A Educação de Jovens e Adultos no Brasil: história e contradições.



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Transcrição:

29 http://revista.famma.br/unifamma/ ISSN printed: 1677-8308 A Educação de Jovens e Adultos no Brasil: história e contradições. Letícia Pereira DIAS Nestor Alexandre PEREHOUSKEI ** RESUMO Esta pesquisa percorre a trajetória histórica da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil buscando compreender, dentro da lógica do capitalismo neoliberal, os grandes desafios e perspectivas dessa modalidade de ensino. A partir de revisão de literatura, constatou-se que as diversas dimensões da educação, devido à diferenciação de classes, produzem-se dentro de contradições e conflitos, que assumem especificidades nas formações histórico-sociais, de acordo com a evolução científico-técnica dos instrumentos de produção. O significado da alfabetização na EJA vai muito além da compreensão de signos linguísticos, tornando-se uma perspectiva de mudança e transformação de vida. PALAVRAS-CHAVE: Trajetória. Educação de Jovens e Adultos. Capitalismo Neoliberal. 1 INTRODUÇÃO A Educação de jovens e adultos (EJA) é uma modalidade de ensino amparada por lei e voltada às pessoas que não tiveram acesso, por motivos de força maior, ao ensino regular na idade apropriada. Refere-se a um direito gratuito assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), aos que não tiveram acesso à escola na idade própria. Para que tal legislação possa ser cumprida, o poder público deve estimular o acesso e a permanência com êxito do jovem e do adulto na escola. Existem diversos fatores que podem dificultar a alfabetização no período da infância e, no decorrer dos anos, o indivíduo sente a necessidade de se inserir nesse processo e procura a EJA. A alfabetização de jovens e adultos não se limita a uma tarefa meramente escolar; está intimamente ligada a sonhos, expectativas, anseios de mudança. É preciso compreender que ainda nos dias atuais, os alunos de EJA vivenciam problemas como Pedagoga, Especialista em Psicopedagogia e Educação de Jovens e Adultos pelo Instituto de Estudos Avançados e Pós-Graduação - ESAP. ** Professor, Geógrafo, Especialista em Educação de Jovens e Adultos pelo ESAP, Pós-Graduado em Análise Espacial e Geoprocessamento em Saúde pela ENSP/FIOCRUZ - RJ, Mestre e Doutorando em Geografia Ambiental e Regional pela Universidade Estadual de Maringá - UEM.

30 preconceito, vergonha, discriminação, críticas, dentre tantos outros e, que tais questões são vivenciadas, tanto no cotidiano familiar, como na vida em comunidade. Geralmente, é no período pós-adolescência que o indivíduo reconhece a necessidade do conhecimento escolar e passa a buscá-lo. As causas de não ter recebido a alfabetização no período de infância podem ser várias, como o fato de ter que trabalhar para sobreviver, não ter acesso a escola no local onde mora e, até mesmo, a evasão escolar, por isso, são comuns as escolas que alfabetizam jovens e adultos. Mister se faz evidenciar que a EJA é uma educação possível e capaz de mudar significativamente a vida de uma pessoa, permitindo-lhe reescrever sua história de vida. A educação é um instrumento que possibilita ao indivíduo, seja ele jovem ou adulto, desenvolver suas habilidades, expandir seu potencial e confirmar as competências adquiridas na educação extracurricular e na própria vida, auxiliando-o a se tornar tudo aquilo que ele tem capacidade para ser e, formando-o para o amplo desenvolvimento do ser, tanto para o mercado de trabalho, como para a vida. Nesse processo, busca-se um nível técnico e profissional mais qualificado, representando novas possibilidades de efetivas contribuições no desenvolvimento das pessoas, em diversas faixas etárias. Isso não representa somente a inserção do indivíduo e do grupo na aprendizagem do sistema educacional, perpassa, principalmente, por questões culturais, que permeiam a subjetividade do alfabetizando e do alfabetizador em seu papel de mediador do conhecimento, no processo de letramento, a terem uma base sólida de formação, suscitando a verdadeira práxis, ou seja, a intervenção daqueles que acreditam que podem mudar a realidade agindo primeiramente na sua própria transformação. É muito gratificante para uma pessoa leiga poder aprender a ler e escrever, consciente da necessidade e importância de tal ato para a sua vida, pois representa um mundo novo que se abre para ela: é como se fosse cega e de repente abrisse os olhos e enxergasse coisas que até então não via (BATISTA, 2012). Alfabetizar tais pessoas é proporcionar para elas grandes mudanças, uma nova visão de mundo, a chance de ter uma vida melhor, com mais oportunidades. Para os professores, já docentes ou em formação, é fundamental saber como acontece e vem acontecendo o processo de alfabetização nessas fases da vida, sendo de acordo com a práxis, evidenciado que, para o ensino direcionado aos jovens e adultos, a alfabetização não acontece da mesma forma que no período de infância. Nesse sentido, os adultos precisam ser incentivados para que tenham motivação e não permitam que os problemas rotineiros os afastem da escola. Para tanto, o professor

