MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NAS UNIDADES PRONTO ATENDIMENTO RESUMO



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Transcrição:

MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NAS UNIDADES PRONTO ATENDIMENTO Jéssica Alline de Melo e Silva 1 Cristiano Caveião 2 RESUMO A violência tornou-se um problema de saúde pública a partir do momento em que deixou de ser vista como um fato exclusivamente policial e passou a ser considerada como um problema social, tendo entre as suas principais vítimas as mulheres. O objetivo do trabalho consiste em analisar a intervenção do Serviço Social frente às mulheres vítimas de violência doméstica que são atendidas em unidades de emergência. Como metodologia adotou-se revisão bibliográfica utilizando, dentre outras literaturas, publicações da Secretaria da Mulher de Pernambuco e livros do Serviço Social. A partir da análise dos dados, a qual é embasada na Teoria Crítica, pode-se inferir que o trabalho do/a Assistente Social é de suma importância no acolhimento e orientações das usuárias, uma vez que as unidades de emergência estão se configurando como a porta de entrada para o público em tela. Atender as mulheres que sofrem violência é zelar pelos Direitos Humanos e valorizar, no espaço da Saúde, a realização desses Direitos. Promover os Direitos Humanos é, neste caso, a melhor forma de garantir a saúde. E os profissionais de saúde estão em uma posição privilegiada para esta tarefa. Palavras-Chave: Violência; Mulheres; Serviço Social. INTRODUÇÃO O presente trabalho foi elaborado com o propósito de analisar a importância da intervenção do Serviço Social no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica nas Unidades de Pronto Atendimento de Pernambuco. Esta proposta de 1 Assistente Social pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Saúde Coletiva pelo Instituto Brasileiro de Pós Graduação e Extensão IBPEX. E-mail: jessica_ams@ig.com.br 2 Enfermeiro, Especialista em Gestão de Saúde e Auditoria (UTP), Mestre em Biotecnologia (Faculdades Pequeno Príncipe (FPP), Doutorando em Enfermagem (UFPR), orientador de TCC do Centro Universitário Internacional Uninter. 1069

estudo emergiu do trabalho desenvolvido nas UPAs Professor Fernando Figueira e Dulce Sampaio, de estudos e pesquisas sobre a temática da violência contra as mulheres e de experiências efetivadas a partir da participação em eventos relacionados ao assunto em questão. Para alcançarmos os objetivos traçados neste estudo, realizamos um levantamento apurado dos materiais pertinentes à temática: violência, principais tipos de violência, violência doméstica, violência contra as mulheres, Serviço Social, intervenção profissional. Após selecionarmos os materiais supracitados, os quais se encontram principalmente nas obras publicadas pela Secretaria da Mulher de Pernambuco e nas literaturas do Serviço Social, partimos para as leituras que proporcionaram a reflexão e o entendimento da problemática. Intervir em situações de violência não se limita apenas as áreas jurídica e policial, mas também diz respeito à área da saúde, uma vez que o adoecimento acomete as vítimas de violência. A violência doméstica é a forma mais frequente de violência sofrida pelas mulheres, ao contrário dos homens, cuja principal forma é aquela cometida por conhecidos ou estranhos em espaços públicos. As mulheres são também as principais usuárias de serviços de saúde, especialmente aqueles de atenção primária e emergenciais. Apesar dos altos índices, identificar a violência pode não ser uma tarefa tão fácil. Quando as mulheres que estão sofrendo violência procuram os serviços de saúde, dificilmente revelam espontaneamente esta situação. Mesmo quando questionadas preferem não relatar o sofrimento. Segundo Marinheiro (2006), isso ocorre por diversas razões, as quais os profissionais de saúde devem estar atentos para não culpabilizar a vítima, quais sejam: medo do agressor, dependência financeira, questões afetivas, dentre outras. Faz-se importante refletir que a palavra violência pode não corresponder à experiência vivida por algumas mulheres, que não reconhecem os atos violentos cometidos pelo agressor como violência, mas sim como ignorância, grosseria e outros termos parecidos. Assim sendo, seja por dificuldades das mulheres, seja porque não podem ainda confiar nos serviços de saúde, as mulheres geralmente não contam que vivem em situação de violência. Pautados/as em um Código de Ética que assegura a liberdade, a democracia, a equidade e a justiça social, o/a Assistente Social está inserido/a nas 1070

