ASPECTOS NEGATIVOS DAS INTERAÇÕES POR MEIO DA ESCRITA NA VISÃO DOS PARTICIPANTES DE UM CURSO A DISTÂNCIA



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ASPECTOS NEGATIVOS DAS INTERAÇÕES POR MEIO DA ESCRITA NA VISÃO DOS PARTICIPANTES DE UM CURSO A DISTÂNCIA Doris de Almeida Soares Escola Naval RESUMO: Este trabalho discute algumas questões ligadas à experiência de aprender on-line e como os alunos se inserem nesta através do discurso escrito. Para tanto, foi realizado um estudo empírico com 20 professores de línguas matriculados em um curso de extensão de 10 semanas na plataforma TelEduc. Estes responderam a um questionário no meio do curso e a questões por e-mail, ao término do mesmo. O questionário enfocava os comportamentos dos participantes nas ferramentas do curso (fórum, perfil e portfólio) e as perguntas por e-mails solicitavam uma avaliação da experiência de aprender on-line. Apesar de os dados indicarem que a experiência foi avaliada como positiva, alguns depoimentos apontam aspectos negativos da aprendizagem on-line relacionados à interação por meio da linguagem escrita no ambiente virtual. São eles a insegurança, a sensação de não pertencer ao grupo e a preocupação com a preservação de face. Este trabalho discute essas questões, as quais podem impactar negativamente o processo de aprendizagem, à luz das práticas discursivas que encontramos na sala de aula presencial. Sugere, também, que busquemos estar atentos e adequar nossas práticas discursivas para atender as demandas da aprendizagem colaborativa mediada pelo computador. PALAVRAS-CHAVE: Educação a distância. Discurso mediado pelo computador. Estudo empírico. INTRODUÇÃO O ensino on-line traz desafios tanto para o aluno como para o tutor, uma vez que ainda estamos aprendendo a interagir nos espaços virtuais por meio do que chamamos de segunda oralidade: textos em meio escrito, mas com características do discurso oral. As salas de aula virtuais são, portanto, ricas em informações para aqueles interessados em saber como esse novo espaço pedagógico modifica os papéis tradicionais de alunos e professores (tutores) e suas práticas discursivas. Para entender algumas questões ligadas a linguagem e interação no contexto virtual, este trabalho discute os depoimentos de vinte professores inscritos em um curso livre de dez semanas on-line, na plataforma TelEduc, no qual desenvolvi uma investigação sobre a presença social como minha teste de doutorado (SOARES, 2011). Os dados revelam aspectos da aprendizagem on-line que, às vezes, passam despercebidos pelo tutor como a insegurança, a sensação de não pertencer ao grupo e a preocupação com a preservação de face, questões estas que podem ter um impacto negativo no processo de aprendizagem. Para embasar as reflexões, o artigo revisita alguns conceitos relacionados à linguagem e interação na sala de aula tradicional, contexto do qual herdamos nossos comportamentos em situações formais de aprendizagem. 1 LINGUAGEM E INTERAÇÃO EM CONTEXTOS PEDAGÓGICOS O evento aula tradicional pressupõe ao menos dois atores: o aluno e o professor, sendo XII EVIDOSOL e IX CILTEC-Online - junho/2015 - http://evidosol.textolivre.org 1

impossível a ambos negarem a co-presença e ficarem alheios à forma pela qual o outro afeta, não só as escolhas linguísticas na comunicação, mas também a identidade que é construída através dos comportamentos e posturas durante a interação. Na sala de aula, é a negociação patente entre professor e aluno que vai levar a construção de um conhecimento comum entre eles (MOITA LOPES, 1996, p.96). Para mediar essa negociação, lançamos mão da linguagem (verbal e não verbal), organizada em gêneros típicos desse contexto como o modelo iniciação-resposta-avaliação da resposta. Nele, o professor inicia a interação, geralmente por meio de perguntas para as quais ele já sabe as respostas, escolhe quem irá respondê-las, e avalia a correção do que foi dito e se está de acordo com o que espera ouvir. Além disso, ele detém o poder da palavra, determinando até mesmo se outros, além dele, podem falar, nem que seja em particular com o colega do lado (MOITA LOPES, 1996, p.98). O aluno como membro da comunidade e participante nas práticas discursivas, deve respeitar essa hierarquia. As regras de funcionamento dessa comunidade discursiva são