31 precisa conhecer metodologias atuais e as que, ao longo da história, foram aplicadas e tiveram êxito, para melhor atender ao alunado, que independente de ser criança ou adulto, também necessita de formação crítica e social. Assim sendo, a presente pesquisa tem como objetivo historiar a trajetória da EJA, do período de colonização do Brasil, aos dias atuais. O presente trabalho iniciou-se a partir de questionamentos ligados a EJA, debatidos no curso de pós-graduação, lato sensu, Educação de Jovens e Adultos, promovido pelo Instituto de Estudos Avançados e Pós-Graduação (ESAP) em Maringá, Paraná. A partir dessas discussões, procurou-se desenvolver uma pesquisa, buscando conhecer a trajetória histórica da EJA no Brasil, analisando os desafios, avanços, conquistas e novas tendências dessa modalidade de ensino. Em seguida, foram realizadas pesquisas de materiais bibliográficos sobre os temas afins. Posteriormente, foram selecionados e analisados alguns artigos, textos e livros que apresentaram elementos pertinentes às discussões dessa temática. Após essa fase, produziu-se a organização de alguns resultados encontrados nas diversas referências. Por último, foram elaboradas algumas considerações a respeito de todo material utilizado. Nessa perspectiva, esta contribuição pretende auxiliar equipes multidisciplinares que atuam na área de ensino e pesquisa, em futuras propostas pedagógicas no campo da EJA. 2 CAMINHOS PERCORRIDOS PELA EJA NO BRASIL A história da EJA no Brasil é muito recente. Embora venha se desenhando de forma assistemática desde o período do Brasil Colônia, até 1822, a referência à população adulta era apenas de educação para doutrinação religiosa, abrangendo um caráter prevalentemente religioso, do que propriamente educacional. Na educação jesuítica priorizavam-se ofícios necessários ao funcionamento da economia colonial, com a organização de trabalhos manuais, ensino agrícola e, muito raramente, leitura e escrita. Os métodos jesuíticos permaneceram até o período pombalino com a expulsão dos jesuítas, período em que o Marquês de Pombal organizava as escolas de acordo com os interesses do Estado e, com a chegada da Família Real ao Brasil, a educação perdeu o seu foco, que já não era amplo. No Brasil Império (1822-1889), começaram a acontecer algumas reformas

32 educacionais, que preconizavam a necessidade de um ensino noturno para adultos analfabetos. Em 1876, foi formulado um relatório pelo ministro José Bento da Cunha Figueiredo, apontando a existência de 200 mil alunos frequentes às aulas noturnas. Durante muito tempo, as escolas de período noturno eram a única forma de educação de adultos praticada no país. Segundo CUNHA (1999), com o desenvolvimento industrial, no início do século XX, inicia-se um processo lento, mas crescente, de valorização da educação de adultos. Porém, essa preocupação trazia pontos de vista diferentes em relação à educação para essa categoria, quais sejam: a valorização do domínio da língua falada e escrita, visando o domínio das técnicas de produção; a aquisição da leitura e da escrita como instrumento de ascensão social; a alfabetização de adultos vista como meio de progresso do país e; a valorização da alfabetização de adultos para ampliação da base de votos. A partir de 1940, verificaram-se altos índices de analfabetismo no país, direcionando a decisão do governo, no sentido de criar um fundo destinado à alfabetização da população adulta analfabeta. Em 1945, com o final da ditadura de Getúlio Vargas, iniciou-se um movimento de fortalecimento dos princípios democráticos no país. A partir da criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), pactua-se junto aos países integrantes (e entre eles, o Brasil) a educação direcionada aos adultos analfabetos. Em 1947, o governo lançou a 1ª Campanha de Educação de Adultos, propondo: alfabetização dos adultos analfabetos do país em três meses; oferta de curso primário em duas etapas de sete meses; capacitação profissional e o desenvolvimento comunitário. Ampliam-se as discussões sobre o analfabetismo e a educação de adultos no Brasil. Nessa época, o analfabetismo era visto como causa (e não como efeito) do escasso desenvolvimento brasileiro. O adulto analfabeto era identificado como elemento incapaz e marginal psicológica e socialmente, submetido à menoridade econômica, política e jurídica, não podendo votar ou ser votado (CUNHA, 1999). Segundo Soares (1996), essa 1ª campanha foi lançada por dois motivos: primeiro, devido ao momento pós-guerra em que vivia o mundo, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) proferiu uma série de recomendações aos países, dentre as quais, a de um olhar específico para a educação de adultos. O segundo motivo foi o fim do Estado Novo, que trazia um processo de redemocratização, gerando a necessidade de ampliação do contingente de eleitores no país. No lançamento dessa 1ª campanha, a Associação de Professores do Ensino Noturno e o Departamento de

