Conatus recedenti ab axe motus ou a parábola do balde de Newton

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Acta Scientiarum 22(5):1263-1267, 2000. ISSN 1415-6814. Conatus recedenti ab axe motus ou a parábola do balde de Newton Marcos Cesar Danhoni Neves Laboratório de Criação Visual, Departamento de Física, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringá-Paraná, Brazil e-mail: macedane@yahoo.com, web site htttp://www.dfi.uem.br/~macedane e http://www.pet.dfi.uem.br/petreage RESUMO. O presente trabalho analisa o argumento de Newton a favor do espaço absoluto. Chega-se à equação da parábola descrevendo a superfície da água derivada de um balde em rotação em relação à Terra. Esta rotação gera uma tendência da água a se afastar do eixo de seu movimento, ou, na clássica alusão latina: conatus recedenti ab axe motus. Algumas implicações dessa temática serão discutidas sob a perspectiva do ensino de física. Palavras-chave: Newton, força centrífuga, história da ciência, ensino de física. ABSTRACT. Conatus recedenti ab axe motus or the parable of Newton s bucket. An analysis of Newton's argument on absolute space is provided. The equation of the parable is given by describing the water surface from a rotating bucket related to the Earth. This rotation generates a trend by which the water recedes from the axis of its motion, or in the classic Latin allusion: conatus recedenti ab axe motus. The theme and its implications will be discussed from the point of view of the teaching of Physics. Key words: Newton, centrifugal force, history of science, teaching of Physics. Em recente artigo, Zylberstajn e Assis (1999) analisam a questão do argumento de Newton para um balde em rotação (aparecimento de uma força dita centrífuga, na perspectiva do ensino de física atual; ou uma das evidências do espaço absoluto, como acreditava o próprio Newton), e as implicações didáticas para um enfoque diferenciado do tema: a noção de Mach para a realidade das forças fictícias. Newton, em seus Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural - Newton, 1990), no escólio de suas definições (anterior às leis ou axiomas do movimento - hoje conhecidos pelas três leis de Newton : inércia, princípio fundamental da dinâmica, e ação e reação), apresenta um curioso e quase inusitado experimento: o experimento do balde girante, para estabelecer a idéia de um espaço absoluto: De início, quando o movimento relativo da água no recipiente era máximo, não havia nenhum esforço para afastar-se do eixo [conatus recedenti ab axe motus]; a água não mostrava nenhuma tendência à circunferência, nem nenhuma subida na direção dos lados do recipiente, mas mantinha uma superfície plana, e, portanto, seu movimento circular verdadeiro ainda não havia começado. Mas, posteriormente, quando o movimento relativo da água havia diminuído, a subida em direção aos lados do recipiente mostrou o esforço dessa para se afastar do eixo; e esse esforço mostrou o movimento circular real da água aumentando continuamente até ter adquirido sua maior quantidade, quando a água ficou em repouso relativo no recipiente. E, portanto, esse esforço não depende de qualquer translação da água com relação aos corpos do ambiente, nem pode o movimento circular verdadeiro ser definido por tal translação. (Newton, 1990:12) Newton invocou este experimento,realizando-o efetivamente [chega a afirmar... (a água) começará a afastar-se pouco a pouco do centro e a subir pelas paredes do balde formando uma figura côncava (como eu mesmo observei)... (Newton, 1987:37)] porque perseguia uma doutrina fundamental da dinâmica, qual seja, aquela do tempo e espaço absolutos (Barra, 1993; Ghins, 1991). Essa idéia era contrária ao seu primeiro axioma, o da inércia, e à definição de força centrípeta (em direção a um centro). Esta última está ligada com a continuidade dos movimentos retilíneos, relacionada ao conatus ou tendência do corpo em se afastar a partir da circunferência ao longo de sua tangente. Este era o conatus centrípeto, radicalmente diferente do conatus centrífugo (tendência do corpo em afastar-se do centro da circunferência na direção do raio), verificado no experimento do balde em rotação.

