Maria Antonieta Bianchi: Professora, Administradora e Articuladora de Novos Tempos e Ações no Campo Educacional (1924-2012)



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Transcrição:

Maria Antonieta Bianchi: Professora, Administradora e Articuladora de Novos Tempos e Ações no Campo Educacional (1924-2012) Homenagem prestada a Maria Antonieta Bianchi (uma das fundadoras da ANPAE) por suas ex-alunas e, posteriormente, colegas Léa Pinheiro Paixão 1 e Leda de Alvarenga Mafra 2 Apresenta-se aqui a trajetória profissional de Maria Antonieta Bianchi, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG), falecida em junho de 2012, em Belo Horizonte. Com essa homenagem, pretende-se dar a conhecer suas principais atividades no então ensino primário, médio e superior, tomando-as como experiências que mobilizaram seus esforços na construção de articulações entre tais níveis de ensino, entre teoria e prática e entre universidade da cátedra e universidade da pesquisa. No dia 14 de junho de 2012, faleceu Maria Antonieta Bianchi, que, como profissional da educação, participou dos principais acontecimentos que marcaram a história da educação no país, em Minas Gerais e no campo da Administração Escolar. Além de suas atividades específicas no magistério, Bianchi participou da fundação da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), tendo, em dois períodos, participado de seu Conselho Deliberativo (1969-1972 e 1980-1982), e da Associação Interamericana de Administração da Educação. Já na Associação Mineira de Administração Escolar (AMAE), Bianchi era membro desde 1973, tendo feito parte de seu Conselho Fiscal (1974-1976) e Conselho Diretor, ocupando o cargo de diretora vice-presidente nos últimos anos de sua vida (2010-2012). Inclui-se, em sua trajetória, sua participação na Sociedade Mineira de Psicologia. A trajetória profissional da Bianchi como todos a chamávamos mostra sua inserção em instituições que constituíram o campo da educação em Minas Gerais e no Brasil. Há uma expressão que define bem essa trajetória e as lembranças que ela deixa: tecedora de laços entre instituições, entre níveis de ensino, entre ensino e pesquisa, entre universidade e ensino básico, entre ensino e a prática da Administração Escolar. Essa busca de união também marcou seu jeito de ser na vida. Bianchi era tranquila e tinha capacidade de escuta. Transitava em 1 Léa Pinheiro Paixão é professora titular de Sociologia da Educação da Universidade Federal Fluminense 2 Leda de Alvarenga Mafra é professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais RBPAE - v. 28, n. 2, p. 533-539 mai/ago. 2012 533

grupos que se opunham em disputas acadêmicas sem se indispor com qualquer um deles e sem deixar de tomar posições. Modesta, sem barulho, esteve presente em instituições e em atividades que marcaram a história da educação mineira e brasileira. Foi cordial e conciliadora, mas vigorosa na defesa de suas ideias e propostas. Fomos alunas dela no curso de Pedagogia da UFMG. Ao produzir este texto, descobrimos uma professora que, além de uma atuação reconhecida no âmbito do ensino da Administração Escolar, teve presença ativa em vários acontecimentos que marcaram os rumos da educação mineira e brasileira durante largo período de tempo, contribuindo para o enfrentamento de muitos desafios deles decorrentes. Não se pretende, todavia, reproduzir o seu currículo, mas, sim, focalizar dimensões de sua vida profissional que indicaram sua atuação, buscando construir aproximações entre instituições e níveis de ensino, entre teoria e prática, de acordo com suas ideias. Nasceu em Itajubá (MG) em 04 de junho de 1924. Com a morte prematura do pai, descendente de família de prestígio no sul de Minas Gerais, a mãe precisou assumir, sozinha, as responsabilidades da criação de Bianchi, retomando os estudos para formação de professora que abandonara ao se casar. Bianchi tinha quatro anos de idade na época. Enquanto a mãe completava o curso, Bianchi esteve sob os cuidados dos avós maternos. Após se formar, a mãe iniciou carreira como professora primária e voltou a cuidar da filha, com a qual morou até sua morte. Bianchi cursou o então primário no sul de Minas, passando por três instituições: Escola Normal Santa Rita do Sapucaí (1932-1933), Escolas Combinadas Antônio Carlos de Conceição das Pedras (1934) e Colégio Sagrado Coração de Jesus de Itajubá (1935). Seguindo a trajetória da mãe, cursou o normal médio no Colégio Sagrado Coração de Jesus de Itajubá (1936-1940). No ano seguinte, iniciou atividades profissionais como professora primária das Escolas Combinadas Conceição das Pedras, no município de mesmo nome, onde atuou até 1950. No início dos anos de 1950, muda-se do sul de Minas para Belo Horizonte, onde permaneceu, até 1953, à disposição do Instituto de Educação de Minas Gerais, para, como outras professoras, cursar o pós-médio de Administração Escolar. Esse curso formava a elite pedagógica da educação primária mineira. Sua origem remonta à Escola de Aperfeiçoamento, criada no governo de Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, em 1929, com o objetivo de preparar e aperfeiçoar do ponto de vista técnico e científico os candidatos ao magistério normal, re-formar os professores primários em exercício, promover a assistência técnica ao ensino e às diretorias dos grupos escolares [...] (MAFRA, 2010, p. 15). Os profissionais que 534 RBPAE - v. 28, n. 2, p. 533-539, mai/ago. 2012