33 Educação preparavam o 1º Congresso Nacional de Educação de Adultos. O Serviço de Educação de Adultos do Ministério da Educação e Cultura (SEA- MEC) elaborou e enviou para discussões, aos SEAs estaduais, um conjunto de publicações sobre o tema, convocando dois representantes de cada Estado para participação no congresso. As concepções presentes nessas publicações, segundo Soares (1996), eram: o investimento na educação como solução para problemas da época; o alfabetizador identificado como missionário; o analfabeto visto como causa da pobreza; o ensino de adultos como tarefa fácil; a não necessidade de formação específica; a não necessidade de remuneração, devido à valorização do voluntariado. Nessa perspectiva, iniciou-se um processo de mobilização nacional, no sentido de discutir a Educação de Jovens e Adultos no país. De certa forma, embora a campanha não tenha obtido sucesso, representou bons resultados, no que se refere à visão preconceituosa, que foi sendo superada, a partir das discussões sobre o processo de educação de adultos. Diversas pesquisas foram sendo desenvolvidas e algumas teorias da Psicologia, gradativamente, desmentindo a ideia de incapacidade na aprendizagem designada ao educando adulto. Diversas críticas foram feitas ao método de alfabetização adotado, para a população adulta nessa campanha, como as precárias condições de funcionamento das aulas; a baixa frequência e aproveitamento dos alunos; a má remuneração e desqualificação dos professores; inadequação do programa e do material didático à clientela; a superficialidade do aprendizado entre outras. Estabeleceu-se o declínio da 1ª campanha devido aos resultados apresentarem-se insatisfatórios (SOARES, 1996). Porém, dentre todas as delegações, uma se destacou, indo além das críticas e apontando soluções: a de Pernambuco, da qual fazia parte Paulo Freire, que propõe maior comunicação entre o educador e o educando e uma adequação do método às características das classes populares. Como resultado da 1ª campanha, Soares (1996) considera a criação de uma estrutura mínima de atendimento, apesar da não valorização do magistério. Ao final da década de 1950 e início da década de 1960, iniciou-se uma intensa mobilização em torno das reformas de base, que contribuiu para a mudança das iniciativas públicas de educação de adultos. Uma nova visão sobre o problema do analfabetismo foi surgindo, junto à consolidação de uma nova pedagogia de alfabetização de adultos, que tinha como principal referência Paulo Freire. Surgiu um novo paradigma pedagógico referente ao entendimento da relação

34 entre a problemática educacional e a problemática social: o analfabetismo, que era apontado como causa da pobreza e da marginalização, passou a ser interpretado como efeito da pobreza, gerada por uma estrutura social não igualitária (SOARES, 1996). Surge a ideia de que o processo educativo deveria interferir na estrutura social que produzia o analfabetismo, por meio da educação de base, partindo de um exame crítico da realidade existencial dos educandos. Na percepção de Paulo Freire, educação e alfabetização se confundem, sendo a primeira o domínio de técnicas para ler e escrever, conscientemente e, resultado de uma postura atuante do homem sobre seu contexto. As ideias de Paulo Freire se expandiram no país e este foi reconhecido nacionalmente por seu trabalho com a educação popular e, mais especificamente, com a educação de adultos. Em 1963, o Governo encerrou a 1ª campanha e encarregou Freire de organizar e desenvolver um Programa Nacional de Alfabetização de Adultos. Porém, em 1964, com o Golpe Militar, ocorre uma ruptura no trabalho de alfabetização, já que a conscientização proposta por Freire passou a ser vista como ameaça à ordem instalada. Nesse momento, deu-se o exílio de Freire e o início da realização de programas de alfabetização de adultos assistencialistas e conservadores. Dentro desse contexto, em 1967, o Governo assumiu o controle da alfabetização de adultos, com a criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), voltado para a população de 15 a 30 anos, objetivando a alfabetização funcional aquisição de técnicas elementares de leitura, escrita e cálculo. Com isso, as orientações metodológicas e os materiais didáticos esvaziaram-se de todo sentido crítico e problematizador, proposto anteriormente por Freire (CUNHA, 1999). Na década de 1970, ocorreu a expansão do MOBRAL, em termos territoriais e de continuidade, iniciando-se uma proposta de educação integrada, que objetivava a conclusão do antigo curso primário. Paralelamente, alguns grupos que atuavam na educação popular continuaram a alfabetização de adultos dentro da linha mais criativa. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n o 5692/71, implantou-se o Ensino Supletivo, sendo dedicado um capítulo específico para a EJA. Essa lei limitou o dever do Estado à faixa etária dos 7 aos 14 anos, mas reconheceu a educação de adultos como um direito de cidadania, o que pode ser considerado um avanço para a área da EJA no país.

