A atuação do pedagogo em espaços não escolares: desafios e possibilidades



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Transcrição:

A atuação do pedagogo em espaços não escolares: desafios e possibilidades Aretha Soares Nascimento 1 Fabíola Tunala Fernandes Marta Justo Ferreira Renata Aparecida Paiva Rosimar Rodrigues de Lisboa Rubiane Soares Maciel Selma Luiza Muneron Orientadora: Profª. Vera Lucia Lins Sant Anna 2 Resumo: O presente artigo focaliza o estudo e a análise da prática pedagógica em espaços não escolares, enfatizando as possibilidades da atuação do pedagogo nesses espaços e os desafios encontrados no exercício dessa profissão em espaços distintos. Identifica algumas dificuldades e alguns desafios que essa prática proporciona a esses profissionais que trabalham em espaços distintos e o uso efetivo do conhecimento para atuar. Analisar a atuação do pedagogo em espaços não escolares torna-se pertinente à medida que novas perspectivas da prática pedagógica sejam significativas e os desafios sejam considerados para, então, serem transformados em possibilidades, sendo o objetivo maior a formação humana e não somente o ensino propriamente dito. Palavras-chave: Pedagogo, processo educativo, espaços não escolares, possibilidades e desafios. 1 - Introdução Por muitos anos, o processo educativo foi visto como uma prática institucional pertencente apenas à escola, sendo esta o único lugar onde o pedagogo poderia atuar. Contudo, o desenvolvimento tecnológico, juntamente com a ideologia global de uma sociedade inclusiva e da igualdade social, fez com que emergisse uma nova forma de pensar a educação: o processo educativo se tornou prioridade não mais apenas da escola institucionalizada, como também de outros espaços cujo objetivo é a formação humana. Assim, para discutir as possibilidades e os desafios da atuação do pedagogo em espaços que não sejam escolares, fez-se necessária uma pesquisa qualitativa em duas instituições distintas: ONG X (que trabalha com crianças e adolescentes em situação de risco social, desempenhando atividades comprometidas com a formação desses sujeitos) e o Hospital Estadual Y (cujo objetivo está voltado para a captação de doadores de sangue e medula óssea 1 Alunas do 7ª Período do curso de Pedagogia da PUC Minas BH 2 Mestre em Educação e Doutora em Ciências da Religião. Professora da PUC Minas. 61

A. S. Nascimento; F. T. Fernandes M. J. Ferreira R. A. Paiva R. R. de Lisboa R. S. Maciel S. L. Muneron para futuras transfusões) 3. Em ambas as instituições, a prática pedagógica é predominantemente consistente. Este artigo é resultado das discussões produzidas e de dados coletados em ambas as instituições, a partir de observações diretas com relatos registrados em diário de campo e entrevistas semiestruturadas com as pedagogas. Foram entrevistadas as pedagogas Joana, da ONG X, e Geralda, do Hospital Estadual Y 4. 1 - Uma nova perspectiva de atuação: a prática pedagógica em espaços não escolares O processo de ensino-aprendizagem se dá em diferentes espaços nos quais a atuação do educador se faz indispensável. Todavia, a formação humana, em qualquer espaço, escolar ou não escolar, necessita de um profissional que esteja preparado para lidar com a prática pedagógica sistematizada ou não. Por muitos anos, essa prática pedagógica ficou restrita ao âmbito escolar, reduzindo a atuação do pedagogo somente à docência. Contudo, à medida que a revolução tecnológica modificou a sociedade capitalista e, consequentemente, a forma de trabalho, surgiu a necessidade da incorporação de saberes teóricos por parte dos trabalhadores, para então haver um aperfeiçoamento da capacidade de raciocínio dos profissionais, para, posteriormente, esse saber ser usado em benefício das empresas. Também várias outras instâncias e atividades sociais foram se desenvolvendo e necessitando de uma organização em torno de ações e projetos educativos, que seguem a proposta de formação do sujeito. Surge daí a necessidade de um mediador que fosse capaz de formar esses profissio- nais, relacionando a teoria com a prática. Esse mediador teria que saber lidar com a prática de ensino, sem deixar de lado seu caráter humano, sua preocupação com o sujeito. E esse profissional não podia ser ninguém mais que o pedagogo. Carneiro e Maciel (s.d) discutem essa situação quando afirmam que, 1 [...] à medida que a sociedade se tornou tão complexa, há que se expandir a intencionalidade educativa para diversos contextos, abrangendo diferentes tipos de formação necessários ao exercício pleno da cidadania. Nessa perspectiva, as referências e reflexões sobre as diversas formas e meios de ação educativa deverão também constar do rol de atribuições de um