DESDOBRAMENTOS DA IMPLANTAÇÃO SIDERÚRGICA NA AMAZÔNIA ORIENTAL Karla Suzy Andrade Pitombeira 1 Resumo: O debate sobre os impactos da siderurgia na Amazônia Oriental tem ampliado a crítica sócio-ambiental e atraído a vigilância de muitos setores mobilizados da sociedade civil. A atuação das empresas siderúrgicas nessa região chama atenção, principalmente, quanto à utilização de mão-de-obra escrava e (trabalho) degradante na cadeia de produção do ferro gusa. Com base nessa perspectiva, este trabalho tenta demonstrar como a questão do trabalho escravo situa-se na cadeia produtiva do ferro-gusa, levando em consideração a problemática do carvão vegetal como insumo industrial para o setor siderúrgico. Palavras-chave: Estrada de Ferro Carajás (EFC). produção siderúrgica, carvão vegetal. Abstract: The debate on the impacts of Steel in Eastern Amazon has extended the critical socio-environmental monitoring and attracted many sectors of civil society mobilized. The performance of steel companies in the region draws attention, mainly on the use of laborslave and (work) degrading in the production of pig iron. Based on this perspective, this paper attempts to demonstrate how the issue of slavery is in the production chain of iron-iron, taking into account the issue of charcoal as an input for the industrial sector steel. Key words: Estrada de Ferro Carajás (EFC), steel production, charcoal. 1 Sociologa. Universidade Federal do Maranhão. E-mail: karlasuzinha@hotmail.com
1. INTRODUÇÃO: A instalação da siderurgia na região da Amazônia Oriental foi um dos desdobramentos do processo de modernização econômica da Amazônia Brasileira, expresso, numa de suas nuances, pelo Programa Grande Carajás (PGC). Com essa ação de modernização as siderúrgicas tornar-se-iam as principais protagonistas da modernização nessa região. Uma vez que, mudanças singulares no cenário regional se refletiriam nas condições de existência de muitos trabalhadores. Para refletirmos sobre as condições e o ambiente de labuta em que, não raro, se encontram muitos trabalhadores, é necessário situar a questão do trabalho escravo na cadeia produtiva siderúrgica do entorno da Estrada de Ferro Carajás (EFC). Os trabalhadores envolvidos nesse contexto vendem sua força de trabalho para os fornecedores de carvão vegetal das indústrias do setor siderúrgico. São pessoas, geralmente, que vivem com limitações financeiras e que possuem pouca escolarização. A gestão da força de trabalho no carvoejar, as divisões internas da atividade e as trajetórias dos trabalhadores apontam para a necessidade de se considerar os aspectos que demarcam a sua singularidade. Entender de que forma a questão do trabalho escravo apresenta-se na cadeia de produção guseira de Carajás nos fornece ferramentas para esclarecermos sua existência na atividade carvoeira. Elemento que, segundo Carneiro (2008), aparece como um dos critérios que singularizam a produção de Carajás do restante da produção de ferro gusa nacional. Pautado num novo modelo de desenvolvimento, a Amazônia passa a assumir o papel de fornecedora de mão-de-obra e energia, que figurará como um alicerce para que seja assegurada a perenidade dos empreendimentos siderúrgicos da região. A mão-de-obra barata e os recursos naturais abundantes foram, de fato, os caracteres que viabilizaram a implantação desse complexo industrial. 2. A Amazônia Oriental e o processo de modernização: o alargamento da produção carvoeira é um processo que se desencadeou a partir da efetivação da Estrada de Ferro Carajás, devido a instalação das empresas siderúrgicas. Carneiro (1989; 1997) observa que, desde o início, as unidades de beneficiamento de ferro-gusa trouxeram inúmeras críticas de cunho social e ambiental. Ocorrências de formas de trabalho escravo, condições precárias de execução do trabalho, assim como do trabalhador, são as características que tem chamado mais atenção para a relação entre capital e trabalho no interior da cadeia produtiva da Estrada de Ferro Carajás. Como o carvão vegetal é o principal recurso energético usado para a fabricação de ferro gusa, a implantação das unidades siderúrgicas estimulou a sua produção em larga escala, provocando a modificação da realidade regional, em razão da
