A COMUNICAÇÃO DIGITAL NA FRONTEIRA ENTRE O JORNALISMO E A ARTE



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Transcrição:

A COMUNICAÇÃO DIGITAL NA FRONTEIRA ENTRE O JORNALISMO E A ARTE PERNISA JÚNIOR, Carlos Doutor em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ em convênio com a Facom/UFJF; Professor adjunto do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (Facom/UFJF), Minas Gerais (MG); e-mail: carlos.pernisa@ufjf.edu.br Resumo: O jornalismo hoje está cada vez mais ligado à questão digital e isso afeta todo o processo da comunicação, desde a produção até a recepção. Além disso, há um dado, que se não é de todo esquecido, passa um tanto ao largo das discussões sobre este assunto. A comunicação tem e possivelmente sempre teve um caráter artístico. Isso pode ser ressaltado, por exemplo, no âmbito da fotografia ou da imagem televisiva ou do cinema, no entanto, há que se pensar além, no jornalismo como um todo, para que se perceba de que modo isso vem afetando agora a comunicação, e o jornalismo em particular, quando se tem cada vez mais a possibilidade de se utilizar os recursos digitais em diversos níveis. Este trabalho visa atentar exatamente para este fato, mostrando principalmente a questão da fotografia digital, mas não deixando de ver a ligação de outros elementos com a questão artística num universo cada vez mais tomado por computadores e máquinas digitais. Palavras-chave: Comunicação, jornalismo, mídia digital, fotografia.

A COMUNICAÇÃO DIGITAL NA FRONTEIRA ENTRE O JORNALISMO E A ARTE Quando se pensa em jornalismo e arte, logo se faz a associação por intermédio da literatura. Defendendo um certo tipo de visão, Alceu Amoroso Lima 1 tinha a opinião de que o jornalismo poderia ser considerado um gênero literário. Já a crônica e o livroreportagem também podem ser lembrados como exemplos de ligação entre jornalismo e arte por meio da literatura 2. A crônica é uma forma muito próxima do conto. Um texto curto, como muitas matérias jornalísticas, mas que não é exatamente uma notícia. Por outro lado, é um texto que traz algo do cotidiano, mesmo que contenha, certas vezes, alguma característica ficcional. O livro-reportagem já tem aspectos diferentes. Pode ter relação com biografias, novelas ou romances, sendo mais longo do que as matérias jornalísticas, mas que tem a investigação e a pesquisa como bases para sua criação. A ficção, geralmente, não faz parte de sua narrativa, mas, muitas vezes, personagens têm seus nomes trocados e alguns fatos não são dotados de comprovação, não sendo, entretanto, considerados ficcionais por isso. Na maioria das vezes, são passagens narradas por observadores privilegiados, mas que não há como se fazer confirmação de todas elas. Pode-se pensar também no cinema como uma ponte entre jornalismo e arte, principalmente nos filmes documentais e semidocumentais, que se ocupam de temas que remetem ao livro-reportagem, mas trabalham com a imagem, fazendo reconstituições históricas ou se valendo de cenas obtidas na própria época retratada. O tipo mais comum de filme exibido atualmente tem a característica narrativa, mas, geralmente, ele é ficcional, até por uma questão comercial. Durante muito tempo, o filme documental esteve à margem, sendo relegado a festivais ou mostras específicas. Se, no início da história do cinema, a característica documental é a mais marcante e domina a cena, logo isso muda, e o que se vê é a criação de um espaço específico para este tipo de cinema: o cine-jornal ou o documentário, que se tornam, ao longo do tempo, marginais. 1 LIMA, 1960. 2 FERRARI & SODRË, 1986.

