MEMORIAL NO QUAL O AUTOR DISCORRERÁ SOBRE O MOTIVO QUE O FEZ ESCOLHER O TEMA A PARTIR DE SUA TRAJETÓRIA COMO ALUNO:



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Transcrição:

MEMORIAL NO QUAL O AUTOR DISCORRERÁ SOBRE O MOTIVO QUE O FEZ ESCOLHER O TEMA A PARTIR DE SUA TRAJETÓRIA COMO ALUNO: Ingressei na Faculdade de Ciências Aplicadas Sagrado Coração Unilinhares, em 2003 e conclui a graduação em dezembro de 2007. Nessa Instituição tive a oportunidade de desenvolver trabalhos acadêmicos integrados que nos levavam a sair dos limites da faculdade e atuar no campo de pesquisa científica. Além disso, a organização curricular do curso comportava disciplinas especificas de pesquisa, como Projeto de Pesquisa em Psicologia I e II, nas quais foi possível realizar, dentre outras atividades duas pesquisas mais significativas: Aprendizagem e auto-imagem: mapeando as conseqüências das expressões desvalorizantes vivenciadas no contexto dos alunos da quarta série do ensino fundamental da rede pública e Processo de Inclusão: Realidade ou Ilusão. Além dos trabalhos acadêmicos participei como aluna de iniciação cientifica do projeto de pesquisa O paraíso da maternidade: representações sociais sobre maternidade e processos de depressão pós-parto. Como aluna extensionista, atuei nos seguintes projetos de extensão: Espaços Psi no Contexto da Saúde: Propostas de Práticas Preventivas e Intervenções, em específico, no sub-projeto Brinquedoteca Hospitalar: Espaço de Humanização e Ludicidade ; Orientação Vocacional e Profissional e no Serviço de Acompanhamento Psicossocial. A participação nesses projetos de extensão possibilitou a captação de novos conhecimentos teóricos e sua aplicação na prática profissional em psicologia. Em 2006 iniciei sob a orientação da professora Meire Andersan Fiorot, a pesquisa A dor sem nome: o luto pela perda de um filho, cujo objetivo era verificar, através de relatos de mães que perderam seus filhos, a influência da história de vida no processo de elaboração da perda. Esse trabalho surgiu a partir de uma inquietação diante do sofrimento de mães que perderam seus filhos por morte, sendo uma dessas uma familiar próxima que foi o principal motivo na escolha do tema. Essa mãe perdeu o filho em um acidente automobilístico de forma inesperada e, no mesmo acidente, outra mãe perdeu dois filhos ao mesmo tempo. Esses três jovens tiveram suas vidas interrompidas de forma trágica. Diante disso eu me perguntava como seria para uma mãe elaborar essa perda? Será que essa mãe que perdeu dois filhos teria mais dificuldades para elaborar a perda do que a mãe que perdeu apenas um filho? Vivenciei com essas mães momentos de intensa tristeza e, segundo elas, a dor de se perder um filho é algo inominável. A cada relato que ouvi antes de definir o tema, se fortalecia

dentro de mim a certeza de fazer algo para amenizar o sofrimento. Mas para isso era importante conhecer e compreender os sentimentos e as emoções diante dessa perda. Assim, considerando essas marcas plantadas pela perda, me propus a pensar sobre quais são as transformações e mudanças psicológicas que ocorrem a partir da ausência de um objeto amado, considerando que a perda de um filho é um processo traumático ligado à perda de um objeto de amor. Além dessa experiência pessoal que motivou a escolha do tema, também verifiquei a escassez de investigações realizadas sobre esse assunto. Isso me fez acreditar que os resultados da pesquisa poderiam trazer contribuições para as discussões realizadas na área. A partir dos resultados desse trabalho surgiu a idéia de criar um espaço terapêutico de atendimento a mães que perderam seus filhos por morte. Diante dos resultados do TCC percebi a necessidade de construção de um espaço de trocas entre essas mães que, muitas vezes, durante o processo de elaboração da perda sentem-se sozinhas e incompreendidas por familiares e amigos. Assim, foi criado o projeto de extensão Terapia do Luto que visa possibilitar um espaço de trocas de vivencias entre essas mulheres auxiliando-as, deste modo, no processo de elaboração desse luto para que o mesmo ocorra de modo saudável. Esse projeto ganhou o segundo lugar no concurso que selecionou e premiou as três melhores experiências em práticas psicológicas do Estado do Espírito Santo. A premiação ocorreu na I Mostra de Práticas em Psicologia realizada em outubro de 2008 e foi organizada pelo Conselho Regional de Psicologia. O percurso acadêmico oportunizou o desenvolvimento de habilidades em investigação científica e de aplicação prática, o que favoreceu o desejo de concorrer a esse prêmio que muito contribuirá para o meu desenvolvimento profissional.

A dor sem nome: o luto pela perda de um filho RESUMO Esta pesquisa surgiu a partir de uma inquietação diante do sofrimento de pessoas que perderam seus filhos. Algumas passam pelo luto, enquanto outras lidam com a melancolia. Foi estabelecido como objetivo verificar, através de relatos de mães que perderam seus filhos, a influência da história de vida no processo de elaboração da perda. Participaram da pesquisa 12 mães que perderam seus filhos. A amostra foi constituída conforme dois critérios: idade em que o filho morreu e o tempo decorrido da morte. O instrumento de coleta foi uma entrevista semi-estruturada individual. Os resultados demonstraram que há relação entre a forma como a perda é vivida, o estilo de vida das mães e o modo de relação estabelecido entre elas e seus filhos. Acredito que esse estudo contribuirá para uma maior compreensão sobre a relação entre a história de vida das mães e o processo de elaboração da perda de um filho. Palavras-chave: luto; melancolia; psicanálise.

