A REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA POR CASAIS HOMOAFETIVOS



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A REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA POR CASAIS HOMOAFETIVOS Márcia Ferreira Tavares 1, Marina de Neiva Borba 2 Estudante do curso de Direito, e-mail: marciatavares2005@hotmail.com 1 Professora da Universidade de Mogi das Cruzes 2 marinaborba@globo.com 2 Área do Conhecimento: Direitos Especiais Palavras-Chave: Direito Público INTRODUÇÃO As técnicas de reprodução humana assistida para a procriação humanasão destinadas para o tratamento de pessoas com infertilidade, bem como para evitar a má formação congênita, ou seja,para evitar a transmissão hereditária de alguma doença genética (SCALQUETTE, 2010, p.67).apesar de, atualmente, existirem várias técnicas de reprodução assistidas, é possível distinguir dois procedimentos principais: a inseminação artificial e a fecundação in vitro, apresentando, cada uma destas técnicas, métodos próprios e indicações específicas.a inseminação artificial é a introdução/colocação de espermatozoides no interior do canal vaginal, (através de um cateter) onde a fecundação entre o óvulo e o sémem ocorre espontaneamente dentro do organismo materno. Já a fertilização in vitro ocorre com a fertilização do óvulo pelo espermatozoide ocorre em laboratório com a posterior transferência dos embriões fecundado (in vitro) para o útero gestacional (SCALQUETTE, 2010, p71).para a realizaçãodas técnicas de reprodução assistida, pode ser utilizado tanto o material genético do próprio casal, chamada de reprodução assistida homóloga, como o material genético de doadores anônimos, denominada de reprodução assistida heteróloga (DINIZ, 2007, p. 502). Entre as discussões ética e jurídica sobre a temática da reprodução assistida, uma, em especial, será tratada, oportunamente, nesta pesquisa: as técnicas de reprodução assistida heterólogas podem, ética e juridicamente, ser utilizadas por casais homoafetivos? Quais as implicações jurídicas decorrentes dessa possibilidade? OBJETIVO Esta pesquisa tem, portanto, como objetivo geral analisar a possibilidade de utilização das técnicas de reprodução assistida heteróloga por casais homoafetivos. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa que utilizouatécnicas de pesquisabibliográfica e documental. RESULTADOS/DISCUSSÃO Por muito tempo, a doutrina jurídica clássica brasileira entendeu que a união entre pessoas do mesmo sexo não poderia ser considerada uma união estável e, consequentemente, não poderia ser reconhecida como uma entidade familiar. Tal entendimento fundava-se juridicamente na ausência de um dos pressupostos objetivos exigidos para o reconhecimento de uma união estável: a diversidade de sexos. Nesse sentido, os doutrinadores mais conservadores, como Maria Helena Diniz (2007) e