35 A respeito do MOBRAL, Bello (1993) faz a seguinte referência: O projeto MOBRAL permite compreender bem esta fase ditatorial por que passou o país. A proposta de educação era toda baseada aos interesses políticos vigentes na época. Por ter de repassar o sentimento de bom comportamento para o povo e justificar os atos da ditadura, esta instituição estendeu seus braços a uma boa parte das populações carentes, através de seus diversos Programas (BELLO, 1993). Em 1974, o MEC propõe a implantação dos Centros de Estudos Supletivos (CES), que se organizavam com o trinômio: tempo, custo e efetividade. Devido à época vivida pelo país, de inúmeros acordos entre MEC e a United States Agency for International Development (USAID), ofertavam-se cursos influenciados pelo tecnicismo, adotando os módulos instrucionais, o atendimento individualizado, a autoinstrução e a arguição em duas etapas - modular e semestral. Como consequência, ocorreram a evasão, o individualismo, o pragmatismo e a certificação rápida e superficial (SOARES, 1996). Nos anos 1980, com a abertura política, as experiências paralelas de alfabetização desenvolvidas dentro de um formato mais crítico ganharam corpo. Surgiram os projetos de pós alfabetização, que propunham um avanço na linguagem escrita e nas operações matemáticas básicas. Em 1985, o MOBRAL foi extinto surgindo a Fundação Educar, que abriu mão de executar diretamente os projetos e passou a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas existentes. De acordo com Cunha (1999), a década de 1980 foi marcada pela difusão das pesquisas sobre língua escrita, com reflexos positivos na alfabetização de adultos. Em 1988, foi promulgada a Constituição, que ampliou o dever do Estado para com a EJA, garantindo o ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos os cidadãos. Nos anos 1990, o desafio da EJA passou a ser o estabelecimento de uma política e metodologias criativas, com a universalização do ensino fundamental de qualidade. Em nível internacional, ocorreu um crescente reconhecimento da importância da EJA para o fortalecimento da cidadania e da formação cultural da população, devido às conferências organizadas pela UNESCO, esta criada pela ONU e responsabilizada por incrementar a educação nos países em desenvolvimento. Ela chamou uma discussão nacional sobre o assunto, envolvendo delegações de todo o país. A partir dessa mobilização nacional, foram organizados os Fóruns Estaduais de EJA, que vêm se expandindo em todo o país, estando presentes, atualmente, em todos os estados brasileiros. Em 1996, ocorreu uma intensa mobilização incentivada pelo MEC e

36 pela UNESCO, como forma de preparação para a V Conferência Internacional de Educação de Adolescentes e Adultos (CONFITEA). O MEC instituiu uma Comissão Nacional de EJA, para incrementar essa mobilização, em que cada Estado deveria realizar um encontro para diagnosticar metas e ações de EJA. Com esse movimento, as instituições envolvidas decidiram dar continuidade a esses encontros. Em 1997, a UNESCO convocou Secretarias Estaduais de Educação (SEEs), Secretarias Municipais de Educação (SMEs), Universidades e Organizações Não Governamentais (ONGs) para a preparação da V CONFITEA, a partir da discussão e elaboração de um documento nacional com diagnósticos, princípios, compromissos e planos de ação. Esses eventos de intercâmbio marcaram o ressurgimento da área de EJA. Em 1998, Minas Gerais implantou seu Fórum Estadual, assim como a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Seguindo essa corrente de intercâmbios, Curitiba realizou um encontro, patrocinado pela UNESCO, para a socialização da V CONFITEA. Como consequência, decidiu-se iniciar uma série de encontros nacionais de EJA. Em 1999, ocorreu o 1º Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos (ENEJA), no Rio de Janeiro, do qual participaram os Fóruns do Rio, de Minas Gerais, do Espírito Santo, do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Esse encontro representou um estímulo para o surgimento de outros Fóruns: em 2000, o II ENEJA, em Campina Grande, Paraíba, com a participação de oito Fóruns; em 2001, o III ENEJA, em São Paulo, com a participação do 10 Fóruns; em 2002, o IV ENEJA, em Belo Horizonte, Minas Gerais, com a participação de 12 Fóruns; em 2003, o V ENEJA, em Cuiabá, Mato Grosso, com a participação de 17 Fóruns; em 2004, o VI ENEJA, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, com a participação de 22 Fóruns; em 2005, o VII ENEJA, em Brasília, Distrito Federal, com a participação de 24 Fóruns; em 2006, o VIII ENEJA, em Recife, Pernambuco, com a participação de 26 Fóruns e outros. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n o 9334/96 propôs, em seu artigo 3 o, a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, a garantia de padrão de qualidade, a valorização da experiência extra-escolar e a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Tais princípios estimularam a criação de propostas alternativas na área de EJA. Assim, embora a lei tenha dedicado apenas uma seção com dois artigos à EJA, os parágrafos 2 o, 3 o e 4 o tratam essa modalidade, sob o ponto de vista do ensino fundamental, podendo ser considerado um avanço para a área. Além disso, ao determinar