Hoje, o jornalismo está cada vez mais ligado à questão digital e isso afeta todo o processo da comunicação, desde a produção até a recepção. Além disso, há um dado, que se não é de todo esquecido, passa ao largo das discussões sobre este assunto. A comunicação tem e possivelmente sempre teve um caráter artístico. Isso pode ser ressaltado, por exemplo, no âmbito da fotografia ou da imagem televisiva ou do cinema, no entanto, há que se pensar além, no jornalismo como um todo, para que se perceba de que modo isso vem afetando agora a comunicação, e o jornalismo em particular, quando se tem cada vez mais a possibilidade de se utilizar os recursos digitais em diversos níveis. Com a chegada dos computadores, há questões novas a ser consideradas. Se Benjamin já falava da modificação do cenário da arte e da comunicação quando da possibilidade da reprodução técnica, na década de 30 do século passado, em seu texto A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica 3, hoje esta alteração se dá de forma ainda mais profunda, mas talvez mais dentro da comunicação do que propriamente da arte. O cenário desta zona fronteiriça, entre jornalismo e arte, tem que levar em consideração elementos novos. Paul Virilio caracteriza assim esta região de fronteira: Para mim, a região costeira é uma coisa surpreendente, uma interrupção maravilhosa, uma interface, como se diz. Sempre pensei o espaço em termos de ruptura, em termos de ou/ou, em termos de divisor de águas esses lugares onde as coisas são trocadas, transformadas. (...) [As linhas divisórias] multiplicam os fragmentos, multiplicam o que não é neutro. O continente e o mar existem graças à área costeira. E isso é uma ambivalência muito interessante. 4 O que se percebe é que há espaço para vislumbrar na interface entre jornalismo e arte um dado novo: a comunicação digital. Hoje, além da escrita, há um espaço bem grande para a imagem estática e em movimento; talvez mais forte neste momento do que em outros tempos. O documentário cinematográfico contemporâneo não é o mesmo daquele produzido há alguns anos atrás. O mesmo pode ser dito da fotografia jornalística. O interesse por livros-reportagem também cresce. Só não se vê tanto a crônica como um gênero privilegiado atualmente, tendo o conto um vigor maior, sendo esta a marca que descaracteriza um pouco o espaço do jornalismo neste aspecto. 3 BENJAMIN, 1990. p. 205-240. 4 VIRILIO, 1984. p. 110-111.

É neste meio que se pode enxergar as alterações que foram mencionadas anteriormente. O advento do cinema digital produziu novas possibilidades para o documentário. De um gênero quase esquecido, ele se vê hoje num novo momento de ascendência. Com a digitalização das imagens, a facilidade de operação dos equipamentos e o trabalho sem a necessidade da película, que leva a uma montagem ou edição bem mais rápida, abriram caminho para novos tempos. A volta do gênero não se dá, certamente, somente porque hoje existe o cinema digital. Ele é mais um dos fatores a ser levados em conta, juntamente, também, com o interesse maior pela reportagem na própria literatura basta ver aí o interesse por obras históricas, pelas biografias e também por narrativas de ficção que se baseiam em fatos reais como panos de fundo, por vezes fazendo uma mistura entre realidade e ficção. Curiosamente, os filmes também estão sendo produzidos seguindo estas características, mesmo aqueles que se querem ficcionais. Esta retomada do documentário dá uma demonstração também da força da integração entre jornalismo e arte. Hoje, com a possibilidade de se fazer um cinema mais barato e mais rápido, mesmo que com isso se tenha que abdicar da película em favor, por exemplo, do suporte em DVD, a produção documental pode crescer. Exemplos são produções de iniciantes e veteranos que adotaram o padrão digital na captação de imagens, em sua montagem e até em sua exibição. No caso da fotografia, a digitalização de imagens estáticas está modificando o panorama do que era feito até há pouco tempo atrás. É neste ponto, talvez, que a questão do jornalismo frente ao padrão digital esteja mostrando algumas das mais profundas conseqüências deste processo. As facilidades e a rapidez do processo digital estão produzindo uma grande quantidade de imagens. Com isso, cresce o leque de opções para os profissionais do jornalismo, já que há possibilidades antes impossíveis para estes profissionais. Neste âmbito, começa agora uma nova relação destes com sua própria atividade. Os pontos principais são a utilização das imagens e a sua alteração. As discussões aí presentes passam por questões estéticas, mas também éticas, autorais e profissionais. Não se pode hoje pensar de uma maneira que só leva em conta algumas partes da questão, por isso há a necessidade de se levantar os aspectos estéticos sempre ao lado de um rigor ético, e isso tem levado a novas posturas profissionais, antes quase