Álvares Villaça Azevedo (2003, p. 203), consideravam a união homossexual uma mera sociedade de fato, e não, uma entidade familiar. Contudo, os doutrinadores da linhagem mais liberal e avançada, tais como Maria Berenice Dias (2011, p. 196) e Paulo Lôbo (2008, p. 89), Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald(2008, p. 61), defendiam que a união homoafetiva deveria ser sim considerada uma entidade familiar, já que essas pessoas eram ligadas pelos laços da afetividade e pelo desejo constituir família.nesse sentido, inclusive, Dias (2011, p.197) consagrou a expressão união homoafetiva, definindo-a como a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo que se unem pelos laços da afetividade, do carinho e do desejo de querer constituir uma família, não se confundindo, portanto, com a mera relação sexual.por causa dessa divergência, Tartuce e Simão (2012, p. 338) esclarecem que não se concebia a possibilidade de casais do mesmo sexo utilizarem as técnicas da reprodução assistida heteróloga. Entretanto, em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277, reconheceu a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Hoje, portanto, essa união merece a proteção do Estado brasileiro (conforme art. 226 da Constituição Federal de 1988), sendo reconhecida como família e podendo usufruir os direitos inerentes a ela (DIAS, 2011, p.209).dessa forma, após essa mudança de entendimento, investigou-sea possibilidade ético-jurídica de acesso às técnicas de reprodução assistida heteróloga pelos casais homoafetivos. Sobre o tema, Peterson (2005, p. 280) esclarece que, especialmente na Austrália,esse acesso tem sido negado a alguns grupos de pessoas cuja capacidade de criação desses filhos seja questionável, tais como: mulheres solteiras, casais gays e mulheres pobres. Os principais argumentos utilizados para justificar tal negativa às mulheres lésbicas são,principalmente,a ausência de infertilidade e as preocupações sociais de que tal prática vai de encontroà natureza (PETERSON, 2005, p.280). Contrariamente ao primeiro argumento, segundo o autor, existiria uma justificativa ética para casais de lésbicas terem acesso às técnicas de reprodução assistida: como tecnicamente um casal de mulheres não pode produzir espermatozoide, elas podem ser consideradas inférteis frente à vontade de constituir família, presumindo-se, portanto, aptas a esse tratamento com base nos mesmos direitos dos casais heterossexuais que forem inférteis (PETERSON, 2005, p.284).todavia, a Suprema Corte da Austrália decidiu manter a restrição ao uso das técnicas de reprodução assistida para casais heterossexuais. Tal decisão foi baseada na constatação de que a recusa não foi direcionada ao lesbianismo em si, mas sim,na sua não adequaçãoà definição de infertilidade dadapela medicina legal (PETERSON, 2005, p.285).quanto ao segundo argumento, o artigo aponta estudos psicológicos feitos em crianças cujo desenvolvimento se deu numa unidade familiar homoafetiva, concluindo que não foram encontrados impactosnegativos significativos no desenvolvimento cognitivo e no ajustamento emocional da identidade dessas criançasquando comparados com filhos de casais heterossexuais (PETERSON, 2005, p.282). Destarte, Peterson (2005, p.280) afirma que famílias não convencionais não são aceitas socialmente, violando o direito à igualdade e o preceito da não discriminação em razão da opção sexualdessas mulheres. Nesse mesmo sentido, o EthicsComitteeofthe American Society for Reproductive Medicine(2009, p. 1190) ressalta que a restrição do acesso aos serviços de fertilização com base no estado civil ou na orientação sexual não podem ser eticamente justificados. Primeiramente, o Comitê de Ética (2009, p. 1191) refuta o argumento de que casais gays e lésbicas não teriam interesse em ter filhos. 2

3 Além desse argumento, muitas pessoas que se opõem a reprodução assistida por casais de gays ou lésbicas o fazem por preocupação com o bem-estar dos filhos. Segundo o Comitê de Ética (2009, p. 1191), no entanto, os resultados das pesquisas científicas sobre o tema não sustentam tais medos: a Associação Americana de Psicologia descobriu que os temores de que haveria uma taxa mais elevada de problemas psicológicos ou sociais entre as crianças nascidas e criadas por casais de gays e de lésbicas não foram comprovados. Finalmente, o Comitê de Ética conclui que a autonomia profissional dos médicos especializados em reprodução assistida submete-se ao dever constitucional de não discriminação com base no estado civil ou na orientação sexual, em consonância com a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos da América (2009, p. 1192). Portanto, as clínicas de reprodução assistida devem tratar igualmente todos os pedidos de tratamento, sem levar em consideração o estado civil ou a orientação sexual dos solicitantes (ETHICS..., 2009, p. 1193). Neste ponto, torna-se curioso notar queo Conselho Federal de Medicina brasileiro seguiu a mesma trajetória do supracitado Comitê de Ética da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva: apoiado numa decisão judicial de não discriminação proferida pelo Tribunal Supremo do país, permitiu-sea aplicação das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos aos médicos e às Clínicas, Centros ou Serviços especializados.assim, considerando que o pleno do Supremo Tribunal Federal (...) reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva (ADI 4.277 e ADPF 132), o CFM (2013, p. 1) regulamentou a possibilidade de acesso às técnicas de RA por casais do mesmo sexo aqui no Brasil: 2 - É permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito da objeção de consciência do médico. (CFM, 2013). (Grifado). A Constituição Federal de 1988 (CF/88) consagra o direito ao planejamento familiar no art. 226, 7º, quefoi reconhecido expressamente pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n. 3510. (Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 29-5-2008, Plenário, DJE de 28-5-2010).Assim, a própria Constituição Federal afirma que o (direito ao) planejamento familiar é uma livre decisão do casal. Como não se definiu se esse casal seria heteroafetivo ou homoafetivo, o art. 226, 7º, da CF/88, deve ter a sua interpretação estendida a todos os casais que vivam uma relação de afeto duradoura e em comunhão afetiva, independentemente da sua orientação sexual. Ora, a exigência por uma interpretação ampliativa desse direito pauta-se no próprio julgamento conjunto das ADI 4277 e ADPF 132 do STF, já citados anteriormente, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar.dessa forma, os mesmos direitos e deveres inerentesà família heteroafetiva que vivam em união estável devem ser estendidos à família homoafetiva, pois, a partir desse julgamento, o casal homoafetivo passou a ter o status de entidade familiar, que é a base da sociedade, passandotambém a gozar da proteção especial do Estado quanto aos seus direitos e deveres, inclusive o direito ao planejamento familiar expresso no 7º do art. 226 da CF/88. CONCLUSÃO No Brasil, o uso das técnicas de RA por casais homoafetivos foi autorizado pela Resolução 2013/2013. Ao regulamentar os princípios deontológicos da profissão, o Conselho Federal de Medicina, apoiou-se no julgamento proferido pelo pleno do Supremo Tribunal Federal na ADI 4.277 e na ADPF 132, que reconheceu como entidade familiar a união estável homoafetiva.não se pode conceber que esse Conselho Profissional tenha extrapolado as suas atribuições, visto que tal regulação, direcionada aos profissionais médicos, estáem consonância com a decisão do STF. Na verdade, a Resolução CFM 2013/2013, que permitiu o uso das técnicas de RA por casais

