Efeitos e tratamento da radioterapia de cabeça e pescoço de interesse ao cirurgião dentista Revisão da literatura



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Transcrição:

REVISÃO DE LITERATURA Efeitos e tratamento da radioterapia de cabeça e pescoço de interesse ao cirurgião dentista Revisão da literatura Effects and treatment of head and neck radiotherapy from a dental surgeon s stance Literary Revision Márcio SALAZAR* Fausto Rodrigo VICTORINO** Luiz Renato PARANHOS*** Ivan Delgado RICCI**** Walderez Penteado GAETI***** Neli Pialarissi CAÇADOR****** Resumo O paciente sob tratamento oncológico, ao receber atenção do Cirurgião-Dentista (CD), necessita de cuidados especiais, assim, seria relevante que o profissional conhecesse as reações adversas do tratamento radioterápico na boca e nas regiões circunvizinhas, atuando na tentativa de amenizar o desconforto e melhorar a condição de vida do seu paciente. Considerando que a radioterapia de cabeça e pescoço pode trazer seqüelas extensas e, algumas vezes, permanentes, em especial nas glândulas salivares e no tecido ósseo, nosso objetivo é revisar tais efeitos e respectivos tratamentos, propostos na literatura. Ficou evidente após este estudo a significante importância do Cirurgião-Dentista no manejo adequado do paciente submetido à radiação de cabeça e pescoço. Palavra-chave: Radioterapia. Complicações bucais. Odontologia. ABSTRACT The patient undergoing oncology treatment needs special care when assisted by the dental surgeon. Therefore, it would be quite relevant that the clinician were aware of the adverse reactions of radiotherapy on the mouth and surrounding regions, in order to attempt to minimize discomfort and improve the patient s life condition. Considering that head and neck radiotherapy can cause extensive sequelae sometimes permanent ones particularly on the salivary glands and bone tissue, our aim is to revise these effects and their respective treatments, as proposed in literature. After this study, the significant importance of the dental surgeon became evident for the adequate management of the patient subjected to radiation treatment on the head and neck. Keywords: Radiotherapy. Mouth complications. Dentistry. * Especialista em Ortodontia UEM/Maringá. Mestrando em Ciências da Saúde UEM/Maringá. ** Doutorando em Endodontia pela - FOB/USP. *** Mestrado em Odontologia Legal e Deontologia FOP/UNICAMP. Especialista em Ortodontia AMO/Dental Press. **** Especialista em Saúde Coletiva SLMandic. Mestrando em Ortodontia Universidade Metodista de São Paulo. ***** Mestrado em Farmacologia - USP. Professora do Departamento de Farmácia e Farmacologia - UEM. ****** Mestrado em Odontologia - FOB/USP. Professora do Departamento de Odontologia UEM. 62 Revista Odonto Ano 16, n. 31, jan. jun. 2008, São Bernardo do Campo, SP, Metodista

SALAZAR, M.; VICTORINO, F. R.; PARANHOS, L. R.; RICCI, I. D.; GAETI, W. P.; CAÇADOR, N. P. INTRODUÇÃO Realizada desde 1895, a radioterapia se caracteriza pela utilização de radiação ionizante no tratamento de neoplasias malignas. Ao deslocar elétrons, criam-se átomos instáveis, cujos elétrons livres se unem a outros átomos adjacentes, que também se tornam instáveis com cargas negativas aumentadas, danificando o DNA celular e impedindo a replicação da célula neoplásica 17. Inicialmente, a dose radioterápica era expressa por unidade RAD, que equivalia a um centigray (1 cgy), atualmente emprega-se a unidade gray (Gy), que corresponde a um jaule por quilograma (1 Gy = 1 jaule/kg) 20. De acordo com Rice 17 (1997), o tratamento pode ser realizado de duas maneiras: a Teleterapia, representando a modalidade mais comum de tratamento, onde emprega uma fonte externa colocada à distância do paciente, através de um aparelho emissor de radiação e, a Braquiterapia, que utiliza isótopos radioativos em contato direto com o tumor, também conhecida como Curieterapia. O tratamento ionizante, contudo, não é seletivo, pois não possue a capacidade de diferenciar as células normais das células malignas, o que o torna tóxico para o organismo. Doses