pedagogo, e, mais que isto, referendar seu papel social transformador. (CARNEIRO E MACIEL, p. 2, s.d.) Não diferente é a necessidade da atuação do pedagogo no âmbito social, hospitalar, entre outros: a pedagogia tem a prática educativa como objetivo de estudo e essa prática acontece em outros lugares, não somente na escola. Frison (2004) discute o lugar da educação afirmando que, na escola, na sociedade, na empresa, em espaços formais ou não formais, escolares ou não escolares, estamos constantemente aprendendo e ensinando. Assim, como não há forma única nem modelo exclusivo de educação, a escola não é o único em que ela acontece e, talvez, nem seja o mais importante. As transformações contemporâneas contribuíram para consolidar o entendimento da educação como fenômeno multifacetado, que ocorre em muitos lugares, institucionais ou não, sob várias modalidades. (FRISON, 2004, p. 88). E a formação do pedagogo está diretamente relacionada com as transformações contemporâneas, enfocando o desenvolvimento humano, o trabalho em equipe, o aprofundamento teórico, estudando os processos de aprendizagem, as estratégias de ensino, dentre outros requisitos que conferem ao pedagogo sua especificidade. Segundo a pedagoga Geralda, do Hospital Estadual Y, O pedagogo, diferente de outros profissionais, tem facilidade de se comunicar. Em seu curso de formação, foi preparado para lidar com pessoas de diferentes meios; esse profissional tem uma facilidade imensa de trabalhar em grupo, consegue desenvolver estratégias para sensibilizar as pessoas, e os outros profissionais não têm. O psicólogo, o assistente social, por exemplo, são muito técnicos, não conseguem fazer projetos. O pedagogo é mais humano. O pedagogo tem a chance de mudar muitas coisas. (sic). Ao discutir a função da Universidade na formação do pedagogo apto para atuar em espaços escolares no mundo globalizado, Sá (2000) afirma que, 3 Nomes fictícios para identificar as instituições pesquisadas. 4 Nomes fictícios para identificar as pedagogas. 62

A atuação do pedagogo em espaços não escolares: desafios e possibilidades [...] sem aqui desconsiderar o papel e a função social preponderante que a escola teve, ao longo desses duzentos anos, e tem no processo de emancipação da grande maioria da população dos Estados nacionais, outros espaços educativos se manifestam na sociedade capitalista mundializada. É preciso que a Universidade [...] passe a estudar e formar intelectuais, pedagogos para atuarem com competência epistêmico-política e técnica nestes novos cenários criados nas e pelas relações sociais. (SÁ, 2000, p. 173). Assim, o trabalho pedagógico pode estabelecerse em outros locais, na medida em que esses requisitos forem concretizados pelos acadêmicos. Cabe à universidade preparar esses profissionais para que possam desenvolver um bonito trabalho além dos muros da escola. 2 - Possibilidades da atuação do pedagogo em espaços não escolares O fazer pedagógico no espaço não escolar está diretamente relacionado às atividades que envolvem trabalho em equipe, planejamento, formação pessoal, orientação, coordenação, sendo que o objetivo principal desse fazer está direcionado às transformações dos sujeitos envolvidos na prática pedagógica. Porém, para que essas transformações sejam eficazes, é necessário que o profissional mediador seja competente. Ou seja, devido às constantes modificações pelas quais a sociedade passa, as competências do pedagogo precisam ser reconstruídas pelo próprio profissional, para que suas práticas sejam diferentes e possam mudar seguindo os passos da sociedade ou da instituição em que atua. De acordo com Geralda, pedagoga do Hospital Estadual Y, o pedagogo tem em sua formação subsídios que facilitam consideravelmente o trabalho em outros espaços que não sejam as escolas. Para ela, o pedagogo tem a facilidade de se comunicar, conhece estratégias de lidar com as pessoas e tem facilidade de lidar com grupos. Todas essas características foram construídas na sua formação e nenhum outro profissional tem todas essas habilidades trabalhadas totalmente em seu curso. Em sua prática cotidiana, Geralda estabelece relações significativas entre o que aprendeu no meio acadêmico e a sua vivência na sociedade. Ela utiliza artefatos teóricos adquiridos em sua formação para direcionar seu trabalho e alcançar seus objetivos. Isso acontece quando, em suas palestras rotineiras sobre a doação de sangue, usa estratégias de ensino que levem o público a pensar e refletir sobre o que ela está propondo, tendo em vista o seu objetivo maior que é a doação. Para Geralda, isso é imprescindível para o sucesso de seu trabalho, pois é nesse momento que ela consegue motivar as pessoas a doarem o sangue