, as identidades convencionais, que não permitiriam negociação, não teriam espaço nem pertencimento, esse um termo caro na sua discussão do tema. Mas se a noção anterior de identidade, como tudo que é sólido, teria se desmanchado no ar, para usar a imagem proposta por Marx e Engels, o que poderia ser dito dessa(s) nova(s) identidade(s) e de sua construção? Bauman recusa a utilização com o quebra-cabeças como analogia, apenas parcialmente esclarecedora para descrever o processo de composição da identidade. Se no primeiro caso o destino final seria estabelecido à priori (muitas vezes acompanhado por uma ilustração do modelo pronto ), sendo o processo de encaixe definido como uma tarefa direcionada para o objetivo, no caso da identidade o trabalho teria os meios como orientação. Não se começa pela imagem final, mas por uma série de peças já obtidas ou que pareçam valer a pena ter, e então se tenta descobrir como é possível agrupá-las e reagrupá-las para montar imagens (quantas?) agradáveis. Você está experimentando com o que tem.(bauman: 2005, p.55). 6

Nesse aspecto, se a proposta é refletir sobre a construção da identidade em Juiz de Fora, via telejornais, caberia perguntar sobre as imagens e peças que o cidadão dessa cidade da Zona da Mata mineira tem para se (re) construir como grupo, também via jornalismo. Sobre Telejornalismo e Identidade em Juiz de Fora Os percursos históricos do telejornalismo e das emissoras de televisão em Juiz de Fora registram aspectos interessantes no que diz respeito à construção da identidade, local, entre seus telespectadores, bem como sobre as relações de pertencimento que passam a se constituir em torno das emissões cotidianas de informação via telinha. Primeira emissora de televisão (com geração própria) do interior do país, a TV Industrial entra no ar em 24 de Julho de 1964, menos de quatro meses após o golpe militar cuja marcha partiu exatamente de Juiz de Fora. Mas, diferente do que posteriomente foi estabelecido como modelo na chamada ideologia de segurança nacional que ofereceu suporte à integração do país via televisão, a emissora de TV juizforana nasce com a perspectiva de autonomia, de produção e veiculação de material próprio, desvinculado da programação gerada na capital de Minas Gerais, por exemplo. A TV Industrial foi a primeira e única emissora do sistema de tv aberta genuinamente local, já que as 12 horas de programação local diária que foram ao ar de 1964 a 1980 (ano em que a Tv foi vendida para a Rede Globo de Televisão) eram quase na totalidade produzidas pela própria emissora que não era filiada a nenhuma rede de tv nacional (LINS, 2006, p.24). Regina Gaio, editora do telejornal MGTV1ª Edição, veiculado pela TV Panorama (nome atual da emissora), também era a responsável pela edição do noticiário de maior longevidade da extinta TV Industrial. O telejornal Imagem, que foi ao ar de 1977 a 1980, calcula que cerca de 80% da programação da emissora era local e o 20% restantes eram ocupados com a veiculação de filmes. Apesar disso, ainda na fase pioneira da TV Industrial, Regina destaca a existência de influência das grandes emissoras. 7

Bastante crítica, Regina Gaio não credita ao telejornalismo as razões para o sucesso da emissora junto a seu público, para a criação dos primeiros laços de pertencimento entre emissora e público, que teriam sido forjados, em sua visão, graças à programas de auditórios e mesas de debates, onde as pessoas se viam na TV. A questão da visualidade é retomada pela editora como um provável motivo para justificar a falta de laços entre o telejornal e os cidadãos juizforanos, ou para a falta de uma identidade telejornalística na programação da TV Industrial já que, apesar de seu nome, o noticiário Imagem não veiculava outra imagem que não a de seu apresentador em estúdio. Esse tipo de produção jornalística, que também encontra correlato em emissoras de TV de capitais do Brasil, correspondeu ao que poderíamos denominar de fase radiofônica do telejornalismo. Mas em função das dificuldades operacionais e financeiras da emissora de TV juizforana, na região da Zona da Mata Mineira ele foi mais persistente. Uma das alternativas construídas pela então equipe de jornalistas da emissora era a utilização de selos, via uso de cartões com desenho, ao lado do apresentador. Os selos mostravam o personagem símbolo da emissora, o Zé Marmita, em situações relacionadas à temática abordada nos textos apresentador: Esporte; Educação; Política etc. Filho do criador da emissora, Geraldo Mendes descreve a TV Industrial como uma emissora popular, daí a opção por seu personagem símbolo, em busca de uma identificação com o público alvo, imaginado pelos proprietários. A TV Industrial encerrou suas atividades em 1980, quando o canal passou para a Rede Globo de Televisão, que mesmo abrindo espaço para um jornalismo local, provocou segundo Luiz Carlos Nazaré muita reclamação, pois as pessoas já não se viam mais, já que mais de 90% da programação não era da cidade. (LINS, 2006, p. 28). Com a compra da TV Industrial pela Globo, a programação da emissora perdeu seu caráter local, agora restrito aos telejornais. E, apesar da manutenção do quadro de funcionários, os dirigentes vieram do Rio de Janeiro. Dentro da concepção de Rede, de 8