A dor sem nome: o luto pela perda de um filho Autora: Eliana Ribeiro Ribetti Professor orientador: Meire Andersan Fiorot Professores componentes da banca examinadora: Renata Monteiro Garcia Viviane Lopes de Oliveira

INTRODUÇÃO A presente pesquisa surgiu a partir de uma inquietação diante do sofrimento de mães que perderam seus filhos. Considerando marcas plantadas pela perda, podemos pensar quais são as transformações e mudanças psicológicas que ocorrem a partir da ausência de um objeto amado, pois a perda de um filho é um processo traumático ligado à perda de um objeto de amor. Temos hoje apenas uma certeza na vida, a de que um dia todos nós iremos morrer de alguma forma. Os ditos populares dizem que os pais deveriam morrer primeiro que os filhos, mas atualmente vivenciamos com mais freqüência situações contrárias, onde pais presenciam a perda dos filhos. O processo do luto é importante diante da perda de alguém tão querido. Contudo, percebemos que, muitas vezes, ao invés de passar por esse processo, algumas pessoas passam por uma depressão profunda e têm grandes dificuldades de voltar à vida novamente, por entrarem num processo melancólico ao invés de luto. Esse processo de luto é marcante e gera as mais diversas conseqüências em mães que perderam seus filhos. Estas, ora ficam desnorteadas e inconformadas, ora passam por esse processo como se estivessem preparadas. A dor da perda de uma pessoa querida com quem se conviveu por um determinado tempo, que deixou lembranças, sentimentos e emoções envolvidas, se torna algo inexplicável, sem nome. Existem algumas mães que pensam que só elas sabem o que sentem, mas não imaginam que tantas outras mães também passam por esse tipo de perda todos os dias. A perda é algo que gera marcas, pois perde-se total e definitivamente o objeto amado. Diante disso, nem sempre o luto é feito e sendo assim, a dor da perda vai criando e tomando proporções que por vezes ficam incontroláveis e isso dificulta a pessoa fazer o luto do objeto perdido.

O LUTO E A MELANCOLIA Quando se perde um objeto de amor parece, em alguns momentos, que se perde a vida. A sensação, segundo pessoas que passaram por algum tipo de perda, seria como se a vida acabasse nesse exato momento em que esse objeto deixasse de pertencê-la por algum motivo. Quando a pessoa que perde um objeto de amor, apesar de toda a tristeza e sofrimento, se insere novamente na vida, dizemos então que esta passa por um processo de luto. Nesse caso perdemos e nos desprendemos deste objeto e por mais triste que seja enfrentamos essa perda e voltamos à vida. O luto não pode ser considerado como uma condição patológica e, portanto, não deve ser submetido a tratamento médico. O luto é superado após algum tempo, não sendo necessário nele interferência alguma. Porém, em outra situação, quando perdemos o objeto e este por sua vez não se desprende de nós, e somos afligidos por uma profunda e incessante tristeza impedindo-nos de vivermos como antes desta perda, perdendo totalmente o interesse pelo mundo e pelas coisas que nele há; dizemos então que esta pessoa está em um processo que chamamos de melancolia. [...] O luto é uma reação à perda, já a melancolia possui traços mentais distintivos como desanimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição (FREUD, 1996a, p. 250). 1 Uma diferença entre o luto e a melancolia é que no luto o mundo parece estar pobre e vazio, enquanto que na melancolia é o próprio ego que é sentido como 1 Publicado originalmente em 1917 [1915].

vazio. Em ambos os casos tanto no luto quanto na melancolia o objeto estava revestido de libido, com a perda do objeto de amor ocorre à cessação deste investimento libidinal. Este objeto de amor a que Freud (1996a) se refere não precisa necessariamente ter morrido, como pode também ser um fim de um relacionamento de amor ou amizade ou simplesmente a perda de um objeto material. Existe uma relação entre luto, melancolia e o narcisismo, pois, pelo fato do objeto de amor ser algo muito desejado, dessa forma a pessoa vê a própria imagem refletida neste objeto, um reflexo de si mesmo que é investido no outro. Por exemplo, quando uma criança nasce, ela é revestida de libido pela própria mãe, pois neste exato momento os olhares são totalmente destinados a ela. Sendo assim, a mãe tenta realizar-se através deste objeto tão querido. Portanto, um objeto que é revestido libidinalmente pode ser considerado erotizado. O narcisismo é um exacerbado amor de si próprio e, quando existe um objeto de amor que é energizado com a libido, vemos um espelho de nós mesmos refletido sobre este objeto. NARCISISMO Freud (1996b) 2 caracteriza nos três ensaios o auto-erotismo como um estado original da sexualidade infantil, anterior ao do narcisismo, no qual a pulsão sexual encontra satisfação sem recorrer a um objeto externo. Essa primeira forma da sexualidade age não somente com independência de um objeto externo, mas também independe de qualquer função biológica. Trata-se de um estado anárquico da sexualidade no qual as pulsões parciais procuram satisfação no próprio corpo. O auto-erotismo pode ser considerado uma forma de narcisismo primário. O que ocorre no auto-erotismo segundo Freud (1996b) é denominado de prazer do órgão, isto é, o prazer que o órgão retira dele mesmo. Não se trata do corpo considerado um todo, sendo tomado como objeto de investimento libidinal, mas partes de um corpo vivido como fragmentado, sem unidade. Não há, no auto- 2 Publicado originalmente em 1905.

erotismo, uma representação do corpo como uma unidade. O que nele falta é o eu, representação complexa que o indivíduo faz de si mesmo. O narcisismo já foi assimilado à perversão e, posteriormente, passa a ser visto como forma necessária de constituição da subjetividade. Pode-se dizer que o narcisismo é uma condição de formação do eu e que chega a ser confundido com o próprio eu. Sendo assim, no surgimento do narcisismo o eu passa a ser investido libidinalmente e, quanto à distinção da libido sexual e da energia não sexual, tem como suporte algo que se situa entre as pulsões sexuais e as pulsões não-sexuais, também chamadas de pulsões do eu. Deste modo, a distinção entre a libido de eu e libido de objeto, não diz respeito à origem da pulsão nem tampouco à distinção entre o sexual e o não-sexual. Em ambas as formas, libido de eu e libido de objeto, o que está em jogo é a libido, portanto o modo pelo qual o sexual se faz presente no psiquismo. Ambas dizem respeito à pulsão sexual, a qual pode ter como objeto o próprio eu ou um objeto exterior. Pode se dizer que o eu é objeto privilegiado de investimento libidinal, a ponto de se constituir como o grande reservatório da libido, armazenador de toda a libido disponível. Esse momento é denominado de narcisismo primário. Posteriormente, o investimento libidinal passa a incidir sobre o objeto, o que corresponde à transformação da libido narcísica em libido objetal. Freud (1996c) 3 distingue dois tipos de escolha de objeto: o tipo anaclítico e o tipo narcísico. No primeiro, a criança escolhe como objeto sexual as pessoas encarregadas de sua alimentação, cuidados e proteção, em geral a mãe ou substitutos, no segundo, ela toma a si mesma como objeto de amor. Esses dois tipos não se apresentam como puros e excludentes um do outro. A constituição desse eu será efetivada com o concurso da revivescência do narcisismo dos pais que atribuem ao filho todas as perfeições, além de concederem a ele privilégios que eles próprios foram obrigados a abandonar. O eu que surge a partir da confluência da imagem unificada que a criança faz de 3 Publicado originalmente em 1914