37 a identificação daqueles que não tiveram acesso ao ensino fundamental, abriu um espaço de intervenção, criando possibilidades de confronto entre o universo da demanda e o volume e qualidade da oferta e resultando em compromisso do setor público com a EJA. Na década de 1990, o governo se desobrigou de articular a política nacional de EJA, transferindo esse compromisso para os municípios. Nesse momento, inúmeras iniciativas vêm emergindo, com parcerias entre municípios, ONGs e Universidades. Surgem os Fóruns de EJA, como espaços de encontros e ações em parceria entre os diversos segmentos envolvidos com a área, como o poder público (administrações públicas municipais, estaduais e federal), as universidades, ONGs, movimentos sociais, sindicatos, grupos populares, educadores e educandos, tendo como principal objetivo a troca de experiências e o diálogo entre as instituições. De acordo com Soares (2004), os fóruns são movimentos que articulam instituições, socializam iniciativas e intervêm na elaboração de políticas e ações da área de EJA e ocorrem num movimento nacional, com o objetivo de interlocução entre organismos governamentais e não governamentais, para intervir na elaboração de políticas públicas. Os fóruns surgiram e foram organizados de diferentes formas em cada Estado: Em Alagoas, o Fórum Estadual surge antes da década de 1990, como um coletivo de educação popular e, em 1990, como Fórum Estadual propriamente dito. No Distrito Federal, forma-se, no mesmo ano, um grupo de trabalho coletivo de alfabetização de adultos e, somente em 2003, tem-se o Fórum Estadual. Em Pernambuco, acontece uma articulação pela Educação de Jovens e Adultos. Porém, o Rio de Janeiro é o primeiro Estado a criar um Fórum Estadual de EJA. Em 2001, foi organizada, em Brasília, uma reunião para compreender os desafios dos Fóruns, patrocinado pela Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora no Brasil (RAAAB). Desta, conclui-se que os Fóruns de EJA têm o objetivo de socializar informações e trocar experiências, sendo um espaço de pluralidade. A partir do momento em que o MEC se ausenta da qualidade de articulador de uma política nacional para a EJA, os Fóruns aparecem como uma estratégia de mobilização das instituições do país que estão diretamente envolvidas com a EJA, ou seja, o conhecimento do que se faz, a socialização de experiências leva à articulação e à intervenção. Os Fóruns se instalam como espaços de diálogos, em que os segmentos envolvidos com a EJA planejam, organizam e propõem encaminhamentos em comum. Nesse sentido, mantêm reuniões permanentes, quando aprendem com o diferente, exercitando a tolerância (SOARES, 2004). Os Fóruns mantêm uma secretaria executiva, com representantes dos segmentos, que preparam plenárias, podendo ser mensais,

38 bimestrais ou anuais, de acordo com a realidade específica de cada Fórum e existem também as plenárias itinerantes, como a do Estado da Paraíba. A manutenção dos Fóruns representa um desafio, pois não existe pessoa jurídica que receba ou repasse recursos, sendo que a participação ocorre espontaneamente por adesão. Nesse momento vem surgindo os Fóruns Regionais, num processo de descentralização e interiorização dos Fóruns. Com o surgimento dos Fóruns a partir de 1997, a história da EJA passa a ser registrada num Boletim da Ação Educativa, que socializa uma agenda dos Fóruns e os relatórios dos ENEJAs. De 1999 a 2000, os Fóruns passam a marcar presença nas audiências do Conselho Nacional de Educação para discutir as diretrizes curriculares para a EJA. Em alguns Estados, esses fóruns passaram a participar da elaboração das diretrizes estaduais e em alguns municípios, participaram da regulamentação municipal da EJA. A Secretaria da Erradicação do Analfabetismo instituiu uma Comissão Nacional de Alfabetização e solicitou aos Fóruns uma representação. Os Fóruns, portanto, têm sido interlocutores da EJA no cenário nacional, contribuindo para a discussão e o desenvolvimento dessa modalidade de ensino no Brasil. 3 O PERFIL DO PROFESSOR DA EJA A alfabetização e letramento de jovens e adultos é uma ação peculiar, que não se estabelece da mesma forma que no período de infância, pois o professor alfabetizador deve partir dos princípios de ação-reflexão-ação e deve estar aliado à formação continuada. Esta permite refletir ações e repensar a sua prática, elaborando planos e/ou projetos que possam aprimorar suas dinâmicas. A alfabetização na EJA envolve também a afetividade, o gosto e a responsabilidade, sendo fundamental que o professor tenha consciência da valorização do outro, considerando o conhecimento que o aluno traz na sua vivência, pois, durante toda a vida, adquire um vasto conhecimento do senso comum e valoriza também as experiências de vida. O diálogo deve estar presente nas aulas e o professor precisa utilizar uma linguagem simples e acessível, ser incentivador, adotando um meio para alcançar a motivação dos alunos. A prática da ação-reflexão-ação permite ao professor lançar estratégias para o sucesso do processo de ensino-aprendizagem. Ao observar turmas da EJA, é comum verificar que os professores regentes são geralmente experientes, que despertam a confiança em seus alunos e acreditam na educação como foco de mudança.

