Revista Portuguesa de. irurgia. II Série N. 17 Junho 2011. Órgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Cirurgia ISSN 1646-6918



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Revista Portuguesa de irurgia II Série N. 17 Junho 2011 ISSN 1646-6918 Órgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Cirurgia

ARTIGO DE REVISÃO A Radioterapia no tratamento dos sarcomas Isabel Gonçalves Silva Radioterapia Instituto Português de Oncologia do Porto, EPE 2010 INTRODUÇÃO Os sarcomas designam um grupo de diversos tumores provenientes das células do tecido conjuntivo, incluindo o osso, a cartilagem, os músculos, os vasos sanguíneos, os nervos, e o tecido adiposo. A sobrevivência aos 5 anos para os sarcomas das partes moles é de 50 a 60%. A localização do sarcoma constitui uma variável importante que influencia o tratamento e o seu resultado. Cerca de 50% dos sarcomas localizam-se nas extremidades, dois terços nas inferiores e um terço nas superiores. 25% dos casos são tumores gastro intestinais, e 15 a 20% são retroperitoneais. Os sarcomas da cabeça e pescoço constituem cerca de 9% do total. Foram identificados mais de 50 subtipos histológicos diferentes de sarcomas das partes moles (SPM). O histiocitoma fibroso maligno é o subtipo mais frequente, constituindo mais de 43% dos casos. Contudo esta designação foi recentemente alterada, passando a chamar-se sarcomas pleomórficos de alto grau, incluindo mixofibrossarcomas, leiomiossarcomas, e lipossarcomas. A cirurgia é o tratamento fundamental dos SPM do adulto. O ideal é a ressecção do sarcoma com margens superiores a 1 cm. A definição das margens é feita com o contributo do cirurgião e do patologista. A abordagem multidisciplinar, pelas diversas especialidades médicas envolvidas no diagnóstico e tratamento dos SPM, reunidas em equipes com experiência, é aconselhada pelas principais sociedades e instituições oncológicas. EPIDEMIOLOGIA Foi publicado em 2010 o maior estudo epidemiológico de base populacional efectuado sobre SPM das extremidades.(*2). Compreende um total de 6960 doentes, registados entre 1 Janeiro de 1988, e 31 de Dezembro de 2005, no SEER, tratados com cirurgia conservadora. 47% destes doentes receberam radioterapia (RT). As conclusões deste estudo confirmam a vantagem da RT nos sarcomas de alto grau, sendo a sobrevida total aos 3 anos de 73% nos doentes irradiados, e de 63% nos que não receberam RT (p < 0.001). Os doentes com sarcomas de baixo grau tiveram sobrevidas semelhantes com ou sem RT. ESTUDOS DE DIAGNÓSTICO A história e o exame físico são a base duma boa prática. A ressonância é o meio de diagnóstico de Imageologia recomendado nos tumores das extremidades para melhor definição do tamanho do tumor e da sua relação com as estruturas neuro vasculares. A TC é preferida nos tumores do tronco e nos retroperitoneais. A TC torácica é recomendada no despiste de metástases pulmonares, principalmente nos sarcomas de alto grau. Os lipossarcomas mixoides de células redondas, têm maior risco de metastização para a coluna, pelo que é aconselhável pedir-se uma ressonância da coluna. Revista Portuguesa de Cirurgia (2011) (17):29-33 29