seu próprio corpo e dessa revivescência do narcisismo paterno é o eu ideal que corresponde ao narcisismo primário. Podemos afirmar que: [...] durante toda a vida o eu continua sendo o grande reservatório a partir do qual investimentos libidinais são enviados aos objetos e para onde são recolhidos. O retorno desse investimento libidinal ao eu, após ter investido objetos externos, Freud denomina narcisismo secundário. (FREUD, citado por GARCIA-ROZA, 2000, p. 43). Portanto, o narcisismo secundário seria um retorno ao ego da libido retirada dos seus investimentos objetais. Podemos dizer que se trata de uma estrutura que é permanente no sujeito, onde sempre será necessário manter um equilíbrio entre investimento narcísico e objetal através do ideal do eu. O narcisismo secundário resulta de um retorno ao eu dos investimentos feitos sobre os objetos externos. A libido que anteriormente investia o eu passa a investir objetos externos e posteriormente volta a tomar o eu como objeto. Tanto o narcisismo primário quanto o narcisismo secundário se caracterizam por um investimento do eu. NARCISISMO, LUTO E MELANCOLIA Segundo Garcia-Roza (2000), o ponto de partida para a articulação do narcisismo com o luto e a melancolia é a noção de identificação narcísica secundária. O narcisismo, sendo uma forma de investimento libidinal do próprio eu e, sendo o eu constituído numa relação ao outro, implica em uma identificação com o outro, isso faz com que narcisismo e a identificação narcísica possam ser considerados modos semelhantes de funcionamento libidinal, além de dar conta simultaneamente do narcisismo secundário e da escolha de objeto. O processo seguinte à perda do objeto e o trabalho ligado a essa perda, seria a noção de um objeto e a natureza do vínculo entre ele e o sujeito. Assim, trata-se de um forte vínculo amoroso que, no caso da perda do objeto, tem que ser desfeito para dar lugar a outros vínculos, isto é, para que torne possível a relação amorosa a outros objetos.

No caso da melancolia, a perda do objeto é acompanhada de um desinteresse pelo mundo exterior, a não ser por aqueles objetos do mundo estreitamente ligados ao objeto perdido; os demais objetos, por não evocarem o objeto perdido, perdem inteiramente o interesse. Isso acarreta uma impossibilidade de escolha de um novo objeto amoroso, já que essa escolha significaria uma substituição do objeto perdido por um novo objeto. A dor causada pela perda é acompanhada de uma inibição do eu e de uma restrição das atividades. Estas características são encontradas na melancolia, e mais algumas como: diminuição do sentimento de auto-estima e uma expectativa de punição. No luto essa inibição do eu, assim como a restrição do campo de atividades, são explicadas pelo fato do eu estar ocupado com o trabalho do luto. Ou seja, o objeto amado não existe mais, isso exige do eu a retirada de suas ligações com ele. E irá provocar uma forte oposição, pois não abandonamos de boa vontade uma posição libidinal, mesmo que o objeto tenha sido perdido e algum substituto surja novamente. Esse abandono é aos poucos, por partes, e assim se prolonga a existência do objeto perdido. Cada ligação com o objeto é evocada e hiperinvestida, sendo assim o desligamento vai se dando em relação a cada uma delas, até que o trabalho seja concluído, isto é, até que o eu fique livre das inibições que marcaram o início do trabalho do luto. Na melancolia o processo é em tudo muito semelhante ao do luto. Há também uma perda de objeto e uma diminuição do interesse pelo mundo, isso pode vir acompanhado de uma incapacidade para estabelecer uma nova relação amorosa. Podemos afirmar que:

[...]mesmo que o paciente esteja cônscio da perda que deu origem à sua melancolia, ele sabe quem ele perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém, o que seria indicativo de que a perda objetal foi retirada da consciência, contrariamente ao luto para o qual a perda é inteiramente consciente. (FREUD, citado por GARCIA-ROZA, 2000, p. 75). O melancólico desvaloriza o próprio eu, ele não se dá valor perante os outros e espera sempre ser punido. Nada que for dito em sentido contrário faz com que ele diminua o seu delírio de inferioridade. A imprudência do melancólico de expor seus defeitos nos faz pensar que, não se trata dele mesmo, mas de uma outra pessoa e ele não se dá conta disso. O ponto que articula a melancolia com o luto é que há na melancolia, assim como no luto, a perda do objeto, sendo que, na melancolia essa perda irá resultar na identificação com o objeto perdido. No luto, por sua vez, a libido investida no objeto perdido pode ser deslocada para outro objeto. O que no luto é considerado uma perda do objeto, na melancolia é transformado em perda do eu. Quando se faz essa identificação, o eu passa a ser julgado como objeto, objeto abandonado. A perda desse objeto transforma-se em perda do eu, e o conflito entre o eu e a pessoa amada irá se transformar em um conflito entre o eu que foi alterado pela identificação (GARCIA-ROZA, 2000). Assim, podemos dizer que o luto e a melancolia são dois processos diferentes, mas que tem algo em comum, a perda do objeto. Diante disso, o que nos propusemos a investigar é o que leva a pessoa a passar por um processo e não caminhar pelo outro e quais são as estratégias de enfrentamento da perda, pois essa causa sofrimento ao sujeito.