constituíram o corpo docente da Escola de Aperfeiçoamento fizeram dela um laboratório de pesquisas e experimentação na área da Psicologia e da Metodologia do Ensino e um importante centro de irradiação das ideias da Escola Nova no país [...] (MAFRA, 2010, p. 16). É nessa instituição que têm início as atividades de pesquisa em educação, em especial em Psicologia e Metodologia de Ensino, nela estabelecendo-se, também, o Serviço de Seleção e Orientação Profissional (SOSP). Professores da antiga Escola de Aperfeiçoamento e profissionais do SOSP constituíram o núcleo de origem dos professores fundadores do curso de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. O Curso de Aperfeiçoamento (cujo objetivo era formar diretores e supervisores para o ensino primário) foi transformado em curso de Administração Escolar quando da reforma do ensino normal decorrente da promulgação da Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) e passou a integrar o Instituto de Educação, que substituiu a antiga Escola Normal Modelo. Quando Bianchi obteve o título de Orientadora e Administradora Escolar no curso de Administração Escolar (1953), Belo Horizonte já contava com uma universidade pública onde era oferecido, desde 1941, o curso de Pedagogia, cuja atuação era mais dirigida às questões relativas ao ensino médio. O Instituto de Educação continuava, porém, a ser considerado como a instituição mais competente na formação de profissionais para escola primária e normal. Como outras professoras formadas no curso de Administração Escolar, Bianchi cursou Pedagogia na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (1953-1956). Também como outras colegas, Bianchi flertou com a Psicologia, disciplina privilegiada no curso que realizara e, por um curto período (1957-1958), trabalhou no SOSP, instalado no prédio do Instituto de Educação, onde manteve contatos com diversos profissionais que se destacaram nesse campo. À época, a universidade não contava com curso de Psicologia e muitos interessados na disciplina buscavam o curso de Pedagogia, de cuja grade curricular constavam disciplinas da área psicológica. A educação era, naquele momento, analisada, principalmente, pelo foco da Psicologia. No curso de Pedagogia, a Psicologia Educacional se desdobrava em várias disciplinas ao longo das séries do curso. É possível que o interesse pela Psicologia a tenha levado a realizar, entre agosto e novembro de 1956, o curso intensivo de Psicologia Experimental (Psicologia Comparada da Aprendizagem e da Adolescência), sob a direção do conhecido psicólogo da Universidade de Genebra, André Rey, no Instituto Superior de Educação Rural (ISER). Em seu currículo consta a tradução de texto daquele professor (REY, 1960). Frequentou, ainda, o curso Psicodiagnóstico de Rorschach, promovido pelo SOSP em 1960. Ainda exercia funções de psicóloga quando, em 1956, começou sua RBPAE - v. 28, n. 2, p. 533-539 mai/ago. 2012 535