A PET é útil no prognóstico, e na avaliação da resposta à quimioterapia (QT). O diagnóstico histopatológico necessita frequentemente de apoio da citogenética e da genética molecular, como por exemplo nos sarcomas sinoviais e nos lipossarcomas, para diagnóstico diferencial. CIRURGIA A exérese local alargada tem uma incidência de recidiva local de 30%, e a RT consegue baixar este valor para 10%. A definição das margens cirúrgicas envolve o cirurgião e o patologista, sendo o objectivo da cirurgia obter margens superiores a 1 cm. Se a invasão tumoral das partes moles e/ ou da pele fôr muito extensa, ou se existir invasão de grandes vasos, ou de nervos ou grande invasão óosea, pode ser necessário efectuar uma amputação do membro. Em alguns casos de ressecções R 1, os doentes devem ser reoperados em centros de referência, para se conseguirem margens adequadas, desde que isso seja possível sem causar grande morbilidade. O cirurgião deve identificar as áreas de maior risco de recidiva, colocando clips cirúrgicos para orientar o planeamento da RT. Enneking (*13) classificou as margens cirúrgicas em função do risco de recidiva, do seguinte modo: a) ressecção intralesional (o tumor forma a periferia de toda ou de parte da peça operatória; b) ressecção marginal (a pseudo cápsula forma a periferia da peça operatória); c) ressecção alargada (os tecidos normais formam toda a periferia da peça operatória); d) ressecção radical (todos os tecidos normais do compartimento fazem parte da peça operatória). O conceito da ressecção radical baseia-se no princípio de que quanto maiores forem as margens, menor é o risco de recidiva local, e teve origem na época em que nem a Imageologia, nem a Radioterapia tinham as possibilidades actualmente existentes. Gerraud (*12) classificou as margens cirúrgicas positivas após exérese de sarcomas das extremidades em quatro categorias distintas em função do risco de recidiva local. Verificou que as margens cirúrgicas positivas de lipossarcomas bem diferenciados, e doutros tumores de baixo grau, e também as margens cirúrgicas positivas relativamente a estruturas críticas, anatomicamente fixas, tais como osso, vaso ou nervo, têm taxas de recidiva local relativamente baixas, à volta de 4%. Pelo contrário, as margens cirúrgicas positivas após re-exérese de cirurgia prévia não planeada, ou margem cirúrgica positiva por erro cirúrgico, associam-se a taxas de recidiva local de cerca de 35%. Segundo um estudo prospectivo do Scandinavian Sarcoma Group, compreendendo 1093 doentes com SPM das extremidades e da parede torácica, registados entre 1986 e 2005, os factores de prognóstico apurados nas análises de uni e multivariaveis, foram o estado das margens cirúrgicas e o grau de malignidade. Os doentes com sarcomas de alto grau, profundos, constituíram 62% dos casos, e, nestes o risco de recidiva local sem RT foi três vezes superior ao observado nos doentes irradiados. O controle local aos 5 anos nos casos de ressecção intra lesional foi 28% sem RT, e 62% com RT; nas ressecções marginais foi de 74% sem RT, e 81% com RT, e nas ressecções com margens suficientes foi de 87% sem RT, e 93% com RT. Demonstra-se que a RT não compensa uma exérese cirúrgica insuficiente. Nos sarcomas de baixo grau o tratamento primário é a cirurgia, que poderá ser o único tratamento se as margens cirúrgicas forem maiores que 1 cm, ou, se o plano da fascia estiver intacto. (*5) Os sarcomas de baixo grau, com margens cirúrgicas positivas podem beneficiar com a RT. Num trabalho retrospectivo de sarcomas sinoviais tratados no MD Anderson, publicado em 2007, (*11) foram averiguados os factores associados com o aparecimento de metástases a distância, sendo concluído serem: o tamanho do tumor (risco mais elevado para tumores com mais de 5 cm), a presença de recidiva local, e a idade (risco maior em maiores de 20 anos). Nesta série, a incidência de recidiva local nos do- Isabel Gonçalves Silva 30