O LUGAR DA PERDA E DO LUTO NA PSICOPATOLOGIA A perda é algo que causa sofrimento e aflige o sujeito. Pode-se dizer que essa angústia vem da falta de algo ou do objeto perdido. Quando se perde algo a pessoa fica desamparada e como ela não espera por isso o seu desejo é interrompido bruscamente e isso causa sofrimento no sujeito. Alguns podem sustentar essa perda, fazendo o luto do objeto perdido, enquanto outros ficarão desamparados na melancolia. Podemos afirmar que: [...] depois de uma perda o estado agudo de luto abrandará, sabemos também que continuaremos inconsoláveis e não encontraremos nunca um substituto. Não importa o que venha a preencher a lacuna, e, mesmo que esta seja totalmente preenchida, ainda assim alguma coisa permanecerá. E, na verdade, assim deve ser. É a única maneira de perpetuar aquele amor que não desejamos abandonar (FREUD, citado por BOWLBY, 1998, p. 21). Freud (1996a) foi quem levantou a idéia de que a melancolia é uma manifestação do luto patológico. Essa aparição da melancolia pode ser um mecanismo de defesa para sustentar o sujeito na ausência do objeto perdido. Psicologicamente o luto resulta na redução da capacidade do enlutado de manter relações amorosas, ou, se já está reduzida, podem limitá-la ainda mais. Também é afetada a capacidade que tem a pessoa enlutada de organizar o resto de sua vida. As diferenças entre os distúrbios podem ter graus de gravidade, indo de muito leves a extremamente graves. Nos níveis menores, elas não são distinguidas do luto sadio. As pessoas que sofrem algum tipo de perda suportam uma dor, por não terem mais a presença do objeto amado e, sendo assim, reagir com tristeza seria uma reação normal e ao mesmo tempo saudável. [...] a maioria dos episódios mais intensos de tristeza são provocados pela perda, ou previsão de perda, seja de uma pessoa amada, de lugares familiares e queridos, ou de papéis sociais. Uma pessoa triste sabe quem (ou o que) perdeu e anseia pelo seu retorno. Além disso, provavelmente buscará ajuda e consolo em algum companheiro em quem confia e, em alguma parte de sua mente, acreditará que com o tempo e assistência conseguirá recuperar-se, ainda que apenas em parte. Apesar da grande tristeza, a esperança ainda pode estar presente. Se a pessoa triste não encontrar ninguém a quem recorrer, sua

esperança certamente diminuirá, mas não desaparecerá necessariamente. Recuperar-se exclusivamente pelos seus próprios esforços será muito mais difícil, mas não impossível. Seu senso de competência e valor pessoal permanece intacto (BOWLBY, 1998, p. 258). As pessoas que perdem um objeto seja ele sujeito ou não, estão mais propensas a se sentirem tristes, pois essa pessoa cria laços afetivos com esse objeto e ao se ver sem esse, ela irá se ver sem apoio. Portanto, a partir daí o sujeito poderá viver a procura de um novo objeto que irá substituir o objeto perdido. Conforme a revisão de literatura apresentada, verificamos a escassez de trabalhos e pesquisas que investigam o processo de elaboração do luto. Foi encontrado somente o trabalho de Silva (2005), cujo tema é O discurso de pais enlutados: investigação das formas de diminuição da dor do luto. Conforme a autora o trabalho tinha como objetivo esclarecer como os cuidadores que perderam seus filhos conseguiram superar sua dor e quais foram os meios utilizados para isso, e também quais foram as estratégias de apoio psicológico mais eficazes para ajudar os cuidadores a superar essa dor. Essa pesquisa foi realizada com nove mães que perderam seus filhos na ala de pediatria do Hospital Araújo Jorge, em Goiás, no estado de Goiânia. Algumas estratégias de apoio psicológico foram utilizadas para auxiliar pais e mães na superação da dor do luto, tais como: acolhimento dos sintomas ditos patológicos, estimulação ao retorno à religiosidade, solicitação da presença de uma figura religiosa e sugestão de encaminhamento a terapia fora da instituição. Partindo da distinção entre luto e melancolia, considero relevante investigar os sentimentos e emoções envolvidas durante esses processos. Acredito que esta pesquisa muito tem a contribuir para melhor conhecimento desses. OBJETIVOS Diante dessas colocações defini como objetivo geral dessa investigação verificar através de relatos de mães que perderam seus filhos a influência da história de vida no processo de elaboração da perda de um filho. Para tanto, propus os seguintes objetivos específicos: a) Caracterizar a concepção de maternidade para as participantes.

b) Verificar as crenças das participantes sobre a morte. c) Identificar quais são os sentimentos e as emoções geradas pela perda de um filho. d) Verificar como as mães se comportam e agem com a ausência do filho. e) Identificar se as mães passaram pelo processo de luto ou se instalaram na melancolia. f) Articular os dados obtidos com a psicanálise e verificar a contribuição dela para a compreensão desse processo. Participantes Participaram desta pesquisa 12 mães que perderam seus filhos(as) todas residentes no município de Linhares-ES. A amostra foi constituída de acordo com dois critérios: idade em que o filho morreu e o tempo decorrido da morte. Instrumento e Procedimento Inicialmente entrei em contato com as mães, para saber se elas tinham interesse em participar da pesquisa. Posteriormente foi marcado a data e hora para a realização da entrevista. Após a concordância da participante, realizei entrevistas individuais. A entrevista semi-estruturada continha 16 questões previamente formuladas, para o levantamento das informações necessárias conforme objetivos estabelecidos. Previamente ao início da pesquisa, as mães foram convidadas a assinarem e devolverem um documento referente a um Termo de Consentimento que explicava os objetivos da investigação. Este documento teve a finalidade de estabelecer um compromisso de cooperação e obter a autorização para a gravação dos encontros, e posterior análise e divulgação do material, resguardando a identidade das participantes 4. RESULTADOS 4 Os Termos de Consentimentos assinados pelas mães estão arquivados na coordenação do Curso de Graduação em Psicologia da UNILINHARES.

Para analisar os dados foram utilizados os conteúdos dos discursos de 12 mães, que foram coletados através de entrevistas individuais. Assim, foi possível chegar a alguns resultados que foram interpretados com base na teoria psicanalítica. Pretendeu-se com essa análise compreender como se dá o processo do luto e da melancolia, relacionando aspectos das histórias de vida de modo a compreender o percurso que leva a um processo ou ao outro. Foram destacadas algumas falas mais significativas para a discussão do tema. Para melhor caracterizar o grupo de participantes foi construída a Tabela 1. PARTICIPANTES QUANTOS FILHOS (AS) HÁ QUANTO TEMPO PERDEU O FILHO (A) QUAL A IDADE DO FILHO (A) NA ÉPOCA DA MORTE Mãe 1 2 8 anos 24 anos Mãe 2 2 3 anos 12 anos Mãe 3 2 7 anos 23 anos Mãe 4 5 19 anos 21 anos Mãe 5 1 6 anos 12 anos Mãe 6 5 1 ano 37 anos Mãe 7 2 6 anos 20 anos Mãe 8 1 6 anos 13 anos Mãe 9 3 6 anos 21 anos Mãe 10 1 13 anos 17 anos Mãe 11* 1 6 anos 21 anos 19 anos Mãe 12 5 8 anos 38 anos Tabela 1: Caracterização das participantes. * A participante 11 perdeu 2 filhos simultaneamente.