aprendidas quando ingressamos na vida escolar e perpetuadas pelos atores sociais nela envolvidos. No ensino a distância, os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) substituem o espaço físico da escola e viabilizam, geralmente através da linguagem escrita, a interação entre os membros da comunidade. Em geral, essa interação acontece nos fóruns de discussão, o qual corresponde a sala de aula presencial, pois nele ocorre a maior parte da construção do conhecimento pelas interações discursivas entre os membros do grupo e o tutor (professor), a partir das leituras recomendadas para o curso. Cabe ao tutor redigir o tópico para um determinado fórum e postá-lo no AVA. Nesse ponto, replica-se o comportamento discursivo da sala de aula presencial, na qual o professor é quem inicia a interação. Contudo, existem diferenças. Devido à separação física entre os participantes, muitos cursos são organizados de modo que a tecnologia apoie formas poderosas de diálogo entre aluno e professor (CAMPOS et al, 2003, p.161). Nesses, o discurso escrito é uma tônica e almeja-se a aprendizagem colaborativa. Desta forma, o tutor pode dar liberdade aos alunos de abrirem fóruns sobre os assuntos do curso ou para a socialização, caso assim desejem. Enquanto na sala de aula presencial espera-se que o professor conduza o evento e tome as decisões de quem deve falar com quem, sobre que assunto, e em qual momento (ALLWRIGHT e BAILEY, 1991, p.19), na sala virtual, essa tarefa gerencial é distribuída, pois o aluno acessa o espaço, lê as mensagens de outros participantes, seleciona quais responder, escreve comentários e os envia para o fórum. Esse mecanismo propicia aos estudantes o espaço de tempo necessário para refletirem sobre as questões postas para debate e para formularem suas respostas (CAMPOS et al, 2003, p.163). Assim, o aluno tem autonomia para decidir quando quer participar ativamente, postando respondas, e quando prefere ser um espectador, somente acompanhando o que está sendo debatido, sem se pronunciar. Muitas vezes, essas decisões não estão diretamente ligadas ao conhecimento que se tem do tópico, mas a aspectos psicológicos e afetivos envolvidos na produção do discurso escrito no meio digital, que se torna público, e dependendo do software, permanente e imutável. Assim, apesar de os alunos geralmente considerarem as interações em fóruns estimulantes e motivadora (MOORE e KEARSLEY, 2007, p.153), estes podem temer o engajamento nesse tipo de interação ou se ressentir da ausência física de um interlocutor que possa lhe dar feedback imediato sobre seus enunciados. Essas percepções aparecem claramente nos protocolos colhidos para este estudo, conforme veremos a seguir. 2 INSTRUMENTOS DE PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS Para minha tese de doutorado, colhi depoimentos de vinte professores de idiomas de diversas regiões do país, alunos do referido curso, em dois instrumentos: a) um questionário de meio do curso sobre as motivações e experiências prévias dos alunos com o ensino on-line e comportamentos com relação aos fóruns de discussão e portfólios, e b) um relato por e-mail ao 2

término do curso para avaliar a experiência e eventuais mudanças de comportamento e saber se houve estabelecimento de vínculo com os colegas. A análise revelou que, apesar de os alunos acharem a experiência de estudar on-line enriquecedora e estimulante, sentimentos negativos como a falta da presença de um interlocutor em tempo real, o medo de perder a face, a timidez e a falta de familiaridade com as práticas discursivas no AVA foram vivenciados por alguns participantes. Este artigo, portanto, enfoca apenas as questões referentes a esses sentimentos vivenciados pelos participantes do estudo, os quais vão ao encontro do que a literatura diz sobre os aspectos afetivos nas interações virtuais. Campos et al (2003, p.155), por exemplo, afirmam que a distância geográfica e, muitas vezes, a distância temporal entre os participantes de um grupo de aprendizagem colaborativa produz a sensação de isolamento e solidão, repercutindo de forma indesejada nos níveis de motivação. Essa afirmativa pode ser confirmada no depoimento da participante P20: P20: Se houvesse um "chat" ou MSN, provavelmente eu teria participado mais. O fórum me dava uma sensação de "falar