Diagnóstico de Aspectos Emocionais Associados á Lombalgia e á Lombociática



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29 Diagnóstico de Aspectos Emocionais Associados á Lombalgia e á Lombociática The Diagnosis of Emotional Aspects Associated with Lower Back Pain Título resumido: aspectos emocionais da lombalgia Roberto Moraes Cruz Universidade Federal de Santa Catarina Jamir João Sardá Jr. Universidade do Vale do Itajaí, SC Resumo O presente estudo teve por objetivo verificar a presença da depressão, ansiedade e somatização em um grupo de pacientes com lombalgia e lombociática, atendidos no Núcleo de Intervenção e Diagnóstico por Imagem (NIDI), em Florianópolis. A compreensão da dor como um fenômeno multidimensional fundamenta as abordagens mais efetivas de síndromes dolorosas reconhecem a mediação de aspectos emocionais e comportamentais sobre as mesmas. Os 50 (cinqüenta) pacientes avaliados realizaram uma anamnese neuropsicológica e uma bateria de testes psicológicos para avaliar desempenho padrões psicológicos associados à dor. Analisamos os resultados das escalas de depressão, ansiedade e somatização do SCL-90-R e verificamos uma associação significativa entre depressão, ansiedade e somatização associadas à lombalgia e à lombociática, demonstrando a importância da avaliação psicológica no diagnóstico e tratamento de síndromes dolorosas de origem lombar. Palavras chaves: avaliação psicológica, dor, lombalgia. Abstract The authors studied a group of 50 patients with lower back pain attended in a neurological clinic located in Florianópolis-SC (Brazil), in order to determine according the concept of pain, as a multidimensional phenomenon, the occurrence of psychological aspects associated with pain. A neuropsychological anamnesis and 2 psychological tests were performed. The results showed a higher incidence of depression, anxiety, and somatization associated with lower back pain. These results corroborate the need for psychological assessment in the diagnosis and treatment of lower back pain. Keywords: psychological evaluation, pain, lower back pain. Endereço para correspondência Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC Campus Universitário S/N - Caixa Postal 476 Florianopolis SC Cep: 88040-900 e-mail: rcruz@cfh.ufsc.br Dores lombares são o segundo sintoma de maior incidência nos Estados Unidos, superado apenas por problemas respiratórios. Segundo uma estimativa recente, os custos da remuneração de inválidos e da perda de produtividade podem chegar a 100 bilhões de dólares anuais (Borssok, Le Bel e McPeek, 1993). No Brasil, apesar de não termos dados precisos, estima-se que os neurologistas e os ortopedistas são o grupo de profissionais que têm entre seus clientes um grande número de pessoas com queixas de lombalgia e lombociática (Carvalho, 1999). A Lombalgia pode ser definida como uma dor no terço inferior da coluna vertebral, mais especificamente entre os L1 e L5. Por lombociática entende-se a manifestação de dores lombares com irradiação para os membros inferiores através do nervo ciático. Freqüentemente essas dores apresentam-se associadas. As intervenções medicamentosas, cirurgias e microintervenções são os procedimentos mais freqüentemente utilizados para o tratamento de dores lombares. A Comissão de Avaliação de Instituições de Reabilitação dos Estados Unidos, a Sociedade Americana de Dor e a Agência para Políticas de Saúde

30 Roberto Moraes Cruz & Jamir João Sardá Jr. têm sugerido avaliações psicológicas como parte do tratamento de síndromes dolorosas, justificando a necessidade de produzir mais conhecimentos sobre a etiologia das dores lombares para que intervenções mais eficazes possam ser realizadas (Tollison e Hinnant, 1996; Kerns e Rosenberg, 1997). Segundo a IASP (International Association for the Study of Pain), a dor é uma experiência desagradável, sensitiva e emocional, associada a uma lesão real ou potencial ou descrita em termos dessa lesão. Diversos autores e teorias contribuíram para a compreensão da dor como um fenômeno multidimensional. Melzack e Wall (1965), durante a década de 60, do século passado, vêm salientando, através da construção da Teoria do Portal (Gate Control), a importância da modulação realizada pela espinha medular, sistema nervoso central e hipotálamo sobre processos e estímulos dolorosos. Estes autores sugerem, de forma analógica, que existe um sistema de portal no sistema nervoso central que se abre e fecha, deixando passar ou bloqueando as mensagens de dor até o cérebro. (p. 972). De acordo com a Teoria do Portal, fenômenos de dor consistem de componentes sensóriodiscriminativo, motivacional-afetivo, e cognitivosvalorativos. A teoria de Melzack e Wall, além de ampliar a compreensão das dores, enfatiza a importância dos aspectos