39 Segundo Leal e Albuquerque (2005, p. 114): O conhecimento na ação, ou o conhecimento tácito, seria aquele constituído na prática cotidiana do exercício profissional. Concebemos que esse é um saber que se constrói com base nos conhecimentos prévios de formação inicial, articulado com os saberes gerados na prática cotidiana, de forma assistemática e muitas vezes sem tomada de consciência acerca dos modos de construção. Para um projeto de formação numa base reflexiva, torna-se fundamental conhecer e valorizar esses conhecimentos que são constituídos pelos professores, seja através de uma reflexão teórica, seja através desses processos eminentemente assistemáticos (LEAL, 2005, p. 114). A aprendizagem não pode ser simplesmente transmitida; é um processo de construção, em que o professor busca oferecer meios que favoreçam esse constructo; a transmissão do conhecimento, por meio do qual o professor deve utilizar a vivência e o conhecimento prévio do aluno para ajudá-lo na construção do saber. O conhecimento transmitido ao alfabetizando deve fazer sentido para ele: se o professor partir de um ponto desconhecido, que foge à realidade do aluno, poderá não alcançar a compreensão necessária ao letramento. A principal função do professor na EJA é mediar, interagir junto ao aluno, com o meio, utilizar-se de metodologias que favoreçam o processo de construção do ensinoaprendizagem, pois o aluno da atualidade espera mais do que aprender a assinar o seu nome, por isso, exercício de mera memorização, atividades mecânicas e outras correlatas não permitem o êxito na EJA. A interdisciplinaridade deve também fazer parte desse processo, assim como temas transversais, como a ética, valores e cidadania que devem nortear a construção do conhecimento nesta fase. A Educação de Jovens e Adultos traz muitos desafios, tanto para professores, como para alunos e, são essas provocações que constroem práticas eficazes de alfabetização. Nesse sentido, Moll (2004), esclarece muito bem o papel do educador na EJA, ao considerar: O papel do educador é pensar formas de intervir e transformar a realidade, problematizando-a, dialogando com o educando. Em sala de aula o importante não é depositar conteúdos, mas despertar uma nova forma de relação com a experiência vivida. Portanto, antes de qualquer coisa, é preciso conhecer o aluno: conhecê-lo como indivíduo num contexto social, com seus problemas, seus medos, suas necessidades, valorizando seu

saber, sua cultura, sua oralidade, seus desejos, seus sonhos, isto possibilita uma aprendizagem integradora, abrangente, não compartimentalizada, não fragmentada (MOLL, 2004, p. 140). 40 Essa busca, a que se refere a autora, deve ser realmente efetiva no cotidiano das salas de aula de EJA. 4 PERFIL DO ALUNO DA EJA E OS MOTIVOS DA EVASÃO Os alunos da EJA são geralmente pessoas vindas de famílias de baixa renda, sendo que, em muitos casos, os pais também não são alfabetizados. Esse perfil faz com que se sintam discriminados, pois, no dia a dia, é necessária a leitura em diversas situações, tais como: para se tomar um ônibus, por exemplo, é necessário conseguir identificá-lo; para fazer compras, precisa-se conhecer os números, entre outras. Quando se pensa em exclusão, remete-se, normalmente, a diversos grupos tradicionalmente excluídos (portadores de deficiência, negros, homossexuais...), mas alunos de EJA também fazem parte desses grupos sociais. afirmação: O autor Bieler (2004) discute sobre a importância da inclusão, na seguinte A perspectiva da educação inclusiva vai além da deficiência. Esta é apenas uma das áreas que seriam beneficiadas com ela (educação inclusiva). A qualidade da educação é que está em debate porque hoje não se considera (nos sistemas educacionais) a diversidade dos alunos, os níveis de necessidade e as características individuais. A proposta da educação inclusiva melhoraria a qualidade do ensino para todos. Não se trata só de incluir deficientes nas sala de aula (BIELER, 2004, p. 11). Os alunos da EJA possuem necessidades educacionais específicas, independente de terem ou não deficiência física, mental ou intelectual, uma vez que vão para a escola após um longo dia de serviço, com corpo e mente cansados, ao contrário de uma criança que não trabalha e não tem preocupações com a família, como normalmente os adultos sentem. A maioria dos alunos da EJA tem a necessidade de voltar à escola por se sentirem alheios ao mundo letrado; procuram melhores condições de vida; almejam um melhor cargo no trabalho. Muitos buscam a leitura com o objetivo de serem mais participativos, críticos e até por motivos religiosos, como por exemplo, o sonho de aprender a ler para conseguir interpretar a Bíblia. Grande parte dos alunos buscam uma realização pessoal, principalmente os mais idosos, que ainda são discriminados por estarem estudando nessa

fase da vida. Os alunos da EJA, por se tratarem de adolescentes acima de 14 anos e adultos, já têm suas experiências de vida e, em muitos casos, podem ser portadores de traumas, por não terem conseguido estudar anteriormente. Nesse aspecto, o professor deve estar seguro para tentar quebrar esses entraves. Em diversos momentos, os alunos podem estar com sua autoestima baixa, tendo o professor um papel mediador, procurando estabelecer práticas que os incentivem para o aprendizado. A autoestima é fundamental para este processo de alfabetização e letramento, pois, quando existem esperanças e metas, encontram-se forças para vencer os obstáculos. As turmas da EJA funcionam geralmente no período noturno, cujo horário está disponível para pessoas que trabalham diariamente, por isso deve haver muita força de vontade e incentivo para jovens e adultos concluírem o curso. O número de evasão na EJA é considerado representativo. Normalmente, os alunos se sentem desmotivados e cansados, por trabalharem o dia inteiro, inclusive as mulheres que desenvolvem o trabalho doméstico. O professor da EJA tem que estar motivado para conseguir incentivar os alunos, pois, normalmente, os alunos serão reflexos dos professores. Quando se pensa em evasão na EJA, é de suma importância conhecer o perfil dos alunos, para tentar compreender os motivos dessa evasão, que são diversos, tais como: o cansaço após um dia de serviço; a distância entre casa e escola, que aumenta as possibilidades de assaltos, entre outros fatores que se manifestam por conta da violência urbana; o apoio familiar que nem sempre ocorre; o apoio do governo, da escola, direção, professores que, em muitos casos, não estimulam os alunos; o próprio desinteresse pessoal, entre outros. O fracasso escolar também é uma das causas de evasão. A Proposta Curricular para o 1º segmento do ensino fundamental (RIBEIRO, 2001, p. 148) descreve: 41 No público que efetivamente frequenta os programas de Educação de Jovens e Adultos, é cada vez mais reduzido o número daqueles que não tiveram nenhuma passagem anterior pela escola. É também cada vez mais dominante a presença de adolescentes e jovens recém saídos do ensino regular, por onde tiveram passagens acidentadas (RIBEIRO, 2001, p. 148). É fundamental que aluno e professor compreendam que os erros podem ser transformados em aprendizagem e não contribuintes para a evasão. De acordo com Cortella (1999):