sozinha". Senti falta da conversa "em tempo real". Podemos relacionar essa questão psicológica aos estudos linguísticos e filosóficos de Bakhtin para quem todo enunciado tem sempre um destinatário cuja compreensão responsiva o autor do discurso procura e antecipa (1979/2003, p.333). Assim, a ausência de uma figura que represente quem é este interlocutor com o qual desejamos estabelecer algum vínculo pode dificultar a produção de enunciados em ambientes virtuais, e, por conseguinte, o engajamento na comunidade discursiva. Além de a necessidade de sentir a co-presença no ato da enunciação, como relata P20, há também a questão da face e da construção de identidade, que veio à tona quando os participantes falaram sobre o seu comportamento nos fóruns de discussão. Para construirmos nossa identidade fazemos duas coisas: a) negociamos sentidos de nossa experiência como membros em comunidades sociais e b) definimos quem somos pelas formas que vivenciamos nós mesmos através da participação (WENGER, 1998, p.145-9). Para tanto, nos engajamos em "práticas discursivas com o outro em circunstâncias culturais, históricas e institucionais particulares" (MOITA LOPES, 2002, p.30-32). Dependendo do contexto, podemos ter extremada preocupação em preservar nossa face, nos expondo o menos possível a fim de não criamos uma identidade que não queremos para nós. Somente após nos sentirmos aceitos, enturmados e mais seguros com relação a nossa posição na comunidade discursiva é que a interação passa a fluir mais naturalmente. No curso em questão, a falta do sentimento de pertencer à comunidade teve impacto direto no comportamento de alguns participantes nos fóruns, conforme os depoimentos a seguir: P2: O que me motivava a ficar calado era o fato de ter entrado no curso muito atrasado, em relação aos outros participantes. Batia uma insegurança muito grande, medo de dizer besteira, de ter entendido errado, preferia ficar "na minha", só assistindo. Comecei a participar quando "emparelhei" com os outros, aí me senti mais "enturmado". P7: no início me sentia insegura em comentar as atividades, depois fui me integrando (...) pois vi que todos tinham dificuldades, como numa sala de aula presencial, temos receio no inicio também. Em ambos os casos, o fator determinante para os participantes se tornarem mais seguros, e, por consequência, mais ativos foi a sensação de pertencer à turma, ou seja, sua integração àquela comunidade de aprendizagem. Ao que se percebe, isso pode levar algum tempo e ser mais difícil quando há falta de familiaridade com o gênero fórum e/ou com o ambiente de aprendizagem on-line. Para ilustrar essa questão, temos os depoimentos de P16 e P6. P16: No início, fiquei apavorada, pois tudo era desconhecido para mim, parecia um bicho de sete cabeças. Eu 3

nunca tinha participado desse tipo de curso. Tinha medo de deletar tudo e não conseguir recuperar coisa alguma, caso eu errasse. P6: Não sei se era a falta de costume junto com timidez (...) Tentando diminuir esse medo do desconhecido, muitos cursos disponibilizam o acesso à plataforma e ao suporte antes do inicio oficial das aulas e incentivam a exploração do ambiente e suas funcionalidades, além do esclarecimento de dúvidas. Assim, propiciar tempo para reconhecimento de terreno pode fornecer mais segurança para os participantes na hora de começar a trabalhar no AVA. Com relação aos aspectos sociais, é prática comum os primeiros dias de curso serem usados para o preenchimento do perfil, ferramenta que nos dá uma visão geral sobre os participantes, e para o engajamento em atividade quebra-gelo, como fazemos no primeiro dia da sala de aula tradicional. Essas providências podem ser muito úteis para que o aluno comece a estabelecer vínculos com outros colegas e para prevenir que ele se sinta assustado e desmotivado logo de início. Há, também, a necessidade de levarmos em conta as características pessoais dos alunos, como nestes dois depoimentos: P13: às vezes tenho um pouco de receio em escrever para alguém que nem conheço, mas o faço e não com a frequência que eu gostaria, acabo fazendo menos. P11: Acho que não sou muito de manifestar minhas ideias, tenho um tipo de bloqueio nisso, não sei a razão, mas estou procurando melhor essa parte em mim. Similar ao que ocorre na sala de aula presencial, o