Palavras-chave: intervenção do Estado; ordem econômica; aspectos gerais.



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Transcrição:

1 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO FERNANDA CURY DE FARIA 1 MARCIA WEBER LOTTO RIBEIRO 2 RESUMO O presente estudo tem por escopo abordar a intervenção do Estado no domínio econômico. A ordem econômica brasileira funda-se no sistema da propriedade privada dos meios de produção, cujos princípios encontram-se arrolados no art. 170 da Constituição Federal. Tal princípio é temperado por outros princípios constantes do próprio art. 170 da Constituição Federal, além da intervenção estatal na ordem econômica, de caráter suplementar e excepcional, uma vez que a regra é a da não intervenção. A intervenção ocorre quando da exploração de atividade econômica diretamente pelo Estado, autorizada pelo art. 173 da Constituição Federal, desde que presentes imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, tais como forem qualificados em lei; bem como pela atuação Estado na qualidade de agente normativo e regulador da economia, nos casos previstos no art. 174 da Constituição Federal. A exploração direta da economia pelo Estado, por sua vez, ocorre de duas formas: sob o regime de monopólio (intervenção monopolística), nos casos previstos na Constituição Federal e sob o regime da competição, mediante a criação de empresas estatais, que atuem diretamente nas áreas de indústria, comércio ou prestação de serviços. A intervenção indireta ocorre quando o Estado atua como agente normativo e regulador da economia, disciplinando a atividade econômica por meio de medidas que visam equilibrar os sistemas da livre iniciativa e da livre concorrência. Palavras-chave: intervenção do Estado; ordem econômica; aspectos gerais. 1 Procuradora Nível IV do Município de Diadema, Especialista em Direito Processual Civil, Especialista em Administração Pública. 2 Procuradora Nível IV do Município de Diadema, Professora do Curso de Direito da UNIANHANGUERA, Especialista em Direito do Trabalho, Mestre em Direito Constitucional.

2 SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES...3 2 INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO...5 2.1 CARACTERÍSTICAS DAS ESTATAIS...6 2. 2 EMPRESAS PÚBLICAS...8 2.3 SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA...9 3 INTERVENÇÃO INDIRETA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO...11 4 CONCLUSÃO...14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...15.

3 1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES As disposições sobre a ordem econômica, constantes da Constituição Federal, outrora eram tidas como fora do alcance da intervenção estatal. O capitalismo, na sua formação primitiva, enxergava o mercado como um mecanismo autorregulador, do qual frutificavam naturalmente todas as regras do relacionamento econômico. 3 O Estado deveria abster-se de intervir na ordem econômica. Vigorava a regra do laissez faire ou laissez passer. Conforme preleciona Celso Bastos, foram as Constituições do século XX que passaram a conter dispositivos delineando as linhas mestras da estruturação econômica do Estado, em razão dos abalos da ordem econômica causados, sobretudo, por guerras e outras crises na economia. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior ponderam que a evolução das relações econômicas demonstrou a tendência concentradora do capitalismo, revelando práticas monopolistas, ao invés da desejável concorrência entre diversos agentes econômicos, razão pela qual detectou-se (...) a necessidade de uma ordem jurídica mais abrangente, que, ademais, contivesse regras específicas para a regulação das relações econômicas, o que propiciou, desse modo, a chamada constitucionalização da economia. 4 Assim é que o sistema liberal de organização econômica foi amenizado ou enfraquecido pela adoção de normas autorizadoras da intervenção do Estado em certos domínios, nacionalizando (...) algumas atividades (...) e conferindo poderes ao Estado para regulamentar outras. 5 A ordem econômica brasileira funda-se no sistema da propriedade privada dos meios de produção, cujos princípios encontram-se arrolados no art. 170 da Constituição Federal, sendo os mais significativos o da propriedade privada (inciso II) e o da livre iniciativa (inciso IV), ambos reforçados pelo parágrafo único do mesmo artigo, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de 3 Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., 2005, p.449. 4 Ob. cit, p. 450. 5 Celso Ribeiro Bastos Curso de Direito Constitucional, 20ª ed., 1999, p. 449,.