1980 a 1997 a geração de material na TV Globo Juiz de Fora 3 (oficialmente emissora de propriedade de Flávia Marinho, neta do patriarca Roberto Marinho) restringiu-se a poucos minutos de jornalismo diário, à transmissão da Missa em seus estúdios e, algumas vezes, a eventuais especiais jornalísticos sobre cidade e região. Com problemas financeiros, as Organizações Globo comercializam parte de suas emissoras localizadas no interior do país. Assim, em 2004 a TV Panorama foi vendida para o empresário mineiro Omar Resende Peres. Além da emissora de TV, Peres compra uma rádio FM e cria um jornal impresso; estava constituído o grupo regional OP.COM. O jornalismo na TV Panorama tem como referência o modelo de telejornalismo da Rede Globo. Mais que isso a indicação, escolha do chefe de seu departamento de jornalismo está subordinado à aprovação da chamada cabeça de rede. Apesar disso, e que pesem as limitações reconhecidas no sistema de afiliação, e particularmente no caso das emissoras afiliadas da Rede Globo, a TV Panorama busca a ampliação de espaços identitários e de vínculos com seu público via telejornalismo. Além das edições do MGTV1ª e 2ª Edição, com apresentação local e veiculação de um mix de matérias que inclui material produzido pela TV Globo Minas e outras de suas afiliadas, a TV Panorama conta com outros dois programas jornalísticos: Panorama Revista (veiculado aos sábados) e Panorama Entrevista (exibido aos domingos). Como no princípio, há a busca pelo popular em sua programação, pela constituição de vínculos mais próximos com seu público, reforçada especialmente no texto lido pelos apresentadores dos telejornais e no estabelecimento da pauta/ edição do telejornal. Desta forma, por exemplo, o telejornal começa sempre com uma matéria 3 Mais tarde, dentro da estratégia de regionalização da Rede Globo, a emissora passa a se chamar TV Panorama. 9

local, ainda que seja um material frio, sem grande relevância, em contraposição a outro produzido em outra localidade, como Belo Horizonte, capital do estado. Além disso merece destaque a realização de campanhas pela emissora, que com freqüência é personagem das narrativas veiculadas em seus telejornais, como abordamos em artigo anterior (COUTINHO, 2005). Em busca do reconhecimento, da identificação, e do estabelecimento de laços de pertencimento com o público a emissora procura em suas matérias, telejornais, permitir que o juizforano se veja. Assim, uma condição sine qua non na receita da TV Panorama é a realização de, pelo menos, dois Povo Fala durante o MGTV 1ª Edição. Entre as fontes cujas entrevistas são veiculadas no programa, o grupo Populares tem destacada maioria em relação por exemplo a Autoridades ; Especialistas ; Políticos etc. A percepção e reconhecimento da Juizdeforaneidade A reflexão sobre a identidade juizforana na redação desse artigo é acompanhada pela exposição da autora à campanha de comemoração dos 156 anos da cidade. O comercial veiculado nas emissoras de TV mostra imagens de seus pontos turísticos, de encontro e de personagens (re) conhecidos pela população, que repetem: eu amo Juiz de Fora. Como forma de celebrar o aniversário da cidade uma enquete promovida pelas Organizações Panorama de Comunicação(OP.com), a qual pertence a TV Panorama, vai revelar para os telespectadores juizforanos o símbolo que mais representa Juiz de Fora na opinião de seus cidadãos 4. Na tentativa de compreender o processo de constituição da identidade juizforana, e da própria concepção da cidade, que considera de fronteira geográfica e simbólica, 4 Foi o editor responsável pela TV Panorama, Roberto Gonçalves, que chegou recentemente chegou à cidade (contratado por indicação da Rede Globo) que idealizou a promoção. A votação ocorreu na web (http://www.ipanorama.com) e foi encerrada no daí 31 de maio, aniversário da cidade, e os resultados conhecidos por meio do MGTV2ª Edição e do Jornal Panorama. Foram cinco opções de escolha: o 10