Os resultados serão apresentados conforme os objetivos específicos propostos, em forma de gráficos, para melhor visualização dos dados quantitativos, acrescidos das principais falas das participantes sobre o tema abordado. De acordo com o primeiro objetivo que visava caracterizar as concepções de maternidade, podemos verificar, como mostra o Gráfico 1, que para 33,3% das participantes da pesquisa, ser mãe é visto como coisa boa. Expressões positivas como: coisa maravilhosa, coisa fantástica, e uma coisa bonita foram citadas pelas participantes. 35% 30% 33,3% 25% 20% 15% 22,2% 18,5% 10% 5% 0% 11,1% 7,4% 7,4% Coisa Boa Am ar Tudo Cuidar Responsabilidade Realização Pessoal Gráfico 1: Concepções acerca da maternidade Durante as entrevistas, também foi visto de modo significativo no discurso das mães a idéia de que ser mãe é amar e se completar. A fala a seguir mostra claramente isso. Ser mãe é, em termos de vida, é a realização pessoal da mulher, eu acho que toda mulher se completa na maternidade, é a capacidade, é a oportunidade que Deus nos permite de nos dar, de tirar aquilo que a gente tem de melhor que é o amor (...) filho é um amor que chega até a doer dentro do coração de tanto que você ama. Então eu acho que ser mãe, independente até de ser mãe biológica, porque ser mãe que eu digo é dar amor, independente de ser mãe biológica, ser mãe é cuidar, tratar é educar e principalmente amar (Participante 1). O segundo objetivo foi de investigar as crenças das participantes sobre a morte. O Gráfico 2 retrata a concepção de morte, sendo que para 37,5%, a morte é vista como uma continuidade, pois acreditam na ressurreição do espírito ou do corpo e

outras tem esperança de poder trazer o filho(a) de volta a vida. Essa idéia contrasta com a de que a morte é o fim, é algo irreversível (16%) ou é vista como algo inominável, que não tem como explicar (16%). 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 37,5% 16,6% 16,6% 16,6% 16,6% 16,6% Continuidade Inominável Fim Dor Contingência da vida Difícil de aceitar Gráfico 2: Concepções sobre a morte De acordo com o segundo objetivo, destacamos algumas falas das participantes sobre as suas crenças. Eu sou espírita cardecista, então eu acredito que a vida não termina com a morte, continua, que existem outras dimensões, que espíritos sobrevivem a essa matéria e que a gente tá aqui de passagem. Então eu não vou dizer que eu aceito é... mais facilmente a morte, mas eu encaro a morte com naturalidade. A gente tá aqui com um destino, a gente é eterno, o espírito é eterno e nós estamos passando por essa trajetória do planeta terra (Participante 10). Acredito na ressurreição, então a minha crença é de que um dia a gente ressuscita e que a gente vai se encontrar como Jesus ressuscitou. Exatamente isso que eu penso. Se não fosse assim, acho que seria muito mais difícil a gente enfrentar uma perda, é isso que eu penso (Participante 2). Para mim a pior coisa do mundo é a morte né? é o fim né? a gente tá com uma pessoa ai, depois não vê mais e o que é pior né? a morte é o fim, morreu acabou (Participante 5). Para te falar a verdade eu não creio na ressurreição. Não. Na ressurreição para te falar, vai morrer, mas um dia vou me encontrar com ele, não acredito. É, no final dos tempos, você pode até se encontrar, mas não que se conheça, como o povo fala, há quando

você chegar lá você vai ver seu filho, não, não creio (Participante 7). Quando se pensa em morte surgem várias questões, como: o que acontece durante e após a morte? Talvez por isso a morte é vista como uma grande interrogação por parte das participantes. Essas questões acompanham a sociedade, como a crença da vida após a morte, a questão da reencarnação ou a ida a outro mundo, as quais deixam dúvidas entre as participantes dessa pesquisa. As crenças sobre a vida após a morte, são vistas como esperança e consolo em relação à morte do ser amado. A morte muitas vezes é uma inspiração para o desenvolvimento de crenças e religiões, assim a palavra passagem quando dita por uma das participantes, significa a morte do corpo, a passagem da vida corpórea para a vida espiritual. Por outro lado, parte das participantes (16,6%) acredita que a morte é irreversível, enquanto 16,6% acreditam na ressurreição do espírito ou do corpo e outras tem esperança de poder trazer o filho(a) de volta a vida, isso aparece algumas vezes em casos de morte por doença, onde a morte é tida como lenta e dolorosa. O terceiro objetivo foi identificar quais os sentimentos e as emoções geradas pela perda de um filho. Para atender esse objetivo foi investigado os sentimentos diante da perda, bem como o sentimento após a perda. Esses dados estão apresentados nos Gráficos 3 e 4. No Gráfico 3 as participantes falam do sentimento diante da perda. Ao serem questionadas sobre a primeira reação diante da perda, 22,5% das participantes responderam que a morte de um filho é uma dor profunda e 16,1% disseram se sentir impotente diante da perda. Outras reações foram de desespero, choque, desesperança, tristeza, etc. Algumas mães falam que depois da perda fica um vazio, isso se dá pela falta do objeto perdido, esse vazio é visto como uma marca que se instala após a perda, essa marca provoca dor intensa e constante.

25% 20% 22,9% 15% 10% 16,1% 12,9% 12,9% 12,9% 9,6% 5% 0% 6,4% 3,2% 3,2% Dor Impotência Tristeza Desesperança Vazio/ Falta Choque Desespero Raiva Esperança Gráfico 3: Sentimentos diante da perda Os sentimentos diante da perda podem ser visualizados nas seguintes falas: Nossa foi uma coisa horrível e é muito triste, Deus me livre, muito triste mesmo. Deu uma dor que não tem explicação, parece que arrebenta tudo dentro da gente, entendeu. Sabe eu pensei que a minha vida ia acabar ali, entendeu. Eu falei assim, pronto agora acabou a minha vida entendeu (Participante 11). Foi um choque muito grande e intensificado o sentimento entendeu, o sentimento é muito grande, a dor é muito grande, até hoje às vezes eu tô... às vezes eu tô assim alegre e num segundo de repente dá aquele bloqueio assim, entendeu, eu sinto até hoje. A dor da separação não passa nunca entendeu (Participante 4). A minha reação foi de choro, desespero, por mais que a gente se desespera, mas sempre há esperança, sempre há esperança nunca a gente entrega, foi de muito choro, desespero essa foi a minha reação (Participante 2). Os sentimentos atuais referentes a perda estão apresentados no Gráfico 4. A saudade é inevitável diante da ausência do filho, 56,3% disseram sentir saudade, 25% sentem falta. A dor perde a intensidade com o tempo, mas não passa para 12,5% das participantes.