4 autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.. Ao erigir a livre iniciativa a princípio da ordem econômica e, ao mesmo tempo, a princípio fundamental (art. 1º, IV CF), o Constituinte pátrio fez uma opção clara pelo modelo econômico capitalista. O regime jurídico da livre iniciativa é temperado por outros princípios constantes do art. 170 da Constituição Federal, além dos já citados princípios da propriedade privada e livre concorrência. São eles: o da função social da propriedade (inciso III); o da defesa do consumidor (inciso V); o da defesa do meio ambiente (VI); o da redução das desigualdades regionais e sociais (inciso VII) e o do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (inciso IX). Além disso, a livre iniciativa é restringida pela intervenção estatal na ordem econômica, de caráter suplementar e excepcional, uma vez que a regra é a da não intervenção 6. A intervenção ocorre quando da exploração de atividade econômica diretamente pelo Estado, autorizada pelo art. 173 da Constituição Federal, desde que presentes imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, tais como forem qualificados em lei; bem como pela atuação Estado na qualidade de agente normativo e regulador da economia, nos casos previstos no art. 174 da Constituição Federal. Pode-se dizer, assim, que, quando o Estado intervém no domínio econômico, ele o faz de duas formas: a) Diretamente, como agente econômico. Nesses casos, o Estado desenvolve uma função atípica, visto que este é o campo livre e típico da iniciativa privada. b) Indiretamente, quando o Estado funciona como regulador, seja fomentando determinada atividade econômica, mediante incentivos, isenções, empréstimos; seja fixando regras para o funcionamento do mercado; seja evitando a concentração de mercado. 6 Reis Friede, Curso de Direito Constitucional e de Teoria Geral do Estado, 2ª ed., 2000, p. 321.

5 2 INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. A exploração direta da economia pelo Estado ocorre de duas formas: a) sob o regime de monopólio (intervenção monopolística), nos casos previstos na Constituição Federal; b) sob o regime da competição, mediante a criação de empresas estatais, que atuem diretamente nas áreas de indústria, comércio ou prestação de serviços. Os monopólios são modalidades de intervenção de aplicação imediata, eis que sua área de aplicação já se encontra definida na Constituição Federal, não sendo possível a criação de outras modalidades de monopólio estatal, salvo por emenda constitucional. As atividades que constituem monopólio da União encontram-se arroladas no art. 177 da Constituição Federal, sendo que seu parágrafo primeiro faculta à União a contratação de estatais ou empresas privadas para a realização das atividades, exceto no que se refere à pesquisa, lavra, enriquecimento, retroprocessamento, industrialização e comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados. No que se refere às empresas estatais, estas podem ser de dois tipos: sociedades de economia mista e empresas públicas. São pessoas jurídicas de direito privado, cuja criação e extinção devem ser autorizadas por lei, sendo que a efetiva criação se dá mediante os atos constitutivos no registro competente. A lei autorizadora da estatal deverá, necessariamente, disciplinar as seguintes matérias (art. 173 1º CF): a) sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade (inciso I); b) a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias (inciso II); c) licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública (inciso III); d) constituição e funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários (inciso IV); e) os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores (inciso V)

6 2.1 CARACTERÍSTICAS DAS ESTATAIS O regime jurídico das estatais é híbrido, pois, embora sejam pessoas jurídicas de direito privado e, como tal, fiquem submetidas a este regramento, incidem algumas normas de direito público, em razão principalmente da origem de seus recursos. Assim discorrem Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior 7 : No que tange, entretanto, às empresas estatais (públicas ou de economia mista) que explorem atividade econômica sob regime de competição submetidas, portanto, ao mesmo regime jurídico das empresas privadas -, duas observações revelam-se oportunas:embora submetidas a regime jurídico de direito privado, a origem pública dos recursos para sua constituição e funcionamento faz com que não sejam passíveis de falência, mas só de penhorabilidade de seus bens 8 ;a admissão de seus empregados deve realizar-se por meio de concurso público, visto que o texto constitucional é expresso (art. 37, caput) ao indicar que os entes da administração indireta também se subordinam aos princípios da ampla acessabilidade e do concurso para cargos, funções e, especificamente, empregos públicos (art, 37, I e II). A questão da falência de empresas estatais é controvertida. Para Celso Antônio Bandeira de Mello 9 : Com relação às exploradoras de atividade econômica, nem a lei poderia excluí-las de sujeição à falência, assim como não poderia estabelecer responsabilidade subsidiária do Poder Público. Isto porque, quando a Constituição atribuilhes regime correspondente ao das empresas privadas, inclusive quanto aos seus direitos e obrigações civis, comerciais (...) etc. ( 1º, II, do art. 173), pretendeu evitar que tais sujeitos desfrutassem de uma situação jurídica suscetível de colocá-las em vantagem em relação às empresas privadas em geral. Ora, é isto que sucederia - e não pode suceder se o Estado respondesse subsidiariamente por elas. Se lhes fosse dada a possibilidade de se eximirem de falência, vindo o Poder Público a respaldá-las para garantir os créditos de terceiros quando as entidades ficassem insolventes, é bem de ver que, graças a tal respaldo 7 Ob. Cit., p. 458. 8 Nesse sentido, a ementa: EMBARGOS Execução de sentença METRÔ Empresa estatal Penhorabilidade dos bens Não sujeição à falência, mas sim, à penhorabilidade dos bens Recurso não provido. (AC 1005 5 SP, 4ª Câmara de Férias Janeiro/96 de Direito Público, Rel. Viana Soares, v.u., j. em 9-2-1996. 9 Curso de Direito Administrativo, 14ª ed., 2002, p. 165.