tutor deve estar atento ao comportamento de cada aluno e observar até onde é aconselhável cobrar do participante suas contribuições. Buscar um equilíbrio entre a autonomia dada ao aprendiz e o controle do engajamento nas atividades é de crucial importância para que o aluno possa ser estimulado a superar suas dificuldades e, ao mesmo tempo, se sinta respeitado em suas preferências de participação. Na maioria das vezes, problemas iniciais, além de a timidez para se expressar, podem ser superados com o tempo e com o apoio afetivo do grupo. Observemos as avaliações finais feitas pelas participantes P16 e P6: P16: A P18 é que me acalmou muito e me ensinou a ter mais tranquilidade. No final, ainda que eu continuasse a ter problemas por limitações minhas, eu já não fiquei tão desesperada, pois comecei a perceber que tudo tinha solução, não havia necessidade de me apavorar. Para mim, o curso foi ótimo. Aprendi bastante, inclusive sobre mim mesma, já que de início eu mesma achava que não tinha a mínima condição de aprender algo. P6: (...) mas sem dúvida hoje eu não tenho mais problemas para dar as minhas opiniões em fóruns, mesmo quando a participação não é obrigatória (isso inclui, por exemplo, grupos de discussão). Estes trechos demonstram uma mudança de comportamento e, acima de tudo, uma aprendizagem que vai além do conteúdo, pois são exemplos de superação de limitações com respeito à modalidade do curso. Com relação à afetividade do grupo para que o participante se sinta membro da comunidade, destaco a questão do feedback. Como a linguagem é o único instrumento que medeia as relações sociais entre os participantes, fica-se sem saber o que os demais pensam se não houver uma resposta escrita. Isso porque, no AVA, não há nem pistas paralinguísticas que dão suporte às interações facea-face nem pistas suprassegmentais que sustentam uma conversa telefônica, por exemplo. Esse silêncio com relação ao que alguém escreve pode ser interpretado de modo negativo. Observemos este depoimento de P2 sobre um incidente que ocorreu após já estar enturmado e se sentido parte do grupo. P2: postei um loooongo comentário, bastante detalhado, do texto lido. Teci os comentários mais "inteligentes" que fui capaz e fui ignorado. Foi uma sensação muito ruim, muito humilhante. Sei que é bobagem, mas vc perguntou, eu estou respondendo. (...) houve um momento em que eu me senti conectado, ligado, fazendo parte 4

do grupo, belonging, mas aí, aconteceu o que aconteceu e eu não consegui superar. Tive vontade de mandar um e-mail pra você, para a P6, mas... Este ser ignorado significa, na verdade, que sua contribuição não foi comentada diretamente por ninguém. Ao recuperar a mensagem que causou tamanha desmotivação e analisar as postagens subsequentes feitas no fórum, conclui-se que o que houve foi um desencontro de expectativas, pois, de certo modo, alguns participantes se manifestaram sobre o que foi dito, não de modo direto, mas abordando assuntos levantados em seus comentários. Assim, a criação de um ambiente que enfatize a importância do indivíduo e que gere uma sensação de relacionamento com o grupo, ou seja, humanização (MOORE e KEARSLEY, 2007, p. 155) é de crucial importância. Portanto, o tutor deve gerenciar os fóruns de modo que todos se sintam lidos e comentados, seja por ele, seja pelos colegas de curso. Deve, também, sugerir modos de organização do discurso escrito para alcançar esse objetivo, uma vez que não é necessário, e nem viável, responder individualmente a cada comentário feito nos fóruns. Essas questões estão ligadas a definição dos papéis de mestre e aprendiz. Se na sala de aula tradicional é função do professor iniciar as interações e distribuir os turnos, no ambiente virtual, o tutor não está presente 24 horas. Como o tempo é precioso e o aluno on-line parece querer feedback imediato e frequente (ARAÚJO, 2002), espera-se que, nas situações de problemas e dúvidas, quem esteja on-line esclareça e auxilie os colegas. Conforme apontam os dados, alguns alunos, como relata P20, podem se sentir intimidados com essa liberdade para assumir uma função típica do professor. P20: mas, o tempo era escasso e acabava deixando a tarefa de responder para o professor ou outro colega. Talvez também tenha sido um pouco de medo de "achar que sabia", e, de repente, a