1264 Neves Segundo Barra (1993), (...) não por acaso Newton manterá a idéia de que a tendência para afastar-se do centro está relacionada com a continuidade dos movimentos retilíneos, pois assim Descartes enuncia no Art. 39 [de seu Principia Philosophiae]: todo corpo que é movido circularmente, tende sem cessar a afastar-se do círculo que descreve (...) E assim como Descartes, Newton identificará nessa época duas tendências nestes casos: uma tendência para afastar-se a partir da circunferência ao longo da tangente, e uma outra para afastar-se do centro na direção do raio. Newton trabalhará para tornar o conatus centrífugo quantifícável. Entre 1665 e 1666 estabelece que a razão entre o conatus centrífugo no equador terrestre devido ao movimento diurno da Terra e a força da gravidade dos corpos é de 1/300 (Barra, 1993). O balde, a parábola e o espaço absoluto Retornemos ao experimento de Newton. Este poderia ser compreendido segundo quatro estágios de interesse: 1. Antes do experimento, a água está naturalmente em repouso em relação ao balde e, portanto, a superfície da água é plana; 2. quando o balde começa a girar com um certa velocidade angular em relação à Terra, a água ainda não o faz; a superfície da água permanece plana até o instante a partir do qual ela começa a adquirir o movimento rotacional do balde; 3. O movimento do balde é paulatinamente comunicado à água e essa começa pouco a pouco a girar e a subir pelas beiradas do balde; durante esse estágio o movimento relativo entre a água e o balde vai gradualmente diminuindo até que desapareça completamente; assim, no instante final deste estágio, ambos, água e balde, passam a girar com a mesma velocidade angular em relação à Terra; a superfície da água é côncava; 4. o balde é repentinamente seguro e preso; a água nele contida continuará a realizar a rotação em relação à Terra; a superfície da água é côncava e haverá um movimento relativo entre a água e o balde. Os estágios 1 e 3 são as situações que merecem mais ênfase. Como, em ambas as situações, a água e o balde estão em repouso relativo e a superfície da água é plana no estágio 1 e côncava no estágio 3, é forçoso concluir que a rotação da água em relação ao balde não se constitui em causa da concavidade da superfície da água. A concavidade (parábola) da superfície da água poderia, pois, ser compreendida estabelecendo-se duas hipóteses: 1. ela ocorre em relação à Terra; 2. ela ocorre em relação a todas as estrelas do universo. Em relação à primeira hipótese, a gravidade terrestre exerce sua força atrativa sempre para baixo, em direção ao centro da Terra. Assim, antes da rotação (repouso) e na rotação, a única influência terrestre é aquela de puxar a água para baixo, e não de fazê-la subir as paredes do balde, como se verifica no experimento. Portanto, a primeira hipótese deve ser descartada. A segunda hipótese Newton a destrói em sua Proposição XIV, Teorema XIV do livro III do Principia (Newton, 1990; Gardelli, 1999): E como estas estrelas não estão sujeitas a nenhuma paralaxe perceptível devido ao movimento anual da Terra, elas não podem ter nenhuma força, devido a sua imensa distância, para produzir qualquer efeito perceptível em nosso sistema. Sem mencionar que as estrelas fixas, dispersas em todo lugar no céu de forma desordenada, destroem suas ações mútuas devido a suas atrações contrárias, pela Prop. LXX, Livro I [ se para cada ponto de uma superfície esférica tenderem forças centrípetas iguais, que diminuem com o quadrado das distâncias a partir desses pontos, afirmo que um corpúsculo localizado dentro daquela superfície não será atraído de maneira alguma por aquelas forças.] Portanto, só restará a Newton postular a existência de um espaço absoluto para estabelecer por que a superfície da água se tornava um parabolóide de revolução. Este quadro de explicação é