que irrelevantes e hoje no centro das atenções. Desta forma, uma imagem, com toda a sua carga estética, não pode merecer apenas o tratamento dado em função de sua beleza. Há que se pensar nas questões éticas contidas aí. Por exemplo: uma foto que foi tratada ou mesmo manipulada pode ser considerada da mesma forma que uma outra, que não sofreu interferências além daquelas que existem no processo de sua revelação? Jorge Carlos Felz, em sua dissertação de mestrado, O fotojornalismo na Web, traz estas questões para serem discutidas: (...) a fotografia digital traz à tona, a velha questão de que toda imagem fotográfica é produzida através de manipulações consentidas. A objetiva escolhida, o filme empregado, o recorte produzido pelo enquadramento, e todas as demais variáveis técnicas e estéticas oferecem a oportunidade de manipulação, abrindo espaço para o questionamento da fidelidade da representação da realidade. A fotografia digital, com suas câmeras, scanners e computadores cada vez mais acessíveis ao usuário/leitor, deixa claro a todos que a imagem fotográfica é subjetiva, passível de manipulação, e no fotojornalismo isso se transforma num drama uma vez que sempre se buscou mostrar ao público um mínimo de envolvimento do autor nas imagens produzidas. 5 O autor também faz uma análise que leva em conta não só as imagens que são produzidas para serem utilizadas em publicações impressas, mas também naquelas que vão ser usadas na Internet: O fotojornalismo praticado na web, especialmente nos webjornais e portais de notícias, talvez seja o espaço onde essa crise conceitual mais se apresenta. No fotojornalismo impresso atual, as imagens são produzidas segundo dois esquemas diferenciados: no primeiro, as imagens são produzidas com equipamentos mecânicos, sofrem um processo foto-químico e são posteriormente convertidas numa matriz numérica, com o auxílio de sistemas digitalizadores (scanners), podendo ser transformadas radicalmente. No segundo esquema, as imagens são geradas já em formato eletrônico através de câmeras digitais. No caso do webjornalismo, a crise se agrava na medida em que a imagem captada digitalmente não será, em nenhum momento, transformada em imagem analógica, fixada em suporte físico, impressa. Será, da captura à visualização pelo usuário, apenas uma matriz numérica, uma imagem digital passível de ser transformada. 6 Esta transformação de uma matriz numérica deixa espaço para se perguntar até que ponto será possível reconhecer alguma manipulação na fotografia, já que o processo não dá margens à visualização de uma imagem nem produzida num negativo nem de uma já obtida diretamente como um positivo. A possibilidade de manipulação pode se 5 FELZ, 2005. p. 12. 6 Idem.

dar, então, sem que a própria imagem a ser visualizada se apresente a um receptor. Pode-se pensar que é possível modificar pixels sem que a imagem seja gerada ou atualizada e interferir diretamente em algo que não se apresentou, ainda, como imagem realmente. Felz aponta ainda uma série de questões sobre a imagem que coincidem com o que foi colocado aqui sobre a quantidade de imagens hoje em circulação e também sobre a questão da manipulação. O interessante é notar que os fotógrafos, de modo geral, dizem que o seu trabalho aumentou, apesar das facilidades trazidas pelo padrão digital, já que o tempo gasto com a parte de tratamento da imagem é muito grande. Por incrível que pareça, os fotógrafos são unânimes ao declarar que, hoje, gastam mais tempo trabalhando numa imagem, já que ela sai da câmera digital e, na maior parte das vezes, passa por uma maquiagem no Adobe Photoshop, ou em algum outro programa de tratamento de imagens. Hoje, para trabalhar com foto, um bom conhecimento de Photoshop é fundamental. Para ele, deve-se pensar a imagem digital como uma revolução do software. Mais do que nunca, devemos nos aproximar da informática e entender a câmera digital como hardware. Daqui para a frente o que vai definir a fotografia digital não será mais a quantidade de megapixels de uma câmera. 7 Nota-se aí, que a mudança pode ser a do equipamento, gerando mais imagens e a dificuldade de se lidar com ela por conta do armazenamento e da recuperação dos arquivos ou do modo de se trabalhar com a imagem pronta. Antes, uma imagem já em positivo era recortada ou recebia algum outro tratamento para a impressão, como, por exemplo, a inversão de posição, colocando o objeto para dentro da página e não na direção de fora da página, entre outros. Este processo não interferia muito na própria imagem. Quando isso acontecia, era possível dizer que tinha sido feita uma manipulação na imagem, ou seja, o processo tinha ido além do tratamento do foto. Hoje, com o padrão digital, o tratamento da imagem é quase que uma necessidade e o uso de programas com este fim é bastante comum. O problema é que, para se obter uma imagem de qualidade, muitas vezes o critério é o estético, o que deixa de lado a questão ética da publicação de uma foto. Ou seja, o responsável pelo tratamento da imagem pode não gostar de algum aspecto contido na foto e fazer alterações que podem não ser consideradas apenas como tratamento. 7 SASSAKI apud FELZ, 2005. p. 115. O repórter fotógrafo Humberto Nicoline, que trabalha no Jornal Panorama, em Juiz de Fora, deu declaração semelhante em palestra realizada no evento Foto em foco, realizado em 2004, na Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Jorge Felz lembra que existem regras para a edição de imagens no que se refere à manipulação. Elas foram criadas em conjunto por associações de fotógrafos do mundo inteiro e empresas de comunicação e são uma forma de ajudar editores e repórteres a formular políticas para a aplicação ética e objetiva da edição da imagem digital e seus procedimentos na fotografia jornalística. 8 Isso, no entanto, não faz com que casos de manipulação apareçam, seja no Brasil, seja no exterior. Muitas vezes, o que se diz é que o caráter estético foi o que influenciou a manipulação. É interessante voltar ao ponto inicial e perceber que o tratamento de imagens, que hoje é norma, virou um procedimento tão banal que não há como negar que a tentação de se alterar uma imagem é grande. Isso deixa a ética em segundo plano, em relação à estética. É quase que um esquecimento que torna a imagem mais manipulável, já que é muito comum o fato de se alterar uma imagem num programa de tratamento. O armazenamento precário e a dificuldade de se recuperar, por vezes, uma imagem podem beneficiar a manipulação. Se não há como recuperar a imagem como ela foi produzida inicialmente, não existe, muitas vezes, maneiras de se verificar possíveis alterações durante o processo de tratamento e de impressão ou de publicação em meio digital. Isso leva a discussão para além da manipulação em si, mas também traz importantes considerações sobre como se conservar uma imagem. Destes dois pontos, é claro, vão derivar outras, que vão além da imagem estática e chegam também às imagens em movimento. Não é o objetivo deste trabalho fazer a análise de todos estes aspectos, mas apenas ressaltar a importância de se colocar claramente estas questões para que o jornalismo não seja tratado meramente como algo voltado para um mercado, onde belas imagens vendem mais, nem que a questão da ética seja esquecida em função de facilidades obtidas com a chegada de tecnologias que agilizam alguns processos e permitem grandes alterações em outros. O que se pode ver é que a imagem, hoje, toma um espaço bastante grande, e por isso ressalta-se aqui sua importância, colocando-se ao lado do texto escrito como um fator de informação e de difusão cultural. Note-se que disso resulta um outro dado. Não se pode também abandonar a característica estética como o vilão da história e dizer que o fotojornalismo deve ser feito apenas visando características éticas. 8 http://www.digitalcustom.com/howto/mediaguidelines.asp.