7 juridicamente assegurado, aquele que com elas negociasse estaria em todo e qualquer caso garantido por alguém que é sempre solvente. Seriam, pois, mais confiáveis que as demais empresas privadas. Destarte, as estatais desfrutariam de situação privilegiada no mercado precisamente o que quer a Constituição interditar. Em síntese: tanto empresas públicas como sociedades mistas exploradoras de atividade econômica podem vir a falir. Quanto à exigência do inciso III do parágrafo primeiro do art. 173 da CF, qual seja, a realização de licitação para as contratações realizadas pelas estatais, há os seguintes aspectos a considerar. Quando do advento da Lei Federal nº 8.666/93 (que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública), houve a determinação de regime único, sem qualquer distinção entre Administração Direta e Indireta, com a necessidade de observância do procedimento licitatório para as contratações de ambas. A Emenda Constitucional nº 19/98 alterou a redação do inciso XXVII do art. 22 e do inciso III do 1º do art. 173 da Constituição Federal. No que se refere à alteração do art. 22, consagrou-se a competência da União para legislar sobre normas gerais, tanto para a Administração Direta, autárquica e fundacional, como para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, 1º, III. Com a nova redação dada ao art. 173, houve a previsão de que as entidades da Administração Indireta realizadoras da atividade econômica sujeitar-seiam a regime jurídico específico no que se refere à realização de licitações, com a previsão de um estatuto destinado a disciplinar a licitação e a contratação daqueles entes, observados os princípios da Administração Pública. Há uma flexibilização da doutrina no tocante aos contratos tendentes à realização da atividade-fim da empresa prestadora de atividade econômica. Nesses casos, considera-se que há inexigibilidade de licitação. Entende-se que a licitação caberia apenas para se contratar bens e serviços relacionados às atividades-meio da empresa, pois, do contrário, a mesma perderia competitividade face às empresas privadas. Marçal Justen Filho 10 aponta tal tendência no seguinte trecho: Há forte tendência a minorar o rigorismo da Lei nº 8.666. Dentre as críticas mais agudas contra o diploma, encontra-se aquela atinente ao tratamento reservado para entidades da Administração indireta exercentes de atividades econômicas. É impossível exigir eficiência e, simultaneamente, impedir adoção 10 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 8ª ed, 2002, p. 23.

8 de procedimentos rápidos, simples e desburocratizados. A competição com o setor privado deve fazer-se em igualdade de condições. Se não se admitem vantagens ou benefícios, também não se podem admitir regras mais desvantajosas do que as praticadas no âmbito privado. A investidura nos empregos das estatais depende de aprovação prévia em concurso público, o que não assegura, entretanto, estabilidade, pois não há cargo efetivo criado por lei. Além disso, os empregados das estatais, embora submetidos a contrato de trabalho regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, equiparam-se aos servidores públicos para fins de responsabilização criminal (art. 327 do Código Penal) e estão sujeitos a sanções por prática de atos de improbidade administrativa (art. 1º da Lei nº 8.429/92). Sujeitam-se, ainda, à proibição de acumulação de cargos e empregos públicos e ao teto da remuneração imposto pelo art. 169 1º da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19. 2. 2 EMPRESAS PÚBLICAS As empresas públicas são constituídas com capital exclusivamente público e podem revestir-se de qualquer forma ou organização empresarial. Podem ser, assim, sociedades civis ou comerciais. Quanto ao aspecto da composição do capital, Maria Sylvia Zanella di Pietro 11 faz a seguinte observação: A empresa pública tem o capital inteiramente público, o que faria supor que dele podem participar as pessoas jurídicas de direito público interno. Mas o artigo 5º do Decreto-lei nº 900/69 veio permitir que, desde que a maioria do capital votante permaneça de propriedade da União, seja admitida, no capital da empresa pública, a participação de outras pessoas de direito público interno, bem como entidades da administração indireta da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Com isso, admite-se a participação de pessoas jurídicas de direito privado que integrem a administração indireta, inclusive as sociedades de economia mista, em que o capital é parcialmente privado. 11 Direito Administrativo, 16ª ed, 2003, p. 389.