42 O erro é parte integrante do conhecer não porque errar é humano, mas porque nosso conhecimento sobre o mundo dá-se em uma relação viva e cambiante (sem o controle de toda e quaisquer interveniência com o próprio mundo). Errar é, sem dúvida, decorrência da busca e, pelo óbvio, só quem não busca não erra. Nossa escola desqualifica o erro, atribuindolhe uma dimensão catastrófica; isso não significa que, ao revés, deva-se incentivá-lo, mas isso sim, incorporá-lo como uma possibilidade de se chegar a novos conhecimentos. Ser inteligente não é não errar, é saber como aproveitar e lidar bem com os erros (CORTELLA, 1999, p.112). Outro fator prejudicial é a questão tempo, pois muitos se deixam levar pela passagem dele e acham que é tarde para voltar a estudar, ou mesmo consideram que o tempo que dispõem é pouco para estudar, trabalhar e ter outros convívios sociais. 5 PENSADO EM MÉTODOS No processo de ensino-aprendizagem, os professores não devem utilizar um único meio para alfabetizar e letrar, e sim, optar por diferentes metodologias que variam de acordo com as particularidades da instituição ou da preferência do alfabetizador. As metodologias utilizadas variam entre as mecanicistas, conhecidas como métodos tradicionais, e as construtivistas, interacionistas, como a proposta de Emília Ferreiro 1. Na EJA, o uso de metodologias apropriadas também deve ser pensado e repensado: em algumas classes, o professor utiliza a metodologia adotada e proposta pela instituição, em outras, o professor adota a que julga adequada ou, até mesmo, opta pelo que se chama de método eclético, que representa o uso de várias metodologias. Independente da metodologia utilizada, o professor deve valer-se de meios que 1 Na perspectiva construtivista, de Emília Ferreiro e colaboradores, teoriza-se sobre a forma como o aluno apropria-se da língua escrita. Aos poucos, o construtivismo começa a dividir espaço no discurso com o interacionismo e o letramento. O interacionismo propõe a ideia de que os alunos constroem o conhecimento sobre a linguagem na interação com o outro e não apenas com a língua, como defende o construtivismo. A principal contribuição do letramento é propor que o domínio do uso da língua escrita em situações sociais faz parte do processo de alfabetização (FERREIRO,1996).

43 incentivem os seus alunos a buscar o conhecimento, para a alfabetização e o letramento, nessa fase da vida. Durante muito tempo, a base do ensino alfabético foram os processos sintéticos e analíticos. O método sintético parte da letra, do fonema e da sílaba, e faz uma correspondência entre o oral e a escrita, sendo a metodologia mais antiga, à luz da qual o aluno deve nomear as letras, soletrá-las e grafá-las. Barbosa (1994, p. 48) afirma que: no início do século XIX, o método sintético se aperfeiçoa mudando a ênfase do nome para o som da letra. Nessa metodologia, as letras de grafias parecidas são apresentadas separadamente. O processo analítico, por sua vez, parte de unidades completas de linguagem e, posteriormente, divide-as em partes. O aluno, primeiramente, reconhece palavras e frases e, depois, faz a análise de seus componentes, sendo a leitura nesse processo, uma tarefa dominantemente visual. Barbosa (1994) ao analisar esses dois métodos justifica: As duas abordagens se opõem nitidamente quanto às operações básicas que envolvem: síntese e análise. Mas as duas tem um acordo em comum: para aprender a ler a criança tem de estabelecer uma correspondência entre som e grafia. Tanto para uma como para outra, esta correspondência é a chave da leitura, ou seja, a criança aprende a ler oralizando a escrita (BARBOSA, 1994, p. 46). Atualmente, o uso de cartilhas ainda é discutido: alguns educadores apoiam, outros discriminam, outros utilizam apenas como material de apoio. Até algumas décadas atrás; a sua utilização na EJA era corriqueira. Na educação fundamental, no período da infância, a Casinha Feliz foi uma das cartilhas que ficou bem conhecida e apresentou o método de fonação condicionada e repetida. Barbosa (1994) cita que: O único objetivo das cartilhas é colocar em evidência a estrutura da língua escrita, tal como é concebida pelos métodos de alfabetização. Por isso, as cartilhas tendem a apresentar uma escrita sem significados. As cartilhas geralmente não consideram a bagagem que o aluno traz consigo, eles são tratados da mesma forma e a alfabetização inicia-se em um mesmo ponto, como regra (BARBOSA, 1994, p. 60). Um grande marco da EJA é a metodologia utilizada por Paulo Freire, que tem por objetivo uma educação democrática e libertadora, cuja proposta metodológica é considerada por alguns educadores, mais do que uma metodologia de ensino, uma teoria do conhecimento, pois parte da experiência dos alunos, propõe temas extraídos do