fácil de entender quando nos lembramos da terceira lei de Newton: Ação e Reação ( a toda ação corresponde uma reação de mesmo módulo, mesma direção e sentido contrário ). No terceiro axioma conseguimos localizar, pois, a causa e o efeito, ou o objeto da ação que produziu como efeito a reação. No caso do balde girante, localizamos a reação, mas desconhecemos de onde parte a ação. Newton chega, pois à idéia de espaço absoluto: O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa, permanece similar e imóvel. (...) Movimento absoluto é a translação de um corpo de um lugar absoluto para outro; movimento relativo é a translação de um lugar relativo para outro. (Newton, 1990). Ficção ou realidade? Atualmente, os livros didáticos de física do Ensino Médio, da graduação ou da pós-graduação denominam as forças em referenciais girantes de

The parable of Newton s bucket 1265 forças fictícias (cujos efeitos, porém, são bastante reais!). Num popular livro português, seus autores, Deus et al., afirmam: A busca do verdadeiro referencial de inércia, o referencial absoluto, é uma busca sem sentido [sic], semelhante à busca do verdadeiro espaço-tempo homogêneo e isótropo, de geometria euclidiana, sem matéria e sem interações. Tais abstrações não existem. O que existe são regiões relativamente isoladas onde as acelerações podem ser desprezadas. Os referenciais ligados a essas regiões são (aproximadamente) referenciais de inércia. Para a maior parte das aplicações a Terra pode ser considerada um referencial de inércia. No entanto em problemas de balística, de lançamento de foguetes exigindo grande precisão, a aceleração tem de ser corrigida. (Deus et al., 1992:143). A simplificação do debate filosófico em torno dessa questão crucial da Física Clássica e Moderna presente hoje em livros didáticos (como exposto no trecho do livro acima), e mesmo no debate científico contemporâneo, tem colocado a importância do tema em pequenas e rarísssimas notas de rodapé ou em improváveis exercícios padronizados de balística ou outras improbabilidades. As forças ditas fictícias precisam de um tratamento que exponha os estudantes ao grande debate filosófico sobre a realidade dessas forças; debate esse iniciado por Ernst Mach: Para mim, só existem movimentos relativos. Não vejo, neste ponto, nenhuma diferença entre translação e rotação. Obviamente não importa se pensamos na Terra como em rotação em torno de seu eixo, ou em repouso enquanto as estrelas fixas giram em torno dela. O Princípio de Inércia deve ser concebido de tal forma que a Segunda suposição leve exatamente aos mesmos resultados que a primeira. Torna-se então evidente que, na sua formulação, é preciso levar em conta as massas existentes no Universo. (Mach, 1960). Atualmente, esse tema tem sido levantado pelos trabalhos de mecânica relacional de Assis (1989, 1998, 1999). Nestes trabalhos, Assis reescreve uma energia potencial gravitacional com um amortecimento exponencial e chega a uma equação geral de movimento válida para qualquer referencial, acelerado ou não com relação ao conjunto das estrelas fixas, ou melhor, ao conjunto de todas as galáxias e estrelas do universo distante. Essa equação geral vai ao encontro daquilo que Mach acreditava, ou seja, de que não existe diferença entre massa gravitacional e massa inercial; de que as interações gravitacionais são as verdadeiras responsáveis pelas forças inerciais; e, enfim, de que é desnecessário diferenciar referenciais inerciais de não-inerciais; chegando assim quase ao desejo de Newton de reconhecer no movimento de fuga pela tangente da circunferência e naquele ao longo de seu eixo (conatus recedenti ab axe motus) como irmanados a um mesmo referencial que ele batizava de espaço absoluto, e que, após os trabalhos de Mach e Assis, pode ser identificado como o conjunto de galáxias e estrelas de todo o