emocionais na instalação e manifestação de processos dolorosos. Embora a Teoria do Portal ofereça uma explicação sobre a participação de aspectos psicológicos associadas à dor, existem ainda outras evidências da multidimensionalidade da instalação e manifestação da dor, a seguir citamos algumas destas evidências: A influência de pensamentos e emoções sobre respostas fisiológicas, tais como, tônus muscular, fluxo sangüíneo, níveis de substâncias na corrente sangüínea e cérebro; A participação dos neurotransmissores nos processos dolorosos; A influência da valoração de eventos dolorosos na qualidade emocional da dor; A diversidade de representações sobre dor em diferentes culturas e suas implicações na manifestação e instalação de dores; As diferenças individuais na percepção de limiares de dor. A possibilidade de ansiedade, depressão, raiva e outros estados emocionais, provocarem alterações viscerais, autonômicas e mioesqueléticas; Além dessas evidências, outros estudos (Wadden, 1994; Sullivan, 1994; Martinez e Castro, 1992; Tollison, 1992) apontam para uma associação entre depressão e ansiedade e a instalação ou manifestação de dores crônicas ou agudas. Esse tem sido o referencial, a partir do qual, a clínica médica e neuropsicológica tem desenvolvido e aplicado técnicas para auxiliar no diagnóstico e tratamento de diversos tipos de dor (ver Coleman, 1997). O consenso existente entre os especialistas e pesquisadores, segundo Burish e Bradley (1993) é de que há necessidade de uma maior compreensão sobre a instalação e manifestação de síndromes dolorosas e a presença de estados emocionais associados a estas, particularmente se considerarmos os eventos fisiopsicológicos pregressos e o modo de ação dos indivíduos em seu cotidiano de vida e trabalho (hábitos, atitudes, posturas). Método Foram entrevistados 55 pacientes com diagnóstico de lombalgia e lombociática atendidos no NIDI- Neurociências, no período de agosto a novembro de 2000 e janeiro de 2001. Foram incluídos nesse estudo todos os pacientes com queixas de lombalgia e lombociática, que realizaram avaliação neuropsicológica. É importante salientar que a avaliação neuropsicológica é indicada quando: 1) os sintomas trazidos pelo paciente são mai ores dos que os esperados pela avaliação clínica ou radiológica, 2) há suspeita de distúrbio psicológico; comportamento inadequado ou uso de drogas associados ao sintoma. A avaliação neuropsicológica possui múltiplos objetivos, dentre eles avaliar a manifestação comportamental de lesões cerebrais. A avaliação neuropsicológica (realizada em duas entrevistas, com uma hora de duração cada ), pode compreender diferentes baterias de testes em função da indicação clínica; nessa situação, utilizamos uma bateria composta dos seguintes instrumentos: anamnese neuropsicológica, testes de desempenho específicos, WISC, Wartegg, Inventário de Pacientes com Dor, Inventário de Sintomas (SCL-90-R) e Lista de Eventos Estressantes. No diagnóstico e tratamento de síndromes dolorosas, nosso enfoque principal é realizar uma avaliação psicológica que permita compreender a multidimensionalidade desse fenômeno, visando identificar a presença de aspectos emocionais e/ou comportamen-

Diagnóstico de Aspectos Emocionais Associados á Lombalgia e á Lombociática 31 tais que possam estar contribuindo para instalação ou manifestação do sintoma. Com especial atenção em estados emocionais, dentre eles, depressão, ansiedade e somatização associados a síndromes dolorosas. Após o término da avaliação, é dada uma devolutiva do resultado ao cliente e encaminhado um parecer da avaliação ao médico solicitante. No que se refere aos instrumentos utilizados neste estudo, estaremos apenas nos atendo à análise dos escores do SCL-90-R. Este instrumento é um inventário de sintomas desenvolvido por Derogatis (1975), que visa refletir padrões de sintomas psicológicos, possui nove escalas e índices globais 1 desenvolvidos para avaliar os níveis de estresse sintomatológico e psicológico. Composto por 90 itens, cada item é pontuado em cinco escalas de stress, com escores variando de zero a quatro, associados às palavras nunca, um pouco, moderadamente, freqüentemente, extremamente. Deve ser utilizado como um instrumento de diagnóstico processual dos sintomas psicológicos, ainda que tenha sido elaborado em conformidade com o DSM II. O SCL-90-R tem sido utilizado para diferentes procedimentos ou fins: avaliações em pacientes psiquiátricos, acompanhamento de usuários de psicofármacos, avaliações em intervenções psicoterapeuticas, avaliação do nível de stress psicológico e psicopatológico, desordens depressivas e/ou ansiogênicas, comportamentos suicidas, usuários de álcool, pessoas que sofreram abuso sexual, disfunções sexuais, intervenções médicas e cirúrgicas. 