60% 50% 56,3% 40% 30% 20% 25,0% 10% 12,5% 0% Saudade Falta Dor Gráfico 4: Sentimentos atuais referentes a perda Diante da ausência do objeto amado o sentimento que permanece é a saudade, a falta, a dor. A seguir falas que demonstram esse sentimento. Hoje eu sinto que falta um pedaço de mim com certeza, um pedacinho se foi... eu sempre digo que Deus de vez em quando vem na terra e colhe uma flor pro seu jardim, o jardim dele lá do céu... ele veio a terra e colheu uma flor do meu jardim, que foi meu filho. Eu tinha três flores, ele colheu uma e lá deve tá frutificando. Então eu sinto falta dessa flor todos os dias. Ele não está presente fisicamente, mas é dele que eu sinto falta, os outros dois preenchem bastante, mas eu sinto todos os dias falta dele (Participante 1). A gente sente saudade né? muita saudade, mas a gente tem que aceitar porque sabe que não tem mais volta né? (Participante 6). Então a gente não pensa que ela morreu, eu penso, eu sofro né e todo mundo que fala ninguém acredita, que vê ela nas brincadeiras. Quando eu vou fazer a comida que ela gostava parece que ela tá ali falando oba, tipo assim né? Então a gente vai sentindo a presença dela direto e isso vai confortando (Participante 2). O quarto objetivo foi verificar como as mães se comportam e agem com a ausência do filho. Para atender esse objetivo foi investigado as doenças após a perda e a manutenção dos objetos do filho perdido. Com a pesquisa foi possível verificar e comprovar que todas as participantes apresentaram doença, de ordem física ou psicológica e, em alguns casos, desenvolveram as duas categorias de adoecimento. 53,8% das participantes apresentaram doença física como pressão alta, esclerodermia, dor de cabeça, entre outras e 46,2% disseram ter desenvolvido doença psicológica. A maior parte das participantes que apresentaram doença psicológica, tiveram ou têm

depressão. É importante lembrar que essas doenças aparecem após a perda, as que já existiam antes da perda não foram consideradas. Seguem algumas falas das participantes que possuem algum tipo de doença. Depressão, não tinha vontade de me cuidar, de passar baton, fazer unha, fiquei uma ano fechada. Tinha enxaqueca emocional, nos fins de semana, nas datas... doía muito a cabeça e eu vomitava muito, a única dor é aquela que fica pra sempre. Se você tem dois filhos o coração é dividido em dois, se você tem três é dividido em três e o meu coração é dividido em quatro, e uma parte eu não tenho mais (Participante 9). Veio assim, porque quando a gente tá lutando a gente não sente nada, eu não tava tomando nada, remédio nenhum, ai depois veio dormência nas mãos, nos pés, nos braços [...] a gente vai ficando assim meio ansiosa, meio depressiva e você não toma nada para poder agüentar, o corpo uma hora cai [...] depois disso eu comecei até a usar a fluoxetina e umas coisas assim pra aliviar, muita dor no corpo, insônia, dor na perna (Participante 2). Além dos sintomas físicos e psicológicos, algumas participantes disseram que após a perda passaram a se preocupar mais com os outros filhos e fazer coisas que não faziam antes, como abraçar e beijar. A perda é vista como negativa, mas quando se têm outros filhos, alguns aspectos são vistos como positivos, pois reaproximam mãe e filho. No que se refere à manutenção de objetos, todas as participantes, sem exceção, disseram que guardam objetos dos filhos que morreram, sendo que algumas usam esses objetos como, por exemplo, roupas, jóias entre outros. Também disseram se sentir bem fazendo caridade com os objetos de seus filhos. É importante destacar que algumas mães levaram objetos de seus filhos para a entrevista, como, por exemplo, cartas, fotos, bilhetinhos, carteira com documentos, roupa, etc. Alguns desses objetos elas carregavam sempre na bolsa. Esses objetos são guardados como uma tentativa de manter a presença do filho. Algumas disseram que não tinham coragem de olhar para o objeto, enquanto outras demonstravam prazer em olhá-los.

Guardei 5 anos a guitarra dele, depois doei. As roupas dei para o meu outro filho, meu marido ele veste as roupas dele e eu gosto, guardo recadinhos, a carteira dele e fotos quando ele era bebê, celular, CDS de rock. Quando eu olho as fotos eu sinto muita dor. Levo a carteira dele na bolsa, mas não olho, leio os bilhetes toda semana, me faz bem, me faz bem guardar, mas eu não olho (Participante 9). Guardo, roupas, eu uso roupas dele, as roupas que ele... de manga comprida, porque eu tenho que usar manga comprida por causa da esclerodermia, ele usava muita camisa comprida por causa do esporte, então quando eu vou pra fazenda, eu uso as camisas dele ainda, é... tenho fotos na casa, não tiro... tenho homenagens que ele recebeu, tenho troféus (Participante 10). O quinto objetivo foi o de identificar se as mães passaram pelo processo de luto ou se instalaram na melancolia. Para tanto, além dos resultados já apresentados, verificou-se ainda como as mães lidaram com a perda do filho. No Gráfico 5 foi possível visualizar que a religiosidade e a espiritualidade foram as principais referências para não entrar na melancolia. 37,5% das respostas indicam que é preciso exercer algum tipo de atividade física ou metal, como estudar e trabalhar, o que facilita a passagem por essa fase. A ajuda profissional é vista como confiável, sendo que 18,8% buscam esse tipo de ajuda. 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 43,8% 37,5% 18,8% Espiritualidade/Religiosidade Atividades Ajuda Profissional Gráfico 5: O que fez/faz para passar pela fase do luto Na realidade o que eu fiz foi buscar a ajuda de Deus, porque humanamente eu não, eu creio que eu não conseguiria. Realmente a parte espiritual (...) eu busco profissionais, esse negócio do disse me disse eu não gosto muito. Então se eu tenho um problema se é de ordem psicológica, eu procuro um psicólogo, se é de ordem genética eu procuro né, se é um ordem espiritual... pelo menos essas pessoas vão me dar uma base. Os profissionais têm mais estrutura, mais bagagem (Participante 8).