Christina Musse estabelece um percurso histórico de resgate. Em tese de doutorado ela salienta (...)diferenças concretas que marcaram a ocupação da região, diferenciando-a do restante do estado de Minas Gerais e, em especial, revelando como a cidade, por não ter compartilhado do sentimento barroco característico do período colonial mineiro, desta forma, se afastou daquilo que se convencionou chamar de discurso da mineiridade, que forja a sua narrativa, nos setecentos e oitocentos. (MUSSE: 2006, p.46) Nesse aspecto vale a pena ressaltar que o processo de ocupação e desenvolvimento em Juiz de Fora, assim como em toda a região da chamada Zona da Mata Mineira ocorre tardiamente. Historiadores como Carlos Alberto Hargreaves Botti justificam esse atraso em função dos primeiros residentes, a população indígena que habitava a região, serem especialmente agressivos, refratários às tentativas de colonização 5. Desta forma os viajantes que partiam de São Sebastião do Rio de Janeiro em direção às terras do centro do ouro optavam por um caminho mais longo, que ficou conhecido como Caminho Velho. A partir de uma perspectiva histórica, Musse ressalta ainda o interesse da coroa em manter um certo isolamento na região da Mata Mineira, como forma de proteção ao ouro existente então. Assim, apenas com o esgotamento do chamado ciclo da mineração é que a região onde se insere Juiz de Fora deixou de estar à margem do processo de desenvolvimento construído pelos portugueses. Esse percurso histórico guardaria para Musse, parte da identidade de Juiz de Fora como vila e cidade: Se a Minas do ouro tem sua vida urbana ligada à exploração e à comercialização do metal, num período em que o Brasil ainda estava subjugado à Coroa portuguesa, Juiz de Fora terá, como vila do século XIX, história totalmente diferente, nascida sob um novo momento histórico, em que, ainda no Império, o Brasil buscava se constituir como Nação. (MUSSE: 2006, p.47). É só com o esgotamento do ciclo do ouro que Juiz de Fora começa a se constituir, no processo de fixação de comunidades ao longo do rio Paraibuna onde Calçadão da Rua Halfeld, o Cine-Theatro Central, o Parque Halfeld, o Museu Mariano Procópio e o Morro do Cristo. 11

desenvolviam atividades agrícolas. Christina Musse lembra em sua tese que todos os povoados agrícolas das chamadas Matas do Leste estavam então subordinados ao governo do Rio de Janeiro, que doou sesmarias a seus funcionários e agregados imediatos (2006, p.49). Talvez estejam aí os primeiros indicativos de construção na imagem juizforana da marca identitária, com viés pejorativo, de cariocas do brejo. Nesse aspecto cabe refletir também a partir de autores como Tomaz Tadeu da Silva, para quem a produção social da identidade e da diferença passa pela questão da linguagem, e especialmente pela ação de denominar. Assim, para compreender melhor a identidade juizforana seria interessante resgatar o próprio nome da cidade. Em uma visita ao Fórum da Cultura, um dos espaços de produção cultural e também de resgate da memória na cidade 6, um de seus monitores apresenta duas versões sobre o nome Juiz de Fora. De acordo com uma delas a cidade teria esse nome uma vez que um magistrado de outra região viria ao local para julgar questões controversas; em outra, o suposto juiz teria sido colocado para fora por causa de uma conduta desabonadora, reprovada pelos habitantes de então. Primeiro é interessante ressaltar que o nome da cidade foi estabelecido a partir de uma fazenda que pertenceu no passado a um Juiz de Fora, o senhor Bustamente e Sá, aposentado que comprou uma sesmaria do então secretário de governo de São Sebastião do Rio de Janeiro. A região ficou conhecida então como a Fazenda do Juiz de 5 Essa resistência à adoção dos modelos oferecidos será retomada posteriormente na análise da identidade juizforana. 6 O Fórum da Cultura pertence à Universidade Federal de Juiz de Fora e é constituído por um Museu de Arte Popular, uma Galeria e um Teatro. É no âmbito do Fórum que se organiza o Grupo Divulgação, que completa em 2006 40 anos de atividades de teatro amador, e ainda o Centro de Estudos Teatrais. O imóvel é um casarão construído na década de 20 do século passado, e serviu como residência de importantes famílias de Juiz de Fora. O prédio já abrigou, também, a Faculdade de Direito nos anos 50 e, na década de 60, o primeiro gabinete do reitor da UFJF, o prof. Moacyr Borges de Mattos. (www.ufjf.br. Em 1972 o casarão se tornou um centro cultural. Há oito anos o Fórum da Cultura é dirigido pelo professor da Faculdade de Comunicação José Luiz Ribeiro, que estabeleceu no local também um ambiente de monitoria acadêmica, com inserção de alunos na história do local, da cidade e ainda no projeto de ampliação do acesso aos bens culturais. Uma das vertentes dessa proposta são as visitas guiadas, que atendem escolas municipais e estaduais, públicas e privadas, e demais visitantes. 12