Unidades de Pronto Atendimento para responder as demandas da população usuária. Diante do exposto, cabe a esse/a profissional conhecer os serviços de referência para atendimento às mulheres vítimas de violência, orientá-las a procurar tais organismos, notificar a violência, além de buscar fortalecer as vítimas a prestarem a queixa e participarem do controle social. A intervenção do/a Assistente Social se faz extremamente necessária no que diz respeito ao acolhimento e orientações das mulheres vítimas de violência doméstica. Este artigo divide-se em quatro tópicos. O primeiro trata sobre a violência, conceitos e formas; o segundo traz uma abordagem da violência doméstica de maneira mais geral; o terceiro busca discutir sobre a violência doméstica contra as mulheres e seus impactos na sociedade; o quarto tópico trata sobre a importância da atuação do/a Assistente Social frente às mulheres vítimas de violência. Por fim, foram as principais conclusões que a laboração da pesquisa proporcionou. VIOLÊNCIA Entendemos a violência como um problema de Saúde Pública. Corresponde a todo ato de coerção, opressão, intimidação e tirania, que pode se manifestar de várias formas, causando danos físicos, morais, patrimoniais, sexuais, psicológicos e emocionais. O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, ex-presidente da OAB-SP, argumenta que "o fenômeno criminal está presente no âmago do corpo social, por ele é gerado, dele nasce e nele produz os seus efeitos. Estudar e pensar a violência implica estudar e pensar a sociedade" (Folha de S. Paulo, 22/01/2002, A-3). Não é uma especificidade do Brasil nem da atualidade. Em outros momentos da vida da humanidade, o uso da violência tem sido praticado por chefes de Estado, de Lei, ou religiosos. Na história do Brasil, a violência sempre esteve presente de maneira muito forte. Essa reprodução da violência, que começou com a escravização dos índios e africanos, é o resultado das imensas desigualdades sociais existentes. Na América Latina, é só a partir da década de 80 que o setor Saúde começa a incorporar de forma mais ampla a problemática da violência. 1071

Pavez e Oliveira (2002) se baseadas nos argumentos de Chaui (1985), defendem que o poder encontra-se como elemento central, na medida em que aborda o domínio exercido um sobre o outro, onde o processo de dominação instaurado na revelação violenta transforma o diferente em desigual e transforma a vítima em coisa. As autoras alegam ainda que a evolução desse processo ocorre quando a parte dominada incorpora a forma de pensar do dominante, usa sua linguagem e cede à violência. Segundo Minayo (2002), a razão para isto se deu devido aos altos índices de violência registrados nas últimas décadas, o que corroborou para que a violência se tornasse um problema, inclusive para a saúde pública, uma vez que, as consequências desse fenômeno repercutem de forma direta na condição de saúde da população. Em 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS), afirmou: em todo o mundo a violência vem se afirmando como um dos mais graves problemas sociais e de saúde pública. No Brasil atual, praticar violência é proibido, ilegal e objeto de punição, com uma única exceção: a defesa da própria vida. Entretanto, as violências representam a 3ª causa de morte na população geral. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: O QUE É? A violência doméstica diz respeito a toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o pleno desenvolvimento de um membro da família. De acordo com Saliba (2007, p. 473): A violência doméstica pode ser cometida dentro e fora do lar por qualquer um que esteja em relação de poder com a pessoa agredida, incluindo aqueles que exercem a função de pai ou mãe, mesmo sem laços de sangue. A maior parte dos casos de violência acontece em casa, afetando sobretudo mulheres, crianças e idosos. Entretanto, a violência doméstica pode ocasionar danos diretos ou indiretos a todas as pessoas da família, nas várias fases de suas vidas. Dessa forma, muitas crianças experimentam a dureza das agressões. O uso da punição física ainda é um instrumento utilizado na educação dos filhos na sociedade moderna. A agressão física na infância e adolescência pode acarretar problemas que provavelmente terão impacto por toda a vida da vítima, o que Saliba (2007) argumenta que poderá levá-la a repetir o comportamento violento. A violência 1072