9 Alguns autores questionam a possibilidade de criação de empresa pública estadual ou municipal, entendendo que, nessas searas, apenas seria viável a criação de empresa pública prestadora de serviço público, reservando exclusivamente à União a atuação direta no domínio econômico. Odete Medauar 12 ressalta que a corrente doutrinária predominante é aquela que admite empresa pública estadual e municipal também para exploração de atividade econômica. Citando José Afonso da Silva, pondera que o termo Estado, contido no art. 173, abrange todas as entidades estatais União, Estados, Distrito Federal e Municípios; se quisesse especificar, teria usado a palavra União (Curso de Direito constitucional positivo, 8ª ed., 1992, p. 683) 2.3 SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA Sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, com participação do Poder Público e de particulares em seu capital e administração, criadas para a realização de atividade econômica ou prestação de serviços públicos outorgados ou delegados pelo Estado. 13 Ao nosso estudo interessam apenas as sociedades de economia mista realizadoras de atividade econômica. Por imposição legal (Lei nº 6.404/76 Lei das Sociedades Anônimas), as sociedades de economia mista devem revestir-se da forma de sociedades anônimas. A autorização legal para criação de uma estatal sob a forma de sociedade de economia mista é vista pelo Supremo Tribunal Federal como seu elemento identificador, conforme decidido nesses acórdãos: Sociedade de economia mista. Com ela não se confunde a sociedade sob controle acionário do poder público. É a situação especial que o Estado se assegura, através da lei criadora da pessoa jurídica que a caracteriza como sociedade de economia mista. STF RE 91.035, 1979. Sociedade de economia mista. Ainda quando se trate de sociedade de economia mista estadual, é requisito essencial à sua constituição a criação por lei. STF RE 92.327, 1980. 12 Direito Administrativo Moderno, 6ª ed., 2002, p. 103. 13 Paulo Magalhães da Costa Coelho, Manual de Direito Administrativo, p. 77

10 Odete Medauar 14 ressalta ainda que a maioria das ações com direito a voto deve pertencer ao respectivo ente matriz: União, nas sociedades de economia mista federais; Estado, nas estaduais; Município, nas municipais. Ou deve pertencer a entidade da Administração Indireta. No que se refere à criação de sociedades de economia mista estaduais e municipais, a exemplo do ocorrido com as empresas públicas, houve controvérsia doutrinária, esclarecendo a autora que prevaleceu o entendimento favorável à criação das empresas por aquelas pessoas políticas, desde que não se editem, em tais níveis, normas derrogatórias do Direito Comercial, pois cabe à União a competência para legislar sobre esse ramo jurídico. 14 Ob. Cit., p. 108.

11 3 INTERVENÇÃO INDIRETA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO O art. 174 da Constituição Federal determina que como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. É a chamada intervenção indireta, na qual o Estado atua como agente normativo e regulador da economia, disciplinando a atividade econômica por meio de medidas que visam equilibrar os sistemas da livre iniciativa e da livre concorrência. Essa intervenção tem dois propósitos básicos: preservar o mercado dos vícios do modelo econômico (concentração econômica, condutas concertadas etc.) e assegurar a realização dos fins últimos da ordem econômica, quais sejam, propiciar vida digna a todos e realizar a justiça social. 15 Fiscalizar significa supervisionar, verificar a adequação do comportamento das empresas privadas com relação aos ditames normativos, notadamente aqueles expressos no 4º do art. 173 da Constituição Federal. Incentivar tem o sentido de estimular, ajudar, mediante a concessão de benefícios no implemento da atividade privada. Já o planejamento objetivado pela norma constitucional é aquele de caráter estrutural, atrelado a uma visão macroeconômica, o que, entretanto, não é incompatível ao contrário com o planejamento regional. 16 A intervenção indireta, ao contrário da direta, que tem natureza de atividade tipicamente privada, é atividade própria do Estado. Essa atividade, contudo, não é ilimitada, devendo respeitar os princípios que emergem do ordenamento constitucional. Veja-se, a respeito, acórdão do Supremo Tribunal Federal acerca do tema da fixação de distância para instalação de farmácias: Autonomia Municipal. Disciplina legal de assunto de interesse local. Lei Municipal de Joinville, que proíbe a instalação de nova farmácia a menos de 500 metros de estabelecimento de mesma natureza. Extremo a que não se pode levar a competência municipal para o zoneamento da cidade, por redundar em reserva de mercado, ainda que relativa, e, conseqüentemente, em afronta aos princípios 15 Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, op.cit, p. 459. 16 Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, op.cit, p. 461.