superiores a 45 Gy são responsáveis pelo aparecimento de efeitos colaterais 20. O Cirurgião-Dentista, ao constatar que o paciente está ou irá submeter-se ao tratamento radioterápico na região de cabeça e pescoço, deverá estar atento às reações adversas do mesmo, intervindo tanto nas alterações já instaladas, quanto na prevenção de possíveis lesões, na tentativa de proporcionar ao paciente uma melhor qualidade de vida. Alguns cuidados básicos são necessários, para a realização antes, durante e após a Radioterapia, conforme descritos no Quadro 1. Entre as lesões de maior interesse ao CD estão a mucosite, infecção bucal, a função glandular alterada, a osteorradionecrose, a doença periodontal, o trismo e hipogeusia. CUIDADOS ANTES, DURANTE E APÓS A RADIOTERAPIA ANTES DA RADIOTERAPIA Instruções de higiene oral Profilaxia Aplicação tópica de flúor Tratamentos restauradores e periodontal Exodontias necessárias Eliminação de traumas DURANTE A RADIOTERAPIA Controle e orientação de higiene bucal Uso de Flúor tópico Exodontia contra-indicada APÓS A RADIOTERAPIA Controle e orientação de higiene bucal Evitar exodontias por um ano Visitas regulares ao consultório odontológico QUADRO 1 Cuidados básicos para execução antes, durante e após a Radioterapia. O objetivo deste trabalho foi, através de revisão bibliográfica, descrever os efeitos adversos do tratamento radioterápico na região de cabeça e pescoço, e a conduta clínica do C.D. frente os mesmos. REVISÃO DA LITERATURA As complicações decorrentes do tratamento radioterápico dependem, além da quantidade total da dose, de outros fatores como: tipo e radiossensibilidade do tecido saudável envolvido pela radiação, do fracionamento da dose, susceptibilidade individual, idade, condições sistêmicas, alguns vícios, como o alcoolismo e o tabagismo e, principalmente, de situações que podem comprometer a integridade da mucosa bucal, como uma prótese mal adaptada, higiene bucal inadequada e de doença dentária pré existente 14. Ao nível de cabeça e pescoço, altas doses de radiação podem causar hipóxia, redução de suprimento sanguíneo, necrose e conseqüentemente infecção 5. Da mesma forma, a pele encontrada no campo irradiado poderá sofrer alterações como descamação, formação de bolhas, eritema, ncrose, como também dor e ardência nos casos mais severos 22. Na mucosa bucal, além de causar mudanças Revista Odonto Ano 16, n. 31, jan. jun. 2008, São Bernardo do Campo, SP, Metodista 63

histo-fisiológicas, pode propiciar o desenvolvimento de alterações estruturais e funcionais dos tecidos de suporte, incluindo glândulas salivares e ossos 9. Complicações Generalizadas ocorrem em 65 a 100% dos pacientes, e caracteriza-se, basicamente, pela presença de mal estar, náuseas e vômitos ocasionais, anorexia e fadiga 17. Entre as Complicações Localizadas, as de maior interesse para os Cirurgiões-Dentistas estão listadas a seguir: MUCOSITE Caracterizada pela presença de mancha branca, eritema, pseudomembrana e ulceração. Surge, normalmente, após 7 dias do início da terapia, sob uma dose de 10 Gy, quando, na maioria das vezes, o paciente mostra edema e eritema na mucosa; já próxima de 30 Gy, todos os tecidos bucais estão sensíveis, podendo desaparecer em 2 a 4 semanas após o término do tratamento 17. A dor e queimação ocorrem, principalmente, na ingestão de alimentos condimentados e de texturas ásperas, proporcionando, além do desconforto e ardência bucal, a dificuldade de se alimentar (disfagia). O aumento da incidência de mucosite tem sido relacionado ao crescente consumo de álcool e tabaco 4. Outro fator agravante é o trauma proporcionado por próteses mal-adaptadas 1. Anestésicos tópicos ajudam a amenizar os sintomas, mas o aumento da intensidade da dor indica a necessidade de analgésicos sistêmicos. Os tratamentos propostos pela literatura compreendem em interromper o uso de fumo e álcool 4, 21 ; substituir próteses mal-adaptadas, utilizando-as o mínimo possível durante o tratamento 1 e também o bochecho com clorexidina a 0,12% ou 0,2%, duas vezes ao dia 6. Segundo Rahn et al. 15 (1997), em pacientes irradiados