1 A IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS CULTURAIS PARA FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE E CIDADANIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES Gina Vidal Marcílio Pompeu Nardejane Martins Cardoso ** O ordenamento jurídico brasileiro, especificamente o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e Adolescente de 1990, em seu artigo 4º, asseguram os direitos fundamentais e pugnam pela prioridade absoluta e melhor interesse das crianças e adolescentes 1. Nesse sentido, o estudo que ora se apresenta pretende analisar a importância dos direitos culturais para a formação pessoal e cidadã do seguimento infantil e juvenil da sociedade. A metodologia utilizada é qualitativa, descritiva e pura, porque o escopo é a compreensão da questão apresentada, a descrição e interpretação do ordenamento jurídico, e o aumento do conhecimento do objeto que se pretende analisar. A pesquisa é bibliográfica, por intermédio da leitura de livros, artigos e legislação nacional e internacional. A discussão sobre o tema justifica-se pela importância da cultura e educação no desenvolvimento da sociedade. O escopo, por fim, é a introdução do tema em análise no contexto acadêmico e social. Entre os direitos fundamentais, protegidos constitucionalmente, encontra-se o direito à cultura (CUNHA FILHO, 2000). Incube não só ao Estado, à sociedade e à família garantir o acesso de crianças e adolescentes às políticas culturais. A entidade familiar deve ser uma das fomentadoras dos direitos culturais e da educação, pois é instituição de caráter instrumental. Portanto, a família tem a função precípua de proporcionar e garantir os direitos dos indivíduos que dela façam parte. Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza (PPGD-UNIFOR). ** Graduanda do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pesquisadora Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) participante do projeto O Constitucionalismo e as Novas Famílias do século XXI, sob a orientação e coordenação da Profa. Dra. Gina Vidal Marcílio Pompeu; e participante voluntária do Grupo de Pesquisa em Direitos Culturais, sob a orientação e coordenação do Prof. Dr. Francisco Humberto Cunha Filho. 1 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
2 No âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 dispõe em seu artigo XXII e XXVII, que toda pessoa tem direito ao livre exercício e à realização, entre outros direitos (econômicos e sociais), dos direitos culturais, considerados indispensáveis à preservação de sua dignidade 2. O Pacto de San José da Costa Rica proclama a defesa dos direitos culturais, afirmando que os Estados, que fazem parte do acordo, comprometeram-se a buscar a efetividade das normas que tratam sobre educação, ciência e cultura, incluindo-se as normas de cunho econômico e social 3. No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças de 1959 trata sobre o tema, pois propõe a formação educacional como promotora da cultural 4. Observa-se, nesse sentido, que os direitos à educação e à cultura encontram-se paralelamente vinculados. Tal vínculo existe na medida em que a educação trata-se também do fluxo de saberes e encontra-se protegida como direito social no artigo 6º da Constituição de 1988. Os acessos à cultura e à educação são igualmente relevantes para que os menores de dezoito anos possam desenvolver suas personalidades e potencialidades da melhor forma possível. Como aduz Gina Pompeu (2005, p. 57), a educação é um caminho para desenvolvimento: [...] não se faz possível um modelo de desenvolvimento posicionado à margem da liberdade e da dignidade humana e o exercício dessa liberdade como discernimento exige conhecimento e capacitação, alcançados pelo desenvolvimento do processo educativo. 2 Artigo XXII. Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Artigo XXVII. 1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. 2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor. 3 Artigo 26 - Desenvolvimento progressivo. Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados. 4 Princípio VII. A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade.
3 Os artigos 215, 216 e 216-A da Constituição brasileira de 1988 tratam acerca dos Direitos Culturais. Nesse diapasão, pode-se auferir, de acordo com o Humberto Cunha, que a Constituição de 1988, é uma Constituição Cultural. Entre os direitos garantidos pelos dispositivos mencionados está o de livre acesso à cultura. O artigo 58 do Estatuto da Criança e Adolescente de 1990 dispõe que no processo de formação educacional os valores culturais, artísticos e históricos devem ser respeitados, e, portanto, deve ser garantida a liberdade de criação de crianças e adolescentes, bem como o acesso às fontes culturais 5. Nesse sentido, Juana Nunes (2012, p. 37-38) coloca a importância de uma política educacional voltada para a promoção da cidadania cultural de crianças e adolescentes, e afirma: Esse movimento de reencontro das políticas de cultura com a escola é bom para a educação, mas é ainda melhor para a cultura, pois entendemos que ele qualifica o processo cultural, posto que não há cidadania cultural, não há economia criativa nem condições de desenvolver uma política pública de cultura no Brasil se não trabalharmos a dimensão educacional. É a partir da Escola que poderemos ampliar o repertório cultural das crianças e dos jovens, proporcionando uma pluralidade de referenciais estéticos, democratizando o acesso à produção e à fruição dos bens culturais, construindo um ambiente mais favorável a valores de diversidade e paz, fortalecendo as políticas de cultura no Brasil, de uma política que se centre no público, que seja para aqueles com quem afinal de contas as obras de arte querem se comunicar. A cultura tratada antropologicamente é tudo o que o homem modifica. Sociologicamente são os costumes, as normatividades morais, referentes a determinadas comunidades. Entretanto, para o direito, nem tudo será cultura, restringe-se o conceito de cultura para que se coadune com fundamentos da República Federativa do Brasil, principalmente com a dignidade humana (artigo 1º, inciso III, CF/88 6 ). Em seu sentido primário, a cultura vincula-se ao ideal de cultivar-se, ou seja, ideais de evolução, crescimento intelectual, moral e pessoal (CUNHA FILHO, 2004). O acesso aos meios propagadores de cultura, às políticas estatais que visem programações culturais, ao conhecimento sobre a língua, história e costumes de seu país ou de outras localidades, pode propagar noções de civismo e cidadania, nacional ou cosmopolita, que contribui para o desenvolvimento adequado de jovens, crianças e adolescentes. 5 Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura. 6 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana [...]