Há muito a considerar aqui. Primeiramente, o impacto da imagem é cada vez maior na sociedade contemporânea. Por outro lado, com o desenvolvimento da tecnologia digital, a leitura não foi descartada, e o que se vê, em diversas áreas, é a necessidade cada vez maior de uma carga de leitura grande, aliada, muitas vezes, a uma crescente necessidade do conhecimento da imagem como um outro meio de informação. Em outras palavras, texto e imagem começam a ser entendidos não como contrários, mas como aliados numa nova maneira de se ver (ler) o mundo. Desta forma, não se pode deixar de voltar ao início desta discussão e reconhecer que a fronteira do jornalismo e da arte se ampliou, colocando em contato elementos antes considerados opostos. A imagem conquista terreno e o texto tem que se adaptar para que ele possa estar ao lado desta imagem, não apenas como a legenda da fotografia, mas como elemento que faça referência e, até mesmo, diferença neste contato. Esta transformação não pode deixar de lado os critérios estéticos, mas deve levar em conta também a ética, até mesmo em assuntos tratados como puramente artísticos, pois talvez seja um grande erro fazer a defesa da arte pela arte e não enxergar aí um grande espaço de reflexão da sociedade, caracterizado pelo pensamento artístico que esta produz. Juntando estes dados ao fato de que, hoje, o interesse por questões mais próximas do cotidiano, seja por meio da literatura, seja pelo interesse maior por um cinema documental, como já foi dito, talvez seja hora de se repensar o jornalismo, não só no que diz respeito à produção de imagens, sejam elas estáticas ou em movimento, mas também na sua relação com a sociedade contemporânea e com a tecnologia que existe disponível aos veículos de comunicação. Mais uma vez é hora de se perceber que o caminho de mão única adotado pela comunicação dita de massa parece ser um modelo que restringe possibilidades e não dá margem ao que se reconhece como uma comunicação efetiva, onde quem fala também deve escutar e quem ouve também pode intervir e expor seus pontos de vista. Deste modo, a arte pode ensinar ao jornalismo e a este tipo de comunicação que não faz a via de mão dupla, que existe um público a quem é dirigida efetivamente a sua produção. O artista espera um reconhecimento do público para a sua obra. Do mesmo modo, o jornalista deveria discutir se o seu leitor ou usuário no caso dos computadores está satisfeito com aquilo que vem recebendo. Enfim, é no receptor final que está a