carreira no Departamento de Pedagogia e Didática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, que era responsável pelo curso de Pedagogia e por disciplinas pedagógicas que compunham o currículo dos demais cursos de licenciatura oferecidos pela universidade. Nessa instituição, Bianchi foi professora assistente da catedrática da Cadeira de Administração Escolar e Educação Comparada, professora Alda Lodi. A história das relações entre Brasil e Estados Unidos já era antiga. A presença norte-americana na educação mineira foi importante em pelos menos dois projetos: na organização da Escola de Aperfeiçoamento e na instalação, no Instituto de Educação de Belo Horizonte, de um programa nacional endereçado aos profissionais da escola primária e normal nos anos 1956-1964 o Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (PABAEE). No âmbito das discutidas relações entre Brasil e Estados Unidos, com apoio da Agência Internacional para o Desenvolvimento (AID), Bianchi realizou, na School of Education da Universidade de Wisconsin, Milwakee (1956-1957), o curso Treinamento de Professores em Organização, Administração e Supervisão da Educação Elementar, com experiência em escolas elementares daquele país. Ainda sob os auspícios da AID, Bianchi realizou, nos Estados Unidos (1966-1967), o Curso de Educação Elementar. Bianchi, como os profissionais que atuavam na educação nos anos de 1960, participou da intensa mobilização em torno da reforma do ensino superior e, nesse contexto, da criação de faculdades de educação. Até então, as faculdades de filosofia qualificavam profissionais para o ensino médio, incluindo os profissionais para escolas normais, apesar de não tratarem do ensino primário. A produção da pesquisa pela universidade era foco que dividia posições no campo universitário, em especial, nas áreas consideradas mais nobres, como, por exemplo, no curso de Medicina, cujos objetivos centrais estavam articulados à formação do médico. A pesquisa era ali considerada como instrumento de apoio. Será com a reforma universitária que a pesquisa passa a ser considerada uma variável forte na organização das universidades. Na Universidade Federal de Minas Gerais, as disputas em torno da reforma não foram poucas (PAIXÃO, 1995; VEIGA et al., 1987). Elas foram mais intensas em alguns cursos, como o de Medicina, e nos departamentos da Faculdade de Filosofia que desenvolviam pesquisas básicas, como os de Química, Física e Biologia. No Departamento de Pedagogia e Didática, as discussões giravam em torno da criação da Faculdade de Educação, que assumiria responsabilidades que iriam além da formação de profissionais para o ensino médio e se expandiriam no campo da pesquisa formação de pesquisadores. No âmbito da reestruturação da universidade, Bianchi participou desse 536 RBPAE - v. 28, n. 2, p. 533-539, mai/ago. 2012

momento e das atividades que resultaram na fundação da Faculdade de Educação (1968), tendo colaborado ativamente na elaboração do primeiro projeto de sua estrutura administrativa. Assim, ela construiu elos entre o ensino da educação, na universidade organizada em torno da cátedra, na universidade centrada na pesquisa e na estrutura departamental. Bastante expressivo, também, foi o elo estabelecido por ela entre ensino e prática na Administração Escolar. Como professora na Faculdade de Educação da UFMG, foi responsável pelo ensino de Educação Comparada e de Administração Escolar. Na prática da Administração Escolar foi chefe do Departamento de Administração Escolar, diretora do Centro Pedagógico da Faculdade de Educação, membro do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, coordenadora do Colegiado de Pedagogia. Colocou sua experiência a serviço do Conselho Estadual de Educação, atuando, nas décadas de 1970-1980, na Câmara de Ensino do 2º Grau. Tal inserção não constituía, como hoje, fato comum. No decorrer de sua vida, esteve presente na direção de diversas instituições, assim como contribuiu na organização de eventos significativos para a área. Sua atuação se estendeu ao desenvolvimento do campo da Administração Escolar e em suas articulações para além dos limites da universidade, no país e no exterior. Bastante significativos foram seus esforços no estreitamento de elos entre a universidade e o ensino básico. A trajetória de Bianchi, que se inicia no âmbito do ensino primário e se alarga com a entrada no ensino superior, contribuiu, mas não esgota, as explicações sobre sua sensibilidade na busca de articulações entre esses dois níveis de ensino. Seu currículo registra diversas atividades que desenvolveu a convite da Secretaria de Educação, no Conselho Estadual de Educação, e do Ministério da Educação, entre os anos de 1964 e 1991, além de exercer funções tais como: coordenação de Grupo Especial para Reformulação do Programa de Ensino de 1º Grau; assessoria junto à Secretaria de Educação, com atividades relacionadas ao Estatuto do Magistério de 1º e 2º Graus; à elaboração de currículos e de programas de ensino para o ensino primário e normal; de plano estadual de educação; capacitação de recursos humanos para as escolas de segundo grau com habilitação em magistério etc. Assim, não é de estranhar que ela tenha sido convidada para integrar o Conselho Estadual de Educação (CEE) de 1973 a 1984. Como membra do CEE, participou do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio (PREMEN), projeto nacional de expansão e melhoria do ensino de grande repercussão e que tinha objetivos ambiciosos no âmbito das políticas modernizantes do governo militar, tais como [...] incentivar o desenvolvimento quantitativo, a transformação estrutural e o aperfeiçoamento do ensino médio [...] (Art. 1º do Decreto n. RBPAE - v. 28, n. 2, p. 533-539 mai/ago. 2012 537