que lavaram suas bocas com 100 mililitros (1:8 de diluição) de solução de povidine iodado, a mucosite foi menos freqüente, mais tardia, menos severa, e mais facilmente curada, quando comparados com aqueles que utilizaram água destilada. Têm sido úteis para aliviar o desconforto, a aspirina (ácido acetil salicílico), 4x ao dia, via oral 17 e corticosteróides, como a prednisona, 40 a 80 mg, via oral, diariamente por 1 semana 21. Agentes citoprotetores como a aminofostina também têm sido utilizados no tratamento da mucosite devido ao estímulo da proliferação de células basais por irradiação a laser ou nitrato de prata 19. A aminofostina é administrada, segundo Antonadou et al. 2 (2002), somente 15 a 30 minutos antes de cada radiação, por 6 a 7,5 semanas. INFECÇÃO BUCAL A mucosite pode ser agravada por infecções oportunistas, como as fúngicas, as mais comuns. Normalmente a incidência e as razões para o estabelecimento destas micoses na cavidade bucal são decorrentes de fatores como: desordens endócrinas, lesões em mucosas, higiene oral deficiente, tratamento prolongado com antibióticos e corticosteróides 16. Em pacientes irradiados, a função dos neutrófilos polimorfonucleares está suprimida, favorecendo também o aparecimento da candidose 25. Outro fator predisponente do paciente irradiado é redução do fluxo salivar, que produz uma quebra na função antibacteriana da saliva 16. Infecções viróticas e bacterianas (bacilos gram positivos e gram negativos) também estão associadas à radioterapia 23. O tratamento das infecções secundárias consiste no uso de antifúngicos, antibióticos sistêmicos ou tópicos. Como exemplo de antifúngicos, temos o cetoconazol, 200mg uma vez ao dia, até uma semana após o desaparecimento dos sinais e sintomas, ou o fluconazol, 100mg por dia, de 7 a 14 dias. Enxaguatórios bucais também podem ser utilizados, como a clorexidina (0,12%), 2 vezes ao dia, por no máximo 7 dias. FUNÇÃO GLANDULAR ALTERADA XEROSTOMIA CÁRIES DE RADIAÇÃO A radiação quando em doses entre 40 a 65 Gy promove uma reação inflamatória degene- 64 Revista Odonto Ano 16, n. 31, jan. jun. 2008, São Bernardo do Campo, SP, Metodista

SALAZAR, M.; VICTORINO, F. R.; PARANHOS, L. R.; RICCI, I. D.; GAETI, W. P.; CAÇADOR, N. P. rativa, especialmente, das células serosas acinares das glândulas salivares, levando a diminuição do fluxo salivar que, somado à ansiedade e depressão do paciente, desencadeia a xerostomia. A xerostomia compreende o estado em que o fluxo salivar encontra-se inferior a 0,3ml/min, gerando alteração da gustação, disfagia, perda do apetite e do peso, afetando de maneira adversa à qualidade de vida do paciente, uma vez que não ocorre mais a liquefação e lubrificação dos alimentos, que associados à irritação da mucosa, tornam a deglutição dolorosa. As cáries podem surgir de 3 a 12 semanas após a radioterapia, considerando que, a saliva não mais desempenhará sua função tampão (reguladora do ph da cavidade bucal) e que os componentes orgânicos e inorgânicos dos dentes podem ser alterados pela radiação, tornando-os mais susceptíveis à descalcificação e conseqüentemente ao processo carioso 21. A prevenção e o tratamento deste quadro consistem em minimizar a exposição da glândula durante a radioterapia, utilizar substitutos salivares (salivas artificiais) e, estimular o paciente a ingerir muito líquido 8. A administração de sialogogos, como a pilocarpina 5mg V.O., três a quatro vezes ao dia, um dia antes até o término do tratamento também é uma boa opção 21. Rodriguez 18, em 1996, sugeriu que uma dieta balanceada fosse orientada por um nutricionista, procurando evitar alimentos açucarados. Outros autores, como Jha et al. 11 (2000), propuseram a transferência cirúrgica das glândulas submandibulares para o espaço submental (fora do campo de radiação) preservando a função e prevenindo o desenvolvimento da xerostomia. OSTEORRADIONECROSE A osteorradionecrose é uma das complicações mais severas da radioterapia, com incidência mais pronunciada em idosos (10 a 37%), ocorrendo sete vezes mais na mandíbula que na maxila, devido a sua alta