1 Somatização (som): reflete o stress resultante da percepção de disfunções fisiológicas mediadas pelo sistema nervoso autônomo. Obssessivo-Compulsivo (o-c): avalia a forma como ações ou comportamentos são experenciados como irresistíveis e/ou compulsivos. Sensibilidade Interpessoal (i-s): reflete a forma como o indivíduo percebe suas relações interpessoais. Depressão (dep): avalia sentimentos de disforia e a extensão de quadros depressivos. Ansiedade (anx): avalia sinais de ansiedade de forma generalizada. Hostilidade (hos): avalia a dimensão de padrões hostis de comportamento, tais como, agressão, irritabilidade-ansiedade fóbica (phob) : reflete a presença de comportamentos fóbicos. Paranóia (par) : avalia a dimensão de comportamentos paranóicos, percebendo-os como distúrbios do pensamento. Distúrbios Afetivos (psy): fornece informações referentes a dimensões psicóticas, padrões de relacionamentos afetivos e interações sociais. Índice de Severidade Global (gsi): combina informações referentes aos números de sintomas relacionados com a intensidade do stress percebido. Em última análise avalia o estado atual da desordem psicológica. Índice de Sintomas Estressantes (psdi): avalia o estilo de resposta ao stress. Indica se o indivíduo colabora para atenuar ou elevar o nível de stress em função da forma que o vivencia. Total de Sintomas (pst) : reflete o número de sintomas endossados pelo indivíduo referentes ao nível de stress. Pode ser interpretado como uma medida da extensão dos sintomas. Resultados Por se tratar de um estudo preliminar, a análise estatística dos resultados limitou-se apenas à distribuição de freqüências. Os resultados foram distribuídos em três grandes grupos (com resultados percentuais até 50, entre 51 a 65 e entre 66 a 80). Além disso, foram calculadas as médias e desvio padrões para cada escala, com a finalidade de estabelecer referências padronizadas para a sua utilização em grupos de pacientes com dor. Optamos por organizar os resultados percentuais em três grandes grupos pelas seguintes razões: na amostra americana do SCL-90-R, o percentil 50 é a média dos resultados e o desvio padrão é 14.6; ou seja, o segundo grupo (percentis entre 51 e 65) está à 1,0 desvio padrão da média e o terceiro grupo (percentis entre 66 e 80) à 2,0 desvios padrões da média. Além disso, na prática clínica, observamos que pacientes com escores menores que 50 não apresentam alterações emocionais, pacientes com resultados entre 51 e 65, apresentam alterações emocionais leves, enquanto que pacientes com resultados entre 66 e 80 apresentam distúrbios psicológicos significativos. A Tabela 1 apresenta as médias e desvio padrão para as três escalas, neste grupo de pacientes. Tabela 1 - Distribuição das médias e desviopadrão da população estudada no Brasil e da amostra norte-americana Escala Média Desvio Padrão Brasil E.U.A Brasil E.U.A Ansiedade 64.4 50.0 9.1 14.7 Depressão 65.2 50.0 8.7 14.7 Somatização 64.9 50.0 9.2 14.7 A distribuição dos resultados em percentuais demonstra uma baixa concentração de escores (13%) abaixo da média norte-americana e uma maior concentração dos escores (40%) a um desvio padrão da média e (47%) dos escores a dois desvios padrões da média. Portanto, aproximadamente metade desta população estudada apresentou resultados significativamente altos no que se refere à presença do sintoma ansiedade, segundo o auto-inventário SCL-90-R. A distribuição dos grupos de percentis demonstra uma baixa concentração de escores (8%), abaixo da média americana, uma maior concentração dos escores (38%) a um desvio padrão da média e 54% dos escores a dois desvios padrões da média.

32 Roberto Moraes Cruz & Jamir João Sardá Jr. Figura 1 - Distribuição dos grupos de percentis da escala de ansiedade Figura 2 - Distribuição dos grupos de percentis na escala de depressão A análise da distribuição dos resultados em percentis no SCL-90-R mostra valores significativamente altos no que se refere à presença do sintoma depressão, sugerindo uma forte associação entre o padrão sintomatológico orgânico e depressão na população estudada. A distribuição dos grupos de percentis mostra uma baixa concentração de escores (6%), abaixo da média americana, e uma maior concentração dos escores (35%) a um desvio padrão da média e 59% dos escores a dois desvios padrões da média. Ou seja, nessa população, um número bastante alto de participantes (96%), manifestou outras queixas somáticas 2 associadas a lombalgia e lombociática. Conclusões A análise dos resultados encontradas nesta população, aponta uma concentração dos escores nas Figura 3. Distribuição dos grupos de percentis na escala de somatização 2 Tensão muscular, tontura, hipertensão ou hipotensão, dores de cabeça, problemas de circulação, distúrbios do sistema digestivo e outros.