produção carvoeira haver se transformado numa atividade econômica expressiva na região de influência da estrada de ferro. A ampliação da capacidade de produção das siderúrgicas contribuiu e ainda vem contribuindo para que muitos proprietários rurais voltassem a sua atenção para a atividade carvoeira, fator que levou muitos desses empresários rurais a investirem na mobilização de trabalhadores através da estratégia da subcontratação. A subcontratação deve ser entendida aqui, como uma estratégia de garantia de força de trabalho para o complexo siderúrgico da região. Prática esta que descumpre frontalmente a legislação vigente. Outro viés que se acentuou em decorrência dessas transformações foi o processo de concentração fundiária com a ampliação das ações de grilagem de terra e de expulsão de trabalhadores de suas áreas. Muitos dos empresários desse setor compraram amplas dimensões de terras para a plantação de eucalipto - alternativa para a fabricação do carvão vegetal, embora a produção expressiva deste seja de mata nativa - fazendo com que muitos trabalhadores migrassem para centros urbanos e municípios circunvizinhos à região. O menor preço em relação a outros insumos, uma oferta maior e disponibilidade logística são elementos que singularizam a preferência do carvão vegetal como matéria-prima termo-redutora para a fabricação do ferro gusa. Outros elementos que se somam aos já mencionados, é o nível reduzido de enxofre, o que garante uma qualidade melhor do produto se comparado ao carvão mineral. Concomitante a expressiva produção de carvão vegetal, a produção guseira do Pólo Carajás vivência uma ampliação. Sua produção salta, de aproximadamente 500 mil toneladas em 1990, período em que a produção de Carajás estava em fase inicial, para algo em torno de 3.500 toneladas em 2006. A produção siderúrgica brasileira, a partir da década de 1990 apresentou esse acréscimo, ocasionado pelo deslocamento da produção siderúrgica para a região da Amazônia Oriental. Esse acontecimento esteve fortemente atrelado aos incentivos do governo, decorrentes do PGG e a ampliação da capacidade produtiva de alguns grupos que já se encontravam em operação na região. O Pólo Siderúrgico de Carajás é composto por dezoito usinas, situadas nos estados do Maranhão e Pará, numa vasta região que abriga uma gama de minerais indispensáveis à indústria moderna e onde se encontra uma das maiores reservas de minério de ferro do mundo, a Serra de Carajás. 3. A singularidade da produção siderúrgica do Pólo Carajás: Conforme destacado anteriormente, a conjuntura de modernização da região da Amazônia Oriental desencadeou um processo de degradação ambiental que é densamente vivenciado através da poluição das áreas vizinhas às siderúrgicas, que passam a ser impactadas pela emissão de
poluentes na atmosfera e nos cursos d água. A qualidade de vida das populações adjacentes à esses complexos siderúrgicos tornam-se afetadas, com o surgimento de problemas de saúde, tais como, intoxicações pulmonares, problemas e pele, gripe, dentre outros. Somado a isto, acrescentemos a ineficácia dos órgãos estatais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA) e Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, no que se refere ao cumprimento da legislação ambiental. Atentando para que a exploração não seja realizada de uma forma predatória, agravando desta forma, ainda mais a situação, pois, (...) a atividade de desmatamento para a siderurgia é tão predatória quanto o desmatamento para fins agropecuários e com o agravante de ser uma atividade regular ao longo dos anos. Ambas causam danos irreparáveis ao meio ambiente ao destruírem o frágil equilíbrio dos ecossistemas regionais (IDESP, 1988, p. 07). Conjeturar em que termos e em que medida se processa a vinculação entre o Estado e as siderúrgicas de Carajás é tornar compreensível a orientação presente em suas ações, no sentido de apreende suas características dentro do contexto nacional brasileiro. Devido a Amazônia Oriental ter sido o foco principal de industrialização regional nos anos de 1980, delineia-se como aspecto notável a forte intervenção do Estado a partir de políticas públicas dirigidas para região, com a criação de infra-estrutura, estímulos às atividades produtivas etc., explica Carneiro,M. (1989, p. 152). Os projetos que compunham o Programa Grande Carajás (PGC), pelo menos uma parte expressiva deles, estavam em descompasso com a realidade socioeconômica regional. São empreendimentos adequados às necessidades da política de exportação brasileira, o que destoa do habitus de exploração da região em foco. A exploração de carvão vegetal volta-se então, para fins industriais (produção massiva), o que suscita de certa forma, uma adequação à essa nova tendência. Apesar de estarem direcionados à estudos voltados para o desenvolvimento de tecnologias apropriadas à produção de carvão vegetal, levantamento de potencialidades minerais e de desenvolvimento rural, observou-se, a partir de estudos, que as usinas de ferro-gusa que estavam se instalando na região, produziam carvão vegetal de uma maneira desordenada, causando conseqüentemente um desequilíbrio social ainda maior. A relação entre os empreendimentos guseiros e o Estado esboçou-se da seguinte forma: As empresas entram apenas com recursos para implantação das indústrias. O Governo, cedendo incentivos fiscais e isenção de impostos de renda às empresas, não consegue acumular recursos para infra-estrutura social (Gistelinck, 1988, p. 62). Isso só tinha a contribuir para a orientação política (exportação) desses empreendimentos, uma vez que a logística que se estabeleceria, também estava em consonância com a exportação, composto pelo Terminal