63.914, de 16 de dezembro de 1968). O PREMEN promoveu a implantação de escolas polivalentes com apoio da United States Agency for International Development (USAID) e foi objeto de muitas discussões (ARAPIRACA, 1982; ARAUJO, 2009). Bianchi assessorou a Secretaria de Ensino Superior/MEC na implantação desse programa, tendo sido membra da comissão de implantação do referido projeto em Minas Gerais (1982). No que se refere à Bianchi pesquisadora, observa-se uma dimensão menos óbvia em trajetórias de professores universitários de uma geração de docentes do campo da educação, na vigência da universidade da cátedra. Como vimos, ela viveu a passagem da universidade da cátedra para a universidade da pesquisa. Nessa passagem, identificamos professores que souberam, por meio de sua prática, desenvolver em seus alunos o ethos da pesquisa, embora muitos deles não tenham sido pesquisadores. Na universidade da cátedra, as atividades de pesquisa eram secundárias. O eixo das atividades era o ensino visando à formação profissional. Bianchi se distinguia do corpo docente de então, que centrava suas aulas em um conjunto restrito de bibliografia. Ela estimulava seus alunos à curiosidade, a procederem a incursões em um conjunto variado de livros ainda pouco conhecidos no Brasil, bem como comentava as pesquisas realizadas. Tinha em sua casa uma ampla biblioteca, que alguns alunos frequentavam. Somos testemunhas de sua prática pedagógica, que abria perspectivas de problemas e caminhos, de pesquisas produzidas no mundo. Assim, ela já apresentava familiaridade com a perspectiva da pesquisa na educação na universidade da cátedra. Sua trajetória possibilitou um trato com os alunos que propiciava a emergência do ethos de pesquisa. Bianchi viveu o clima de pesquisa no Curso de Aperfeiçoamento, que desenvolvia pesquisa, em especial na Psicologia e na Didática. A realização de cursos nos Estados Unidos, sem dúvida, conta para explicar a diversidade de leituras e de informações com que ela operava em suas atividades. Sua sensibilidade para a pesquisa, sua cultura pedagógica, sua familiaridade bibliográfica produzida em outros países explicam seu caráter de mutante na educação. Sua produção de pesquisa deve, pois, ser entendida no âmbito da história do curso de Pedagogia, da história da universidade e de sua própria trajetória. Na universidade da pesquisa ela produziu diagnósticos da educação para a Secretaria de Educação, avaliação de cursos, como o de Pedagogia, avaliações relativas à atuação de programas desenvolvidos pelo Estado, como o PREMEN. Diante dessa trajetória, é possível afirmar que Bianchi foi uma mulher que encarou os desafios de seu tempo, dentro dos limites e possibilidades históricosociais do período em que viveu. 538 RBPAE - v. 28, n. 2, p. 533-539, mai/ago. 2012

REFERÊNCIAS ARAUJO, José Alfredo. A USAID, a guerra fria, o regime militar e a implantação das escolas polivalentes no Brasil. Ciência &Desenvolvimento, Vitória da Conquista, v. 2, n. 1, p. 87-101, jan./dez. 2009. BIANCHI, Maria Antonieta. Memória e história. Belo Horizonte, [s.n.]. MAFRA, Leila de Alvarenga. O instituto de educação de Minas Gerais: constituição histórica, transformações e permanências (1946-1960). In: CASTRO, Magali; MAFRA, Leila de Alvarenga (Orgs.). A pesquisa sobre a profissão docente: desafios e perspectivas. Curitiba: CRV, 2010. p. 63-80. PAIVA, Edil Vasconcelos; PAIXÃO, Lea Pinheiro. PABAEE (1956-1964): a americanização do ensino elementar no Brasil? Niterói: EDUFF, 2002. PAIXÃO, Lea Pinheiro. Cátedra e hegemonia da prática docente na faculdade de medicina da universidade federal de Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 76, n. 182/183, p. 200-239, jan./ago. 1995. PRATES, Maria Helena de Oliveira. A escola de aperfeiçoamento: teoria e prática na formação de professores. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes de; PEIXOTO, Ana Maria Casasanta (Orgs.). Lições de Minas: 70 anos da secretaria de educação. Belo Horizonte: Governo de Minas Gerais/Secretaria de Estado da Educação, 2000. p. 67-83. (Série Lições de Minas, v. 7). VEIGA, Laura et al. UFMG: trajetória de um projeto modernizante, 1964-1974. Revista do Departamento de História, Belo Horizonte, n. 5, p. 5-40, dez. 1987. RBPAE - v. 28, n. 2, p. 533-539 mai/ago. 2012 539