resposta não ser tão adequada assim. O depoimento ilustra a preocupação com a face nesse ambiente onde o que se posta pode ser visto por todos e fica registrado. O medo de errar, também presente na sala de aula física, deve ser trabalhado explicando aos participantes que os erros representam uma parte natural da aprendizagem e que não existe pergunta boba, pois o instrutor aprova e admira o esforço e o comprometimento (MOORE e KEARSLEY, 2007, p.176). Para os autores, na medida em que os participantes se acostumam com o AVA e, logo de início, conseguem feedback positivo, a confiança cresce e a ansiedade fica sob controle. Em verdade, é desejável que haja essa diluição da hierarquia para que o aluno se torne mais autônomo e responsável pela sua aprendizagem, pois, o processo permanece incompleto se não favorece a passagem final do controle da aprendizagem para o aluno (MOITA LOPES, 1996, p.105). Para encerrar esta análise, temos um depoimento que resume bem as questões levantadas por meio desse estudo e que serve de alerta para os profissionais que desejam trabalhar com o ensino mediado pelo computador. Segundo P3, a aprendizagem nessa modalidade de ensino a distância P3: (...) exige muito mais do aluno e um cuidado muito maior do professor. O tutor deve estar sempre atento às inseguranças dos alunos e provocá-los a todo momento para os desafios, dando o suporte necessário para a concretização das atividades e interações. Fica, pois, o lembrete para todos aqueles que se dispõe a ensinar em cursos a distância que primam pela aprendizagem colaborativa. CONCLUSÃO Este trabalho discute algumas questões relacionadas à aprendizagem mediada pelo 5

computador e que têm sua contraparte na sala de aula tradicional. Acredito que, a exemplo da sala de aula física, a insegurança, as relações sociais e a construção das identidades discursivas dos alunos e do professor como membros da comunidade virtual de aprendizagem são questões que merecem atenção. Isso por que ainda estamos buscando, através da mediação pela linguagem escrita em interações assíncronas, modos de assumirmos papéis de alunos e tutores em uma sala de aula que jaz em um espaço imaterial, pois é situada em um mundo virtual onde só nos tornamos reais por meio do que escrevemos. Como esses sentimentos podem ter um impacto negativo para o processo educacional, devemos dar voz ao aluno virtual, buscando entender quem é esse sujeito e como ele vivencia a experiência de aprendizagem a distância. Ouvir o que o aluno tem a dizer sobre essa nova modalidade de ensino é o primeiro passo para que possamos caminhar rumo a um melhor entendimento deste tipo de educação, pois como diz Van Lier (1994, p.9), a menos que os professores entendam o mundo do discurso dentro do qual eles interagem como professores, a transformação será impossível. REFERÊNCIAS ALLWRIGHT, Dick; BAILEY, Kathleen. Focus on the Language Classroom: An Introduction to Classroom Research for Language Teachers. Cambridge: CUP, 1991. ARAUJO, José Paulo. O Que os Aprendizes Esperam dos Professores na Educação a Distância On-line? URL <http://www.abed.org.br/site/pt/midiateca/textos_ead/685/o_que_os_aprendizes_esperam_dos_prof essores_na_educacao_a_distancia_on-line_ >Acessado em: 14/03/2015. BAKHTIN, Mikhail. (1979) Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. CAMPOS, Fernanda C.A.; SANTORO, Flávia Maria; BORGES, Marcos R.S.; SANTOS, Neide Cooperação e aprendizagem online. Rio de Janeiro: DPeA Ed, 2003. MOITA LOPES, Luís Paulo. Interação em sala de aula de língua estrangeira. In: Oficina de Lingüística Aplicada, Campinas: Mercado das Letras, 1996, p. 95-107. MOITA LOPES, Luís Paulo. Discursos de identidade em sala de aula: a construção da diferença. In: Identidades Fragmentadas. Campinas: Mercado das Letras, 2002, p. 29-56 MOORE, Michael. & KEARSLEY, Greg. Educação a distância. Uma visão integrada. Trad. Roberto Galman. São Paulo: Thomson Learning, 2007. SOARES, Doris de A. A presença social em um ambiente virtual de aprendizagem: uma proposta de análise à luz da Linguística Sistêmico-Funcional. Tese de Doutorado em Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, 2011. VAN LIER, Leo. Some features of a theory of practice. TESOL Journal 4, 1, 1994, p. 6-10. WENGER, Etienne. Communities of practice. Cambridge: CUP, 1998. 6