entes tratados com cirurgia mais RT, foi de 20%, e a incidência de metastização a distância aos 10 anos foi de 44%. RADIOTERAPIA A combinação da radioterapia com a cirurgia conservadora dos membros, ambas planeadas com recurso à ressonância magnética para avaliação da extensão tumoral, diminui a necessidade de excisar compartimentos inteiros de membros, e permite taxas de controle local de cerca de 90%. A recidiva local é um factor de risco adverso. Num estudo da Escandinávia foi verificado que a recidiva local aumenta a metastização a distância, em cerca de 4,4 vezes. (*6) A Scandinavian Sarcoma Group recomendou formalmente, em 1998, radioterapia adjuvante nas ressecções marginais, e nas intralesionais, qualquer que seja a profundidade do tumor, e, também nos sarcomas de alto grau localizados profundamente, independentemente do estado das margens. Em ensaio randomizado do NCI Canada Clinical Trial Group, publicado em 2002, comprovou-se que a RT realizada dentro dum período de 4 meses após a cirurgia, se acompanha de uma sobrevivência livre de recidiva, de 88%, superior à sobrevivência observada em doentes tratados com RT depois dos 4 meses, 62%. (*4, *10). Neste estudo verificou-se que a recidiva local e a sobrevivência livre de progressão foram semelhantes, quer no ramo de RT pré operatória, quer no da RT pós operatória. A incidência de complicações da ferida operatória com a RT pré operatória foi maior nos sarcomas dos membros inferiores, 43%, comparativamente aos membros superiores, 5%. Os resultados funcionais a longo prazo, tais como fibrose, rigidez articular e edema do membro, foram melhores com a RT pré operatória, do que com a RT pós operatória. As vantagens da RT pré operatória são : menor volume irradiado, dado não ser necessário abranger todo o leito operatório, e diminuição do efeito de disseminação tumoral associado à manipulação cirúrgica. A pseudo cápsula torna-se mais espessa e acelular com a RT, facilitando a ressecção e diminuindo a posibilidade de recidva. O risco de complicações cirúrgicas acrescidas, e a dificuldade de cicatrização têm feito com que a maioria dos cirurgiões prefira a RT pós operatória. Consegue-se minimizar essas complicações fazendo um intervalo de 3 a 6 semanas depois da RT pré operatória, antes da operação. Se as margens cirúrgicas após RT pré operatória forem diminutas, ou positivas, o que acontece sobretudo nos casos de proximidade do tumor ao feixe vasculo nervoso, e, ou ao osso, pode ser administrada radiação adicional. Nos centros com experiência pode utilizar-se braquiterapia com recurso a material vector colocado per operatoriamente, na dose de 12 a 20 Gy. Relativamente aos sarcomas das extremidades, existem mais dados publicados sobre a combinação da braquiterapia com a RT externa, relativamente à RT intra operatória. A RT intra operatória (IOERT) consiste na aplicação de um feixe de electrões directamente sobre a área em risco, durante a cirurgia, imediatamente após a ressecção tumoral, e é uma alternativa à braquiterapia. Recomendam-se as doses de IOERT de 10 a 14 Gy para margens próximas, de 16 a 20 Gy para margens microscopicamente positivas, e de 20 a 26 Gy para margens macroscopicamente positivas. A experiência do centro de Heidelberg com a IO- ERT relativa ao período de 1991 a 2004 compreendeu 320 doentes com sarcomas, sendo 211 localizados nas extremidades. (*15). A IOERT foi aplicada em tumores com mais de 5 cm, com grau maior ou igual a 2, ou em caso de recidivas tumorais, ou em ressecções extensas com margens previsíveis inferiores a 1 cm. Os doentes anteriormente irradiados receberam só IOERT. Em média 35 dias após RT externa na dose de 45 Gy ( 36 a 50,4 Gy) foi aplicada IOERT na dose de 15 Gy, prescrita à curva de 90% cobrindo o leito tumoral com margem de 1 a 2 cm. Devem ser colocados clips 31 A Radioterapia no tratamento dos sarcomas