Eu tento esquecer, mais esquecer ninguém esquece, você acostuma, né? você acostuma. Então a única coisa que eu faço, pra mim num... pra mim, assim tapear um pouco a minha mente, é bordar, o dia todo é o que eu faço, se eu largo um pano eu pego outro, se eu largo um eu pego outro, eu faço, faço, faço (Participante 12). A pesquisa nos mostrou que o dia a dia das participantes ficou marcado por um antes e depois da perda do filho. No Gráfico 6 podemos visualizar que 45,4% desempenhavam algum tipo de trabalho externo e 22,7% cumpriam atividades domésticas, sendo que elas disseram ser felizes, pois viviam socialmente bem. 50% 40% 45,4% 30% 20% 10% 22,7% 18,2% 13,6% 0% Atividades Fora de Casa Atividades Domésticas Felicidade Vida Social Ativa Gráfico 6: Dia-a-dia antes da perda do filho(a) No meu dia-a-dia antes da morte do meu filho, eu era uma pessoa mais determinada entendeu, tinha mais determinação pra trabalhar, eu trabalhava e chegava em casa eu ia costurar, cuidava da minha casa, estudava entendeu? (Participante 4). Era trabalhando, porque eu sempre fui costureira, então eu tinha que ajudar na família e meu marido né. Então eu costurava assim o dia todo, eu era uma pessoa muito feliz, eu gostava de dançar, de ir pra praia, de fazer tudo o que uma pessoa normal faz. Mas antes eu era muito feliz, muito feliz, eu vivia sempre muito bem com eles né, eu brincava muito ria e era muito bom (Participante 7). O cotidiano muda após a morte do filho, por mais que se façam as mesmas coisas, há mudanças significativas na vida das participantes. O Gráfico 7 mostra que 29,4% continuam suas atividades fora de casa ou procuram essas atividades e 17,6% exercem atividades domésticas, mas deixam de fazer algumas coisas, como cozinhar a comida que o filho gostava. A mudança de hábitos com 29,4% deixa claro que há modificações na rotina das participantes que disseram que antes da

perda eram felizes e depois a palavra felicidade é substituída por tristeza, todas falaram que não têm vontade de fazer algumas coisas que faziam antes. 30% 25% 20% 15% 29,4% 29,4% 23,5% 17,6% 10% 5% 0% Atividades Fora de Casa Mudança de Hábitos Tristeza Atividades Domésticas Gráfico 7: Dia-a-dia depois da perda do filho(a) Agora eu chego em casa eu faço as coisas, mas não tenho aquela vontade fazer, antes era mais pra ela, eu fazia tudo pra ela. Agora eu almoço fora, hoje em dia é isso aí. Antes eu tinha mais dedicação pelas coisas, mais vontade e agora eu não tenho mais vontade não, não tenho mesmo (Participante 5). Depois disso então eu fiquei sem costurar, nunca mais botei o pé na praia e cortei várias coisas, mas antes eu era muito feliz (Participante 7). Eu sempre fui uma pessoa muito feliz, eu sempre trabalhei fora e ela que ficava em casa, cuidando da casa, eu num sabia quanto custava uma caixa de fósforo, porque eu dava o dinheiro na mão dela, e ela ia no supermercado, ela fazia compras, ela trazia pra casa, ela cuidava da casa, ela cuidava de tudo. Eu não sabia o que faltava nem o que ia fazer para almoço, nem tampouco para janta. Hoje é como se diz, limpar a casa né? lavar, passar, cozinhar, e viver assim, a vida esperando que um dia vai chegar minha hora também né? (Participante 12). Essa última fala da participante 12 é mostrada de forma diferente, pois para ela as atividades domésticas são vistas como negativas, enquanto que para outras participantes é positiva, pois ao se ocuparem, elas não terão tempo para pensar na perda.

Foi possível verificar por meio do discurso das participantes que 75% elaboraram a perda e fizeram o luto, 8,33% se instalaram na melancolia e 16,66% estão em processo para sair da melancolia. Os resultados encontrados trouxeram diversas contribuições para a análise da questão, contudo, os dados não são suficientes para afirmarmos o que conduziu a um processo ou a outro, isto é, ao luto ou a melancolia. Para tanto seria necessário um aprofundamento na história desse sujeito, o que não foi possível nesse estudo, visto que a coleta de dados se deu por meio de apenas uma entrevista. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Essa pesquisa teve por objetivo geral investigar as possíveis relações entre a história de vida de mães que perderam seus filhos e o processo de luto e melancolia vivido por elas após a morte deles. Sobre a concepção de maternidade, as participantes consideraram que ser mãe é uma coisa boa e que mãe é aquela que cuida, ama e dá carinho. Assim, foi constatado que para essas mulheres a maternidade é algo positivo e que a família se completa quando se têm filhos. Araújo (1998) aponta que a maternidade é pensada quase que exclusivamente sob a ótica da relação mãe-criança, descontextualizando a maternidade como fenômeno de construção sócio-histórica e contribuindo para a caracterização e difusão da figura de uma mãe ideal, sempre objetivando as melhores condições para os filhos e negligenciando as necessidades da mulher-mãe. Não interessa depois da maternidade a mulher, somente a mãe a serviço do filho. Essa idéia da mãe idealizada é constante nas falas das participantes, pois todas utilizam expressões positivas para falar da maternidade. Pode-se levantar aqui a questão das conseqüências que podem surgir diante da perda de um filho quando esse ocupa o lugar do objeto que supostamente completa a mãe. Segundo Kehl (200[-], p. 43) a prevalência dos apelos narcisistas na cultura contemporânea faz com que, para muitos casais, os filhos estejam acima de todas as outras prioridades. A mãe projeta e investe todos os seus sonhos e desejos no