Diagnóstico de Aspectos Emocionais Associados á Lombalgia e á Lombociática 33 três escalas, do grupo classificado como escore percentil alto (66 a 80), em contrapartida a uma baixa incidência no grupo classificado como escore percentil baixo (até 50). Em média 50% do escores encontra-se no grupo escore T alto. Comparando os resultados desta pesquisa com os encontrados no manual do SCL-90-R, observa-se uma variação significativa dos escores em percentuais encontrados em população em geral ou sem dor. Os resultados obtidos nesse estudo sugerem alterações nas escalas de ansiedade, depressão e somatização, em pacientes com dores crônicas de natureza lombar e lombociática, em comparação com o grupo de controle do teste nos Estados Unidos. Não poderiam ser feitas comparações diretas entre os resultados de uma população com dor e sem dor, em função da variável dor por si só ser um fator ansiogênico ou causar depressão. Tratar-se, portanto, de um estudo preliminar, dado à inexistência de instrumentos psicométricos para avaliação de pacientes com dor no Brasil (o teste SCL- 90-R não é padronizado no Brasil). As alterações emocionais associadas à lombalgia e à lombociática, apontadas neste estudo, vão de encontro à Teoria do Portal e aos resultados de pesquisas apresentados em pesquisas similares no exterior, no sentido de que podem existir aspectos emocionais e comportamentais associados à dores crônicas e agudas, passíveis de interferir ou colaborar para a manifestação ou perpetuação destas. De alguma forma que justificaria a necessidade da utilização de avaliações psicológicas no tratamento de pacientes com dor, com o intuito de realizar um diagnóstico mais amplo e proporcionar intervenções mais efetivas. É importante salientar que ainda existe um longo caminho para a compreensão da instalação e manifestação de dores e das múltiplas variáveis envolvidas neste processo. E, sem dúvida nenhuma, a padronização de resultados e o desenvolvimento de testes específicos para esta população são um passo importante na avaliação psicológica de síndromes dolorosas. Referências Ader, R. & Cohen, N. (1991).Psychoneuroimmunology. New York: Academic Press, Borssok, D., Le Bel, A. & McPeel, B. (1993). The Massachusetts general hospital handbook of pain management. New York: Little Brown Company. Coleman, D. (1997). Equilíbrio Mente Corpo. Rio de Janeiro: Campus. Burish, T. & Bradley, L. (1993).Coping with chronic disease. Nova York: Academic Press. Carvalho, M. M. M. J. (1999). Dor um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus. Kerns, R. D. & Rosenberg, R. (1997). Readiness to adopt a self-management to chronic pain. Pain, 72, 227-234. Lubkin, I. M. (1986). Chronic disease: Impact and intervention. New York: Jones and Bartlett Publisher. Mader, M. J. (1996) Avaliação neuropsicológica. Revista Ciência e Profissão. 16, 12-18. Martinez, J. E. & Castro, P. D. (1992). Aspectos psicológicos em mulheres com fibromialgia. Revista Brasileira de Reumatologia, 32, 51-60. Melzak, R. & Wall, P. B. (1965). Pain mechanism: A new theory. Science, 150, n. 3699, 971-979. Melzak, R. & Wall, P. B. (1994). Textbook of pain (3 rd. edition). Churchill Livingstone: New York. Melzak, R. & Wall, P. B. (1982). O desafio da dor. Fundação Calouste Gulbekian. Lisboa. Morgan, C. D. & Wiederman, M. W. (1998). Discriminant validity of the SCL-90-R dimensions of anxiety and depression. Assessment, 5, 197-201. Pimenta, C. I. M. & Teixeira, M. J. (1997). Questionário de dor McGill: Proposta de adaptação a língua portuguesa. Revista Brasileira de Reumatologia, 47, 177-186. Tollison, C. B. & Hinnant, B. W. (1996). Psychological testing in the evaluation of the patient in pain. Em P. Waldman (Org). Intervention pain management in pain. (p.p. 119-128). New York: W.B. Saunders Company. Recebido em março de 2001 Aceito em Janeiro de 2003