de titânio para facilitar eventual planeamento futuro. O campo de IOERT foi de 9 cm em média, e a energia de 8 MeV, em média. A eficácia biológica relativa da IOERT, e também da braquiterapia de alta taxa são difíceis de compreender. Tendo como base a equação linear quadrática, a eficácia biológica de uma dose única intra operatória é cerca de 2 a 3,5 vezes mais do que o fraccionamento convencional. O referido estudo demonstrou um maior controle local (85% versus 71%) para a combinação de RT externa e IOERT, em diversas localizações tumorais. A complicação de neuropatia por lesão radiógena tardia grave foi detectada em 5% dos casos, relacionada com a presença do nervo no campo de electrões. É difícil de distinguir esta complicação, da lesão nervosa relacionada com o trauma cirúrgico do nervo. Neste estudo não foram encontradas fracturas, que são outra das complicações possíveis da IOERT. A RT pós operatória é administrada através de grandes campos após completa cicatrização, com 60 a 66 Gy, em fracções de 1,8 a 2 Gy. Emprega-se habitualmente uma técnica em duas fases, com redução de campos após 50 Gy com campos mais extensos, seguindo se 10 a 16 Gy a um volume reduzido. Poderá elevar-se a dose no caso de margens macroscopicamente positivas. A tolerância dos tecidos normais não deve ser ultrapassada. Se por exemplo o plexo braquial estiver dentro do volume, a dose a esse nível não deve ultrapassar 50 a 55 Gy. O volume RT tem de poupar a circunferência do membro, e o osso normal, dentro do possível, para prevenir o edema do membro, e as fracturas relacionadas com a RT. Geralmente engloba-se o volume tumoral pré operatório, com margem de 5 cm ao longo do eixo muscular. A inclusão de toda a cicatriz no volume irradiado é discutível, tendo sido verificado que a braquiterapia, através de um volume com margens de 2 cm ao leito tumoral proporcionou bom controle local. A reacção radiógena aguda acontece em cerca de 36% dos casos. A avaliação funcional após RT pós operatória adjuvante com 66 Gy demonstrou toxicidade radiógena tardia de grau igual ou superior a 2, em 48% dos doentes,compreendendo fibrose, rigidez articular e edema. A radiosensibilidade dos sarcomas varia consoante o subtipo histológico, sendo maior para os lipossarcomas mixóides. (*8) Estes tumores caracterizam-se por um padrão vascular típico, que se pensa relacionar-se com a sua radiosensibilidade. Nos sarcomas retroperitoneais é difícil definir o volume RT, e a dose é condicionada pela toxicidade da RT no intestino delgado e rins. Nessas circunstâncias a dose não deverá ultrapassar 45-50 Gy, em fracções de 1,8 Gy. Nos sarcomas pélvicos, a tolerância dos tecidos normais é maior do que no andar superior do abdómen, podendo administrar doses mais elevadas. Isabel Gonçalves Silva 32

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SOCIEDADE PORTUGUESA DE CIRURGIA REUNIÕES E CURSOS AGENDADOS REUNIÕES UM DIA / UM TEMA Dia 3 Setembro 2011 H. Dr. Nélio Mendonça Funchal Tema Educação e Treino em Cirurgia DR. PEDRO RAMOS Outubro 2011 H. Capuchos Lisboa Tema Cirurgia do Controle de Dano na Sepsis Abdominal DR. PEDRO AMADO / DR. FRANCISCO OLIVEIRA MARTINS Dia 5 Novembro 2011 Jardim D Arte Caldas da Rainha Tema Fístulas no pós-operatório na cirurgia da Obesidade DR. JOÃO COUTINHO (Coordenador do Capítulo da Obesidade da SPC) Dia 26 de Novembro 2011 H. Tâmega-Sousa Penafi el Tema Litíase da Via Biliar Principal DR. JAIME VILAÇA Dia 26 Novembro 2011 H. Santarém Tema Tratamento de Hemorroidas DR. PEDRO MESQUITA VASCONCELOS / DR. JOAQUIM PEDROSO DA COSTA CURSOS DE LAPAROSCOPIA LAPAROSCOPIC SURGICAL SKILLS Dias 17 e 18 de Outubro 2011 Organização: SPC / Clínica Universitária de Cirurgia II Hospital de Santa Maria, Serviço de Cirurgia Experimental PROF. HENRIQUE BICHA CASTELO / J. M. SCHIAPPA JACK JAKIMOWICZ (Presidente do L.S.S. Program EAES)