ou a medula. Para Frison (2004), o pedagogo gerencia muito mais do que aprendizagens, gerencia um espaço comum, o planejamento, a construção e a dinamização de projetos, de cursos, de materiais didáticos, as relações entre o grupo de alunos ou colaboradores. Isso significa que não basta possuir inúmeros conhecimentos teóricos sobre determinado assunto, é preciso saber mobilizá-los adequadamente. (FRISON, 2004, p. 89). E isso somente o pedagogo pode fazer, devido à sua formação sistematizada e global voltada para a formação dos sujeitos, para a humanização e a emancipação do homem. Entretanto, as possibilidades estão diretamente ligadas às necessidades de cada local de trabalho. Cabe ao profissional demarcar seu espaço e construir sua forma de trabalho. É o que acontece com a pedagoga Joana, da ONG X. Como trabalha com crianças e adolescentes em risco social, muitas vezes ela se vê prejudicada em seu trabalho no que diz respeito à intervenção na realidade daqueles sujeitos. Porém ela estuda o caso, recorrendo a aportes teóricos de sua formação para solucionar um determinado problema. Isso acontece, por exemplo, quando se depara com uma situação de abuso sexual ou de drogas entre as pessoas atendidas na ONG. Habitualmente, essas situações demandam intervenções superficiais que só o pedagogo tem saberes para lidar positivamente. Em nossa formação, adentramos na Sociologia, na Psicologia, na Filosofia, na Antropologia. Somos um profissional completo e temos competência e formação para lidarmos com esse tipo de situação. Importante é sempre trabalharmos em conjunto com outros profissionais para podermos atender esses sujeitos melhor e intervir da melhor maneira possível. (Joana da ONG X).O conhecimento 63

A. S. Nascimento; F. T. Fernandes M. J. Ferreira R. A. Paiva R. R. de Lisboa R. S. Maciel S. L. Muneron do pedagogo, o conhecimento pedagógico é que faz a diferença. (sic) Nesse contexto, percebe-se a importância das ações pedagógicas para o terceiro setor e até mesmo para a área hospitalar. Os saberes pedagógicos são determinantes para a atuação do pedagogo em locais extraescolares e para sua interação com outros sujeitos, de outras áreas, no local em que ele atua. 3 - Os desafios do trabalho pedagógico em espaços não escolares Toda profissão, principalmente as que têm como objeto de trabalho o ser humano, tem desafios consideráveis a serem superados. Não é diferente para o pedagogo: em qualquer instituição, seja ela escolar ou não, os desafios são grandes e dificultam categoricamente sua prática. Talvez, a desvalorização desse profissional seja um dos maiores desafios para o trabalho pedagógico, pois muitos profissionais não veem a possibilidade de atuação em outros espaços, somente relacionam a prática pedagógica à escola. Libâneo (2004) afirma que a relação da pedagogia com a docência é uma fragmentação conceitual. Para ele, pedagogia é uma reflexão teórica a partir e sobre as práticas educativas. Ela investiga os objetivos sociopolíticos e os meios organizativos e metodológicos de viabilizar os processos formativos em contextos socioculturais específicos. Portanto, reduzir a ação pedagógica à docência é produzir um reducionismo conceitual, um estreitamento do conceito da pedagogia. (LIBÂNEO, 2002, p. 14). Ou seja, reduzir o trabalho pedagógico apenas à prática docente é uma ignorância enorme e isso dificulta muito a ascensão do profissional. Outro desafio encontrado nas instituições pesquisadas é a dificuldade de lidar com os problemas do público alvo. Segundo Joana, pedagoga da ONG X, a incapacidade de intervir no seio familiar restringe sua atuação, pois ela trabalha com a criança enfatizando um determinado aspecto e, no momento em que está com a família, a criança tem um outro comportamento, pois, inúmeras vezes a família não dá continuidade ao trabalho, por falta de recursos, de conhecimento, ou por não dar a verdadeira importância aos trabalhos pedagógicos realizados com a criança no hospital. Isso quer dizer que um dos grandes desafios da prática pedagógica, em qualquer espaço e, sobretudo, em ONGs, é a delimitação de atuação. Os indivíduos envolvidos naquela prática estão sujeitos a variações de abordagens de acordo com o contexto em está. Ou seja, a partir do momento em que está com o pedagogo na ONG, a criança/adolescente/adulto adquire habilidades que, talvez, sejam desconstruídas no seio familiar. O pedagogo não pode fazer nenhuma intervenção por motivos éticos, profissionais ou até mesmo por medo de alguma repreensão que pode ser causada, quando se trata de reações negativas dos indivíduos envolvidos no trabalho porque sofreram algum tipo de constrangimento, agressão, abusos, violência em geral que, na maioria