densidade óssea e menor vascularização 20. De acordo com Thom et al. 24 (2000), 74% dos casos ocorrem nos primeiros três anos após a radioterapia, com maior freqüência em pacientes que receberam doses superiores a 60 Gy. A radiação ionizante torna os canais vasculares estreitos (endarterite obliterante), o que diminui o fluxo sanguíneo, produzindo uma área pouco resistente a trauma e de precária regeneração. Sendo assim, a patogênese da osteorradionecrose depende do grau de comprometimento da vascularização, bem como do decréscimo de osteócitos e osteoblastos viáveis no osso afetado, podendo se estabelecer após uma pequena ruptura da mucosa bucal, por trauma dental ou por procedimentos traumáticos, como: a exodontia, responsável por mais da metade dos casos (Figura 1, 2 e 3), e a doença periodontal ou endodôntica, que favorece o acesso dos microrganismos da cavidade bucal a áreas profundas, promovendo uma necrose óssea 20. A prevenção é a palavra de ordem no paciente irradiado, cuja avaliação do estado dentário e periodontal são muito importantes para a definição da conduta pré radioterápica. Na presença de dentes em ótimo estado de conservação, sem dúvida a primeira iniciativa é mantê-los, por outro lado, quando os dentes se encontram em mau estado, a extração é mandatária, sendo que as exodontias devem ser realizadas no mínimo de duas semanas antes do tratamento radioterápico 12. Entretanto, outras variáveis devem ser consideradas, como a motivação do paciente e as condições físicas e sociais, as quais determinariam à extração total, apesar da presença de ótimos dentes. É válido lembrar ainda, que o risco da osteorradionecrose persiste por toda vida do paciente 10,18, 21. Dentre os tratamentos propostos, a oxigenação hiperbárica vem sendo citada com grande freqüência 18, 21, consistindo na entrada do paciente em uma câmara, onde se respira oxigênio em alta pressão atmosférica, produzindo maior concentração deste elemento nos tecidos, melhorando a cicatrização da área afetada. Deve-se ressaltar que, Revista Odonto Ano 16, n. 31, jan. jun. 2008, São Bernardo do Campo, SP, Metodista 65

Luiz Felipe Rossi Tassara FIGURAS 1, 2 e 3 Exposição e necrose óssea na região da ferida cirúrgica de paciente submetido à extração dentária logo após tratamento radioterápico.* embora a oxigenação hiperbárica seja uma imensa ajuda para pacientes com osteorradionecrose, os tecidos mortos devem ser removidos, uma vez que um seqüestro ósseo não retornará às suas funções normais. Assim, em uma necrose intensa, um seqüestro ósseo ou uma fístula tratada somente com tal procedimento, sem intervenção cirúrgica associada, terá pouco ou quase nenhum efeito. Portanto, a oxigenação hiperbárica deve ser utilizada como um coadjuvante do tratamento cirúrgico 10, induzindo intensa angiogênese da região afetada pelo aumento da oxigenização. DOENÇA PERIODONTAL O periodonto, como todos os outros tecidos, também é sensível aos efeitos da radiação em altas doses 6. Os vasos sanguíneos não só do periodonto, como também do periósteo são da mesma forma afetados. Radiograficamente, observa-se mudanças no alvéolo, pois após a radiação, notase ampliação do espaço do ligamento periodontal e destruição do osso trabecular. Estas mudanças sugerem que o risco da doença periodontal aumente e comprometa a cura, em decorrência da capacidade de reparo e remodelação óssea estarem prejudicadas. Em relação ao tratamento, mais uma vez, o Cirurgião-Dentista deve agir preventivamente, promovendo um completo exame bucal e periodontal, elaborando um plano de tratamento antes da terapia, composto basicamente de orientação em higiene, raspagem e remoção de fatores de acúmulo de placa, como próteses mal adaptadas, excesso de crista marginal em restaurações e exodontia de dentes com maior comprometimento periodontal. A manutenção da saúde bucal e periodontal deve continuar acompanhando a terapia do câncer, pois manifestações bucais devem se desenvolver ao longo deste tratamento 7. TRISMO Com maior freqüência em pacientes com tumores na faringe, em áreas retromolares e regiões posteriores do palato, os músculos mastigatórios quando dentro do campo de radiação, apresentam edema, destruição celular e fibrose 18. O trismo radio-induzido, que se estabelece de 3 a 6 meses após o término do tratamento, tem um impacto * Figura cedida por Dr. Luiz Felipe Rossi Tassara Mestrando em Ortodontia da UMESP. 66 Revista Odonto Ano 16, n. 31, jan. jun. 2008, São Bernardo do Campo, SP, Metodista