4 homoafetivos, concretizou o direito ao planejamento familiar, previsto no 7º do art. 226 da CF/88 e reconhecido pelo STF no julgamento de outra Ação a ADI 3510. Conclui-se, portanto,que tal dispositivo da Resolução CFM 2013/2013não viola o princípio da legalidade, pois, ao contrário, em respeito à isonomia constitucional,efetivao direito à formação de uma família por casais com qualquer tipo de orientação sexual.a pesquisa concluiu, ainda, que o acesso às técnicas de RA por casais homoafetivos vem sendo concretizado pela conjugação de dois fatos: primeiro, uma decisão judicial de amplo alcance, proferida por um Tribunal Constitucional, vedando qualquer discriminação com base na orientação sexual; e, segundo, uma manifestação de um Conselho de Classe ou Sociedade Profissional especializada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Álvares Villaça. Comentários ao código civil.vol. 19. São Paulo: Saraiva, 2003. BOADA, Montserrat; VEIGA, Ana; QUINTANA, Octavi. Legal and ethical aspects in assisted reproductive techniques: the debate in Spain. Revista de Derecho y Genoma Humano: Law andthehumangenomereview, n. 17, p. 205-214, jul-dez 2002. DEMBINSKA, Aleksandra. Bioethical dilemmas of assisted reproduction in the opinions of Polish women in infertility treatment: a research report. Journal of Medical Ethics, n. 38, p. 731-734, 2012. ETHICS COMMITTEE OF THE AMERICAN SOCIETY FOR REPRODUCTIVE MEDICINE.Access to fertility treatment by gays, lesbians, and unmarried persons.fertility and Sterility, vol. 92, n. 4, p. 1190-1193, out. 2009. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8.ed. São Paulo: RT, 2011. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. São Paulo: Saraiva, 2007. DURAND, Guy. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. Trad. Nicolás Nyimi Campanário. 2. São Paulo: Loyola, 2007. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. LEGGE, M.; FITZGERALD, R., FRANK, N. A retrospective study of New Zealand case law involving assisted reproduction technology and the social recognition of new family. HumanReproduction, vol.22, n..1, p. 17 25, 2007. LEROY, Fernand. Fecundação in vitro e tranferência de embrião (FIVETE). In: LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed.são Paulo: Saraiva, 2011. MCMANUS, Alison J.; HUNTER, Lauren P.; RENN, Hope. Lesbian experiences and needs during childbirth: guidance for health care providers. Journal of obstetric, gynecology and neonatal nursing, vol. 35, n. 1, p. 13-23, 2006. PETERSON, M. M. Assisted reproductive technologies and equity of access issues.journal of Medical Ethics, n. 31, p. 280-285, 2005. POTTER, Van Rensselaer. Bioethics: brigde to the future. Jersey: Englewood Cliffs, Prentice-Hall, INC., 1971. SCALQUETTE, Ana Claudia. Estatuto da reprodução assistida. São Paulo: Saraiva, 2010. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: direito de família. 7.ed. São Paulo: Método, 2012.

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