das vezes, ocorrem no próprio âmbito familiar. Porém, Carneiro e Maciel (s.d) afirmam que o grande desafio a que se submete o pedagogo atualmente é, utilizando-se de fundamentos de diversas áreas do conhecimento, elaborar categorias de análise para a apreensão e compreensão de variadas práticas pedagógicas que se desenvolvem em diversos contextos conforme as relações sociais de nossa época. (CARNEIRO E MACIEL, p. 3, s.d.). Com isso, o trabalho do pedagogo se torna cada vez mais complexo, pois, quando se trabalha com o ser humano, é impossível não enfatizar a abrangência existente, visto que o sujeito deve ser prioridade em trabalhos pedagógicos que visam, de forma direta, à formação humana, considerando, assim, o ser humano em seus diferentes aspectos e particularidades. Ou seja, quando se trata da atuação do pedagogo, desafios sempre irão existir, pois, como foi dito, o homem é composto de múltiplas determinações, de variados aspectos que não devem ser deixados de lado e que influenciam e determinam consideravelmente os processos pedagógicos. Cabe ao pedagogo delimitar e conquistar seu espaço e se cercar de referenciais que possam ajudá-lo na relação entre sua atuação e o meio em que vai atuar, respeitando o contexto social, cultural, político e econômico. 64

A atuação do pedagogo em espaços não escolares: desafios e possibilidades 4 - Considerações finais É fundamental manter a formação do educador voltada para a atuação em diferentes contextos culturais e sociais, destacando a formação generalista desse profissional, ampliando assim sua visão de mundo, pois as possibilidades de ensino-aprendizagem estão em todas as partes, não sendo prioridade unicamente do ambiente escolar. Sendo assim, confirma-se a necessidade do trabalho pedagógico em qualquer espaço em que os objetivos principais sejam a concretização e argumentação de ideias e a formação humana. Pelo que foi constatado no decorrer da pesquisa e nas entrevistas com as pedagogas, o curso de Pedagogia dá subsídios para a atuação profissional em espaços não escolares. O que determina o sucesso desse profissional é a sua forma de atuação, seu compromisso com o trabalho e sua relação explícita com a teoria apreendida na sua formação. Conforme Tardif (2003) afirma, o saber do pedagogo é um saber diversificado, pois sua prática implica vários saberes inter-relacionados, direta ou indiretamente. Carneiro e Maciel (s.d) completam o pensamento de Tardif quando enfocam que, é preciso considerar a existência, no Curso de Pedagogia, de um conjunto de conhecimentos advindos de campos científicos diferentes [...], que visam a proporcionar uma leitura crítica, reflexiva e transformadora do mundo, capaz de identificar e interpretar as múltiplas facetas da atuação do pedagogo. Nessa perspectiva, a formação implica a capacidade de o pedagogo realizar leituras interdisciplinares dos fenômenos educacionais, fundamentando-se nos múltiplos saberes e conhecimentos acumulados [...] e priorizando a dimensão ética de seu trabalho. (CARNEIRO E MACIEL, p. 66). Seu trabalho envolve outras áreas que são cruciais para o seu trabalho, como a Medicina e a Psicologia. E, segundo Geralda, essa experiência só se consegue através da formação continuada e da prática responsável. Desse modo, quando Tardif, em seu discurso, relaciona a variedade dos saberes do pedagogo com a diversidade de sua atuação, ele dá subsídios para discutir e validar o trabalho dessas duas profissionais em espaços não escolares distintos. Referências: CARNEIRO, Isabel Magda Said Pierre; MACIEL, Maria José Camelo. Pedagogia e Pedagogos em diferentes espaços: interdisciplinaridade pedagógica. (s.a.) FRISON, Lourdes Maria Bragagnolo. O pedagogo em espaços não escolares: novos desafios. Ciência. Porto Alegre: n. 36, p. 87-103, jul./dez. 2004. LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos, para quê? São Paulo: 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002. SÁ, Ricardo Antunes. Pedagogia: Identidade e formação. O trabalho pedagógico nos processos educativos não escolares. Educar. Curitiba: n. 16, p. 171-180, 200. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2003. É o que acontece no trabalho da pedagoga da ONG pesquisada, quando tem que lançar mão de saberes da Sociologia e da Filosofia, entre outros, para lidar com situações difíceis e rotineiras, como as drogas, no cotidiano de seu trabalho. Nesse caso, os saberes de sua formação juntamente com sua competência são fatores indispensáveis uma atuação positiva. Essas características são determinantes também para a pedagoga que atua na área hospitalar, com captação de doadores de sangue e medula. Ela tem que lidar não somente com as competências pedagógicas. 65