SALAZAR, M.; VICTORINO, F. R.; PARANHOS, L. R.; RICCI, I. D.; GAETI, W. P.; CAÇADOR, N. P. significante na qualidade de vida dos pacientes, pois além de dificultar a mobilidade mandibular, compromete tanto a higiene bucal como os demais cuidados odontológicos. Exercícios dos músculos mastigatórios envolvidos, com abridores dinâmicos de boca, para alongá-los e aumentar a abertura bucal, como também o uso de antiinflamatórios não esteroidais (AINES) para dor, faz parte do tratamento de tal envolvimento muscular 21. Um estudo piloto foi conduzido para avaliar a eficácia da pentoxifilina no tratamento de trismo radio-induzido 3. A Pentoxifilina tem uma atividade imunomodulatória, que regula certas citocinas implicadas como mediadores de reações fibrogênicas depois da radiação. HIPOGEUSIA Definida como a diminuição ou perda substancial dos quatro paladares 13, a hipogeusia apresenta-se como um resultado do comprometimento dos botões gustativos e ainda reflexo da estomatite e da xerostomia. Para maioria dos pacientes, os sentidos retornam em 4 meses, porém alguns ficam com hipogeusia permanentemente. Devido a todas estas alterações, o paciente apresenta fraqueza, mal estar, desidratação, perda de apetite, repercutindo negativamente em seu quadro geral 21. Em casos de hipogeusia, o paciente deve monitorar freqüentemente seu peso, sendo acompanhado por um nutricionista. ABORDAGEM PROFILÁTICA E TERAPÊUTICA Indicação/Medicamentos Posologia Abordagem MUCOSITE Clorexidina 0,12% ou 0,2% Bochechos 2 vezes ao dia A partir do início da radioterapia Soro fisiológico a 0,9% Bochechos 4 vezes ao dia A partir do início da radioterapia Aspirina (ácidoacetilsalicílico) Via oral, 4 vezes ao dia A partir do início da radioterapia Corticosteróide (prednisona 40 a 80mg) Via oral, diário por 1 semana A partir do início da radioterapia Agentes citoprotetores (aminofostina) Por 6 a 7,5 semanas 15 a 30 min antes da radiação INFECÇÃO BUCAL Antifúngicos (cetoconazol 200mg) Via oral, 1 vez ao dia Até uma semana após o desaparecimento dos sinais/sintomas Antifúngicos (fluconazol 100mg) Via oral, 1 vez ao dia De 7 a 14 dias Clorexidina a 0,12% Bochechos 2 vezes ao dia Máximo 7 dias FUNÇÃO GLANDULAR ALTERADA / XEROSTOMIA / CÁRIE DE RADIAÇÃO Sialogogos (pilocarpina 5mg) Via oral, 3 a 4 vezes ao dia 1 dia antes até fim do tratamento OSTEORRADIONECROSE Oxigenação hiperbárica Durante o tratamento Coadjuvante ao tratamento cirúrgico DOENÇA PERIODONTAL Orientação de higiene e remoção dos fatores De acordo com o Durante todo o tratamento de acúmulo de placa Cirurgião-Dentista TRISMO AINES Via oral A partir da ocorrência do trismo Exercícios dos músculos mastigatórios De acordo com o profissional A partir da ocorrência do trismo HIPOGEUSIA Orientação/Acompanhamento De acordo com o profissional A partir da ocorrência da hipogeusia QUADRO 2 - Quadro sinóptico sobre a abordagem profilática e terapêutica indicada às complicações bucais radioinduzidas. Revista Odonto Ano 16, n. 31, jan. jun. 2008, São Bernardo do Campo, SP, Metodista 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS A radioterapia de cabeça e pescoço pode resultar em efeitos colaterais transitórios ou permanentes, criando déficits funcionais no sistema estomatognático. Assim o Cirurgião-Dentista tem papel fundamental na prevenção e tratamento destas complicações, para dessa forma amenizar o desconforto proporcionado pela terapia radioterápica e melhorar a condição de vida do paciente. REFERÊNCIAS 1. ANDREWS, N; GRIFFITHS, C. Dental complications of head and neck radiotherapy: Part 2. Aust Dent J. v. 46, no. 3, p.174-82, sept. 2001. 