afeta negativamente a integridade física e metal do ser humano, aumentando os riscos de adoecimentos podendo ocorrer problemas mentais, depressão e tentativas de suicídio. A hipótese de que o ambiente familiar protegeria seus membros mais vulneráveis, tem se mostrado bastante falha. Existem quatro tipos mais comuns de violência intrafamiliar: física, psicológica, negligência e sexual. Day (2003) argumenta que a violência física ocorre quando alguém causa ou tenta causar dano por meio de física à outra pessoa. A violência psicológica inclui toda ação ou omissão que causa ou busca causar dano à auto-estima ou ao desenvolvimento da pessoa. A negligência ocorre quando há a omissão de responsabilidade de um ou mais membros da família em relação a outro, sobretudo àqueles que precisam de ajuda por questões de idade ou alguma outra condição. Por fim, a violência sexual configura-se como toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga uma outra à realização de práticas sexuais. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA AS MULHERES A violência doméstica contra a mulher consiste em uma questão sócio-cultural presente nas mais diversas comunidades. Segundo estudo publicado pela Secretaria da Mulher de Pernambuco (2011), na cultura patriarcal, a violência sexista é aquela praticada por homens e por mulheres contra as mulheres pelo simples fato de elas serem mulheres. Ela é resultante de um longo processo histórico, baseado na ideia equivocada de que a humanidade está dividida em seres superiores e inferiores e, por essa razão, as mulheres deveriam obediência aos homens. Ela é um pilar da infeliz sociedade patriarcal. Pesquisas indicam que a violência sexista atinge uma em cada quatro mulheres no mundo, independentemente de classe, religião, cor ou região. (Das lutas à Lei: uma contribuição das mulheres à erradicação da violência. Secretaria da Mulher de Pernambuco, 2011: 19) De acordo com a Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher se configura como qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Incluem-se a agressão física, sexual, psicológica e econômica. Segundo Marinheiro (2006), a 1073

violência de gênero sofre influência de fatores sociais, tais como escolaridade, desemprego, o uso de álcool ou drogas. Entretanto, não podemos desconsiderar que toda e qualquer mulher, independente de classe social está sujeita a ser vítima de violência. Estudos mostram que, pelo menos uma em cada três mulheres já foi espancada, coagida ao sexo ou sofreu alguma outra forma de abuso durante a vida, onde o companheiro apresenta-se como o agressor mais frequente. De acordo com o estudo coordenado por Schraiber (2007) em parceria com o SOS Corpo Instituto Feminista para a democracia Pernambuco, de 96 mulheres entrevistadas, 75,2% relataram que foram vítimas de algum tipo de violência tendo como agressor o companheiro. De acordo com os relatos, as mulheres buscaram ajuda muitas vezes e de muitas formas, o que demonstra que a violência não é tão invisível quanto se pensa, mas, mesmo assim, nem todas conseguiram por um fim a sua situação. De acordo com a Secretaria de Gênero do Sintepe, em 2011, a Central de Atendimento à mulher recebeu 667.116, uma média de 1.828 denúncias por dia. Em 2012, uma alteração na Lei Maria da Penha, já abordada neste artigo, permite que a ação penal pública não precise ser condicionada à acusação da vítima. A mulher agredida não precisa mais declarar o desejo de processar o agressor, por meio de um documento chamado representação. Antes da mudança, que fez parte de uma ação da Procuradoria-Geral da República junto ao Supremo Tribunal federal (STF) que acatou a decisão, as investigações só eram realizadas se a denunciante assinasse a representação, o que levava muitas mulheres a desistirem do processo no meio do Caminho. Quando a mulher sofre violência, o senso comum costuma perguntar o motivo que levou o agressor a tal comportamento, transformando a vítima em culpada. A própria mulher, muitas vezes, se reconhece como a responsável pela situação e sobre ela recai a responsabilidade de romper com a violência. O combate a violência contra a mulher, de acordo com Saliba (2007), exige a integração de inúmeros fatores políticos, legais e culturais para que seja desnaturalizada pela sociedade. Em 24 de novembro de 2003, a Lei 10.778 foi promulgada, obrigando os serviços de saúde públicos e privados a notificar casos suspeitos de violência de qualquer natureza contra a mulher. Em abril de 2012, o Governador do estado de 1074