4 O dever de criação de políticas públicas, bem como de sua efetivação, é do Estado, solidariamente com sociedade e família. O Estado sozinho não pode arcar com as dificuldades de propagação de acesso, não só por limites práticos, impostos pela realidade política de cada localidade no Brasil. A sociedade não deve se furtar de seu dever como protetora dos indivíduos que a compõe. E por fim, a família, instituição basilar dos Estados Democráticos de Direito, núcleo social, onde os seres humanos têm seus primeiros contatos com os semelhantes. No âmbito familiar, a criança e o adolescente têm os contatos precípuos, e, portanto, cabe à família proporcionar o acesso, ainda que rudimentar e limitado, às diversidades culturais. Os direitos culturais possuem o tripé de defesa das artes, memória coletiva e transmissão de saberes. Portanto, o repasse dos conhecimentos, bem como a manutenção da memória histórica e a apreciação e criação da arte são inerentes aos direitos culturais e devem ser acessíveis a todos, precipuamente, às crianças e adolescentes, que são pessoas em formação. A democratização do acesso à cultura, previsto no inciso IV, do 3º, artigo 215 da Constituição de 1988, trata-se de um dos escopos do Plano Nacional de Cultura. O dever de garantia do acesso à cultura e à educação é dever conjunto do Estado, sociedade e família, como defende Gina Pompeu (2005), cabe também à população motivarse no sentido de envidar esforços à educação para o desenvolvimento. Cita-se, nesse sentido, Daniel Sarmento (2010, p. 25): [...] numa sociedade em que, tal como na fazenda dos bichos de George Orwell, todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros, proteger os menos iguais dos mais iguais tornou-se uma das principais missões dos direitos fundamentais. Sob esta perspectiva, os direitos humanos deixam de ser vistos como deveres apenas do Estado, na medida em que outros atores não-estatais são convocados para o mesmo palco, chamados às suas responsabilidades para a construção de uma sociedade mais justa, centrada na dignidade da pessoa humana. Portanto, o acesso, aos Direitos Culturais e à Educação é fundamental para a efetivação do exercício dos direitos de personalidade, e conhecimento das noções de cidadania. As crianças e adolescentes possuem absoluta prioridade, pois se encontram em estágio peculiar de desenvolvimento. A formação cultural é importante para a existência de sujeitos ativos na vida adulta, conscientes de seus direitos e deveres. Daí a necessidade, hodierna, em efetivar o ordenamento jurídico. Sociedade, família e Estado ao garantirem o acesso à educação e cultura, garantem a valorização das artes, preservação da memória
5 coletiva e a transmissibilidade dos saberes espalhados no âmbito social, que merecem proteção enquanto patrimônio cultural. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990 (Publicado em 16/07/1990 no Diário Oficial da União). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 abr. 2013 CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969). Pacto de San José da Costa Rica. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 15 abr. 2013. CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Direitos culturais como direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. Brasília: Jurídica, 2000. CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Cultura e democracia na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Letra legal, 2004. NUNES, Juana. Desafios para a construção de uma política de cultura para educação. In: VASCONCELOS, Ana; GRUMAN, Marcelo (Org.). Políticas para as artes: prática e reflexão. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2012. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 15 abr. 2013. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração dos Direitos da Criança. Disponível em: <http://198.106.103.111/cmdca/downloads/declaracao_dos_direitos_da_crianca.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2013. POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Direito à educação: controle social e exigibilidade judicial. Rio de Janeiro; São Paulo; Fortaleza: ABC, 2005. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.