Fora. Apesar desse esclarecimento preliminar, a história do personagem que doou seu nome a cidade permaneceu envolta em mistério de acordo com Musse. Não conseguimos identificar as razões pelas quais, durante mais de um século, ninguém tenha tomado a iniciativa de esclarecer o enigma, até que as pesquisas realizadas por Alexandre Miranda Delgado, nos arquivos da Torre do Tombo, em Portugal, na década de 1980, viessem a colocar um ponto final (ou mais algumas reticências...), nas estórias que tentavam dar conta da origem da cidade. Os documentos, reproduzidos na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora, identificaram o personagem como um servidor da Coroa Portuguesa, que prestou serviços no Rio de Janeiro, no século XVIII. (2006, p.51). Ainda de acordo com Alexandre Delgado o juiz de fora teria construído o prédio sede da Fazenda, que recebeu o título de seu cargo, e posteriormente vendido o terreno a seu genro. Mais tarde a fazenda e seu terreno teriam sido repassados ao comerciante Antônio Vidal e em poder de sua família estendido sua extensão territorial, pela compra de novas áreas, até 1812, quando a fazenda é vendida com cinco sesmarias para um coronel, Vida Barbosa. Digressões históricas à parte, assim como Musse caberia perguntar o motivo do culto ao mistério envolvendo o nome da cidade, uma vez que grande parte de seus habitantes atualmente ainda ignoram sua verdadeira origem e continuam a especular sobre ela (MUSSE: 2006, p.53). No âmbito desse texto, em diálogo com a proposta de análise das questões de identidade e diferença locais veiculadas e reforçadas via telejornais, insinua-se uma hipótese. Construir um passado sólido para essa cidade/história/identidade poderia ser uma limitação ao seu auto-retrato em que Juiz de Fora revela-se como uma região (pós)moderna, sem fronteiras e/ou pertencimentos que não possam se desmanchar no ar. Como hipótese ou indício essa perspectiva ainda necessitaria de confirmação, embora não seja essa a proposta desse texto. À título de localização geográfica dessa cidade de fronteira, ou margem como prefere Musse, vale recorrer aos registros da enciclopédia livre da rede mundial de 13

computadores. Com uma latitude de 21º 45' S e longitude 43º 21', Juiz de Fora pertence à região da Zona da Mata Mineira, que polariza atualmente por meio da prestação de serviços de saúde, educação, comércio, entre outros. Fundada como vila em 1850 a cidade tem uma altitude de 696 metros, uma área de 442,9 km² e 450 288 habitantes (densidade: 312,1 h/km²). Seu PIB per capita é de 6,2 mil reais e Juiz de Fora possui uma das mais altas expectativas de vida do Brasil se constituindo como um importante centro regional cultural, sendo a única cidade de sua microregião a ter cinemas, teatros, casas noturnas e outros locais de entretenimento funcionais (http://pt.wikipedia.org/wiki/juiz_de_fora). Mas, se a localização geo-econômica pode ser definida com a clareza e precisão dos números, a(s) identidade(s) cultural(is) de Juiz de Fora e a percepção e sentimento de pertencimento de seus habitantes têm um caráter mais fluído, e de construção histórica. Aliás, se a produção de identidade é um processo que tem um caráter de diferenciação, que pressupõe a existência de um Outro, talvez seja ainda mais correto afirma que a identidade de Juiz de Fora ou juizdeforaneidade se forja a partir de sua relação de oposição, diferença, em relação à Belo Horizonte, capital do estado. Assim, a cidade que já foi o centro mais importante de Minas Gerais, no período em que era (re)conhecida como a "Manchester Mineira", guarda um sentimento de estranhamento com a capital, e especialmente com o modelo de estado que foi conformado, excluindo o município do lugar de relevância e destaque até então conquistado. Se Juiz de Fora já foi conhecida como a Europa dos Pobres, e depois teria se tornado referência cultural pelas letras de Murilo Mendes, Pedro Nava, Afonso Romano de Sant anna, Rubem Fonseca, a capital mineira, de acordo com as lentes dos juizforanos ainda teria a marca do Barraco, seria Grande Sertão Veredas, como definiu o professor e dramaturgo José Luiz Ribeiro. 14