Pernambuco, Eduardo campos, sancionou a Lei 14.633, a qual tem a mesma função da anteriormente citada, entretanto, em nível estadual. A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE À QUESTÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES O Serviço Social tem sua gênese ligada às relações sociais construídas com o surgimento do sistema capitalista. A proposta para a profissão em seu surgimento é determinada pelas classes dominantes e influência da Igreja Católica. Tem como proposição a intervenção e atuação ante a questão social, implementando uma ação doutrinária e corretiva que buscava um consenso entre as classes dominantes e trabalhadoras, objetivando a construção de uma legitimação política para as classes dominantes, e uma legitimação ideológica para a Igreja Católica. Segundo Czapski (2012), com o surgimento do desenvolvimentismo no Brasil, e a criação de inúmeras instituições, o Serviço Social se legitima e se institucionaliza como uma profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho, embora ainda com uma perspectiva de assistencialismo e favorecimento da expansão do capital e industrialização. De acordo com a autora supracitada, é a partir do Movimento de Reconceituação que o Serviço Social busca uma redefinição de uma prática profissional voltada para as demandas reais vividas na sociedade brasileira e suscitada pela sociedade organizada e a classe trabalhadora. Essa dinâmica no contexto da profissão desemboca na formação de alianças com a classe trabalhadora, no firmamento de um posicionamento ético e a construção de um projeto político na categoria do Serviço Social. Sabe-se, no entanto, que o/a Assistente Social não trabalha sozinho. É importante que haja um envolvimento com a equipe do setor saúde para que o/a usuário/a tenha seu atendimento em totalidade. O setor saúde tem importante papel no enfrentamento da violência familiar. Os profissionais dessa área, todavia, tendem a subestimar a importância da violência, voltando suas atenções às lesões físicas e esse despreparo se deve possivelmente ao desconhecimento acerca de como proceder frente a esses casos. 1075

É necessário entender, como colocam Pavez e Oliveira (2002) que a violência se apresenta, hoje, como um tema transversal a todas as outras questões que a população coloca ao serviço Social, em qualquer espaço de trabalho. As mesmas autoras alegam que: Trabalhar com vítimas de violência está se constituindo uma nova demanda ou, pelo menos, uma nova forma de olhar, ler e intervir nestas situações, a partir da própria violência, por dentro dela mesma, procurando entender tanto o impacto das determinações sociais, como o sofrimento moral e psíquico que os familiares das vítimas apresentam e desenvolvem, contornados por essa complexidade. (Pavez e Oliveira, 2002, p. 88) A busca das mediações que deverão ser utilizadas no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica, talvez seja o principal desafio para o/a Assistente Social. O comprometimento profissional não é apenas ético e político, mas exige competência técnico-política para intervenção na realidade, um questionamento inquieto da realidade social. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo ora realizado permitiu analisar que o/a Assistente Social lotado/a no setor saúde, no uso de suas atribuições, tem um papel fundamental no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica. Entretanto, este profissional não pode assumir a responsabilidade no combate a violência. O trabalho em equipe é a melhor forma de garantir à vítima a defesa de seus direitos, através de um atendimento especializado e de qualidade, que some os vários saberes profissionais e busquem fortalecer a autonomia da mulher para sair da situação de violência. A pesquisa buscou contribuir para o conhecimento sobre a questão da violência contra a mulher, visando, dentre outras questões, ampliar a visibilidade do problema. Buscou-se também apresentar a importância do trabalho do/a profissional de Serviço Social nesta atuação. A violência doméstica e familiar contra as mulheres é a tradução real do poder e da força masculina e das desigualdades culturais entre homens e mulheres. As agressões estão presentes em famílias, independentemente da raça, classe social, idade ou orientação sexual de seus componentes, embora não possamos deixar de ressaltar que o impacto maior desta violência atinge mulheres negras e pobres. O 1076