2. ANTONADOU, D. et al. Prophylactic use of amifostine to prevent radiochemotherapy-induced mucositis and xerostomia in head-and-neck cancer. Int J Radiat Oncol Biol Phys. v. 52, no. 3, p.739-747, 2002. 3. CHUA, D. T. et al. A pilot study of pentoxifylline in the treatment of radiation-induced trismus. Am J Clin Oncol. v. 24, no. 4, p. 366-369, 2001. 4. COLEMAN, S. An Overview of Oral Complications of Adult Patients with Malignant Haemetological Conditions Who have Undergone Radiotherapy or Chemotherapy. Journal of Advanced Nursing. v. 22, no. 6 p. 1085-1091, 1995. 5. DREIZEN, S. Description and incidence of oral complications. Jounal of the National Cancer Institute Monographs. v. 9, p. 11-15, 1990. 6. EPSTEIN, J. B. Periodontal Attachment Loss in Patients after Head and Neck Radiation Therapy. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. v. 86, p. 673-677, 1998. 7. EPSTEIN, J. B.; STEVENSON, M. P. Periodontal disease and periodontal management in patients with cancer. Oral Oncol. v. 37, no. 8, p. 613-619, 2001. 8. FOX, P. Acquired Salivary Drys Funtion: Drogs and Radiation. Annals of New york Academy of Science. v. 842, p. 132 137, 1998. 9. JANSMA, J. et al. A survey of prevention and treatment regimens for oral sequelae resulting from head and neck radiotherapy used in Dutch radiotherapy institutes. International Journal of Radiation Oncology, Biology, Physics. v. 24, no. 2, p. 359-367, 1992. 10. JERECZEK-FOSSA, B. A.; ORECCHIA, R. Radiotherapyinduced mandibular bone complications. Cancer Treat Rev. v. 28, p. 65-74, 2002. 11. JHA, N. et al. Submandibular salivary gland transfer prevents radiation-induced xerostomia. Int J Radiat Oncol Biol Phys. v. 46, no. 1, p. 7-11, 2000. 12. MARX, R. E.; JOHNSON, R. P. Studies in the radiobiology of osteoradionecrosis and their clinical significance. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. v. 64, no. 4, p. 379-390, 1987. 13. NEVILLE, B. W. Injúrias Físicas e Químicas. In: NEVILLE, B.W. Patologia Oral & Maxilofacial. Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 1995, cap. 8, p. 212-215. 14. PETERSON, D. E. Oral toxicity of chemotherapeutic agents. Seminars in Oncology. v. 19, no. 5, p. 478-491, 1992. 15. RAHN, R. et al. Povidone-iodine to prevent mucositis in patients during antineoplastic radiochemotherapy. Dermatology. v. 195(suppl 2), p. 57-61, 1997. 16. RAMIREZ-AMADOR, V. et al. Candidal colonization and oral candidiasis in patients undergoing oral and pharyngeal radiation therapy. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. v. 84, p. 149-153, 1997. 17. RICE, A. M. An Introduction to Radiotherapy. RCN. p. 49-56, 1997. 18. RODRIGUEZ, C. S. Programmed Inastruction: Cancer therapy: Associated Late Effects. Cancer Nursing. v. 19, p. 320-328, 1996. 19. ROSENTHAL, C.; KARTHAUS, M. Current approaches in prevention and therapy of chemo- and radiotherapy-induced oral mucositis. Wien Med Wochenschr. v. 151, no. 3-4, p. 53-65, 2001. 20. ROTHWELL, B. R. Prevention and treatment of the orofacial complications of radiotherapy. J Am Dent Assoc. v. 114, no. 3, p. 316-322, 1987. 21. SILVERMAN, S. Oral Cancer: Complications of Therapy. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. v. 88, p.122-126, 1999. 22. STROHL, R. A. The nursing role in radiation oncology: symptom management of acute and chronic reaction. Oncol Nurs Forum. v. 15, no. 4, p. 429-434, 1988. 23. SWEENEY, M. P.; BAGG, J. The mouth and palliative care. Am J Hosp Palliat Care. v. 17, no.2, p. 118-124, 2000. 24. THOM, J. J. et al. Osteoradionecrosis of the Jaws: Clinical Characteristics and Relation to field of Irritation. Clinical Otolaryngology and Allined Sciences. v. 25, p. 82, 2000. 25. UETA, E. et al. Influence of inductive chemoradiotherapy on salivary polymorphonuclear leukocyte (SPMN) functions in oral câncer. J Oral Pathol Med. v. 23, no. 9, p. 418-422, 1994. Recebimento: 7/4/08 Aceito: 13/6 /08 Endereço para correspondência: Márcio Salazar Rua Osíris Stenghel Guimarães 602, sala 01 Jd América Maringá/Pr CEP: 87047-400 marciosalazar@hotmail.com 68 Revista Odonto Ano 16, n. 31, jan. jun. 2008, São Bernardo do Campo, SP, Metodista