cotidiano deles, que passam a participar de debates, discutir, criticar e propor alternativas. Brandão (1981, p. 21), discutindo a respeito do método de Freire, pondera: 44 Um dos pressupostos do método é a ideia de que ninguém educa ninguém e ninguém se educa sozinho. A educação, que deve ser um ato coletivo, solidário um ato de amor dá pra pensar sem susto, não pode ser imposta. Porque educar é uma tarefa de trocas entre pessoas e, se não pode ser nunca feita por um sujeito isolado (até a auto-educação é um diálogo a distância), não pode ser também o resultado do despejo de quem supõe que possui todo o saber, sobre aquele que, do outro lado, foi obrigado a pensar que não possui nenhum. (BRANDÃO, 1981, P. 21). Existem alguns questionamentos sobre a eficácia dos métodos de alfabetização. Discute-se, por exemplo, o construtivismo como método, sendo considerado uma contribuição para o entendimento da forma como acontece o aprendizado e um referencial para a educação. Existe uma orientação dos parâmetros curriculares nacionais para que se faça um prévio diagnóstico do aluno antes de se optar por um método. Assim, as práticas construtivistas vêm norteando as ações na EJA e em instituições que optam por uma cartilha ou uma metodologia específica. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O significado da alfabetização e letramento vai além da compreensão de signos linguísticos. Na lógica da EJA, torna-se uma perspectiva de mudança e transformação de vida e, por isso, faz-se necessária uma reflexão sobre essa modalidade de ensino, ou seja, se ela vem acontecendo de maneira eficaz. O tema Alfabetização de Jovens e Adultos está sempre em foco entre docentes, governo e comunidade, pois a educação como um todo e, principalmente, a escolar, é sinônimo de perspectiva, conscientização e mudança na formação crítica e ética do cidadão, trabalhando com temas polêmicos, que demandam aprofundamento em várias dimensões, utilizando-se como ponto de partida as experiências de docentes e educandos. Sua complexidade exige a superação de posturas, criticidade e a problematização das questões a partir de debates, reflexões, troca de ideias, proposições e outros, que possibilitem a formação de sujeitos conscientes de suas realidades e, consequentemente, preparados para enfrentar os desafios do mundo atual.

45 Cabe a escola ter como meta, no caso da EJA, a preparação do aluno-profissional, ou seja, contribuir para com a sua formação para a vida e para o trabalho, numa perspectiva que explicite o caráter alienador da sociedade de classes, interessante ao capitalismo neoliberal. A educação há que fornecer elementos para que o alunoprofissional possa cumprir seu papel de servir à sociedade, não para reproduzir os interesses da classe dominante, e sim, para democratizar o acesso ao saber sistematizado, beneficiando os diversos grupos sociais, promovendo a melhoria de suas condições de vida com propostas que visem a coletividade, a igualdade entre os homens. The Education for Youth and Adults (EYA) in Brazil: history and contradictions. ABSTRACT: This research covers the historical trajectory of the Education for Youth and Adults (EYA) in Brazil seeking to understand, in the perspective of the logic of neoliberal capitalism, the great challenges and prospects of this type of education. From the literature revision, it was found that the several dimensions of education, because of class differentiation, are produced within contradictions and conflicts, which take specific points into account in their historical and social formations, according to the scientific and technical evolution of the instruments of production. And even the meaning of literacy in adult education goes far beyond the comprehension of linguistic signs, turning into a perspective of change and transformation of life. KEYWORDS: Trajectory; Education for Youth and Adults; Neoliberal Capitalism. REFERÊNCIAS BARBOSA, J. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1994. BATISTA, L. Histórico da EJA no Brasil. Disponível em: <http://www.pedagogiaaopedaletra.com/posts>. Acesso em: 05 nov. 2012. BELLO, J. L. D. P. Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL): História da Educação no Brasil. Período do Regime militar. Pedagogia em foco, Vitória, 1993. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb10a.html>. Acesso em: 03 maio 2012. BIELER, Rosangela Bieler. Rosangela Berman Bieler: depoimento [3 nov. 2004]. Entrevistadora: Adriana Perri. Revista Sentidos, p. 10-12, Out./Nov. 2004. Disponível em: <http://sentidos.uol.com.br/canais/materia.asp?codpag=7103&codtipo=1&subcat=54&can al=talento>. Acesso em: 20 abr. 2010. BRANDÃO, C. R. O que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1981.

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