E se Juiz de Fora é uma cidade (pós)moderna um interessante indicativo para avaliar a percepção e o reconhecimento de sua identidade poderia ser a existência de comunidades virtuais relacionadas ao município e/ou seus habitantes. No site de relacionamentos Orkut havia no final de maio de 2006, 698 comunidades localizadas a partir do nome Juiz de Fora. Entre elas registra-se a curiosa Sou de Fora em Juiz de Fora, que agrega moradores que apesar de não serem naturais da cidade buscam sua inserção e/ou pertencimento (5106 cadastrados) e ainda aquelas que reforçam a ligação da cidade com outros municípios (Rio de Janeiro, Cabo Frio, Piúma) ou que tentam conformar sua identificação com o Estado, como no grupo Juiz de Fora é Minas. Essa última comunidade, de adesão bem restrita contrasta com a forte oposição percebida pelos habitantes que, em oposição ao conservadorismo da capital destacam em Juiz de Fora o respeito à diferença. Desde o advento do Lei 9791, a Lei Rosa, que projetou positivamente a nossa política pública de respeito à diferença para todo o território nacional, vimos experimentando uma série de conquistas no campo do reconhecimento e da afirmação dos direitos iguais para todos os iguais (SILVA, 2006). A citação acima integra um artigo disponível na página do MGM, Movimento Gay de Minas, organização não governamental criada em 2000 para combater a homofobia - o ódio e intolerância contra gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBTs). Sua sede se localiza em Juiz de Fora, localização que pode ser compreendida como oposição/ diferença ao modelo da capital Belo Horizonte (que abriga o Movimento Machão de Minas). A análise sobre a representação e identificação no que se refere ao movimento gay em Juiz de Fora mereceu destaque em artigo apresentado no Intercom 2006 (Coutinho, 2006). 15

Conclusões Na tentativa de finalizar parte das discussões realizadas neste artigo cabe destacar a atribuição do nome da primeira emissora local em Juiz de Fora com a própria identidade da cidade da Zona da Mata de Minas Gerais. Afinal, surgida em meados da década de 1960, a TV Industrial busca reforçar e/ou recompor a identidade da Manchester Mineira, que vinha sofrendo com um quadro de recessão, fechamento de fábricas...não sem motivo o personagem símbolo da emissora busca o diálogo com uma população, público, que na visão dos primeiros proprietários da emissora seria essencialmente operário, daí o Zé Marmita. Ao inserir em sua programação, especialmente nos telejornais, imagens do juizforano comum, de entrevistados que estão nas ruas, prontos a dar sua opinião e Ter sua imagem multiplicada, a emissora busca reconstruir sua marca local, de realização do que denominou-se de jornalismo de proximidade. Afinal, como descreveu Francisco Rui Cádima, "O paradoxo da escrita em televisão, está no fato de as imagens, além dessa relação unívoca, serem também cúmplices de quem as olha. Outorgado ao espectador/ entrevistado o direito de observação descrito por Cádima, e de participação, complete-se, é possível compreender que o discurso da TV Panorama, como das demais mídias, guarda em si as estratégias de dominação e o conjunto de práticas que (con)formam uma identidade particular. Seja ela experimentada de forma concreta, seja via mediação dos telejornais locais, detentores de um valor de verdade, para utilizar uma expressão de Foucault, a(s) identidade(s) juizforana(s) se constrói (em) a cada nova edição, encontro catódico. 16

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