verdadeira intenção do jornalismo e não dentro das redações em que estão repórteres e editores. A arte pode mostrar que existem também maneiras de se combinar coisas aparentemente opostas ou de difícil conciliação, formando espaços novos e ricos. Talvez aí esteja um meio de se verificar como editar material jornalístico para a Internet e para CD-ROM, combinando elementos de texto, com sons e imagens estáticas e em movimento de maneira que se chegue a um resultado onde todos estes elementos sejam compreensíveis e complementares, respeitando determinados espaços em que haja preferência por texto ou por som ou por imagem, dependendo da intenção que se queira dar ao que está ali enfocado. Pensa-se, assim, num novo movimento, que passa muito pela fotografia e pelo cinema, que tiveram a primazia na ligação entre palavra e imagem, e que ainda são referência para todos aqueles que pretendem seguir no caminho da criação de material que tenha base numa reunião de texto, som e imagem. A arte não seria o inimigo a ser combatido por aqueles que pretendem um jornalismo dinâmico e que desperte o interesse do receptor, seja ele de qual veículo for. Na verdade, a arte pode ser o que aponta caminhos, que lança luz sobre zonas escurecidas e que mostra muitas formas antes não reveladas. A arte não pode ser entendida, então, como algo puramente estético, mas também em suas outras dimensões, principalmente sociais, onde a ética tem que ser levada em conta. Aí estaria o possível caminho para minimizar os efeitos de tantos veículos que se dizem de comunicação e de entretenimento que só produzem material de qualidade duvidosa, onde os valores não são os que ressaltam características importantes e relevantes, mas aqueles que aceitam a falta de compromisso com o próprio público e que tentam nivelar a todos os seus receptores por meio de uma média que cada vez mais é puxada para baixo. Veículos que levam a seu público material que deve ser rapidamente consumido e rapidamente descartado, seguindo uma lógica de mercado, onde um produto deve ser logo substituído por outro, mais novo e mais espetacular, mas de conteúdo, muitas vezes, totalmente vazio, oco. A possibilidade de meios de comunicação que invistam em qualidade, em questões estéticas, não quer dizer que eles não tenham compromisso com a ética. Guattari, por exemplo, defende, em As três ecologias, uma união ético-estética para

promover uma nova maneira de se ver o mundo e de se organizar a sociedade. 9 Ele se utiliza também das palavras de Walter Benjamin para defender uma ação que leve em conta mais a sociedade e suas tradições e valores e menos a lógica capitalista de mercado e seus ataques à experiência do homem e seu reducionismo. (...) nada melhor do que citar Walter Benjamin condenando o reducionismo correlativo do primado da informação: Quando a informação se substitui à antiga relação, quando ela própria cede lugar à sensação, esse duplo processo reflete uma crescente degradação da experiência. Todas essas formas, cada uma a sua maneira, se destacam do relato, que é uma das mais antigas formas de comunicação. À diferença da informação, o relato não se preocupa em transmitir o puro em si do acontecimento, ele o incorpora na própria vida daquele que conta, para comunicá-lo como sua própria experiência àquele que escuta. Dessa maneira o narrador nele deixa seu traço, como a mão do artesão no vaso de argila. 10 Talvez seja mesmo o momento do profissional da comunicação começar a pensar melhor no valor da verdadeira experiência e naquilo que ele pode efetivamente passar para o seu receptor. Se hoje temos mais livros-reportagem e maior interesse por assuntos ligados a acontecimentos reais é porque a realidade não está fora de moda e, contá-la não é uma tarefa fácil, mas sim um trabalho minucioso daqueles que sabem que a matéria jornalística pode durar apenas um dia, mas que o que realmente importa dura toda uma vida. Uma matéria bem feita, com compromissos éticos e também com características estéticas pode permanecer, ir além do tempo de consumo, pois para este tipo de jornalismo, o prazo de validade é indeterminado, já que não se trata apenas de ver o seu trabalho como mais um produto a ser comercializado. 9 GUATTARI, 1991. p. 48-56, principalmente. 10 Ibidem. p. 53-54.

Bibliografia: BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Tradução: Carlos Nelson Coutinho In: ADORNO et al. Teoria da cultura de massa. Introdução, comentários e seleção de Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 205-240. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas - volume 1. Tradução e organização de Sergio Paulo Rouanet, prefácio de Jeanne-Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1985. FELZ, Carlos Jorge. O fotojornalismo na Web. Dissertação de mestrado. São Paulo: UMESP, 2005. FERRARI, Maria Helena & SODRÉ, Muniz. Técnicas de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986. GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas, SP: Papirus, 1991. LIMA, Alceu Amoroso. O jornalismo como gênero literário. Rio de Janeiro: Agir, 1960. VIRILIO, Paul & LOTRINGER, Sylvere. Guerra pura: a militarização do cotidiano. Tradução: Elza Mine e Laymert Garcia dos Santos. São Paulo: Brasiliense, 1984.