Ferroviário de Carajás, no Pará e o Terminal Ferroviário de Ponta da Madeira, na Baía de São Marcos, onde se localiza o complexo portuário da Ponta da Madeira. 4. CONCLUSÃO: Os impactos da inserção e do funcionamento do processo produtivo guseiro fez cair por terra o discurso oficial que propalava a geração de emprego e a modernização da Amazônia Oriental. A crescente degradação ambiental é uma, dentre as inúmeras mazelas que esse processo tem ocasionado questão esta, freqüentemente apontada por movimentos ambientalistas. Como réplica, declarada pelo discurso empresarial, refere-se à essa questão como sendo resultado da atividade pecuária e da agricultura itinerante. Há de se ponderar que, antes mesmo da implantação do pólo siderúrgico, os desmatamentos já ocorriam por conta do preparo da terra para a lavoura, posse de terra e formação de pastagens sem quaisquer controlo ou mesmo sem o devido cuidado no tocante ao manejo florestal e reflorestamento (IDESP, 1988, p. 02). As condições em que é obtido o carvão vegetal para uso na siderurgia tem chamado atenção, para a existência de trabalho escravo na região, principalmente quando se trata de jornadas de trabalho semanais intensas e da exposição de trabalhadores à condições laborais insalubres.além de não receber os outros benefícios sociais assegurados na legislação trabalhista, que corriqueiramente terminam por serem considerados como meras infrações trabalhistas. As entidades de mobilização social também contribuíram, decisivamente, para que ações mais efetivas, por parte do governo, em relação a esse problema social. Conjunção esta, que tornou possível a constituição do Grupo Móvel de Fiscalização, em 1995, específico para o trabalhador rural, pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). 5. Referencias BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Agrário. INCRA. Plano MDA/INCRA para a erradicação do trabalho escravo. Brasília, 2005. CARDOSO, Maria Suely Dias. Entre as cinzas Há um sonho. Trabalho de conclusão do curso de graduação em Ciências Sociais da Universidade federal do Maranhão. São Luís, 2002. CARNEIRO, Marcelo D. S. Amazônia em tempo de Transição. IN: CASTRO, Edna M. Ramos; MARIN, Rosa E. Azevedo. (Orgs) Belém, UFPa/ NAEA, ARNI, CELA, 1989.
------------------------------------ Relações de trabalho, propriedade da terra e poluição urbana nas atividades de carvoejamento para a produção de ferro gusa em Açailândia. In: Gonçalves, F. (Org.) Carajás: desenvolvimento ou destruição? São Luís: CPT/estação Gráfica, pp. 107-134. 1995. ------------------------------------ Do latifúndio agropecuário à empresa latifundiária carvoeira. In: Coelho, M. C. N.; Cota, R. G. (Orgs) Dez anos da Estrada de Ferro Carajás. Belém: UFPA/NAEA, pp. 223-250. 1997. ------------------------------------ Trabalhadores em carvoarias na Amazônia Oriental: distantes de uma cidadania, além da mera exclusão. Revista Sociedade em Debate, Vol. 8, n. 2, p. 152-183. 2002. ------------------------------------ Crítica Social e responsabilidade empresarial: análise das estratégias para a legitimação da produção siderúrgica de empresas situadas ao longo da Estrada de Ferro Carajás. Niterói. 23 p. 2008. ESCRAVO, Cartilha do Fórum de Erradicação do trabalho. Combate ao Trabalho Escravo no Maranhão. São Luís. 32 p. 2004. GISTEINCK, Frans. Carajás, Usinas e Favelas. São Luís: Minerva, 1988. MOURA, Flávia de Almeida. Escravos da precisão: economia e estratégias de sobrevivência de trabalhadores rurais em Codó (Ma). Dissertação (mestrado) Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, 2006. PLASSAT, Xavier. Acabar com o trabalho escravo: uma longa jornada. In: II Conferência Inter-participativa sobre trabalho escravo e super-exploração em fazendas e carvoarias: Trabalho escravo é crime; desenvolvimento sustentável é vida. BASCARÁN, Carmen; MOURA, Flávia; TEIXEIRA, Milton. (Orgs.). Açailândia, 2007. INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO-SOCIAL DO PARÁ (IDESP). Agricultura e siderurgia numa região de fronteira: os pequenos produtores rurais face a
implantação do Pólo siderúrgico na Amazônia Oriental brasileira (Relatório de pesquisa, 14). Belém, 1988)