universo. A tendência, conatus centrífugo, se constitui, pois, numa reação responsável pela concavidade da superfície da água. Mas onde estaria a ação? Como já salientamos, Newton a atribui ao espaço absoluto, uma, digamos assim, entidade que agiria sobre tudo mas que não sofreria ação de coisa alguma. Assis escreve: Isto significa que a mecânica relacional prevê neste referencial o aparecimento de uma força centrífuga gravitacional real exercida pelo universo distante, girando ao redor do balde. Podemos então dizer que esta força centrífuga pressiona a água contra os lados do balde fazendo com que a água suba pelas paredes até que esta força centrífuga seja contrabalançada pelo gradiente de pressão. (Assis, 1998:264) O autor oferece assim um princípio explicativo consistente em um referencial teórico - a mecânica relacional - que não precisa fazer uso de um fantasma (o espaço absoluto) que age sobre tudo mas não sofre ação de coisa alguma. A parábola do balde Além de faltar a todo o debate sobre referenciais não inerciais uma discussão filosófica necessária, falta ainda a mais essencial das discussões: a de mostrar que a superfície da água se comportará como um parabolóide de revolução. A pretensão desse artigo foi a de resgatar o tema, mas, essencialmente foi também a de apresentar um cálculo simples que permita a obtenção da parábola do balde de Newton. Figura 1. O balde e a parábola

1266 Neves Consideremos a Figura 1. Nela, temos: ω= velocidade angular com respeito a referenciais inerciais m = pequeno elemento de superfície Fi = força sobre o elemento m perpendicular à superfície Podemos escrever: F i cos ϕ = m g (1) Fi sen ϕ = m r ω 2 (2) r 2 - (2 g / ω 2 ) z = 0 (6) o termo (2 g / ω 2 ) pode ser considerado a distância do foco à diretriz, ou ao parâmetro da cônica (no caso, a parábola). Assim, (6) pode ser reescrita como, r 2 - p z = 0 (7) onde p é a distância do foco à diretriz (parâmetro da parábola - ver Figura 3). Dividindo (2) por (1), temos: tg ϕ = (r ω 2 / g) (3) Figura 3. A parábola Muitos físicos exclamariam ao olhar a equação (7): c.q.d. (como se queria demonstrar). No entanto, mais que isso, permanece a indagação: a parábola existe, mas o que dizer da enigmática força que anima sua rotação? Figura 2. Função z = f (r) Determinando uma função z = f (r), e, pela Figura 2, podemos escrever que: tg ϕ = dz/dr (4) Colocando a equação (3) em (4), dz/dr = (r ω 2 / g) integrando, z = ω 2 r 2 / 2 g (5) a equação acima corresponde à equação de uma parábola de revolução, já que: z - (1 / 2g) ω 2 r 2 = 0 (1 / 2g) ω 2 r 2 - z= 0 Referências bibliográficas Assis, A.K.T. On Mach s principle. Foundat. Physics Lett., 2:301-318, 1989. Assis, A.K.T. Mecânica relacional. Campinas: Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência/Unicamp, 1998. Assis, A.K.T. Uma nova física. São Paulo: Perspectiva, 1999. Barra, E.S.O. Newton sobre movimento, espaço e tempo. Cad. Hist. Fil. Ci., 3(1/2):85-115, 1993. Deus, J.D.; Pimenta, M.; Noronha, A.; Peña, T.; Brogueira, P. Introdução à física, Lisboa: McGraw-Hill, 1992. Gardelli, D. A origem da inércia. Cad. Catar. Ens. Fís., 16(1):43-53, 1999. Ghins, M. A Inércia e o espaço-tempo absoluto: de Newton a Einstein. Campinas: Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência/Unicamp, 1991. Mach, E. The science of mechanics. A critical and historical account of its development. La Salle: Open Court, 1960. Newton, I. Principios matemáticos de la filosofía natural. Madrid: Editoral Tecnos, 1987. Newton, I. Principia. princípios matemáticos da filosofia natural. São Paulo: Nova Stella/Edusp, 1990.

The parable of Newton s bucket 1267 Zylberstajn, A.; Assis, A.K.T. Sobre a possível realidade das forças fictícias: uma visão relacional da mecânica. Acta Scientiarum, 21(4):817-822, 1999. Received on November 04, 2000. Accepted on November 30, 2000.