filho, no seu objeto de desejo, o filho é uma forma de completude para essa. É nesse objeto que ela investe a libido, deslocando todo o seu olhar para esse filho que ela tanto ama, é como se um espelho dessa mãe refletisse sobre esse objeto. Por isso diante da perda desse objeto de amor, que é o filho, vem o desinteresse por si mesmo e pelo mundo exterior. Logo, não se perde somente o interesse pelas coisas que estão ligadas de alguma forma ao filho perdido, mas se perde também o interesse pela própria vida, o que caracteriza o estado de melancolia. Nesse estado a pessoa se perde junto com esse objeto, já que há uma perda do eu e ela não consegue separar o eu desse objeto. A mãe narcísica tem dificuldade de se desprender do filho, ela e o filho são um só. Ela investe tudo no filho, quer que o filho realize os seus desejos. E quando ela se vê sem esse objeto de investimento libidinal, ela estará mais vulnerável a permanecer na melancolia. Nesse caso a libido é direcionada ao eu do sujeito e esse não consegue investir em outro objeto. Quando se faz o luto, a libido que é investida no objeto de amor é deslocada para outro objeto. As falas da maioria das participantes (75%) deixam claro que a sua energia foi deslocada para outros fins, como o trabalho e o cuidado dos outros filhos. É dessa forma que o luto é feito. Ao analisar as falas das participantes sobre a concepção de morte, foi possível verificar que existe diferença no caso de mortes por motivo de doença e mortes repentinas. As mães que acompanharam seus filhos no leito de morte e viram o sofrimento deles, preferiram entregar o filho para Deus, ou seja, elas abrem mão do objeto de amor, pois acreditam, que dessa forma acabariam com o sofrimento dos filhos. Com isso foram elaborando a separação enquanto o filho ainda estava vivo. No caso de mortes inesperadas e repentinas, as mães não tiveram tempo para se despedir dos filhos e isso dificultava a elaboração do luto, pois havia uma

dificuldade de se desprender desse objeto amado pela forma como se deu a separação. Foi verificado na pesquisa que a tristeza aparece depois da perda, pois as participantes disseram ser muito felizes antes da perda. Algumas disseram jamais imaginar que a morte iria bater à sua porta. A tristeza é um sentimento natural e saudável diante de uma perda para uma pessoa triste sabe quem (ou o que) perdeu e anseia pelo seu retorno. Além disso, provavelmente buscará ajuda e consolo em algum companheiro em que confia e, em alguma parte de sua mente, acreditará que com o tempo e assistência conseguirá recuperar-se, ainda que apenas em parte (BOWLBY, 1998, p. 258). A tristeza e a saudade se instalam depois da perda de um filho. As mães ficam angustiadas, pois têm a certeza de que os bons momentos com seus filhos, não vão voltar. E a partir dessa sensação, um imenso vazio permanece. Para algumas participantes a vida parece não ter mais sentido, e o sofrimento que a dor da perda causa nunca vai acabar. Quando falavam dos filhos durante a entrevista, algumas participantes choraram, enquanto outras disseram resistir ao choro ou falam atualmente do filho com alegria e não tristeza, pois falam que um filho só traz coisas boas. O choro é uma forma de aliviar a tensão interna e traz conforto para quem perde. A perda de uma pessoa amada é uma das experiências mais intensamente dolorosas que o ser humano pode sofrer. É penosa não só para quem a experimenta como também para quem a observa, ainda que pelo simples fato de sermos tão impotentes para ajudar. Para a pessoa enlutada, apenas a volta da pessoa perdida pode proporcionar o verdadeiro conforto; se o que lhe oferecemos fica aquém disso, é recebido quase como um insulto (BOWLBY, 1998, p. 4).

Quanto à relação das mães com seus filhos, as que tiveram um bom relacionamento com eles, não alimentaram nenhum tipo de sentimento negativo, como remorso, por ter deixado algo a desejar. Enquanto as que deixaram algo a desejar, sustentavam sentimento de arrependimento por não terem feito algo. Independente das circunstâncias, a perda trará sempre tristeza e dor. Ela pode ser dolorosa, mas também pode transformar as pessoas. A partir da morte de um filho, passa-se a ter um marco, que produz uma divisão entre o antes e o depois da perda. O processo da perda gera mudanças no sujeito quando a morte acontece. Porém, mesmo que essas mudanças aconteçam, a morte, geralmente, não é aceita, principalmente por uma mãe que perde o filho. Elas assumem sentimentos que até então eram desconhecidos. Quase toda a sociedade tem suas convicções e práticas próprias, que regulam o comportamento das pessoas enlutadas. Como as crenças e práticas variam de muitas maneiras de cultura para cultura e de religião para religião, seria de se esperar que tivessem influência no curso do luto, seja propiciando um resultado sadio ou, talvez, contribuindo para um resultado patológico. Sem apoio de costumes sancionados, as pessoas que sofreram perdas e seus amigos, ficam desorientadas, e dificilmente sabem como comportarse umas com as outras (BOWLBY, 1998, p. 200). A vida de quem perde muda, os gostos, os hábitos, os lugares que freqüentam. Não só muda como também se perde o interesse pelas coisas e se assim permanecer será dado início ao processo de melancolia, pois nesse processo há perda da libido. As faces da morte podem ser diferentes, mas as reações emocionais são as mesmas, independente da cultura, os costumes sociais se diferem, a reação humana é mais ou menos a mesma (BOWLBY, 1998, p. 132). Existem alguns fatores que nos facilitam compreender o luto, como: a relação que a mãe tem com o filho, as circunstâncias da morte, o contexto em que a mãe

vive, o contexto religioso e espiritual, entre outros. O luto vai acontecer conforme o contexto da pessoa que perde. A religião aparece na pesquisa como um apoio importante. Segundo as participantes é preciso acreditar em um Deus e é Nele que elas encontram forças para viver diante da dor da perda. Podemos dizer que após a perda, simbólica ou não, do outro e de sua própria identidade e da dor que essa situação traz, se faz necessário a existência de um período de elaboração dessa perda. Esse processo poderá acarretar a reestruturação psíquica desse sujeito. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desta pesquisa foi possível caracterizar a concepção de maternidade para as participantes, bem como suas crenças sobre a morte, os sentimentos e as emoções envolvidas nesse processo, os comportamentos diante da perda e em que processo, luto ou melancolia, elas se encontram. Os dados coletados não foram suficientes para afirmar o que conduziu as participantes ao luto ou a melancolia, visto que essa questão merece uma investigação mais profunda. Apesar das limitações desse estudo, a abordagem desse tema permitiu uma melhor compreensão de como ocorre o processo de elaboração do luto em mães que perderam seus filhos. Não resta dúvidas de que a perda, sendo ela de um filho ou qualquer objeto, provoca mudanças na vida da pessoa, pois a partir da perda ela terá que lidar com a falta e a partir dessa desencadeiam-se outros processos. Os resultados dessa pesquisa mostraram que o luto pela perda tem relação com a forma como se conduziu a relação entre mãe e filho. As mães que disseram estar sempre presentes na vida do filho, não sentem remorso, afirmam que não deixaram nada a desejar e não ficam remoendo sobre o que poderia ter feito enquanto o filho estava vivo, enquanto as que sentem que deixaram de fazer algo, ficam se martirizando e se culpabilizando por aquilo que não fizeram.