Brasil é um dos países que mais sofre com a violência doméstica, 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas a esse tipo de violência. A violência doméstica é a principal causa de morte e deficiência entre mulheres de 16 a 44 anos de idade e mata mais do que câncer e acidentes de trânsito. (Cartilha: Direitos da Mulher/ Prevenção à violência e ao HIV AIDS). O/a Assistente Social pode realizar e incentivar pesquisas de incidência e prevalência da violência de gênero, além de sugerir o treinamento dos demais profissionais de saúde na intenção de assegurar que as vítimas não sejam vitimizadas novamente por estes serviços. Organizar eventos na área e militar nos conselhos a fim de descobrir alternativas e possibilidades para uma atuação que enfrente todos os desafios postos a essa área, decifrando as situações apresentadas, capacitando-se para o trabalho com as mulheres, trabalhado para a transformação no modo das condições de vida, na cultura de subalternidade imposta às mulheres. REFERÊNCIAS BARROCO, M. L. S (org). Código de Ética do/a Assistente Social comentado; Conselho Federal de Serviço Social CFESS São Paulo: Cortez, 2012; BRASIL. Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 03.01.2014; CZAPSKI, A. R. S. O Assistente Social no atendimento à violência doméstica contra a mulher. Revistas Travessias, Paraná, v. 06, nº 01, p. 313-328. 2012. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/view/5672>. Acesso em: 03.01.2014; DAY, V. P. Violência doméstica e suas diferentes manifestações. R. Psiquiatr. RS 25 (suplemento 1): 9-21, abril 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rprs/v25s1/a03v25s1>. Acesso em: 28.12.2013; 1077

GARBIN, C. A. S; GARBIN, A. J. I; DOSSI, A. P; DOSSI, M. O. Violência Doméstica: análise das lesões em mulheres. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2006; GIFFIN, K. Violência de Gênero, sexualidade e saúde. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2010; Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética 2006. Coletânea de Códigos de Ética Profissional do Assistente Social/ GEPE; Recife, CTC, 2006; MARINHEIRO, A. L. V; VIEIRA, E. M; SOUZA, L. Prevalência da violência contra a mulher usuária de serviço de saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, nº.4, p. 604-610. 2006; MINAYO, M. C. de S. e SOUZA, E. R. de: Violência e saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, IV(3): 513-531, nov. 1997- fev. 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v4n3/v4n3a06. Acesso em: 03.01.2014; MINAYO, M. C. S. (org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 2002; OLIVEIRA, A. C. M. de. O crime nosso de cada dia. Folha de S. Paulo, 22/01/2002, A-3; PAVEZ, G. A; OLIVEIRA, I. I. M. C. Vidas nuas, mortes banais: nova pauta de trabalho para os assistentes sociais. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, ano XXIII, nº 70, p.80-91. 2002; PERNAMBUCO, Secretaria da Mulher. Das lutas à lei: uma contribuição das mulheres à erradicação da violência. 2011. 192 p. SALIBA, O; GARBIN, C. A. S; GARBIN, A. J. I DOSSI, A. P. Responsabilidade do profissional de saúde sobre a notificação de casos de violência doméstica. Revista de Saúde Pública volume, 41 nº 3, São Paulo. Junho de 2007. Secretaria para assuntos de gênero. Jornal Mulher Sintep. Recife, ano III, nº 5 Março/2012; 1078

SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia. Dados e análises. Ano III, nº 6 Novembro 2007. 1079