12 da livre concorrência, da defesa do consumidor e da liberdade do exercício das atividades econômicas, que informam o modelo de ordem econômica consagrado pela Carta da República (art. 170 e parágrafo, da CF) (STF 1ª T. Rextr. nº 203.909-8/ES Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 6 fev. 1998, p. 38). No mesmo sentido: Lei nº 10.991/91, do Município de São Paulo. Fixação de distância para a instalação de novas farmácias ou drogarias. Inconstitucionalidade. 1. A Constituição Federal assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de qualquer autorização do Poder Público, salvo os casos previstos em lei. 2. Observância de distância mínima da farmácia ou drogaria existente para a instalação de novo estabelecimento no perímetro. Lei Municipal nº 10.991/91. Limitação geográfica que induz à concentração capitalista, em detrimento do consumidor, e implica cerceamento do exercício do princípio constitucional da livre concorrência, que é uma manifestação da liberdade de iniciativa da economia privada. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF - 2ª T. Rextr. nº 193.749-1/SP Min. Carlos Velloso rel. p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 4 maio 2001, p.35) Oportuno referir, aqui, a existência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), agência judicante criada pela Lei Federal nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, transformada pela Lei Federal nº 8.884, de 11 de junho de 1994 em autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça. A Lei Federal nº 8.884/94 dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Entre as competências do CADE elenca as seguintes (art. 7º): decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei; decidir os processo instaurados pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça; ordenar providências que conduzam à cessação de

13 infração à ordem econômica, dentro do prazo que determinar; instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica. Como exemplo de decisão do CADE, pode-se citar a 338ª Sessão Ordinária que, na mesma linha do Supremo Tribunal Federal, considerou a cláusula de exclusividade territorial (cláusula de raio), adotada pelo Shopping Center Norte, localizado na cidade de São Paulo, como uma infração à ordem econômica, nos termos do art. 20, inciso I, combinado com o art. 21, incisos IV e V da Lei Federal nº 8.884/94. Exemplo recente de intervenção indireta do Estado no domínio econômico foi a edição do Decreto nº 7.725, de 21 de maio de 2012, que altera as Notas Complementares da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados TIPI, diminuindo a alíquota do IPI incidente sobre automóveis de passageiros e veículos de uso misto, com motor a álcool ou com motor que utilize alternativa ou simultaneamente gasolina e álcool (flexible fuel engine). A renúncia fiscal das desonerações perpetradas pelo Poder Executivo Federal objetiva estimular a atividade econômica, diante do agravamento da crise financeira internacional..

14 4 CONCLUSÃO: 1 A constitucionalização da economia deu-se a partir do séc. XX, como conseqüência da constatação da necessidade de uma ordem jurídica que abrangesse a estruturação econômica Estado. 2 A intervenção estatal na ordem econômica restringe, em caráter suplementar e excepcional, o regime da livre concorrência, visando equilibrá-lo. 3 A intervenção do Estado no domínio econômico pode se dar de forma direta, mediante a exploração de atividade econômica, ou de forma indireta, na qualidade de agente normativo e regulador da economia. 4 A exploração direta da economia pelo Estado pode ser monopolística ou sob o regime de competição, mediante a criação de empresas estatais, que podem ser de dois tipos: Sociedades de economia mista e empresas públicas. 5 O regime jurídico das estatais é híbrido, pois embora submetidas ao direito privado, incidem algumas normas de direito público, em razão da origem de seus recursos. 6 A intervenção indireta do Estado no domínio econômico contempla as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. É atividade típica do Estado, mas não é ilimitado, devendo respeitar os princípios que emergem do ordenamento constitucional. 7 Na qualidade de órgão regulador da atividade econômica destaca-se o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça.

15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed, São Paulo : Saraiva, 2005. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed, São Paulo :Malheiros, 2002. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20ª ed, São Paulo : Saraiva, 1999. COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo : Saraiva, 2004. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª ed, São Paulo: Atlas, 2003. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8ª ed., São Paulo: Dialética, 2002. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 6ª ed., São Paulo: RT, 2002 REIS Friede. Curso de Direito Constitucional e de Teoria Geral do Estado. 2ª ed, Rio de Janeiro : Forense, 2000.